Decisão Arbitral
I. Relatório[1]
1. A…, contribuinte n.º …, e B…, contribuinte n.º …, casados, residentes no … (a seguir Requerentes) apresentaram em 27.11.2013, em conformidade com o disposto no art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral em relação à liquidação de IRS n.º … relativa ao ano de 2012 de que resultou imposto a pagar no montante de €56.586,30, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT).
a) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo.
3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 05.02.2014.
b) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), os Requerentes peticionaram a anulação parcial da liquidação de IRS de 2012, com o n.º …, na parte respeitante à mais-valia relativa à transmissão da participação social da sociedade …, com o NIPC …, alegando que a “Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou a aplicação do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.° do Código do IRS, aplicável às participações sociais de micro e pequenas empresas” (art. 10.º da PI).
Requereram ainda a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no valor de €23.187,50 e ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa de 4% até à sua integral restituição.
5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar o vício de violação de lei apontado pelos Requerentes ao ato impugnado.
6. Por despacho de 11.3.2014, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, por não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1, dado que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, não existem exceções a apreciar e não foram requeridas quaisquer diligências de prova autónomas pelas partes, constando dos autos os documentos relevantes.
Mais decidiu, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como data para decisão arbitral o dia 21 de abril de 2014.
7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º, e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
8. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
9. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a seguinte: constitui a certificação emitida pelo IAPMEI, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, atestando o estatuto de micro e pequena empresa, requisito necessário para a aplicação da exclusão de tributação em 50% do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias apurado em relação à alienação de participações sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores objecto do art. 43.°, n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS?
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
10. Examinada a prova documental produzida e o processo administrativo tributário junto, não paginado (a seguir PA), o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. Os Requerentes cederam, em 26 de setembro de 2012, uma quota adquirida em 2008 com o valor nominal de €75.000,00 da sociedade com a firma …, NIPC …, pelo preço de €250.000,00 (conforme escritura de cessão de quota junta como doc. n.º 2 à PI).
II. A sociedade ... tem como objecto social e exerce as atividades de prestação de serviços de consultoria, arquitetura, nacional e internacional, nomeadamente no âmbito da elaboração de projetos de arquitetura e restauro, bem como reformulação de edifícios, planeamento urbanístico e arquitetura de interiores; compra e venda de bens imobiliários; promoção, coordenação e desenvolvimento imobiliário, gestão e exploração de atividades de lazer e turismo, nomeadamente relacionadas com o mar e navegação e prestação de serviços nas referidas áreas (alegação não impugnada constante do n.º 34 da PI).
III. Nos termos das respectivas demonstrações financeiras relativas a 2011, conforme elementos constantes da IES - Informação Empresarial Simplificada junta como doc. n.º 6 à PI, a sociedade ... apresentou no ano de 2011 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de 0,00 (p. 4 da IES), o total de balanço foi de €970.934,67 (p. 5 da IES), e tinha dois trabalhadores ao seu serviço (p. 39 da IES).
IV. Nos termos das respectivas demonstrações financeiras relativas a 2012, conforme elementos constantes da IES - Informação Empresarial Simplificada junta como doc. n.º 8 à PI, a sociedade ... apresentou no ano de 2012 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de 287.000,00 (p. 4 da IES), o total de balanço foi de €978.571,55 (p. 5 da IES), e tinha dois trabalhadores ao seu serviço (p. 39 da IES).
V. A sociedade ... não requereu no ano de 2012 a certificação eletrónica prevista no Decreto-Lei n.º 327/2007, de 6 de novembro, possuindo essa certificação apenas para o ano de 2013 (conforme relatório de certificação junto ao PA).
VI. Os Requerentes declararam no campo 803 (quadro 08 – Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários) do Anexo G da declaração de IRS modelo 3 respeitante ao ano de 2012 relativamente à alienação referida no n.º I como valor de realização €250.000,00 e como valor de aquisição €75.000,00, tendo indicado no quadro 8A do mesmo Anexo tratar-se da alienação onerosa de partes sociais de micro e pequenas empresas (conforme doc. n.º 3 à PI que se dá por reproduzido).
VII. Na liquidação de IRS n.º ...referente ao ano de 2012, de que resultou imposto a pagar no montante de €56.586,30, foi considerado, no campo 16 – Imposto relativo a tributações autónomas – o montante de € 46.375,00 (conforme doc. n.º 1 junto à PI que se junta e se dá por reproduzido).
VIII. Os Requerentes foram informados pelo Serviço de Finanças da área da sua residência que não era aplicável à alienação referida supra no n.º I o disposto no n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS porque não foi solicitado o certificado de PME, junto do IAPMEI, em 2012 (alegação constante do art. 11.º da PI não impugnada).
IX. Os Requerentes procederam ao pagamento do IRS liquidado no montante de €56.586,30 em 14.9.2013 (conforme doc. n.º 9 junto à PI e documento constante do PA).
11. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos juntos aos autos e constantes do PA e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
a) Quadro jurídico
12. Dado que a questão jurídica a decidir nestes autos se cifra, essencialmente, numa pura questão de interpretação dos textos legais pertinentes, importa dar conta dos enunciados normativos que compõem o quadro jurídico relevante, o qual é constituído pelo disposto no Código do IRS e no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, na redação ratione temporis aplicável (relativa a 2012).
13. Em sede de CIRS, relevam aqui, antes de mais, a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, segundo a qual: “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”, a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º segundo a qual: “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 81.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia”, e a al. d) do n.º 4 deste mesmo art. 10.º, segundo a qual: “O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1”.
Determina, depois, o art. 43.º do CIRS (na redação dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26/07), no que para aqui importa, o seguinte:
“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
(...)
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro. (...)”.
Por fim, à data dos factos, o n.º 4 do art. 72.º, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com efeitos a 1.1.2012, estabelecia que: “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 26,5%”.
14. No que concerne ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, com as alterações resultantes do Decreto-Lei n.º 143/2009 de 16 de junho, assinale-se que o art. 1.º deste diploma, quanto ao respectivo objecto, refere que: “É criada a certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas, adiante designadas por PME” (n.º 1), a qual “permite aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade” (n.º 2) e que o art. 2.º, relativo à “definição de PME”, estabelece que: “Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio”.
Deste anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, importa destacar os seguintes dispositivos:
- nos termos do art. 1.º: “Entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma atividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma atividade artesanal ou outras atividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma atividade económica”;
- nos termos do art. 2.º:
“1 — A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
2 — Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
3 — Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros”;
- nos termos do art. 4.º, n.º 1:
“Os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indiretos”.
15. É neste quadro jurídico que importa decidir a questão sobre a exigência de certificação como PME para efeitos da aplicação da disposição do n.º 3 do art. 43.º do CIRS.
b) Argumentos das partes
16. A este respeito, os Requerentes na sua PI alegam, em síntese, o seguinte:
- o n.º 4 do art. 43.º do CIRS remete expressamente para o Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 (art. 21.º da PI);
- o Decreto-Lei n.º 372/2007 criou um regime de certificação electrónica das micro, pequenas e médias empresas, para efeitos de apresentação e comprovação do seu estatuto de PME junto de entidades públicas que o requeiram, pelo que sendo o requerente desta certificação a empresa e não os seus sócios, não é possível aplicar estas regras ao caso concreto por manifesta impossibilidade prática de o sócio ou acionista requerer autonomamente este certificado (arts. 22.º e 23.º da PI);
- quer a letra da lei quer o seu sentido indicam claramente que o n.º 4 do artigo 43.º remete apenas para os requisitos de micro, pequena e média empresa previstos no anexo aquele diploma legal (art. 24.º da PI);
- o legislador não exigiu, para beneficiar da exclusão parcial de tributação, que o requerente apresentasse a certificação emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007 mas apenas o preenchimento dos requisitos do anexo (art. 25.º da PI).
17. Pelo seu lado, na sua resposta, sustenta a AT o seguinte:
- os Requerentes sufragam uma interpretação da lei que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime jurídico aplicável como um todo, bem como uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIRS, fundando-se numa interpretação estritamente literal da lei (art. 18.º da resposta);
- dos preceitos aplicáveis resulta inequivocamente que, para efeitos de aplicação do regime contido no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, o legislador fiscal exige a verificação de dois requisitos cumulativos: um de natureza material e outro de natureza formal, sendo que o requisito material traduz-se em as mais-valias obtidas decorrerem de alienações de participações em sociedades que constituam efetivamente pequenas empresas e o requisito formal traduz-se em as entidades em causa gozarem do referido estatuto certificado, através do IAPMEI, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, válido à data das alienações (arts. 23.º, 23.º e 24.º da resposta);
- o regime previsto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS é uma exclusão tributária, como tal, tratando-se de uma norma de exceção, dado que constitui uma norma de afastamento excepcional do regime regra que seria a tributação em 100% do saldo entre as mais e menos valias obtidas com alienação de participações sociais, torna-se necessário rodear a referida isenção de particulares cautelas, de forma a evitar situações abusivas, de aplicação a empresas que não comprovem essa qualidade ou a concessão de uma vantagem excessiva face aos objectivos visados, e daí que tal exclusão se encontre subordinada à verificação de um conjunto de condicionalismos, uns de natureza material e outro de natureza formal (art. 29.º da resposta);
- não pode ser outro o entendimento senão o de que “o legislador pretendeu condicionar a aplicação do regime a um requisito de ordem formal por razões de segurança e de certeza jurídica” (art. 31.º da resposta).
c) Apreciação do Tribunal
18. A proposição normativa essencial a ter em conta para decisão do caso é o n.º 4 do art. 43.º do CIRS que, como acima se citou (n.º 13), dispõe: “Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”.
Segundo o teor literal deste enunciado, a definição de micro e pequenas empresas relevante para os efeitos da determinação do n.º 3 do art. 43.º do CIRS quanto à consideração em 50% do saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias respeitante à alienação onerosa de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores resulta dos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.
Deste modo, por força deste enunciado, tudo se passa como se o legislador tivesse consignado no n.º 4 do art. 43.º do CIRS o seguinte:
“Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequena empresa a entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma atividade económica [art. 1.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007], e que, no caso da micro empresa, emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros [n.º 3 do art. 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007] e que, no caso da pequena empresa, emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros [n.º 2 do art. 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007], sendo os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual [n.º 1 do art. 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007]”[2].
É que o que está em causa no n.º 4 do art. 43.º do CIRS é evidentemente uma remissão, portanto, o clássico expediente técnico-legislativo usado pelo legislador para evitar, nos moldes que acima exemplificámos, a repetição de normas. Com efeito, como é sabido, são normas remissivas (ou indiretas) “aquelas em que o legislador, em vez de regular diretamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal (remissão intra-sistemática)”[3].
Mais especificamente, trata-se na proposição normativa em análise constante do n.º 4 do art. 43.º do CIRS de uma remissão para efeitos da definição da hipótese legal.
Ora, esta remissão, nos seus próprios termos e pela sua própria natureza, reporta-se apenas aos elementos definitórios constantes do anexo e não ao procedimento de certificação das micro, pequenas e médias empresas (PME) que é objecto do próprio Decreto-Lei n.º 372/2007 (cfr. o respectivo art. 1.º). Na verdade, o conteúdo principal do Decreto-Lei n.º 372/2007 não define diretamente que entidades constituem PME, mas cifra-se antes em regular o procedimento de certificação por via electrónica, seu âmbito, competência, objectivos e termos – por isso, o art. 2.º deste Decreto-Lei n.º 372/2007 – também mediante uma remissão interna – estabelece que: “Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante (...)”.
Bem se compreende, pois, que no n.º 4 do art. 43.º do CIRS, o legislador, que cuidava de definir, para efeitos da fixação da facti species a que se podia aplicar a exclusão de tributação em 50% objecto do n.º 3 do art. 43.º do mesmo CIRS, tenha remetido – e tenha remetido apenas – para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007: é que só neste anexo, como resulta do próprio art. 2.º do mesmo Decreto-Lei, são fornecidos os elementos definitórios relevantes das micro e pequenas empresas (a definição de PME e os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto).
Nestes termos, atenta a natureza do n.º 4 do art. 43.º do CIRS, seja pela sua letra, seja pela sua ratio, a remissão aí efectuada é unicamente para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e não para este diploma na sua globalidade.
Como tal, conclui-se imediatamente que não constitui requisito necessário para a aplicação do n.º 3 do art. 43.º do CIRS a obtenção pela micro ou pequena empresa que esteja em causa de certificação electrónica de PME.
19. Nem se diga contra isto, como faz a Requerida (art. 30.º da sua resposta), que “[o] anexo consagra a definição de micro, pequena e média empresa, e só pode ser entendido e interpretado no âmbito do Decreto-Lei do qual faz parte integrante e tal como sabiamente exprime o Prof. J. Baptista Machado, “Os enunciados legais que se limitam a estabelecer definições e classificações não são evidente[mente] normas autónomas ou completas: contêm apenas partes de normas que hão-de integrar outras disposições legais, resultando dessa combinação uma norma completa” ”.
É que, se é inquestionavelmente sábia a observação de BAPTISTA MACHADO[4], que se dirige, aliás, a salientar o carácter prescritivo das definições legais, o que resulta da citação efectuada para o caso em apreciação é que as definições legais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 integram aqui, como “partes de normas”, a proposição normativa resultante dos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS sobre a consideração apenas em 50% dos ganhos obtidos na alienação onerosa de participações sociais relativas a micro e pequenas empresas não cotadas na bolsa de valores, e não o Decreto-Lei n.º 372/2007.
Com efeito, aquela referência ao carácter não autónomo ou não completo das definições legais respeita no caso sub judice à exclusão parcial de tributação estatuída no n.º 3 do art. 43.º do CIRS, dada a remissão do n.º 4 do mesmo artigo, não ao procedimento de certificação instituído pelo Decreto-Lei n.º 372/2007.
20. Acresce que, enquanto a regulação tributária objecto dos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS vai dirigida aos sócios das micro e pequenas empresas, que realizam os rendimentos de mais-valias com a alienação onerosa das participações sociais respectivas, o Decreto-Lei n.º 372/2007, relativo à certificação eletrónica, vai dirigido às próprias empresas, como logo resulta do n.º 2 do art. 1.º deste diploma que se refere à certificação referida permitir “aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade”, bem como do n.º 1 do art. 3.º que refere que: “A certificação de PME, nos termos do presente decreto-lei, é aplicável às empresas (...) que necessitem de apresentar e comprovar o estatuto de PME no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regularmente exigido”.
Estes distintos âmbitos de aplicação confirmam, pois, inteiramente, que a remissão do n.º 4 do art. 43.º do CIRS é exclusivamente para o anexo e não para o próprio Decreto-Lei de que aquele anexo faz parte integrante, pelo que não é exigível a existência de certificação electrónica de PME para os efeitos do n.º 3 do art. 43.º do CIRS.
Subscreve-se, por isto, inteiramente as considerações perfilhadas sobre esta mesma questão no acórdão arbitral proferido no processo n.º 40/2013-T deste CAAD, segundo o qual:
“O que o legislador fiscal quis no n.º 4 do artigo 43.º do CIRS foi apenas importar, para efeito da aplicação do n.º 3, os conceitos de micro e de pequena empresa e não importar um meio de prova da condição de PME. O desiderato do legislador é o de que a remissão seja feita especificamente para o Anexo, por ser no anexo que se contêm as definições de micro empresa e de pequena empresa.
(...) a lei não exige qualquer requisito formal consistente na apresentação da certificação eletrónica. Desde logo, seria estranho (...) que fosse exigido a determinado sujeito passivo um documento que não está na sua disponibilidade obter, nada relevando para o efeito, como é evidente, a pessoa em questão ter sido ou não sócio-gerente de empresa em causa”.
21. O elemento sistemático da interpretação confirma, aliás, este entendimento, porquanto o legislador, caso fosse essa a sua opção, não deixaria de ter colocado a estatuição em causa na dependência da certificação como PME das micro e pequenas empresas, como fez por exemplo no art. 12.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio (relativo às medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais) em que estabeleceu o seguinte: “Até 31 de dezembro de 2015 o disposto no presente diploma não é aplicável às entidades públicas que façam parte do Serviço Nacional de Saúde, salvo quando o credor seja uma micro ou pequena empresa cujo estatuto esteja certificado pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho”.
Deste modo, em face deste lugar paralelo, mais se impõe considerar que, para efeitos do n.º 3 do art. 43.º do CIRS, e para beneficiar da exclusão tributária aí prevista para o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas com a alienação de participações sociais em micro e pequenas empresas, não é indispensável a certificação emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007.
22. Atento o exposto – e para resolver diretamente a questão acima formulada no n.º 9 –, conclui-se que a interpretação juridicamente fundada dos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS é que a aplicação da exclusão de tributação em 50% do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias apurado em relação à alienação de participações sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores não depende da certificação emitida pelo IAPMEI, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, que ateste o respectivo estatuto de micro e pequena empresa.
d) Aplicação ao caso sub judice
23. Cabe, agora, proceder à aplicação ao caso sub judice da normatividade constante dos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 43.º do CIRS com o sentido resultante da interpretação acima adoptada.
Pois bem, a este propósito, importa reconhecer, em face dos factos dados como provados nos n.ºs II, III e IV do probatório, que a sociedade ..., relativamente à qual se verificou a alienação da participação social determinativa da mais-valia referida no n.º I do mesmo probatório, constitui uma micro empresa em atenção aos conceitos e critérios estabelecidos nos arts. 1.º, 2.º, n.º 3 e 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 (vd. supra n.º 14).
24. Em consequência, a mais-valia no valor de €175.000,00 (valor de realização de €250.000,00 – valor de aquisição de €75.000,00), obtida pelos Requerentes com a alienação da participação identificada na mencionada sociedade (cfr. facto provado sub n.º I) devia ter sido, nos termos do n.º 3 do art. 43.º do CIRS, considerada apenas em 50%, isto é, €87.500,00, valor este subordinado à taxa de tributação autónoma de 26,5% prevista no n.º 4 do art. 72.º do CIRS, sendo o imposto devido neste âmbito de €23.187,50 (€87.500,00x26,5%).
Tendo em conta que se verifica que, na liquidação de IRS impugnada, conforme facto n.º VII do probatório, foi considerada a totalidade da mais-valia realizada, com imposto relativo a tributações autónomas no montante de €46.375,00, segue-se que a referida liquidação padece de erro sobre os pressupostos de direito, por violação do art. 43.º, n.ºs 3 e 4 do CIRS, o que implica a sua anulação nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, o que se decide.
e) Dos juros indemnizatórios
25. Peticionam, ainda, os Requerentes a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante de €23.187,50, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa de 4% calculados desde a data do pagamento até integral restituição do montante pago em excesso.
Prescreve a alínea b) do art. 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo art. 24.º do RGAT.
Ora, determina o art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estabelecendo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT, que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
26. Tendo em conta que, no caso em apreciação, se verifica a ilegalidade do ato de liquidação, por erro nos pressupostos de Direito, o qual é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, na liquidação impugnada, procedeu à incorreta interpretação e aplicação ao caso da normatividade substantiva resultante dos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS, têm os Requerentes direito, em conformidade com os arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto pago em excesso no montante de €23.187,50, e aos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, calculados sobre a indicada quantia de €23.187,50 desde 14.9.2013 (cfr. facto provado sub n.º IX), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até integral reembolso do montante referido.
V. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo) a liquidação de IRS de 2012, com o n.º ..., na parte, de que resultou imposto a mais no montante de €23.187,50, respeitante à tributação integral da mais-valia relativa à transmissão da participação social da sociedade ..., a qual apenas pode ser considerada em 50% do seu valor, nos termos do disposto no art. 43.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS;
b) Condenar a Requerida, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LG, calculados sobre a quantia paga em excesso de €23.187,50 desde 14.9.2013 até integral reembolso do montante referido; e
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 23.187,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de abril de 2014.
O Árbitro
(João Menezes Leitão)
[1] Adopta-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efectuadas.
[2] E mais elementos se poderiam aditar em atenção a outras determinações constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.
[3] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, p. 105.
[4] Ob. cit., pp. 110-111.