Os árbitros José Baeta de Queiroz (árbitro presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e André Sousa Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 30 de novembro de 2016, a sociedade comercial A…, SGPS, S. A., NIPC…, com sede na Rua…, n.º…, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando:
- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016 …, referente ao exercício de 2013, do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 … (todas com a compensação n.º 2016…), dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 436.302,81; e
- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, que correu termos pela Unidade dos Grandes Contribuintes, apresentada contra os referidos atos.
A Requerente juntou 12 (doze) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:
Começa por invocar a insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação impugnados, uma vez que nos mesmos não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão – ou seja, a demonstração dos pressupostos, de facto e de direito, de que depende a liquidação –, sendo somente indicado um conjunto de valores, impercetíveis para um destinatário normal e para a própria Requerente.
Assim, visto que dos atos de liquidação controvertidos não se extrai qual o iter cognoscitivo que lhes está subjacente, em virtude da sua insuficiente fundamentação, estão os mesmos inquinados por vício de forma, pelo que devem ser anulados por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3, da CRP e no artigo 77.º da LGT.
Tal asserção não resulta prejudicada pela alegação de uma eventual fundamentação por remissão, pois não existe qualquer referência a uma eventual remissão para um concreto documento externo, contemporâneo ou anterior àqueles atos, a qual se afigura essencial de modo a que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio ato.
Num segundo momento, a Requerente invoca a preterição de uma formalidade legal essencial, concretamente do direito de audição prévia, previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o que implica, por si só, a anulação dos atos de liquidação contestados.
Postas estas questões de ordem formal, a Requerente entra na dissecação substancial da situação sub judice, começando por descrever o procedimento conducente à emissão dos atos tributários controvertidos (entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2013, relativa ao grupo de que é a sociedade dominante; emissão da correspondente liquidação de IRC; procedimento interno de inspeção tributária encetado pela AT e sua decisão final no sentido da correção à matéria tributável de IRC do grupo fiscal, no montante total de € 1.731.429,43, em virtude de alteração do prejuízo fiscal da sociedade B…, SGPS, S. A., integrada no grupo; emissão dos atos de liquidação impugnados; dedução de reclamação graciosa contra esses mesmos atos e respetivo indeferimento por parte da AT) e sustentando que a estes está subjacente a não aceitação, como gasto fiscal, para efeitos de apuramento do lucro tributável, de encargos financeiros (alegadamente) suportados com a aquisição de partes de capital, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e, subsidiariamente, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC e, adicionalmente, o método de cálculo aplicável para apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis.
A Requerente rechaça a posição preconizada pela AT no sentido de que as prestações suplementares, por apresentarem características semelhantes às partes de capital social, se reconduzem ao conceito de partes de capital, contido no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, daí resultando que os encargos de financiamento incorridos para a realização de prestações suplementares, no caso das SGPS, não concorrem para o lucro tributável, como não concorrem os gastos de financiamento incorridos para a aquisição de partes de capital.
No entendimento da Requerente, partes de capital e prestações suplementares são realidades distintas, autónomas e com enquadramento jurídico-fiscal específico, pois, apesar de as prestações suplementares consistirem numa entrega de fundos por parte dos sócios à sociedade, que integra o património desta, não integram o seu capital social.
Mais afirma a Requerente que embora não conteste as eventuais semelhanças que as prestações suplementares possam ter com capital social, a AT não logra, com referência às mais diversas fontes de doutrina e jurisprudência existentes sobre a matéria, afastar, na prática, a verdadeira configuração híbrida associada às prestações suplementares, a qual não pode ser confundida, nem equiparada, com o capital social.
A Requerente refere ainda que tendo em consideração o elemento literal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e o espírito subjacente ao regime ali estatuído, verifica-se que esta norma não é aplicável aos encargos com financiamentos cujo destino seja a concessão de prestações suplementares às participadas de uma SGPS, porquanto, resulta claro que as prestações suplementares não estão abrangidas pelo disposto naquela norma, uma vez que não sendo tais prestações, em circunstâncias normais, suscetíveis de gerar mais-valias que beneficiem do regime de isenção ali consagrado, por uma questão de equidade, os encargos financeiros associados ao financiamento obtido para a sua concessão deverão ser fiscalmente dedutíveis.
Noutra ordem de considerações, a Requerente sustenta que da conjugação do disposto no artigo 23.º, n.º 1 com a alínea c) do artigo 20.º, ambos do Código do IRC, resulta, sem dúvida, e em particular no caso das SGPS, que os gastos incorridos para financiamento das participadas, por via de prestações suplementares, se apresentam como indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos – dividendos – sujeitos a imposto.
No concernente à periodicidade mensal do apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis, a Requerente diz que é a própria AT que permite alguns graus de liberdade relativamente à metodologia a adotar pelos contribuintes no apuramento deste tipo de encargos financeiros e, dentro desses graus de liberdade, está precisamente incluída a periodicidade do apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis.
A Requerente termina o pedido de pronúncia arbitral sustentando a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, bem como o direito a indemnização por prestação indevida de garantia.
1.2. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:
«Termos em que se requer a V. Exa. a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, devendo o mesmo ser julgado procedente, por provado e fundado, anulando-se o acto de liquidação de IRC n.º 2016 … (IRC 2013 – Encargos Financeiros), o acto de liquidação dos juros compensatórios n.º 2016…, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 436.302, 81 e de acerto de contas n.º 2016… (todos com a compensação n.º 2016…) e o despacho de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa, que correu termos sob o n.º …2016… na Unidade dos Grandes Contribuintes, com as demais consequências legais, designadamente a indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida.»
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 13 de dezembro de 2016.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
3.1. Em 25 de janeiro de 2017, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
3.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 9 de fevereiro de 2017.
4. No dia 10 de março de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.
4.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
A Requerida começa por alegar que a invocação, pela Requerente, dos vícios de fundamentação e de violação do direito de participação, consubstancia uma ampliação da causa de pedir na medida em que a Requerente não assacou em sede de reclamação graciosa qualquer vício procedimental ao ato de liquidação e ao fazê-lo no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, tal consubstancia uma ampliação da causa de pedir, motivo pelo qual deverão os mesmos ser considerados não escritos.
A Requerida, seguidamente, quanto à alegada insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação, começa por dizer que a Requerente quer por via do pedido de pronúncia arbitral, quer em sede de reclamação graciosa, demonstra claramente ter pleno conhecimento do quadro fático e legal em que assentou a decisão da AT, uma vez que rebate, ponto por ponto, toda a sua atuação.
Além disso, afirma a Requerida que é através do procedimento inspetivo que se procede à confirmação, correção e apuramento da matéria coletável, que será objeto da liquidação. Por isso, separar os dois momentos e isolá-los destacando, por um lado, o procedimento do apuramento da matéria coletável e, por outro, o procedimento de liquidação, é um vício de análise que ignora a conexão existente entre ambos, sabendo-se que o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos.
No concernente à invocada preterição de formalidade essencial, a Requerida diz que a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea e), da LGT, não o tendo exercido; logo, a Requerida ficou dispensada de conceder novo direito, nos termos do artigo 60.º, n.º 3, da LGT.
Posteriormente, a Requerida contesta os argumentos materiais apontados pela Requerente, como justificativos da sua discordância quanto à atuação da AT e dissonância face aos atos tributários controvertidos.
Nesse conspecto, a Requerida sustenta a similitude entre as prestações suplementares e as partes de capital, qualificando mesmo esse tipo de prestações como partes de capital para efeitos de aplicação do disposto no artigo 23.º, n.ºs 3 a 5, do Código do IRC, o qual é utilizado com o mesmo sentido no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ficando assim precludidas de concorrer para a formação do lucro tributável as mais e menos-valias geradas com a sua alienação, assim como os encargos financeiros incorridos com a sua obtenção, bem como quaisquer outros gastos conexos com a sua transmissão que cumpram os pressupostos constantes dos n.ºs 3 a 5 do artigo 23.º do Código do IRC.
No sentido de fundamentar este seu entendimento, a Requerida alega que as prestações suplementares, exemplo paradigmático de financiamento por capitais próprios, consistem em entregas efetuadas pelos sócios, para reforço daqueles, em determinado momento da vida de uma empresa, assumindo a forma de capital adicional; nessa medida, ainda que as prestações suplementares apresentem distinções face ao capital social, não deixam de ter com este, para o que aqui releva, uma natureza similar. É certo que não integram o capital social, mas constituem elementos do capital próprio da entidade beneficiária e devem ser qualificados como partes de capital para efeitos fiscais.
Desta forma, a Requerida preconiza que, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os encargos suportados com a obtenção dos meios necessários à realização de prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares devem ser desconsiderados como custos do exercício, ou seja, os encargos financeiros suportados com o seu financiamento não concorrem para o apuramento do lucro tributável.
Relativamente à questão da indispensabilidade dos gastos de financiamento para a manutenção da fonte produtora, a Requerida sustenta que os encargos financeiros suportados com o financiamento das prestações suplementares em causa nos autos não são dedutíveis fiscalmente, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, uma vez que constituem custos incorridos na obtenção de fundos destinados ao financiamento, a título gratuito, de entidades participadas. Nessa medida, tais encargos não contribuem para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente, não estando diretamente relacionados com a atividade da Requerente, mas sim com a atividade e interesse das empresas participadas a quem foi concedido financiamento gratuito.
No tocante ao apuramento mensal dos encargos financeiros não dedutíveis, a Requerida afirma que a Requerente não indica de que forma é que o critério seguido pela AT conflitua com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, nem refere de que forma é que esse mesmo critério colide ou colidiu com os cálculos por si efetuados e também não identifica qualquer erro ou razão que infirme os valores apurados por via desse critério.
Noutra parametria, a Requerida alega que a interpretação promovida pela Requerente da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, apresenta-se como frontalmente violadora dos princípios da igualdade, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.
A Requerida pronuncia-se, ainda, no sentido da legalidade da liquidação de juros compensatórios, a qual resulta da violação de normas estabelecidas no Código do IRC, sustentando que inexistem quaisquer vícios que afetem esse ato tributário e determinem a sua anulação, resultando da factualidade dos autos que existiu um retardamento, causado pela Requerente, da liquidação de imposto.
Por fim, a Requerida contesta o invocado direito a indemnização por prestação indevida de garantia, dizendo que este pedido deve improceder por força da improcedência do pedido principal e, ademais, a Requerente não indica ou, muito menos, prova se prestou efetivamente garantia, quando é que a prestou, qual o seu valor e qual o montante de encargos suportados ou a suportar.
A Requerida remata assim o seu articulado:
«Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve:
- ser julgado procedente a ampliação da causa de pedir na medida em que a Requerente suscita vícios procedimentais que não foram arguidos em sede de reclamação graciosa não tendo a Requerida se pronunciado sobre essa matéria:
- deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado.»
4.2. Posteriormente, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
5. Notificada para o efeito, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria alegada pela Requerida, atinente à invocada ampliação da causa de pedir, dizendo, além do mais, o seguinte:
O conceito de causa de pedir é um conceito processual, tendo aplicação ao processo de impugnação judicial, bem como ao processo arbitral tributário, não sendo, desta forma, aplicável ao processo administrativo de reclamação graciosa.
Nessa medida, não existe qualquer princípio de estabilidade da instância que deva ser respeitado entre a reclamação graciosa e o subsequente processo judicial/processo arbitral, uma vez que este princípio não tem consagração no procedimento tributário.
A Requerente sustenta, ainda, que mesmo quando opte por submeter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação à AT, por via da apresentação de reclamação graciosa, tal não preclude que, após o decurso da fase administrativa, se socorra do meio judicial para pôr em crise o ato de liquidação, podendo invocar qualquer ilegalidade de que o ato padeça, ainda que esta não tenha sido invocada em sede administrativa. Porquanto, o processo de impugnação, quer corra os seus termos pelo Tribunal Tributário, quer pelo Tribunal Arbitral, tem como objeto mediato o ato de liquidação, pelo que é também sobre a legalidade deste ato de liquidação que recai a pronúncia arbitral e não apenas sobre os factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
6. A Requerente prescindiu da inquirição das testemunhas por si arroladas, tendo então o Tribunal dispensado a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e fixado o dia 9 de junho de 2017 como data limite para a prolação do acórdão arbitral.
7. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
§. DA INVOCADA AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
A Requerida alega que a invocação, pela Requerente, dos vícios de fundamentação e de violação do direito de participação, consubstancia uma ampliação da causa de pedir na medida em que a Requerente não assacou em sede de reclamação graciosa qualquer vício procedimental ao ato de liquidação e ao fazê-lo no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, tal consubstancia uma ampliação da causa de pedir, motivo pelo qual deverão os mesmos ser considerados não escritos.
A Requerida, desde logo, faz tábua rasa da distinção que, necessariamente, importa fazer entre procedimento tributário – no âmbito do qual se insere a reclamação graciosa (cf. artigo 54.º, n.º 1, alínea f), da LGT e artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do CPPT) – e processo tributário – no qual se insere este processo arbitral tributário –, consubstanciando o primeiro “o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes administrativo-tributários (na sua globalidade denominados como “Administração tributária”, “Administração fiscal”, “fazenda pública”, “fisco”, etc.)”[1], enquanto que “o processo tributário será o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes jurisdicionais tributários (Tribunais tributários).”[2]
Por outro lado, como bem salienta a Requerente, o conceito de causa de pedir é de natureza adjetiva e, como tal, tem aplicação ao processo de impugnação judicial e, ainda, ao processo arbitral tributário, não sendo extensível ao processo de reclamação graciosa.
Noutra ordem de considerações, importa ter presente que, em processos como o que nos ocupa, o Tribunal não só pode anular, total ou parcialmente, a decisão da Administração Tributária, como a pode também condenar a devolver quantias incorretamente cobradas e a pagar juros indemnizatórios.
Para tal, pode servir de fundamento à impugnação qualquer ilegalidade (cf. artigo 99.º do CPPT), que o Tribunal está habilitado a conhecer quer ela haja sido ou não anteriormente invocada em sede administrativa, nomeadamente no âmbito de um procedimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico.
Neste mesmo sentido, decidiu-se nos acórdãos do CAAD proferidos no processo arbitral n.º 284/2014-T que “compete ao Tribunal apreciar qualquer ilegalidade cometida na liquidação ainda que não suscitada na reclamação” e no processo arbitral n.º 256/2015-T que “a jurisdição arbitral, nos casos em que a lei lhe confere competência, tem verdadeira natureza jurisdicional, podendo conhecer de todas as situações que caibam na esfera de cognoscibilidade dos tribunais, não estando a impugnação limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico”.
Nestes termos, importa, pois, concluir que não se verifica a alegada ampliação da causa de pedir, sendo permitido ao Tribunal conhecer de todos os vícios invocados pela Requerente, relativamente aos atos tributários controvertidos, designadamente, caso tal se revele necessário, dos vícios de insuficiente fundamentação e de preterição do direito de audição prévia.
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Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, atuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS).
b) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil.
c) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, denominado C…, o qual é tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante, designado RETGS).
d) No ano de 2013, o aludido grupo dominado pela Requerente era composto, entre outras, pela sociedade B… SGPS, S. A. (doravante, designada B…), titular do número de identificação fiscal … .
e) No dia 27 de maio de 2014, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22), no âmbito do IRC, referente ao período de tributação de 2013, relativa ao grupo de sociedades, do qual é a sociedade dominante, tendo efetuado o pagamento do imposto autoliquidado, no montante de € 1.303.293,50, em 30 de maio de 2014. [cf. documentos n.ºs 3 e 4 anexos à P.I.]
f) Na sequência da entrega da referida declaração de rendimentos, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2014…, de 21 de julho de 2014, referente ao período de tributação de 2013. [cf. documento n.º 5 anexo à P.I.]
g) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 24 de março de 2015, realizou-se um procedimento de inspeção interna parcial aos elementos contabilístico-fiscais, referentes ao período de 2013, da sociedade B… . [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos à P.I.]
h) Na sequência dessa ação inspetiva, foi efetuada uma correção à matéria tributável no montante total de € 1.731.429,73, consubstanciada na não aceitação de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, entendendo a AT que, de acordo com o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os mesmos encargos não concorrem para o apuramento do lucro tributável e, de qualquer forma, não são aceites como gastos, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, na medida em que os mesmos não se encontram conexos com a atividade própria da empresa nem associados a ativos remunerados. [cf. documento n.º 6 anexo à P.I.]
i) A sociedade B… acolheu parte da correção proposta pela AT, no montante de € 108.812,79, resultante de lapsos em que incorreu, aquando do apuramento dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, tendo procedido à sua regularização voluntária, através da entrega, em 13 de julho de 2015, da respetiva declaração Modelo 22 e pagamento do montante de imposto daí resultante, no valor de € 27.203,20. [cf. documentos n.ºs 6 e 8 anexos à P.I.]
j) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 9 de novembro de 2015, a Requerente, enquanto sociedade dominante do C…, foi sujeita a um procedimento inspetivo interno, relativamente ao exercício de 2013, tendo em vista refletir no resultado tributável do Grupo o somatório das regularizações voluntárias e das correções efetuadas aos resultados fiscais individuais apurados nas declarações de rendimentos de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo, designadamente da sociedade B…, perfazendo uma correção aritmética ao lucro tributável da Requerente no valor total de € 1.731.429,43. [cf. documento n.º 7 anexo à P.I.]
k) Na sequência dessa ação inspetiva à Requerente, foi elaborado o respetivo Relatório da Inspeção Tributária – cuja cópia constitui o documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi notificado à Requerente, através do ofício n.º…, de 28 de março de 2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido por carta registada com aviso de receção.
l) Posteriormente, em virtude da referenciada correção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2013, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 … (todas com a compensação n.º 2016…), das quais resultou imposto a pagar no montante de € 436.302,81, com data limite de pagamento voluntário a 30/05/2016. [cf. documento n.º 2 anexo à P.I.]
m) A Requerente não efetuou o pagamento do referido montante de imposto de € 436.302,81.
n) Em consequência dessa falta de pagamento, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2016…, no valor de € 439.744,78. [cf. documento n.º 11 anexo à P. I.]
o) A Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão daquele processo de execução fiscal, prestou uma garantia bancária, emitida pelo D…, S. A. e à qual foi atribuída a designação…, no montante de € 553.720,13. [cf. documentos n.ºs 11 e 12 anexos à P. I.]
p) Em 21 de julho de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa – cuja cópia do requerimento inicial constitui o documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, peticionando a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2013, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 … (todas com a compensação n.º 2016 …). [cf. PA junto aos autos]
q) A referida reclamação graciosa foi autuada, sob o n.º …2016…, no Serviço de Finanças de Oeiras-… e sequentemente remetida para a Unidade dos Grandes Contribuintes, tendo sido, em 30 de setembro de 2016, proferido despacho, pela Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a concordar com o respetivo projeto de decisão, em conformidade com a Informação n.º …/2016 – cuja cópia consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, de que consta, além do mais, o seguinte [cf. PA junto aos autos]:
r) Por despacho de 7 de novembro de 2016, da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a sobredita reclamação graciosa foi indeferida, em conformidade com a Informação n.º …/2016 – cuja cópia integra o documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, de que consta, além do mais, o seguinte [cf. PA junto aos autos]:
s) A Requerente foi notificada, através de ofício datado de 09/11/2016, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa.
t) Em 30 de novembro de 2016, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos.
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III.2. DE DIREITO
A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento da sobredita reclamação graciosa e dos atos tributários controvertidos, na invocação dos seguintes vícios: insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação; preterição de formalidade legal essencial (audição prévia); e violação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, nas redações vigentes em 2013.
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).
As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.
A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.
Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.
Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.
No caso concreto, em que é invocado o vício de forma consubstanciado na insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação controvertidos, importa, contudo, ter presente alguns contributos que, nesta matéria, nos são dados pela jurisprudência, sendo disso exemplo, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17.11.2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt:
«…a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação) – cfr., entre outros, o acórdão da 1.ª Secção do STA, proferido em 23.04.97, no processo n.º 35.367 –, tal regra não é, porém, absoluta, pois que pode acontecer que só a fundamentação possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o acto impugnado. Isto é, pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do acto se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância. Razão por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pela 1.ª Secção do STA de 08.07.1993, no processo n.º 31.138, em 22.09.1994, no processo n.º 32.702, e em 20.05.1997, no processo n.º 40.433.
Como se deixou referido no acórdão proferido pela 1.ª Secção deste Tribunal em 4/06/98, no proc. n.º 41.223, «o conhecimento prioritário do vício de forma apenas se imporá ao julgador quando o não conhecimento prévio desse vício inviabilize decisivamente o conhecimento dos alegados vícios de fundo, atinentes à legalidade intrínseca do acto, e que a regra do art. 57.º, n.º 2, al. a), da LPTA manda apreciar prioritariamente. Ou, dizendo de modo inverso, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, devendo respeitar-se a regra de apreciação do art. 57.º, n.º 2, al. a), sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo igualmente alegados.».»
Neta parametria, afigura-se-nos que, in casu, o conhecimento dos alegados vícios de fundo deve ser precedido do conhecimento do alegado vício de forma, na justa medida em que o conhecimento daqueles vícios substanciais depende da prévia determinação da base fundamentadora dos atos impugnados. Por outras palavras, a apreciação e eventual procedência daqueles vícios de fundo depende do teor do discurso fundamentador dos atos impugnados, pois só ele pode fornecer as razões de facto e legais que sustentam aqueles atos.
Neste enquadramento, optamos pois pelo conhecimento prioritário do vício de insuficiência de fundamentação do ato tributário impugnado, o que passamos a fazer de imediato.
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§1. DA INSUFICIÊNIA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS
A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. artigo 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. artigo 77.º da LGT).
Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa (A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68), ao contrário do que acontece no “texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (art. 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.”
Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676), no âmbito tributário, “o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que lavaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
No presente art. 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.
Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.”
Ainda segundo estes autores (ibidem, p. 676), deve a fundamentação “consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Como preconiza Joaquim Freitas da Rocha, a fundamentação – “que, em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão)” – deve ser feita de forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa, tendo em vista “permitir a um “destinatário normal” a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido prelo autor do acto para proferir a decisão. A falta destes requisitos – fundamentações incompletas, obscuras, abstractamente remissivas – bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, susceptível de conduzir à anulação do acto em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos.”[3]
Sendo certo que a fundamentação deve ser feita por via da sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, nada impede, todavia, que possa fazer-se por remissão e apropriação de anteriores pareceres, informações e propostas bem como para o relatório da inspeção tributária, como postula o n.º 1 do artigo 77.º da LGT, assumindo então a designação de fundamentação por remissão ou por referência (per relationem ou per remissionem), uma vez que está expressa num outro documento. Assim, “devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. (…)
No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. (…)
A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT).”[4]
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
A este propósito, os nossos tribunais têm vindo a decidir de forma reiterada nos termos que, a título de exemplo e pela completude de análise, passamos a citar do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12, disponível em www.dgsi.pt:
“A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).
Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).”
Por outro lado, relativamente à fundamentação de direito, o Supremo Tribunal Administrativo “tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível – entre tantos outros, os acórdãos proferidos pela 1ª Secção do STA em 27/02/1997, em 17/05/1998, e em 28/02/2002, nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, respectivamente.
Conforme se dá nota no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo proferido em 27/05/2003, no proc. n.º 1835/02, «tem sido entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que, na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado – cf. p. ex., os acºs. de 28.02.02, rec. 48.071, de 28.10.99, rec. 44.051 (respectivo apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42.212 (Apêndice, pág. 4263), de 7.5.98, rec. 32.694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30.218 (Apêndice, pág. 828). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. Ac. pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acºs. em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acºs. de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)».
Orientação que, aliás, foi acolhida pelo Pleno daquela Secção, no acórdão de 25/03/93, no proc. n.º 27387, no qual se afirma que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
Donde decorre que, mesmo perante esta corrente jurisprudencial, que sufragamos sem reservas, só em casos muito particulares (como eram, afinal, os analisados nos arestos citados) se pode concluir que um acto se encontra fundamentado de direito apesar de nenhuma referência legal directa existir no texto do acto. E tal só acontece quando, como se explica naquele acórdão de 27/05/2003, se mostrem verificadas duas condições:
«- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado. O destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto. A fundamentação é requisito do acto. E o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.»”[5]
Noutra ordem de considerações, importa salientar que o relatório de inspeção tributária “constitui porventura a peça fulcral do procedimento inspectivo, o culminar do trabalho efetuado pelos profissionais da inspecção tributária, identificando e sistematizando todos os factos conhecidos com relevância tributária no âmbito do aludido procedimento, não se prescindindo do necessário enquadramento jurídico-tributário. Assim, o artigo 62.º, n.º 3, do RCPIT escalpeliza os elementos que o relatório deverá conter, considerando a dimensão e a complexidade da entidade inspecionada, com destaque, no que aqui importa, para a descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária, bem como a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas.”[6]
Acresce que, como decorre do estatuído no art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, “nas situações em que se proponham correcções fiscais potencialmente desfavoráveis ao contribuinte, os serviços deverão notificar no prazo de 10 dias a entidade inspecionada do projecto de conclusões do relatório inspectivo, dando a conhecer igualmente o teor dos actos de inspecção, assim como a respectiva fundamentação, para efeitos do exercício da audição prévia do contribuinte. O sujeito passivo inspecionado deverá ter perfeito conhecimento das correcções fiscais propostas pela inspecção tributária, para poder decidir pelo exercício ou não da aludida faculdade. Caso venha ao procedimento exercer esse direito de audição prévia reconhecido constitucionalmente, a entidade inspecionada poderá deduzir os argumentos que tiver por convenientes.”[7] Nessa situação, todos os “elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (artigo 60.º, n.º 7, da LGT).”[8] Como observam Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (“Audição-Participação-Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 295, apud Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 77 e 78), “há uma fundamentação dialógica num duplo sentido: mediante os factos novos alegados pelo sujeito passivo, a Administração fiscal realiza um processo cognitivo que vai enriquecer a sua posição (quais são as razões do sujeito passivo?; corresponderão as razões alegadas às razões verdadeiras?; são, ou não, os interesses por si alegados dignos de tutela jurídica?); por outro lado, o registo do diálogo entre a Administração e o sujeito passivo permite uma clarificação reforçada das razões de agir da Administração, o que tem como efeito impedir que esta possa ocultar os reais fundamentos (ou a ausência de fundamentos) da sua actuação.”
Volvendo ao caso dos autos, resulta dos Relatórios de Inspeção Tributária atinentes aos procedimentos inspetivos de que foram alvo quer a sociedade B…, quer a Requerente, que os Serviços de Inspeção Tributária fundamentaram de facto e de direito as aludidas correções efetuadas relativamente ao IRC do exercício de 2013.
Cumpre ainda referir que quer a mencionada reclamação graciosa, quer o próprio pedido de pronúncia arbitral são as provas inequívocas de que a Requerente é perfeitamente conhecedora do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT relativamente às correções efetuadas à matéria tributável de IRC do ano de 2013, conhecendo pois as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, o que lhe permitiu optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação e, nesse âmbito, rebater exaustivamente a atuação da AT.
Nestes termos, afigura-se-nos que os atos tributários controvertidos devem considerar-se devidamente fundamentados quer de facto quer de direito.
Consequentemente, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o arguido vício de forma radicado na insuficiência de fundamentação dos atos tributários impugnados.
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§2. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 32.º, N.º 2, DO EBF E DO ARTIGO 23.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO IRC
A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou correções à matéria tributável do exercício de 2013 da sociedade B…, integrada no C… de que a Requerente é a sociedade dominante, estribando-se, para tal, numa dupla fundamentação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira começa por sustentar que o caso sub judice se subsume ao disposto n.º 2 do artigo 32.° do EBF (redação vigente em 2013), por entender que as prestações suplementares se enquadram no conceito de partes de capital
A acrescer a isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que os aludidos encargos financeiros não preenchem os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC (redação vigente em 2013), para serem considerados como gastos, por terem sido incorridos em favor de outras entidades jurídicas e economicamente independentes da Requerente.
Na justa medida em que consubstanciam fundamentos autónomos e, por isso, cada um deles tem a virtualidade de, por si só, sustentar a correções efetuada pela AT, serão objeto de análises autonomizadas, sendo que se se concluir que um deles tem cabimento legal, ficará prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro.
Antes de avançarmos, importa ainda referir que as questões que aqui são colocadas já foram, com os mesmos pressupostos de facto e de direito, anteriormente e por diversas vezes, objeto de análise por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, nomeadamente nos processos n.ºs 12/2013-T, 30/2013-T, 376/2014-T, 734/2014-T, 24/2015-T e 326/2015-T, com cujas decisões concordamos, pelo que seguiremos as respetivas fundamentações (na prossecução, aliás, do escopo legal estatuído no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito).
§2.1. DO ARTIGO 32.º, N.º 2, DO EBF
§2.1.1. ANÁLISE HERMENÊUTICA
Na redação vigente em 2013, o artigo 32.º do EBF (epigrafado “Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS)”), estatuía o seguinte no seu n.º 2:
“2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
Resulta da literalidade desta norma, naquilo que aqui importa considerar, que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital de que as SGPS sejam titulares, desde que detidas por um período superior a um ano, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Por outras palavras, os encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital de que as SGPS sejam titulares, desde que detidas por um período superior a um ano, são considerados como gastos não dedutíveis, para efeitos fiscais.
O objetivo do legislador, no sentido de impedir a cumulação de dois benefícios, resulta facilmente percetível: as SGPS já veem as suas mais-valias de partes de capital estarem isentas de imposto, sendo que, quando tal suceder, não podem cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.
Atentos os contornos do caso sub judice, o epicentro da exegese hermenêutica que aqui somos chamados a fazer radica no conceito de partes de capital, tendo em vista dilucidar o que nele se deve ter por integrado; concretamente, uma vez que os encargos financeiros em causa nos autos foram suportados sociedade B…, que é uma SGPS, para efetuar prestações suplementares sob o regime de prestações acessórias, às suas participadas, importa aquilatar se estas prestações suplementares devem ser ou não qualificadas como partes de capital.
Na prossecução deste desiderato, afigura-se necessário começar por chamar à colação as regras que regem a hermenêutica jurídica, desde logo, no âmbito do direito tributário; e, assim, temos então de convocar o artigo 11.º da LGT (epigrafado “Interpretação”), o qual estatui o seguinte:
“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
Do disposto nesta norma, importa aqui reter dois aspetos: o primeiro, para referir que o seu n.º 1 consubstancia uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil; o segundo, para realçar que apesar de a regra ser a de que os termos utilizados nas normas fiscais devem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos de direito, tal só assim é se não decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo nesta utilizado é diferente do que tem noutros ramos de direito (em consonância, aliás, com o princípio lex specialis derogat legi generali).
Como vimos de dizer, sempre que decorra diretamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, não importará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido diretamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser necessariamente o adotado, em detrimento do sentido que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.
Assim, a primeira tarefa hermenêutica do intérprete da lei fiscal, no sentido de apurar o sentido dos termos nela utilizados, consistirá em perceber se da lei fiscal decorre diretamente o sentido desses termos; só perante uma resposta negativa, é que o intérprete deverá então fazer apelo aos sentidos que esses termos têm noutros ramos de direito.
Dito isto, voltando ao caso concreto, o que aqui está em causa, como acima dissemos, é a densificação do conceito de partes de capital – tendo em vista delimitar o âmbito aplicativo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF – e, mais concretamente, determinar se as prestações suplementares são ou não abrangidas por aquele conceito.
Perscrutando, então, o ordenamento jurídico-tributário, em busca de alguma norma que nos auxilie a responder àquela questão, deparamo-nos com o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC (redação vigente em 2013), da qual decorre diretamente que partes de capital e prestações suplementares são, para a lei fiscal, conceitos autónomos.
No artigo 45.º (epigrafado “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”), n.º 3, do Código do IRC, estabelece-se o seguinte:
“3. A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
Como vertido no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 24/2015-T:
“Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».
As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».
Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.
Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que ele, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.
Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».
Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.
Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 3.
Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 3, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:
“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.
E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.””
§2.1.2. APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
Conclui-se, com meridiana clareza, do acima exposto que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (redação vigente em 2013), ao estabelecer, relativamente às partes de capital, que não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares.
Nesta parametria, as mencionadas correções efetuadas pela AT não encontram sustentação legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (redação vigente em 2013).
§2.2. DO ARTIGO 23.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO IRC
§2.2.1. ANÁLISE HERMENÊUTICA
Na redação vigente em 2013, o artigo 23.º do Código do IRC (epigrafado “Gastos”), estatuía o seguinte no corpo do seu n.º 1:
“1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:”
Importando, complementarmente, atender ao disposto na sua alínea c):
“c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
Como é referido no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T:
“1. O art. 23.º do CIRC contém uma cláusula aberta, que carece de interpretação e aplicação ao caso concreto (sem que o Fisco possa entrar num juízo de oportunidade ou de discricionariedade técnica), pela qual só são fiscalmente aceites os custos indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
2. A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
3. A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.
4. O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa.
5. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade.
6. No que tange aos encargos financeiros, são custos fiscais os juros de capitais alheios aplicados na exploração – como indica a al. c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que na estrutura da norma (exemplos nas alíneas e princípio geral no corpo do n.º 1) se assume como a concretização do princípio geral: o juro é indispensável quando o capital alheio for aplicado na exploração.
7. O art. 23.º do CIRC quer apenas recusar a aceitação fiscal dos custos, que embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais. Trata-se de situações claramente abusivas, pois tais gastos não se inscrevem no âmbito da sua atividade – foram contraídos não no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios (por exemplo, camuflar gastos pessoais dos administradores).
8. O custo fiscal exige um interesse próprio e egoístico da sociedade que regista o custo: esse interesse tem de existir autonomamente e não pode ser diluído no interesse coletivo ou do grupo.”
Isto posto, atentos os contornos do caso concreto, importa analisar quatro questões-chave:
(i) a interpretação do artigo 23.º do Código do IRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos;
(ii) o conceito de "atividade" dos entes empresariais;
(iii) o conceito de ativo e de fonte produtora;
(iv) uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, a título gratuito, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?
Vejamos cada uma delas, de per si.
i) Da interpretação do artigo 23º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos[9]
Surge, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: a sua indispensabilidade.
O que se deve, então entender por “indispensabilidade”?
Entre nós, duas análises são habitualmente convocadas sobre qual deve ser a interpretação apropriada do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23º do CIRC.
A primeira é de autoria de Tomás Tavares, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1999, pp. 7-180; e a segunda de António M. Portugal, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004.
Na primeira das mencionadas obras, Tomás Tavares analisa extensivamente a questão relativa à interpretação do conceito de indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC.
O autor aponta três possíveis interpretações, defendendo que apenas uma delas constitui a solução correta.
Um primeiro entendimento traduzir-se-ia numa relação necessária ou obrigatória entre custos suportados e proveitos obtidos. Tal entendimento de indispensabilidade significaria que só a “absoluta necessidade” de um gasto para obter um rendimento (proveito) permitiria deduzi-lo como componente negativa do lucro tributável. O autor qualifica de absurda uma tal interpretação. Fá-lo nos seguintes termos[10]: “…o afunilamento proposto por esta conceção levaria à desconsideração fiscal de certos decaimentos suportados, verdadeira e realmente, pela organização, em clara e flagrante violação do princípio da capacidade contributiva….Em segundo lugar, dado que, no limite, nunca se aceitaria a dedutibilidade dos custos conexos com negócios que se revelassem ruinosos para empresa, dada a ausência (ou insuficiência) dos proveitos decorrentes. Ora a verdade é que o Direito Tributário não pode censurar uma infrutífera política empresarial…O Direito Fiscal tem de reconhecer o direito ao erro do dono do negócio.”
Uma segunda interpretação do conceito de indispensabilidade – significando “conveniência” – é tratada pelo autor nos seguintes termos[11]: “ …este desiderato não se ergue como diapasão interpretativo, quer em atenção aos inúmeros problemas práticos que coloca, quer, sobretudo, porque também consente no controlo administrativo sobre o mérito das decisões empresariais. Efetivamente, a conveniência é um conceito frágil, com uma significação aberta e indefinida, que propicia a imiscuição da máquina administrativa nas opções económicas dos contribuintes”.
Por fim, o autor perfilha a tese segundo a qual a correta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das atividades resultantes do seu escopo societário.
Essa tese é expressa nos seguintes termos[12]: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.
E continua[13]: “ …A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer ato realizado no interesse da empresa… A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.
Saliente-se que o texto citado não nos deixa dúvidas sobre qual a posição do autor (os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa). Porém, o certo é que um excerto desse texto, em particular a relação entre gastos e atividade produtiva, tem servido propósitos interpretativos do conceito de indispensabilidade que até o próprio autor já eliminou claramente, no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T.
A. Moura Portugal, discutindo o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001.
De todo o modo, este autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adota a seguinte posição[14]:
“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objeto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo do aplicador da lei[15]”.
Veja-se, ainda, o que Tomás Tavares aí refere sobre os empréstimos intra-grupo, já em 1999[16]:
“Estas operações (suprimentos gratuitos de uma participante a uma participada) correspondem, portanto, a atos normais de gestão, não obstante a aparente desconformidade com o interesse da entidade sacrificada (...) A ratio dessas opções legais radica no facto de que, com elas, a sociedade prossegue a sua atividade empresarial com um fito lucrativo…”.
E em nota 427, a p. 150 da referida obra, sustenta o autor o seguinte: “Em nossa opinião, essa operação (pagar juros pela obtenção de um empréstimo, cujo produto se empresta, sem juros, a uma outra entidade) pode inserir-se no escopo lucrativo da entidade sacrificada…”.
Em suma: as obras doutrinais mais frequentemente convocadas sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou no interesse da empresa, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.
A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de Tomás Tavares quanto ao tema aqui em apreciação – segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui atividade ou interesse daquela – foi totalmente desfeita pelo próprio no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, onde foi árbitro único, nos termos que acima tivemos oportunidade de citar.
No entender deste Tribunal, equiparar a noção de indispensabilidade a uma relação com a atividade produtiva ou a um obrigatório nexo de causalidade com a obtenção de rendimentos não é, pois, posição sufragada pela doutrina de referência.
Além do que já se disse, e ainda sobre esse nexo de causalidade, veja-se a posição de Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos[17]: “Admitir um juízo administrativo a posteriori sobre a gestão financeira, comercial, etc., da empresa, envolveria o risco constante de este juízo se apoiar sobre elementos suplementares que não existiam, ou não existiam claramente, no momento da tomada de decisão e que não podiam ter sido levados em conta. A administração fiscal não tem que julgar se uma empresa foi bem ou mal gerida”.
Veja-se, também, Rui Morais, que sustenta[18]: “A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.
E prossegue[19]: “Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma corelação direta com a obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”
Para concluir da seguinte forma[20]: “Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test. Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc., então tal custo não deve ser havido por indispensável.”
Conclua-se esta digressão doutrinal com J. L. Saldanha Sanches, que afirma[21]:“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.
Vejamos agora a jurisprudência sobre a questão, num plano geral, relativa à indispensabilidade e seu significado, ou seja, sem tratar ainda, especificamente, dos encargos financeiros.
No processo n.º 03022/09 – Acórdão de 6 de Outubro de 2009 – do TCA Sul julgou-se o seguinte litígio. Uma sociedade (A) cedeu a outra (B) a respetiva atividade de comercialização de máquinas. No âmbito dessa cedência também o pessoal de A passou para a sociedade B, e A deixou de exercer atividade comercial, limitando-se a receber rendas de um prédio. Todavia, aquando da referida cedência, ficara acordado entre A e B que a primeira suportaria eventuais encargos com indemnizações ao pessoal caso fossem negociadas rescisões.
Num dado exercício tais negociações ocorreram e A suportou um certo montante de custos relacionados com as ditas indemnizações que a sua contabilidade registou. A inspeção tributária desconsiderou esses custos, por, em seu entender, “a empresa se encontrar sem atividade e sem pessoal (tendo como proveitos apenas as rendas recebidas), considerando-se que este custo não se torna necessário para a formação de proveitos, conforme o artigo 23.º do CIRC”.
No acórdão proferido, o TCAS trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos: “Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)
Fazendo apelo ao estudo de Tomás Tavares (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.
A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.
Também sobre este assunto, importa referir a decisão do TCA Norte, no processo n.º 00624/05.OBEPRT – acórdão de 12 de Janeiro de 2012 –, onde se afirma o seguinte: “Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.
Por fim, em acórdão de 29/3/2006 – processo n.º 1236/05 – o STA sustenta que: “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.
A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º do CIRC tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.
Tem-se assim afastado uma ligação necessária aos proveitos; um obrigatório nexo de causalidade.
Afastada tem sido também a possibilidade de a administração fiscal julgar do acerto das decisões de gestão relativamente à efetiva obtenção de proveitos (sindicada a posteriori), desde que essas decisões sejam tomadas no âmbito do interesse empresarial.
Aqui chegados, importa abordar desenvolvidamente a noção de atividade empresarial.
ii) Do conceito de "atividade" dos entes empresariais
Atividade há de significar o conjunto de ações ou atos que determinam ou influem na vida empresarial. Tendo os entes societários um escopo ou objetivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual tais entes coletivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os atos de gestão que contribuam para tal fim hão de constituir a atividade das empresas.
Deve assimilar-se essa atividade à “atividade produtiva”? Entendemos que não. Nenhuma disposição legal autoriza uma tal identidade de conceitos, a interpretação económica das operações empresariais afasta totalmente aquela equiparação, e a doutrina (onde, supostamente, existira uma base interpretativa que justificaria tal assimilação) não só não a sustenta como já a rejeitou.
A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós-venda, etc.. Inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.
A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "atividade produtiva", tanto na obra de Tomás Tavares, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.
Até porque, se assim não fosse, o artigo 23.º do Código do IRC não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “ativos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.
Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).
Nesta parametria, importa pois sublinhar que a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.
A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.
Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.
O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.
A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos.
Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
Se a atividade das empresas tem como um dos seus traços marcantes o uso e gestão dos ativos, o que se deve então entender por ativos e que funções desempenham no contexto da prossecução da atividade, da exploração, ou do escopo empresarial?
iii) Do conceito de ativo e de fonte produtora
Veja-se, antes de mais, a definição que o sistema contabilístico contém para “ativo”. É a seguinte: “é um recurso controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados, e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade”.
Esta definição deixa bem claro que se uma entidade possuir um recurso por ela controlado (tangível, intangível, biológico, financeiro ou de outro tipo) do qual se esperam benefícios económicos futuros, tal elemento constituirá um ativo que se deve registar no balanço. É pois tendo por base estes elementos que se desenvolve a atividade das empresas, a qual, obviamente, pode apresentar várias facetas ou vertentes de concretização (v.g., produtiva, comercial, financeira, administrativa) consoante a natureza dos ativos que a sustentam.
A amplitude dos ativos registados no balanço é muito significativa. Temos ativos físicos (v.g., mercadorias, ativos fixos tangíveis), ativos incorpóreos (intangíveis), dinheiro e equivalentes (v.g., caixa e depósitos), ativos financeiros de longo prazo (v.g., investimentos financeiros); direitos contratuais (v.g., clientes, empréstimos concedidos, outra contas a receber).
Um elemento patrimonial, de natureza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um ativo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.
O facto de se tratar de rendimentos potenciais ou esperados, não desqualifica um ativo: de um ativo espera-se, estima-se, que dele fluam benefícios económicos futuros.
A aquisição de ativos físicos (como os edifícios ou as máquinas) também é efetuada esperando que a taxa de rendibilidade prevista para esses ativos supere o custo do capital que os financia. Estamos, no domínio dos investimentos, físicos ou financeiros, na situação de comparar expectativas de rendibilidade com o custo dos capitais que financiam os ativos.
A natureza potencial da geração de resultados é inerente a qualquer tipo de investimento, e não apenas aos ativos financeiros. E o que comanda a aquisição de uns e de outros será o interesse da empresa, o qual deriva sempre de uma avaliação prévia da sua lucratividade esperada ou prospetiva.
O risco constitui elemento presente na atividade económica, tornado incerta a obtenção de rendimentos de muitos investimentos realizados. Além disso, aos instrumentos de capital próprio (v.g., quotas, ações, prestações suplementares) estão associados rendimentos contingentes, e não fluxos contratualizados ou certos.
Quer isto dizer que um ativo financeiro que se traduza numa participação de capital numa certa entidade terá rendimentos sujeitos à variabilidade (desvio padrão ou volatilidade) do desempenho dos entes nos quais se investiu, e não a natureza de uma remuneração pré fixada ou determinística.
A atividade económica empresarial envolve, em maior ou menor grau, risco e incerteza. Se assim não fosse, não se observariam tantas iniciativas empresariais que ficam aquém do êxito que os seus promotores esperariam.
Na verdade, a realização de investimentos é efetuada com base em expetativas ou previsões de rendimentos futuros; mas não é possível determinar com certeza absoluta que essa aplicação de fundos (investimento) gerará retorno para os capitais investidos na medida das estimativas efetuadas.
Casos haverá em que o retorno até pode superar essas estimativas. Outros ocorrerão nos quais esse retorno é nulo, ou eventualmente negativo, quer por vicissitudes da envolvente externa às empresas (crises económicas e financeiras), quer por más decisões de gestão das entidades empresariais, ou uma combinação de ambas as causas.
Como já se disse, a existência de risco na atividade empresarial implica que, em variadas circunstâncias, os gastos não originem proveitos, sendo os investimentos não lucrativos.
O custo deve evidenciar um propósito ou um intuito de obtenção de rendimento, ou de manutenção da fonte produtora, e isso basta para a respetiva dedutibilidade.
Exigir um teste adicional de um obrigatório nexo de causalidade com proveitos não decorre da lei, nem a doutrina o sustenta, e a jurisprudência também dele se afastou. Como se mostrou anteriormente, a tese do "nexo de causalidade" não é um bom caminho interpretativo do conceito de indispensabilidade que integra o artigo 23º do CIRC.
Há operações no interesse da empresa (ocasionando custos) que, a posteriori, se revelam não geradoras de rendimento.
As causas para que tal aconteça são múltiplas: evolução de elementos macroeconómicos que a empresa não controla (taxas de juro, inflação, preço de matérias primas), a evolução da procura dos bens ou serviços ser mais fraca do que o previsto, ineficiência da gestão, entre outras.
(iv) Uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, a título gratuito, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?
Para analisar este ponto, suponha-se que uma participante (designemo-la por ALFA, SA) se endivida e cede os fundos assim obtidos, e pelos quais paga juros à taxa de 5%, a uma sua participada que aqui designaremos por BETA. Tal cedência de fundos é feita sob a forma de empréstimos, pelos quais se cobra, admita-se numa primeira hipótese um juro nulo, e numa segunda situação, um juro de 4%.
O financiamento provindo da participante será feito no interesse deste caso sirva para que daí decorra uma expectativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes. Ou, ainda, que tais fundos contribuam para manter BETA em funcionamento, isto é, permitindo manter ou sustentar o ativo financeiro da participante como elemento patrimonial de que se esperam vantagens, ainda que futuras e não imediatamente quantificáveis. Isto independentemente do juro cobrado ser nulo ou positivo. Como adiante se verá, a taxa de juro cobrada poderá ser apreciada à luz de outros preceitos do CIRC, mas não se crê que o deva ser à luz do artigo 23.º do mesmo código.
Numa empresa que, hipoteticamente, adquira máquinas para a produção e, por fatores externos ou internos ao empreendimento, tais máquinas não gerem resultados tributáveis, têm de se admitir como custos as reparações, as depreciações, e outros gastos inerentes ao seu funcionamento. Também num plano geral, a compra de existências que, posteriormente, se deteriorem, não tem qualquer nexo causal com proveitos, mas, como é óbvio, tais aquisições devem ser custos fiscais, caso essa deterioração seja inerente ao risco do negócio.
Dir-se-á que a máquina e as existências contribuem para a atividade da entidade que incorre nesses custos, ou que, pelo menos, foram adquiridas com o fito ou intuito de manter ou reforçar a fonte produtora. Mas, se assim for, então caso o financiamento que, no exemplo aqui apresentado, ALFA efetua a BETA tenha uma relação com rendimentos estimados para ALFA, ou contribua para manter o ativo financeiro (participação em BETA) como fonte produtora, ou incremente esse potencial de benefícios para a participante, a condição para a dedutibilidade dos juros em ALFA não diverge da que se exige para a máquina ou as existências acima referidas.
Em qualquer dos casos existe uma relação com a atividade da empresa que leva a cabo essas operações: a compra da máquina, a aquisição das existências ou a aquisição de ativos financeiros. A diferença poderá estar no facto de a máquina e as existências terem implicações económicas no âmbito da sociedade que as adquiriu, e a participação financeira, sendo um ativo cuja gestão constitui atividade da participante, ocasionará rendimentos em função da evolução esperada dos negócios da participada. Mas isso não retira ao investimento financeiro a qualificação de um ativo gerido no interesse da entidade (participante) que o adquiriu e detém.
Assim, na questão que neste ponto se discute, a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro) de ALFA.
Quer isto dizer que os gastos resultantes do financiamento obtido por ALFA e que depois foi aplicado no financiamento de BETA devem satisfazer uma (ou ambas) das seguintes condições:
a) Estarem associados à expetativa de incremento dos benefícios da participante;
b) Permitirem a manutenção da fonte produtora dos rendimentos (ou seja, contribuírem para a continuidade da atividade das participadas e do consequente reconhecimento continuado do ativo financeiro na esfera da participante).
Havendo uma participação societária de ALFA em BETA, muitas das decisões de ALFA que afetam a esfera patrimonial de BETA (v.g., investimentos, financiamentos) são determinadas pelo interesse da participante em face da situação económico-financeira da participada. Consequentemente, a gestão, por parte de ALFA, da dita participação é uma condição requerida para que se obtenha desse investimento financeiro um rendimento imediato ou futuro.
O facto de tais decisões, tomadas na esfera de ALFA, influenciarem o património de BETA, não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros; ou seja, que se possam classificar como alheias à atividade da participante, ALFA. Elas são tomadas a partir do interesse da participante (ALFA) em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento (em BETA). Obviamente que esse investimento se traduz na titularidade de uma terceira entidade; mas a participação e respetiva gestão estão incluídas no interesse e atividade da participante.
Entende por isso este Tribunal que a operação sub judice – a obtenção de financiamentos tendo em vista a realização de prestações suplementares sob o regime de prestações acessórias, pela sociedade B… às suas participadas – não se traduz numa prossecução única ou sequer predominante do interesse das participadas. A gestão (neste caso, o reforço do ativo financeiro) que a participante efetua é do seu interesse. A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.
A NCRF 13 expressa igual conceito, segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, e fá-lo no seguintes termos:
“Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.
Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).
Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma.
19. Se o investidor detiver, directa ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, directa, ou indirectamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20 % do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.
20. A existência de influência significativa por parte de um investidor é geralmente evidenciada por uma ou mais das seguintes formas:
(a) representação no órgão de direcção ou órgão de gestão equivalente da investida;
(b) participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições;
(c) transacções materiais entre o investidor e a investida;
(d) intercambio de pessoal de gestão; ou
(e) fornecimento de informação técnica essencial.
(…)”
Se, como se viu, a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada, então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.
No plano da legislação societária, o artigo 486.º do CSC, ao definir a relação de domínio, estabelece o seguinte:
“Artigo 486.º
Sociedades em relação de domínio
1 - Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º, nº 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:
a) Detém uma participação maioritária no capital;
b) Dispõe de mais de metade dos votos;
c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.”
Ora a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.
O anteriormente exposto aplica-se, com particular acuidade, às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Conforme decorre do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, as SGPS têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
Nesta parametria, resulta evidente que a atividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23.º do Código do IRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objeto contratual.
A gestão de participações sociais compreende, como é óbvio, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do ativo financeiro adquirido, o financiamento de tal ativo e a eventual posterior alienação.
Nessa medida, dúvidas não existem de que os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se no âmbito da atividade de uma SGPS.
§2.2.2. APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
No caso concreto, temos que a sociedade B… aplica os capitais alheios, sobre os quais paga juros, no âmbito da sua atividade própria, enquanto SGPS, na medida em que, com tais fundos constitui prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, como forma de exercício e manutenção da sua atividade e fonte produtora, com um escopo inequivocamente lucrativo; ou seja, a SGPS está a contrair custos indispensáveis para os a obtenção dos seus proveitos ou para a manutenção da sua fonte produtora.
Como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T:
“A sociedade (…), na sua liberdade de gestão, pode dotar as dominadas com os fundos que carecem, das formas mais díspares. E os interesses (comercial e fiscal) têm de aceitar qualquer dessas opções. Apesar da inexigibilidade imediata de rendimento (juro), a verdade é que o prestador (…) tem um interesse próprio e egoístico nestas operações, via aumento e rentabilização do valor da participação e possibilidade ulterior de receção de rendimentos, via dividendos (por lucros distribuídos da filial) ou mais-valias (por alienação onerosa, com ganho, dessas participações).
(…) com a prestação sem juros, a sociedade concedente valoriza a sua participação financeira; dota a filial dos fundos necessários para que possa exercer melhor a sua atividade, com vantagens próprias e egoísticas também da concedente, via valorização da participação de capital e assunção de um risco empresarial que lhe permitirá no futuro, assim se espera, rentabilizar esse ativo com retorno valorizado do investimento (via mais-valias ou dividendos). (…)
Esses juros só não seriam um custo fiscal se (…) [in casu, a sociedade B…], apesar de os contabilizar, não tivesse realmente aplicado tais verbas nas prestações que declara; ou aplicando-as, se a dominada não os utilizasse na sua atividade operacional, mas por exemplo, na satisfação ilícita de interesses de terceiro, em investimentos não empresariais, mas meramente privados. Mas a AT nada alega que possa incluir-se neste tipo de situações. Reconhece que as prestações foram realizadas e que a dominada utilizou o dinheiro na sua atividade, sem qualquer fraude ou intuito abusivo.”
Destarte, os aludidos encargos financeiros preenchem os requisitos em que assenta a interpretação do conceito de indispensabilidade previsto no artigo 23.º do Código do IRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.
Nesta parametria, o segundo fundamento das aludidas correções efetuadas pela AT, atinentes aos encargos financeiros com as referidas prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, deve também ser considerado improcedente.
*
Nestes termos, é mister concluir que as correções efetuadas não têm fundamento legal, pelo que enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a anulação do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2013, do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 … (todas com a compensação n.º 2016…).
O despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 7 de novembro de 2016, proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2016…, que manteve os referidos atos tributários com os mesmos fundamentos, enferma de idêntico vício, pelo que também se justifica a sua anulação.
*
Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários controvertidos e do ato de indeferimento da sobredita reclamação graciosa, por vício que impede a renovação dos mesmos, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos demais vícios invocados pela Requerente.
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§3. DA INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA
Como está provado, a Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do montante de € 436.302,81, resultante da referida demonstração de acerto de contas n.º 2016… .
Consequentemente, como também consta dos factos provados, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2016…, tendo a Requerente, com vista à suspensão desse processo de execução fiscal, prestado uma garantia bancária, emitida pelo D…, S. A. e à qual foi atribuída a designação …, no montante de € 553.720,13.
Por entender que, no caso concreto, houve erro imputável à AT, a Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, a fim de ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da prestação daquela garantia, sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida.
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
No caso em apreço, os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios controvertidos, bem como o ato de indeferimento da mencionada reclamação graciosa padecem, como já vimos, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que invalida totalmente aqueles atos tributários.
Ademais, os referidos atos de liquidação de imposto e de juros compensatórios foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo igualmente da sua inteira responsabilidade o ato de indeferimento da sobredita reclamação graciosa, não tendo a Requerente em nada contribuído para que eles fossem praticados e, muito menos, nos termos em que o foram.
Neste enquadramento, a prestação da aludida garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efetivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, os quais, no entanto, só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia; ou seja, será em sede de execução de sentença que serão apurados tais prejuízos e fixada a indemnização devida à Requerente.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, por erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC:
- declarar ilegal o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, com a sua consequente anulação;
- declarar ilegais e anular o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2013, o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016 … (todas com a compensação n.º 2016…), dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 436.302,81;
a) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 436.302,81.
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 7.038,00 (sete mil e trinta e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
*
Lisboa, 9 de junho de 2017.
Os Árbitros,
(José Baeta de Queiroz – vencido conforme voto anexo)
(Ricardo Rodrigues Pereira)
(André Sousa Tavares)
Voto de vencido
Concordo com a decisão, quando julga que as correcções introduzidas pela AT não encontram suporte legal no artigo 32º nº 2 do EBF, mas considero-as legais à luz do artigo 23º nº 1 do CIRC.
É certo que as prestações suplementares não são remuneráveis, mas do que aqui se trata não é da eventual contrapartida pela sua atribuição à sociedade beneficiária, mas de saber se os encargos financeiros assumidos pela SGPS para obter os respectivos fundos constituem, para ela, gastos dedutíveis.
Entendo que o não são, pelas razões aduzidas no acórdão proferido no processo 538/2016-T, cujo segmento relevante transcrevo:
«Antes de mais, importa fazer referência ao regime legal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), pois, assumindo a Requerente esta forma jurídica, a aferição do cumprimento da norma prevista no artigo 23.º do CIRC terá que ser feita tendo em consideração esse aspeto. Ora, as SGPS foram criadas através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, no contexto da integração de Portugal no mercado comum europeu, tendo por objetivo dotar as empresas portuguesas de mecanismos, nomeadamente de natureza fiscal, que lhes permitissem concorrer com as suas homónimas europeias.
Para além disso, o intuito foi estimular a criação de grupos económicos, dotando-os de instrumentos que permitissem a gestão centralizada e especializada de participações sociais.
De facto, o objeto social das SGPS é, exclusivamente, a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas. Essa participação é considerada indireta quando não tenha caráter ocasional e abranja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
Tal não invalida que as SGPS possam também exercer outras atividades, como a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão das sociedades participadas, nomeadamente, quando constituem a sociedade-mãe de um grupo de empresas ou, em situações excecionais, a aquisição de imóveis.
Por regra, às SGPS encontra-se vedada a possibilidade de concessão de crédito, exceto se o fizerem relativamente a sociedades dominadas, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, ou a sociedades em que detenham uma Participação Tipificada ou uma Participação Excecionada (nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88.
Ora, a atividade das SGPS é, como se constatou, a gestão de participações sociais, ainda que tal possa também envolver o financiamento e a aquisição, administração e alienação das próprias participadas. Mas, embora se admita a possibilidade das SGPS financiarem, a verdade é que não têm por escopo financiar ou prestar serviços. Não é essa a sua essência.
Deste modo, o financiamento de uma participada pode, em última instância ou em abstrato, servir também o interesse da própria participante, a SGPS, na medida em que seja potencialmente gerador de rendimentos na esfera desta última. Todavia, no imediato, essas operações de financiamento, tal como sucedeu com as que foram realizadas pela Requerente no exercício em causa, visam por regra reforçar os capitais das participadas e incrementar os seus resultados individuais.
(…)
Só assim não seria se acaso fosse impossível estabelecer um nexo de causalidade entre os encargos suportados com o financiamento das participadas e os proveitos obtidos individualmente, por cada uma das entidades financiadas. Sendo possível fazê-lo, como é o caso, as sociedades participadas deverão balancear tais custos com os respetivos proveitos (caso estes existam). Certo é que deverão ser tidos em consideração no apuramento do resultado líquido das participadas, no exercício em que forem debitados.
De facto, a Requerente poderia debitar tais juros às participadas, ainda que os mesmos apenas viessem a ser pagos posteriormente.
Caso contrário, não está a ser dado cumprimento à exigência legal prevista no artigo 70.º do Código do IRC, de que as sociedades que se encontram sujeitas ao RETGS, como é o caso, estão obrigadas ao apuramento do lucro tributável de cada uma dessas sociedades na respetiva declaração periódica de rendimentos.
De facto, nos termos do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos (idêntica à redação atual dessa mesma norma), o apuramento do resultado do Grupo é efetuado “através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.
Não se vislumbram motivos para que não seja assim, nem qualquer justificativo, perante tal imperativo legal, para que seja a Requerente a assumir em exclusivo os gastos financeiros decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares por si realizados, subtraindo os montantes em causa aos seus próprios resultados. Ainda que, em face da aplicação do regime de tributação previsto naquele artigo 70.º do Código do IRC, o efeito seja idêntico, quer o custo seja imputado à esfera da participante ou da participada.
(…)
Mas também se analisarmos esta questão exclusivamente à luz do disposto na norma prevista na alínea c) do artigo 23.º do CIRC, não podemos deixar de concluir pela obrigatoriedade de relevação dos custos nas esferas dos seus beneficiários.
Neste ponto, teremos que fazer referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30/05/2012, proferido no processo n.º 0171/11, em que foi Relatora a Conselheira Fernanda Maçãs, no qual a questão decidenda consistia precisamente em saber se, à luz daquela norma, deveriam ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos, ainda que originassem prejuízo e que não fossem estritamente necessários para a obtenção dos ganhos da entidade pagadora. Entre esta última e as empresas beneficiadas existia uma relação de domínio total.
A decisão então proferida foi a que ora parcialmente se transcreve: “Dispõe o predito normativo legal «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…».
Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.
Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.
Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.
(…)».
José Baeta de Queiroz
[1] Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 81.
[3] Ob. cit., pp. 113-114.
[4] Paulo Marques e Carlos Costa, ob. cit., pp. 146-148.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de novembro de 2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Paulo Marques e Carlos Costa, ob. cit., p. 76.
[9] Ao longo do texto, as expressões "custos" e "gastos" serão usadas como sendo equivalentes; bem como "rendimentos" e "proveitos".
[10] Ob. cit., pp. 132-133.
[15] Citando VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, pp. 847-848, o autor destaca o seguinte trecho: “…Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.
[17] In Direito Tributário, 2000, p. 165.
[18] Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, p. 86.
[21] J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 215.