Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 682/2016-T
Data da decisão: 2017-06-28  IVA  
Valor do pedido: € 234.573,57
Tema: IVA - competência do Tribunal Arbitral; prestação de serviços de medicina dentária; renúncia à isenção; reenvio prejudicial
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. A…, LDA., (doravante designada por Requerente ou A…), contribuinte fiscal nº…, com sede na …, nº…, …, salas … a …, …-… Porto, apresentou em 16/11/2016, pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nºs 1 e 2,ambs do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de nulidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, e consequente anulação das liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios, com referência aos anos de 2011 a 2013, que ascendem ao valor global de 234.573,57 €, sendo o montante de 215.840,78 €, correspondente às liquidações impugnadas e o montante de 18.732,79 €, referente aos juros compensatórios (cfr. listagem de liquidações  junta com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 02/12/2016.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 17/01/2017 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 01/02/2017, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 22º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Em 06/03/2017, a Requerida procedeu à apresentação da sua resposta e junção do processo administrativo.

 

7. Por despacho arbitral proferido em 06/03/2017, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidando-se as partes a apresentarem, por escrito, as suas alegações.

 

8. A Requerente, com data de 14/03/2017 apresentou resposta à excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela AT, tendo-se igualmente pronunciado sobre a questão do reenvio prejudicial e formulado as suas alegações.

 

9. Em 27/03/2017, a AT procedeu à apresentação das suas alegações, onde, basicamente, remete para o teor da sua resposta.

 

10. Foi proferido despacho arbitral em 11/04/2017, devidamente notificado às partes, indicando o prazo limite para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral.

 

11. A fundamentar o seu pedido, a Requerente invocou em síntese, e com relevo, para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

 

i. A Autoridade Tributária e Aduaneira, dirigiu à Requerente liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2011 e 2013, que totalizaram 215.840,78 €, aos quais acresceram 18.732,79 € a título de juros, importâncias estas por si pagas;

ii . As liquidações adicionais em causa resultaram de uma inspecção tributária levado a cabo pelos SIT;

iii. Por com as mesmas não concordar a Requerente apresentou em Julho de 2016 reclamação graciosa,  

iv. reclamação esta que veio a ser indeferida

v. A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica a actividade de medicina dentária e actividades conexas tendo iniciado a sua actividade em 2007;

vi. na declaração de início de actividade enquadrou-se no regime normal de IVA de periodicidade mensal (cfr. documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

vii.  pugna a Requerente pelo entendimento que enquanto clínica que presta serviço de saúde em regime ambulatório, estaria abrangida pela isenção prevista no nº 2 do artigo 9º do CIVA;

- que por tal facto lhe era permitido a renúncia à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do CIVA;

viii. procede a Requerente ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral a várias considerações acerca da interpretação a conferir aos artigos 9º e 12º do CIVA, reiterando, em posição dissonante da veiculada pela AT, o seu enquadramento na situação de isenção contemplada pelo nº 2 do artigo 9º do CIVA a permitir a renúncia à mesma prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do mesmo compêndio normativo;

ix.  a fundamentar o seu pedido, a Requerente procedeu à junção de um parecer sobre a questão da renúncia à isenção do IVA;

x. pugna a Requerente, como se extrai do seu pedido, pela declaração de ilegalidade das liquidações subjacentes e pelo reconhecimento ao direito de juros indemnizatórios, nos termos do preceituado nos artigos 43º e 100º da LGT e artigo 61º do CPPT.

 

12.1. A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, suscitou a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral por entender estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária, consubstanciado no direito à renúncia de isenção de IVA, pugnando ainda pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, sustentando em sede de impugnação a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

-por impugnação

 

12.2. Na resposta por impugnação, identificando o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, reitera a factualidade emergente do Relatório de Inspecção Tributária (infra sumariamente transcrito no que aqui releva) não divergindo o seu argumentário, onde ancora a improcedência do pedido, das razões que assistiram ao indeferimento da reclamação graciosa oportunamente deduzida pela Requerente.

Em brevíssima síntese, e ponto chave da questão dirimenda, o entendimento da AT reconduz-se ao facto de entender que a actividade desenvolvida pela Requerente (medicina dentária e odontologia) se encontra, no que toca à isenção de IVA, enquadrada no nº 1 do artigo 9º do CIVA não subsistindo, consequentemente a possibilidade de renúncia à isenção ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do CIVA, entendendo pois (como vem reafirmando) que tal possibilidade de isenção compete unicamente aos sujeitos passivos isentos nos termos do nº 2 do artigo 9º.

 

 

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II – SANEAMENTO

 

- questão da incompetência material do Tribunal Arbitral Tributário

 

As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e tendo a sua apreciação carácter oficioso e prioritário, importa, desde já, apreciar a excepção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral tributário invocada pela Requerida.

 

- posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A AT suscita a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral pelas seguintes razões, em suma, e com relevo:

 

(i) “prévia à apreciação da legalidade ou ilegalidade das liquidações impugnadas há uma outra questão a decidir: a Requerente pretende que o tribunal aprecie a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção que exerceu, ao abrigo do previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do Código do IVA;

 

(ii) os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes;

 

(iii) no presente caso, os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, estão numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito por parte da Requerente à renúncia da isenção de IVA, nos termos do artigo 12º, nº1, alínea b) do Código do IVA ;

 

(iv) sendo essa dependência de natureza substancial e não apenas formal;

 

(v) o reconhecimento do direito que a ora Requerente tem, ou não, a renunciar à isenção nos termos referidos, determinará, ou não, a anulação das liquidações adicionais de imposto, uma vez que este depende directa e exclusivamente daquele;

 

(vi) a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer (…) se a ora Requerente tem ou não direito de renúncia à isenção prevista nos termos dos da alínea 2) do artigo 9º, conforme disposto no artigo 12º, nº1, alínea b), ambos do Código do IVA;

 

(vii)  o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária;

 

(viii) circunstância que decorre da letra do nº 1 do artigo 2º do RJAT que, como é sabido define os tipos de pretensões que podem ser apreciadas por tribunais arbitrais em matéria tributária;

 

(ix) o mesmo decorre, igualmente, do confronto entre a lei e a autorização legislativa, ao abrigo da qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária – nomeadamente, quando aí se referiu que “O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, (cfr., nºs 2 e 4, alínea b) do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril);

 

(x) daí resulta, de forma inequívoca, ter o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária”.

 

- posição da Requerente

 

A Requerente na resposta quanto à excepção suscitada pela AT,  sinaliza, em brevíssima nota para o que aqui interessa, os regime previstos no Decreto Lei nº 10/2011,de 20 de Janeiro e na Portaria de Vinculação quanto à competência dos Tribunais Arbitrais Tributários, de modo a concluir que a competência do tribunal arbitral para apreciar a legalidade das liquidações subjacentes terá que ser  aferida apenas á luz do RJAT, defluindo do seu artigo 2º a definição da competência em função de tipos de actos que são objecto da pretensão dos contribuintes – no caso, actos de liquidação adicional do IVA – e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se esses actos são legais – no caso, saber se o contribuinte poderia ou não renunciar à isenção do IVA nos termos do artigo 12º do CIVA, concluindo no sentido da improcedência da excepção da incompetência material do presente Tribunal Arbitral, suscitada pela Requerida.

 

 

- decisão da questão da competência material

 

A questão da incompetência material do Tribunal Arbitral em situações factuais em tudo similares à que subjaz dos presentes autos, foi já submetida à apreciação e decisão  arbitral, entre outros nos processos nºs 168/2015-T, 782/2015-T e 788/2015-T.

Extraindo-se do processo nº 168/2015-T, que aqui se transcreve com a devida vénia, o seguinte;

“ A Portaria nº 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria nº 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do CPPT.

Como se vê pelo artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pela RJAT apenas tendo em atenção a tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.

Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parte da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, se ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.

Assim, no processo arbitral à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes.

Mas, para haver essa impugnação autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação mas não materializada em actos tributários autónomos.

Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há noticia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.

Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por isso, sendo actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticados pela administração tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20º, nº 1 e 268. nº 4 da CRP.

Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode “ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida “ (parte final do artigo 54º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do nº 1 do artigo 97º e do artigo 99º do mesmo Código.

Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuros dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é um mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145º, nº 3, do CPPT, ao dizer que “as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para asseguras uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”

Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial,

Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização de impugnação judicial.

Assim com refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial”.

 

Concluindo-se no acórdão que vimos de transcrever;

 

“Por isso, quanto ao pedido de anulação dos actos de liquidação, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento em estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária”.

 

Face ao que vem de expor-se, não encontra este Tribunal Arbitral Colectivo razões decisivas e determinantes para decidir em sentido diferente do que vem de assinalar-se, de resto secundado por várias outras decisões preferidas no âmbito do CAAD, entre as quais se destacam, a título meramente exemplificativo, e pelo seu carácter mais recente as proferidas nos processos 782/2015-T, 788/2015-T, 789/2015-T e 160/2016 -T.

 

Julgando-se, em consequência, improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela AT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

 

O processo não enferma de nulidades, e não há outras excepções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

Antes de decidir, de facto e de direito, importa ainda resolver a

 

III - QUESTÃO DO REENVIO PREJUDICIAL

 

A Requerida, na sua resposta, solicita “que seja ordenado o reenvio do processo do TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267º do TJUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao referido regime de isenção”.

Sustenta para tanto que “toda a jurisprudência do TJUE, com alguma similitude ao caso dos presentes autos, resultou de casos que se situam numa posição antagónica ou, se quisermos, numa posição em espelho face à situação dos presentes autos”, uma vez que, “nesses casos, os visados pretendiam antes beneficiar da isenção relativamente à prestação de serviços médios, quando as administrações fiscais pretendiam a sua sujeição/tributação”, razão pela qual haverá “que averiguar se o conceito de “condições sociais análogas” deve aferir-se tendo em atenção se tal implica ou não uma violação do princípio da igualdade de tratamento relativamente aos outros operadores que efectuam as mesmas prestações em situações comparáveis, v.p.t. Acórdão Dornier C-45/01, de 6 de Novembro de 2003”.

 

Antecipa-se desde já não assistir qualquer razão à Requerida.

 

Com efeito, sem necessidade de quaisquer outras considerações, sempre se dirá, sinteticamente, que: (i) os tribunais arbitrais integram o conjunto dos tribunais nacionais como decorre do artigo 209º da Constituição da República Portuguesa (CRP), (ii) o preâmbulo do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, deixou expresso que “ (…) nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, (iii) em caso de dúvida interpretativa de normas de direito europeu o tribunal arbitral pode recorrer ao reenvio prejudicial, (iv) a Requerida não indicou as questões concretas que eventualmente pretenderia ver colocados junto do TJUE, (iv) no caso em apreço não subsistem para o tribunal arbitral dúvidas sobre a interpretação do (s) normativo (s) em causa.

 

Adicionalmente e de forma conclusiva, recuperamos aqui, com a devida vénia, o quanto vem dito no acórdão 315/2015-T, reiterado no acórdão 782/2015- T do CAAD;

 

“Como se refere no ponto 7 das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/ 01), do TJUE:

“ o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e por isso, não compete ao Tribuna pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”

Mais de recordo, no ponto 12 daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.                    já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ; ou

ii.                  quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele própria da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece.

Por fim, conforme consta do ponto 18, das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considera que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão”

No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir nem a Requerida o demonstra, não tendo, sequer, apresentado qualquer questão concreta que o demonstre.

Por outro lado, e como se verá infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação fatual de que se conhece.”

 

Face ao que vem dito, decide este Tribunal rejeitar o pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, suscitado pela AT.

 

 

IV – APRECIAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a- a Requerente foi constituída em 27/01/2007, sob a forma de sociedade por quotas;

b- a Requerente está colectada para o exercício de “actividades de medicina dentária e odontologia” (CAE 086230), tendo iniciado a sua actividade em 27/01/2007;

c- a Requerente apresentou em 26/01/2007 Declaração de Inicio de Actividade, junto do … Serviço de Finanças do Porto, tendo assinalado que iria efectuar “transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem direito à dedução”;

d- para efeitos de IVA a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal desde a data da sua actividade;

e- em sede de IRC a Requerente está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável;

f- a coberto da Ordem de Serviço nº OI 2014…, foi objecto de um procedimento inspectivo de natureza externa, de âmbito geral, com referência aos períodos de 2011 e 2012;

g- a Requerente foi seleccionada para inspecção por critérios definidos distritalmente;

h- na sequência da referida acção inspectiva a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária, através do Ofício nº …/… de 2015-12-29, onde consta a fundamentação das liquidações impugnadas;

i- os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral resultaram da referida acção inspectiva, que culminou com a notificação à Requerente do respectivo Relatório;

j-  do Relatório de Inspecção Tributária, consta, para além do mais, o seguinte:

 

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA

 

A. Imposto sobre o Valor Acrescentado

A.1. Dedução indevida de Imposto

A.1.1. Enquadramento Legal da Atividade de Odontologia/Medicina Dentária.

 

A exposição que se segue visa proceder ao enquadramento da atividade de Odontologia/Medicina Dentária, em sede de IVA.

 

- “O artº 9 do CIVA enumera determinadas operações que, por serem consideradas de interesse geral ou social e com fins de relevante importância, ficam abrangidas pela isenção prevista neste artigo pretendendo assim o legislador desonerar, quer administrativamente, quer financeiramente, tais actividades.

 

No que respeita à saúde, no nº 1 do artº 9º do CIVA estão isentas de imposto “As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontoligista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”. Refira-se que esta isenção, prevista no referido nº 1 do artº 9º do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços e, nomeadamente de se tratar de uma pessoa singular ou coletiva.

 

No nº 2 do artº 9º do CIVA estabelece-se que estão isentas “As prestações se serviços médicos e sanitárias e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

 

Note-se que o nº 2 do artº 9º do CIVA transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do nº 1 do artº 132º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro, prevendo que estão isentas de imposto as seguintes atividades; “A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimento da mesma natureza devidamente reconhecidos,”

 

Pelo que se pode concluir que a isenção prevista no nº 2 do referido artigo abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimento similares (hospitalização/internamento.

 

Por outro lado, consideram-se estabelecimentos similares, para efeitos da isenção referida, os estabelecimentos de saúde, ou seja, os estabelecimentos que efetivamente realizem operações que revistam a natureza de serviços de saúde.

 

Pronunciando-se sobre dúvidas de enquadramento no nº 1 ou no nº 2 do artº 9 do CIVA, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00, referente ao caso Kügler (nº 36), evidenciou que as alíneas b) e c) do nº 1 do artº 132º da Diretiva do IVA, embora isem regular as isenções que são aplicáveis aos serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos. Enquanto a alínea b) – que corresponde ao nº 2 do artº 9º do CIVA – isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao nº 1 do artº 9º do CIVA- destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer lugar.

 

Donde se concluiu que a actividade de Odontologia/Medicina Dentária, exercida em contexto diverso do serviços de assistência em meio hospitalar, deve ser enquadrada no nº 1 do artº 9 do CIVA”.

 

A.1.2. Situação do Contribuinte

A.1.2.1. Atividade efetivamente exercida

 

O sujeito passivo iniciou a sua actividade de prestação de serviços de saúde, na área da odontologia/medicina dentária, em 26/01/2007.

A atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo consiste na prestação de serviços de medicina dentária e odontologia realizada em clínica, que se consubstancia na realização de consultas médicas, tratamentos e atos cirúrgicos no âmbito da medicina dentária, bem como na realização de exames complementares de diagnósticos conexos.

 

Realça-se que, em caso algum os serviços prestados envolvem a hospitalização ou o internamento dos pacientes. Acresce que, pelo exposto no parágrafo anterior, os referidos serviços prestados não são efetuados em meio hospitalar.

 

A.1.2.2. Declaração de Inicio de Atividade e Enquadramento em Sede de IVA

A.1.2.2.1. Declaração de Início de Atividade

A Declaração de Início de Atividade pode ser apresentada por declaração verbal, efetuada pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 35º do CIVA, com todos os elementos necessários ao registo de início de atividade. Os referidos elementos são imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado (Documento Comprovativo do Início de Atividade).

 

Assim, no momento da apresentação da Declaração de Início de Atividade, feita por declaração verbal (front-office), não podem subsistir dúvidas na esfera do contribuinte relativamente ao seu enquadramento fiscal em sede dos diferentes impostos, nem quanto às suas obrigações futuras daí decorrentes.

 

O sujeito passivo apresentou a Declaração de Início de Atividade, prevista no artº 31º do Código do IVA (CIVA), através de declaração verbal (front-office), em 26/01/2007, no… Serviço de Finanças do Porto (código…).

 

Na referida declaração o sujeito passivo assinalou, quanto ao tipo de operações que iria efetuar, apenas a opção das “transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem direito à dedução”, não tendo assinalado a opção “isentas que não conferem direito à dedução”. Acresce que, o sujeito passivo também não preencheu qualquer campo no quadro “Opção pelo Regime de Tributação (IVA)”, nomeadamente o referente à possibilidade de opção pela renúncia à isenção, prevista nos nºs 1 e 2 do artº 12º do CIVA.

 

A.1.2.2.2. Enquadramento em sede de IVA

 

Em resultado dos elementos constantes da Declaração de Início de Atividade referida no ponto anterior, em sede de IVA, o sujeito passivo ficou enquadrado no regime normal de tributação, com periodicidade mensal, desde 26/01/2007 (dará de início de atividade)

 

Decorrente do seu enquadramento, o sujeito passivo sujeitou a IVA a totalidade das operações realizadas no âmbito da atividade desenvolvida e deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços.

 

Porém, face à atividade que o sujeito passivo veio efetivamente a desenvolver – medicina dentária e odontologia – deveria ter indicado na Declaração de Início de Atividade que iria efetuar operações isentas, dado que esta atividade se encontra elencada no artº 9º do CIVA, em particular no seu nº 1.

 

Quanto muito, caso o sujeito passivo tivesse intenção vir a realizar outras operações, sujeitas a IVA e dela isentas, deveria assinalar na referida declaração que iria efetuar transmissões de bens e/ou prestação de serviços:

 

- Que conferem o direito à dedução,

e,

- Isentas que não conferem o direito à dedução.

 

Neste último caso, seria enquadrado como sujeito passivo misto, porquanto no exercício da sua atividade sempre iria praticar operações isentas que não conferem direito à dedução do imposto suportado, designadamente os serviços de medicina dentária.

 

Acresce que, atendendo à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo e ao ambiente em que é realizada (fora de meio hospitalar), não poderia ser enquadrada no nº 2 do artº 9º do CIVA.

 

A.1.2.2.3. Possibilidade de Renúncia à Isenção e Exercício desse Direito

 

Caso de admitisse, por mera hipótese académica, sem conceder que as prestações de serviços de medicina dentária estavam enquadradas no nº 2 do artº 9 do CIVA, haveria então, a possibilidade de poder renunciar à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artº 12º do CIVA.

 

Relativamente à possibilidade de renúncia ao regime de isenção, dispõe a alínea b) do nº 1 artº 12º do CIVA que podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações “os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efetuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas”

 

Assim, a opção pela tributação das operações realizadas pelo sujeito passivo (que no caso só seria admissível se as mesmas fossem enquadradas no âmbito do nº 2 do artº 9º do CIVA, que não é o entendimento da AT) só seria possível, se previamente fosse comunicada tal opção, mediante a entrega da Declaração de Início de Atividade ou de Alterações, consoante os casos, produzindo efeitos, sempre, a partir da data da sua apresentação.

 

Trata-se de uma condição formal enunciada pelo legislador como requisito essencial para que o sujeito passivo possa optar pela tributação de determinadas operações. A este respeito e nesta linha de orientação existe a seguinte jurisprudência:

(i) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22-05-2012 no Processo 05235/11- “A renúncia à isenção, possibilitada pelo artº 12º, nº1 CIVA, em circunstância alguma é susceptível de ser presumida, pelo que, se o sujeito passivo não apresenta pedido/declaração de renúncia, tem de ser submetido ao regime de isenção, por, originariamente, o seu próprio”,

(ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21-05-2013, no Processo 05447/12 – “Desde que renuncie à isenção, a pessoa singular ou colectiva em causa torna-se, a partir do momento da renúncia e jamais retroactivamente, um normal sujeito passivo, capaz de  liquidar e deduzir imposto, referente aos factos geradores verificados após a data em que se torna eficaz a renúncia, nos moldes comuns a todas as pessoas não isentas e daí a impreterível necessidade de apresentação da identificada declaração, única via legal de accionar o funcionamento dos mecanismos privativos de acção do IVA.

 

A.1.2.3. Consequências Fiscais

 

O sujeito passivo não podia ter considerado que a sua atividade – medicina dentária – seria sujeita a IVA e dela não isenta, pela mesma se enquadras no nº1 do artº 9º do CIVA.

 

Assim na ausência de outras operações, além das realizadas no âmbito da atividade da medicina dentária (operações isentas nos termos do nº 1 do artº 9º do CIVA), com referência aos anos de 2011 e 2012, tal implica a não aceitação da totalidade do IVA deduzido, conforme o previsto no nº 1 do artº 20º do CIVA”.

 

k. em 2016-04-21 a Requerente apresentou nos respectivos serviços de finanças reclamação graciosa contra as liquidações provindas do relatório dos SIT a que veio a caber o nº … da Direcção de Finanças do Porto;

l. em 2016-07-18, foi a Requerente notificada pelo Ofício nº 2016…, do projecto do Relatório de Inspecção Tributária, e para exercício do respectivo direito de audição;

m- através do ofício 2016…, datado de 2016-08-31, foi a Requerente notificada do indeferimento da reclamação graciosa sancionado por despacho de 2016-08-29;

n- a Requerente procedeu ao pagamento integral do imposto resultante das liquidações.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, inexistem factos não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o foi alegados pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada de não provada [( cfr. art. 123º, º 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis, ex vi  artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito, (cfr. artigo 596º do CPC. aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados

 

B – MATÉRIA DE DIREITO

 

Antes de afrontarmos a questão central que os presentes autos convocam, impor-se-á um ainda que breve incurso ao quadro normativo e jurisprudencial que lhe subjaz (isenções no IVA, renúncia à isenção)

 

- as isenções no IVA

 

Afigura-se oportuno sublinhar que o conceito de isenção, não sendo alheio a dificuldades interpretativas de vária e complexa ordem, é distinto do da não incidência de imposto, perfilhando-se a conceptualização proposta por Alberto Xavier no sentido de que a não incidência “decorre da não verificação de um elemento positivo do tipo legal do facto tributário ou da verificação de um seu elemento negativo”, enquanto na isenção “não obstante se ter verificado o facto tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela ocorrência de um outro facto a que a lei atribui assim eficácia impeditiva”.

 

No quadro legal doméstico o artigo 9º do CIVA estatui o elenco das “isenções nas operações internas” e perante a proposta sistemática e normativa usuais, isenções na modalidade de incompletas, simples ou parciais, (em contraponto com as isenções completas ou totais), nos termos das quais não é conferido o direito à dedução do IVA suportado, valendo por dizer que nestas isenções o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas, mas não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização.

Neste tipo de isenções poder-se-á afirmar que se quebra a cadeia de deduções, já que o operador isento não pode deduzir o imposto suportado a montante, podendo falar-se de um “imposto oculto” significando-se com isto que o imposto suportado pelo operador para a realização da sua actividade (inputs), não podendo ser deduzido, tenderá a incorporar-se, tendencialmente, no valor dos bens ou serviços, colocando assim em crise a neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, como uma das suas características fundamentais e distintivas dos demais impostos.

As isenções nas operações internas previstas no artigo 9º do CIVA, e para o que aqui releva, transpõem o artigo 132º do Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, na medida em que “Os Estados-Membros isentam as seguintes operações”;

 

“b) a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”;

 

“c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.

 

Por seu turno, estabelecem os artigos 9º e 12º do CIVA o seguinte:

 

Artigo 9º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1. As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédica;

2. As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

 

Artigo 12º

Renúncia à isenção

1. Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:

(…)

b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuam prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas.

 

2. O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro lugar legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partis da data da sua apresentação.

3. Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção;

a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquela em que tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;

b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos no nº 5 do artigo 24º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado”

 

Os fundamentos das isenções, que algumas das enumeradas no artigo 9º do CIVA perfilham, têm a ver com “certas actividades de interesse geral”, tendo subjacente “um conjunto de isenções internas que são motivadas por razões de ordem económica e social, tendo em vista promover o acesso e consumo daquilo que se costuma designar bens de mérito (merit goods)”[1], com particular interesse, e para o que nos importa, de significativa relevância social, as isenções relativas ao exercício de funções de “médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, sejam elas praticadas por “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares” (nº 2 do artigo 9º), ou fora deles (nº 1 do mesmo artigo).

Tais isenções reportam-se a “actividades que tenham por objectivo diagnosticar, tratar e se possível curar doenças ou anomalias de saúde”.[2].

Importa ainda referir, na sinopse do quadro normativo, que o Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA) que entrou em vigor em 01 de Janeiro de 1986 corresponde nas suas regras à transposição da vulgarmente designada Sexta Directiva CEE (Directiva 77/388/CEE) do Conselho, de 17 de Maio de 1977, directiva essa entretanto revogada pela Directiva 2006/112/CE, usualmente designada por Directiva IVA (DIVA), de 28/11/2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, que veio reformular o texto da Sexta Directiva em termos essencialmente formais.

Revelar-se-á, deste modo, de central relevância convocar à luz da Directiva IVA, e ainda que perfunctoriamente, alguns aspectos relacionados com as isenções, seu carácter objectivo e da sua interpretação, que têm vindo a ser levadas a cabo na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Para tanto, perfilhamos, seguindo de perto a laboriosa e exaustiva análise efectuada por Sérgio Vasques, (no seu recente trabalho já citado), partindo, desde logo, do princípio “de que as regras de isenção possuem carácter excepcional no contexto do IVA, devendo por isso ser interpretadas de modo estrito i.e., de modo literal, ficando vedada a interpretação extensiva ou por analogia.”

Tal interpretação das normas de isenção, reiterada por diversas vezes na jurisprudência do TJUE, tem em consideração a circunstância de que sendo o IVA um imposto geral sobre o consumo “está subordinado a um princípio de generalidade, devendo tendencialmente aplicar-se a todos os bens e serviços razão pela qual as regras de isenção, entorse que são à generalidade do imposto, devem ser “expressas e precisas”[3].

Não obstante a reiterada reafirmação do TJUE quanto à qualificação das normas de isenção, como de carácter excepcional, excluindo a sua interpretação extensiva ou a analogia,[4] a verdade é que o TJUE tem “temperado” tal interpretação no sentido de que “ esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva e que as regras de isenção da Directiva IVA não devem ser interpretadas de maneira a “privá-las dos seus efeitos”[5], valendo por dizer que o elemento finalístico tem servido para que o TJUE fixe o sentido das normas de isenção do IVA, observados que sejam os limites determinados pelo seu elemento literal.

Além dos elementos literal e finalístico e como nos dá conta Sérgio Vasques (obra e local citados) “o tribunal [TJUE] tem também atendido, em maior ou menor medida, ao elemento histórico, procurando em muitos casos olhar à origem e evolução das normas de isenção para lhes fixar o sentido”, concluindo ainda o autor que “também o elemento sistemático tem servido em muitos casos para que o TJUE fixe o sentido das normas de isenção previstas na Directiva IVA”.

 

Estando em causa uma prestação de serviços de saúde, esta estará isenta de imposto na medida em que se enquadre na norma transcrita. A aplicação da isenção, quando reunidas as condições, é obrigatória.

 

Considerando que no que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, o entendimento do TJUE, designadamente no Acórdão de 14.09.2000, Processo C-384/98, é o de que se consideram como tais as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.

Do mesmo modo, no Acórdão de 10.06.2010, do mesmo TJUE, no Processo C-262/08, consideram-se como tendo a natureza de prestações de serviços médicos as atividades destinadas a impedir, evitar ou prevenir uma doença, uma lesão ou anomalias de saúde, ou a detetar doenças latentes ou incipientes.

Ora, a Requerente presta, numa clínica – e não em outro qualquer local -, serviços de medicina dentária e odontologia, aí realizando também exames complementares de diagnóstico, pelo que beneficia da isenção obrigatória prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

A sua actividade é enquadrável no número 2 e não no número 1, pois este último refere-se à prestação de serviços fora de meio hospitalar, e a Requerente presta os seus serviços num estabelecimento - clínica - especificamente dedicado (e, necessariamente, equipado) a essa prestação, e não em outro qualquer local, designadamente, no domicílio do médico ou técnico ou no do paciente.

O facto de os serviços prestados pela Requerente o serem em regime ambulatório, não incluindo, em nenhum caso, internamento hospitalar, é irrelevante, pois tal internamento não constitui exigência nem da lei comunitária nem da nacional – designadamente, não é factor de exclusão da previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA ou de inclusão na do seu nº 1.

 

- renúncia à isenção

 

Como se viu, as isenções enumeradas no artigo 9º do CIVA assumem (por razões diversas) carácter obrigatório, admitindo-se a sua renúncia unicamente nas situações previstas no artigo 12º do diploma, com o objectivo de obviar os efeitos penalizadores dessas isenções. Ou seja, poderão ser tributados por opção expressa do sujeito passivo as operações aí previstas.

Para o que aqui interessa, determina a alínea b) do nº 1 do assinalado normativo:

 

ARTIGO 12º

 Renúncia à isenção

1.Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações;

(…)

b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efetuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas”

A renúncia à isenção do IVA será materializada e produz efeitos com a entrega de declaração de alterações. Esta opção de renúncia obriga o sujeito passivo a permanecer no regime geral durante um período mínimo de cinco anos.

Importa considerar as regularizações de imposto previstas no artigo 25.º do Código do IVA, norma que se refere à alteração de um regime de isenção para um regime geral de tributação.

A partir do momento em que o sujeito passivo entrega declaração de alterações, mencionando a intenção de se enquadrar num regime geral de tributação, deve naturalmente proceder à liquidação do imposto nas operações por si praticadas, designadamente subsídios, na medida em que estes se encontrem abrangidos pela alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do Código do IVA.

E, assim,

- Se o sujeito passivo renunciou à isenção prevista do artigo 9.º do Código do IVA e, consequentemente, liquida IVA pelos referidos serviços, o IVA suportado para a realização das operações em causa é dedutível;

- Se o sujeito passivo não renunciou à isenção prevista do artigo 9.º do Código do IVA e, consequentemente, não liquida IVA pelos referidos serviços, o IVA suportado para a realização das operações em causa não é dedutível, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.

Se a entidade em causa optou pela renúncia à referida isenção, tendo procedido à entrega da declaração de alterações, tem que proceder à liquidação do IVA (campos 3 e 4 do quadro 06 da Declaração Periódica).

Ora, no caso, a Requerente não só não renunciou à isenção de que goza aquando da declaração de início de actividade como não o fez em momento posterior – cfr. o nº 2 do artigo 12º do CIVA.

Isto não obstante estar em condições de renunciar à isenção, já que é uma clínica não pertencente a pessoa colectiva de direito público ou a instituição privada integrada no sistema nacional de saúde, que efectua prestações de serviços médicos e operações com elas estreitamente conexas, de acordo com a alínea b) do nº 1 do citado artigo 12º.

Porém, na declaração de início de actividade, a Requerente não fez opção de renúncia à isenção, como nota a Requerida, nem há notícia de que, em outro qualquer momento, tenha apresentado declaração de alterações.

E não se diga que não tinha que o fazer: o direito comunitário, ao não prever, expressamente, o modo como deve ser feita a opção pela renúncia à isenção, deixou aos direitos internos espaço para disporem sobre tal matéria, como se lê no nº 2 do artigo 137º da Directiva do IVA – embora, aqui, a previsão não incida sobre a prestação de cuidados de saúde.

No caso do direito português, aquele espaço foi ocupado através do artigo 12º do CIVA, o qual não contem um regime inadequado aos objectivos da cobrança e do controlo do IVA, nem desproporcionado, nem excessivamente oneroso para os contribuintes, de modo a dificultar a sua opção.

O princípio da neutralidade fiscal que informa o IVA não sai atingido, como também não são ofendidos os da proporcionalidade e da efectividade.

Em súmula, o facto de a Requerente preencher os requisitos substanciais para poder optar pela renúncia à isenção não fez com que tal opção operasse automaticamente, na falta de preenchimento dos requisitos formais que a lei nacional legítima e razoavelmente impõe.

E, assim, a actuação da AT não se mostra desconforme à lei, não merecendo censura nem os actos de liquidação nem o de indeferimento da reclamação graciosa aqui questionados. O que arrasta o insucesso do pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.

Duas observações complementares, para melhor esclarecimento do que aqui se decide:

Para quem porventura entenda que a AT se fundou no entendimento, e só nele, agora considerado erróneo, de que a actividade da Requerente se insere na previsão do nº 1 do artigo 9º do CIVA, e não no do seu nº 1 – entendimento que está longe de corresponder à realidade -, nem por isso a decisão poderia ser outra, porquanto o princípio do aproveitamento dos actos administrativos impunha a mesma decisão, já que a observância da lei, correctamente interpretada e aplicada, fatalmente levaria à solução adoptada.

A segunda observação respeita à anterior decisão do CAAD proferida no processo nº 782/2015-T, invocada pela Requerente. Este tribunal arbitral não ignorou o comando do artigo 8º nº 3 do Código Civil; a discrepância não resulta de diversa interpretação e aplicação do direito, mas de o mesmo direito ter sido aplicado a quadros factuais diferentes nos dois processos, conforme evidencia o respectivo cotejo.

 

 

V - DECISÃO

Nos termos e pelos motivos expostos, decide-se:

 

- Julgar totalmente improcedente o pedido da Requerente;

- Condená-la nas custas do processo, que se fixam em € 4.284,00;

- Fixar ao processo o valor de € 234.573,57, de conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 28 de Junho de 2017.

 

Os árbitros,

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

(José Coutinho Pires)

 

 

(Hugo Freire Gomes)

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelos árbitros.

A redacção do presente acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 



[1] Sérgio Vasques, O Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Almedina, 2015, páginas 316 e seguintes.

[2] Rui Laires, AAVV, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, coordenação de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, página 124.

[3] Acórdão TJUE, Comissão vs. Países Baixos, C-235/85,26.03.1987

[4] Acórdão Copygene, de 13 de Junho de 2008, processo C-262/08.

[5] Sérgio Vasques, obra citada, página 327 e seguintes