DECISÃO ARBITRAL
· RELATÓRIO
· A…, contribuinte n.º…, residente na …, n.º…, … - … Lisboa, na qualidade de responsável pela cessação da sociedade comercial B…, Lda., doravante designado por Requerente, apresentou em 05/09/2016 pedido de pronúncia arbitral com vista à impugnação e anulação dos despachos de indeferimento expresso das reclamações graciosas números … e … – Direcção de Finanças de … que têm como objecto as liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), praticadas pelo Serviço de Finanças de … e nos montantes de € 15 600 e de € 10 189,01, respectivamente.
· O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 10/11/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
· No dia 25/11/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
· Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 28/11/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).
· Em 17/01/2017 a Requerida apresentou a sua resposta na qual pugnou pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.
· O tribunal em 17/04/2017 convidou o Requerente a indicar a matéria de facto vertida no seu pedido de pronúncia arbitral sobre a qual pretendia produzir prova testemunhal.
· O Requerente em 20/04/2017 veio aos autos renunciar a tal inquirição.
· O tribunal em 24/04/2017, por despacho, determinou a não produção de prova testemunhal e decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou a data para proferir a decisão arbitral.
· As partes em 03/05/2017 e 16/05/2017, apresentaram as alegações finais escritas, não modificando as suas posições iniciais.
· POSIÇÃO DAS PARTES
O Requerente defende que são ilegais as revogações dos actos administrativos em matéria tributária consubstanciados no benefício fiscal de isenção de IMT.
Refere que os actos administrativos em matéria fiscal que sejam constitutivos de direitos só podem ser revogados com fundamento em invalidade, no prazo de 1 ano e que este prevalece sobre o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto na Lei Geral Tributária (LGT), que se aplica apenas aos actos tributários e não aos actos prejudiciais de liquidação, como a concessão de benefícios fiscais.
Não sendo a concessão da isenção de IMT revogada dentro desse prazo, consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, que o posterior acto de liquidação não pode violar, sob pena de incorrer no vício de violação de lei.
Em segundo lugar, defende que os actos de liquidação «adicional» de IMT ocorreram numa altura em que há muito já se encontrava expirado o prazo de caducidade, pelo que serão sempre ilegais. Nas suas palavras: «Tendo as liquidações, supostamente deficientes, sido feitas em 17/12/2009 e 14/12/2009 e as escrituras de compra e venda outorgadas em 21/12/2009, é evidente que expirou já o prazo para a AT proceder às pretendidas liquidações adicionais» que é de 4 e não de 8 anos, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Em terceiro lugar, alega que há má-fé da AT ao convolar os recursos hierárquicos em reclamações graciosas, tendo revogado um benefício fiscal que estava cristalizado na ordem jurídica. No seu juízo: «… tendo a Administração Tributária constatado que a revogação das concessões de um benefício seria extemporânea em face do artigo 141.º do CPA…» decidiu convolar um meio que visa atacar a legalidade de um acto administrativo em matéria tributária, numa espécie impugnatória administrativa que visa atacar uma liquidação inexistente.
Tal circunstância impede o Requerente de discutir a ilegalidade das revogações pelo meio legal que, por força de eventual indeferimento, permitiria que fosse interposta acção administrativa, por estar em causa um acto administrativo em matéria tributária.
Deste modo, alega que a actuação da AT se encontra pejada de um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Em quarto lugar defende que a liquidação padece de erro nos pressupostos de facto e de direito quando tem subjacente a interpretação de que que os lotes de terreno adquiridos não se destinam à instalação de um empreendimento turístico, mas antes à sua exploração.
A correcta interpretação do art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro incorpora no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções aquando da primeira transmissão, beneficiando estes do mesmo estatuto que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário, uma vez que as fracções, enquanto elementos funcionais do empreendimento no seu todo, enquadram-se no processo de instalação.
A aquisição dos lotes de terreno pela representada do Requerente não constitui um negócio jurídico imobiliário, mas sim um investimento turístico, encontrando-se a propriedade, embora plena, limitada quanto ao uso a dar aos imóveis e à possibilidade de os explorar, já que não pode ser o adquirente a fazê-lo, mas sim a entidade exploradora do aldeamento.
Finaliza, peticionando a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, visto que para suspender a execução fiscal n.º …2016… foi constituída hipoteca voluntária.
i) Ilegalidade da revogação do acto administrativo
A Requerida defende que a isenção em causa reveste natureza automática e vinculada, pelo que, nunca podia haver lugar à revogação de um acto que não existiu. Isto é, se o benefício fiscal é conferido directamente pela lei, sem necessidade de reconhecimento, não tem aplicação aos autos o art. 141.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) na redacção em vigor à data dos factos.
ii) Caducidade do direito à liquidação
Quanto à pretensa ofensa do prazo de caducidade sustenta que não assiste razão ao Requerente, porquanto parte de um pressuposto errado, de que estamos perante uma liquidação adicional e não de uma primeira liquidação, como defende que acontece na presente hipótese. Ou seja, não há a correcção de qualquer liquidação anterior, mas sim dos pressupostos que levam à tributação: inexistência de isenção automática e vinculada.
iii) Violação do princípio da segurança jurídica
Relativamente à violação do princípio da segurança jurídica defende a Requerida que não há qualquer violação, mas sim a actuação da AT no âmbito de poderes vinculados e no cumprimento de normas legais. Isto é, a AT apenas utilizou a sua prerrogativa de fiscalização dos sujeitos passivos a quem foi concedido um benefício fiscal, ainda que de natureza automática.
Neste âmbito sustenta também que, a convolação do recurso hierárquico em reclamação graciosa visou aproveitar a petição do reclamante para instaurar o meio correcto – reclamação graciosa – assim nunca poderia ser sindicado administrativamente o cancelamento/revogação do benefício fiscal que nunca existiu e, consequentemente, discutir o prazo legal para a revogação de um acto administrativo.
Por isso, advoga igualmente que o facto de existir uma isenção automática impede a liquidação do imposto e, portanto, o DUC n.º … e o DUC n.º … não contêm nenhuma liquidação, visto que os DUCS foram gerados pela declaração do contribuinte. Na verdade, estamos perante um facto tributário sujeito (normas de sujeição), mas totalmente isento de imposto (normas de isenção), pelo que não haverá lugar ao cálculo de imposto (normas de liquidação) e, assim, a liquidação foi efectuada dentro do prazo de caducidade.
iv) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito
Quanto ao erro sobre os pressupostos de facto e direito, a Requerida defende que o art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro assinala que do mesmo resultam duas exigências a ter em conta: i) os prédios ou fracções devem ter como destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística e ii) seja observado o prazo fixado para abertura ao público do empreendimento.
A primeira exigência, deve ser interpretada como a aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, desde que devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a exploração e não com a instalação.
Deste modo, a sociedade aqui representada pelo Requerente adquiriu um produto já acabado em termos de instalação, ou seja, comprou lotes de terreno com projecto (para obtenção da utilidade turística a título prévio terá que existir um anteprojecto aprovado do empreendimento, ficando o benefício condicionado à aprovação do projecto, artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro) de moradias sitas em empreendimento já licenciado e, assim, com alvará de utilização emitido. Em suma, não pode usufruir do benefício fiscal.
v) Indemnização por prestação de garantia indevida
Quanto à indemnização por prestação de garantia indevida defende a Requerida que, no caso concreto, não se verificou qualquer erro imputável aos serviços e o dever de indemnização não resulta imediata e automaticamente da anulação do acto.
Nesta sequência, o tribunal tem de conhecer as seguintes questões:
a) Se se verifica a revogação ilegal dos actos administrativos em matéria tributária consubstanciados no benefício fiscal de isenção de IMT;
b) Se se verificou a caducidade do direito à liquidação;
c) Se a convolação dos recursos hierárquicos em reclamações graciosas consubstancia a violação dos princípios da segurança, da certeza jurídica e da boa-fé;
d) Se as liquidações padecem do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto consideram que o benefício em análise apenas se aplica à «instalação»;
e) Se o Requerente tem direito a uma indemnização por prestação de garantia indevida.
· SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência daqueles depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT. Por outro lado, o objecto dos autos integra o mesmo imposto, o IMT.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. Por escritura pública outorgada em 21/12/2009 a B…, Lda. adquiriu à C…, S.A., os prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia do … sob os artigos … e …, descritos na Conservatória do Registo Predial de …, com os números … e … e que integram o loteamento titulado pelo alvará n.º…, emitido em 05/08/2004 pela Câmara Municipal de … sob os números … e …, respectivamente.
4.1.2. Os prédios identificados em 4.1.1. encontram-se incorporados no «Aldeamento Turístico …» de 5 estrelas que por sua vez integra o conjunto turístico denominado: «… ».
4.1.3. Em tal acto declarou-se que: «…a moradia a construir (…) se destina a exploração turística».
4.1.4. Por despacho n.º 15830/2008, datado de 30/04/2008, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República em 09/06/2008 foi atribuída utilidade turística, a título prévio, ao aldeamento turístico «…», pelo prazo de 3 anos.
4.1.5. Uma das condições fixadas no referido despacho consiste na obrigação do empreendimento turístico abrir ao público antes do término do prazo de validade da utilidade turística prévia.
4.1.6. Por escritura pública outorgada em 21/12/2009 a B…, Lda. adquiriu à C…, S.A., o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … sob o artigo…, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o n.º … e que integra o loteamento titulado pelo alvará n.º…, emitido em 05/08/2004 pela Câmara Municipal de … sob o número … .
4.1.7. O prédio identificado em 4.1.6. encontra-se incorporado no «Aldeamento Turístico …» de 5 estrelas que por sua vez integra o conjunto turístico denominado: «…».
4.1.8. Em tal acto declarou-se na cláusula quarta denominada – Afectação à Exploração Turística que: «O Segundo Outorgante em nome da sua representada compromete-se a ceder para exploração turística à Entidade Exploradora do Aldeamento Turístico …, C…, S.A., a moradia que vier a ser edificada no lote objecto da presente compra e venda, cuja construção deverá estar terminada no prazo de um ano a contar de hoje. Pelo Segundo foi dito na invocada qualidade: - Que aceita esta compra e venda nos termos exarados e que a moradia a construir no lote se destina a exploração turística».
4.1.9. Por despacho n.º 15830/2008, datado de 30/04/2008, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República em 09/06/2008 foi atribuída utilidade turística, a título prévio, ao aldeamento turístico «…», de 5 estrelas, pelo prazo de 3 anos.
4.1.10. Uma das condições fixadas no referido despacho consiste na obrigação do empreendimento turístico abrir ao público antes do término do prazo de validade da utilidade turística prévia.
4.1.11. O Requerente foi notificado do despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de …, datado de 28/01/2015, no qual deu conhecimento da proposta de decisão administrativa de liquidação de IMT, relativamente aos prédios identificados em 4.1.1. e concedeu prazo para o exercício do direito de audição.
4.1.12. O Requerente foi notificado do despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de…, datado de 28/01/2015, no qual deu conhecimento da proposta de decisão administrativa de liquidação de IMT, relativamente ao prédio identificado em 4.1.6. e concedeu prazo para o exercício do direito de audição.
4.1.13. O Requerente exerceu o direito de audição prévia em 05/03/2015 nos respectivos procedimentos.
4.1.14. Por despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de …, datado de 11/05/2015, o Requerente foi notificado do indeferimento dos requerimentos de audição prévia, constando das notificações que: «Deste despacho, cabe a possibilidade de o SP (Sujeito Passivo), interpor, querendo, recurso hierárquico…».
4.1.15. O Requerente apresentou dois recursos hierárquicos.
4.1.16. Os despachos decisórios dos recursos hierárquicos datados de 28/08/2015 e 31/08/2015 determinaram a convolação destes em reclamações graciosas, apesar de até tais datas não terem ainda sido praticadas quaisquer liquidações de IMT.
4.1.17. O Serviço de Finanças de … notificou o Requerente, por despacho de 30/09/2015, da liquidação de IMT, no montante de € 15 600.
4.1.18. O Serviço de Finanças de … notificou o Requerente, por despacho de 30/09/2015, da liquidação de IMT, no montante de € 10 189,01.
4.1.19. O Requerente apresentou reclamação graciosa em 01/03/2016 da liquidação de IMT n.º 2016/…, de € 15 600.
4.1.20. O Requerente apresentou reclamação graciosa em 01/03/2016 da liquidação de IMT n.º 2016/…, de € 10 189,01.
4.1.21. O Requerente foi notificado do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º …2016…, datado de 01/06/2016, que manteve o acto de liquidação de IMT no montante de € 15 600.
4.1.22. O Requerente foi notificado do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º …2016…, datado de 31/05/2016, que manteve o acto de liquidação de IMT no montante de € 10 189,01.
4.1.23. O Requerente constituiu hipoteca voluntária sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o n.º … para suspender os processos de execução fiscal n.º …2016… e …2016… .
4.1.24. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 05/09/2016.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. MATÉRIA DE DIREITO
5.1. Questão da revogação ilegal dos actos administrativos de reconhecimento de benefícios fiscais
O Requerente sustenta que os actos de liquidação de IMT, objecto do indeferimento expresso das reclamações graciosas são ilegais, porquanto pressupõem a revogação de acto administrativo de concessão de um benefício fiscal, o que, segundo o seu entendimento, viola o disposto nos artigos 140.º e 141.º do CPA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro. Ou, dito de outro modo, no seu juízo a «revogação» apenas poderia ser realizada no prazo de 1 ano.
A existência de um anterior acto administrativo inválido é condição essencial à revogação administrativa, havendo que averiguar se as liquidações de IMT consubstanciam a revogação de qualquer acto anterior da AT. A resposta à questão exige que se determine se o benefício fiscal é automático ou depende de reconhecimento.
O art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, dispõe que: «São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento».
Deste modo, o acesso ao benefício resulta directa e imediatamente da lei, ou seja, desde que verificadas as condições descritas no normativo, existe o direito a usufruir da isenção de IMT nas aquisições de prédios e de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística. Consequentemente, a eficácia do benefício fiscal não se encontra dependente da emissão de qualquer acto administrativo de reconhecimento, ou seja, é de natureza automática. E não existindo um anterior acto administrativo inválido, não se vê como fosse possível a revogação administrativa.
É esta a posição da jurisprudência quando afirma que: «…da análise do DL 423/83 resulta que em nenhuma das suas normas se condiciona a atribuição da isenção de IMT ou de redução de IS, estas sim expressamente previstas no n.º 1 do artigo 20.º, à sua expressa referência e previsão no próprio despacho de atribuição de utilidade turística. Os únicos benefícios fiscais sobre os quais este despacho se deve pronunciar são apenas aqueles que estão previstos no art. 16.º, cujo n.º 4, na redacção introduzida pelo DL 38/94, de 8/2, estabelece que “para os efeitos da alínea b) do número 1 (isenção ou redução das taxas devidas, por licenças, aos governos civis e à Direcção-Geral do espetáculos), o despacho de atribuição da utilidade turística definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e o prazo dos benefícios a conceder”. E se fosse outra a intenção do legislador é evidente que a teria consagrado. E, assim, sendo, os benefícios fiscais aqui em causa resultam imediata e directamente da lei (n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83, de 5/12), ou seja, são automáticos, verificados que estejam os pressupostos de aplicação que não compreendam actos de reconhecimento a não ser a qualificação de utilidade turística, ainda que atribuída a título prévio.(…) Tendo tais benefícios, assim, natureza automática, é óbvio que os mesmos são de aplicação automática verificados os condicionalismos legalmente impostos.», acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/01/2010, proferido no processo n.º 0937/09 e em que foi relatora a Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
E como devemos enquadrar a participação da AT quando os seus serviços emitiram os documentos com a seguinte referência: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (art. 20.º do D.L. 423/83), 100% sobre a matéria colectável…»?
A intervenção da AT pode ser reconduzida à de mero receptor da declaração do sujeito passivo com a sua inserção no sistema informático da isenção. Isto é, os documentos emitidos não consubstanciam quaisquer decisões de reconhecimento do direito à isenção.
Improcede assim a pretensão do Requerente quanto ao reconhecimento da revogação ilegal.
5.2. Questão da caducidade do direito à liquidação de IMT
O conhecimento deste pretenso vício exige, desde já, que se determine se estamos perante uma liquidação inicial ou perante uma liquidação adicional?
O art. 45.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro».
Ora, uma excepção a esta regra encontra-se precisamente no Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), dispondo o art. 35.º, n.º 1 que: «Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária».
Assim, no domínio do IMT há um prazo especial de caducidade do direito à liquidação cujo termo inicial se verifica após a transmissão onerosa ou da data em que a isenção ficou sem efeito.
Todavia se se considerar que estamos perante uma liquidação adicional o prazo é de 4 anos, como determina o art. 31.º, n.º 3 do CIMT ao dispor que: «A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º».
Assim impõe-se determinar se estamos perante uma primeira liquidação ou perante uma liquidação adicional.
Quanto ao conceito de liquidação adicional defende a doutrina que apenas é legítimo praticá-la: «…quando a Administração tenha procedido erradamente à fixação ou avaliação da matéria colectável, tenha aplicado erradamente o direito ou deixado de realizar qualquer acto cuja omissão acarrete prejuízo para o sujeito passivo…»[1] e «…o primitivo acto permanece intocado…»[2]. Isto é, a liquidação adicional pressupõe a existência de uma liquidação anterior e que exista uma conexão entre sujeito passivo, facto tributário e período de tempo. Bem como, o seu objectivo consiste em corrigir a liquidação primitiva que, em resultado de um erro de facto ou de direito, determinou a cobrança de imposto de valor inferior àquele que as normas substantivas impõem[3].
Revertendo tal interpretação para os autos concluímos que não estamos perante liquidações adicionais, visto que os actos tributários não foram praticados com o objectivo de corrigir ou rectificar uma declaração anterior viciada por erro de facto ou de direito ou mesmo por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Assim, se é verdade que ocorreu o facto tributário, tal não significa que existiu uma liquidação de IMT da qual não teria resultado imposto a pagar por se ter considerado que dele estava isento; diversamente, em virtude da isenção declarada não se promoveu qualquer liquidação.
Se estamos perante uma primeira liquidação de imposto, as liquidações de IMT foram praticadas e validamente notificadas ao Requerente no prazo de 8 anos, como estabelece o art. 35.º, n.º 1 do CIMT.
Por tal somatório de razões, não pode também por aqui proceder o alegado vício de caducidade do direito à liquidação.
5.3. Questão da convolação dos recursos hierárquicos em reclamações graciosas consubstancia a violação dos princípios da segurança, da certeza jurídica e da boa-fé
O Requerente alega que a AT ao convolar os recursos hierárquicos em reclamações graciosas violou os princípios da segurança, da certeza jurídica e da boa-fé, visto que, no seu juízo, revogou um benefício fiscal que estava cristalizado na ordem jurídica. Será assim?
A AT limitou-se a aplicar as normas jurídicas em vigor à data das transmissões onerosas em causa e não parece resultar que tenha ocorrido no momento da convolação ou no da prática das liquidações de IMT supra identificadas, interpretação distinta daquela que foi empreendida em relação a situações semelhantes.
Para além do mais, como já se escreveu, a isenção de IMT opera sem necessidade de qualquer acto administrativo de reconhecimento, isto é, revela automaticidade. Tal, naturalmente, não significa que a AT, no âmbito do seu poder-dever de controlo dos pressupostos dos benefícios fiscais, não pratique uma liquidação quando constate que estes não se verificam.
Deste modo é patente a improcedência da alegação de que a convolação e as liquidações são violadoras dos princípios da segurança jurídica, da certeza jurídica e da boa-fé.
5.4. Questão de determinar se as liquidações padecem do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto consideram que o benefício em análise apenas se aplica à «instalação»
As questões a resolver neste âmbito são as seguintes: quais as aquisições a que alude o art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro? As aquisições de prédios ou de frações autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos ou as aquisições de unidades de alojamento pertencentes a empreendimentos turísticos já construídos e instalados?
Para dar resposta às questões é necessário interpretar o Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, embora o art. 3.º, 22) do Decreto-Lei n.º 485/88, de 30 de Dezembro tenha revogado o benefício fiscal respeitante à contribuição industrial e ao imposto complementar – secções A e B, contudo manteve-se o de IMT e de Imposto do Selo.
O instituto da utilidade turística emergiu na década de 50 do século XX numa fase embrionária da actividade turística e a doutrina[4] em 2010 prognosticava, com a publicação da última revogação total ao regime jurídico (de instalação, exploração e funcionamento) dos empreendimentos turísticos, o Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, a revisão do diploma que regula a atribuição da utilidade turística. E para enfatizar a importância da iniciativa a empreender a autora sustenta que: «…ao facto de que mais do que um mero nomen iuris, a qualificação de utilidade turística consubstancia um verdadeiro passe de acesso ao universo dos benefícios fiscais…».
A utilidade turística é então uma qualificação atribuída aos empreendimentos de carácter turístico que satisfaçam uma lista de requisitos respeitantes à localização, instalações, equipamentos, serviços e adequação à política nacional de turismo[5].
No Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro identificamos uma gama de benefícios fiscais respeitantes à «instalação» do empreendimento turístico - isenção de IMT e a redução a um quinto do Imposto do Selo.
Mas qual será o conceito de instalação relevante neste domínio? A questão é respondida pela jurisprudência da seguinte forma: «I - Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos. II - Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação». III - Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo (sublinhado nosso)», acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/02/2014, proferido no processo n.º 01917/13 e em que foi relator o Conselheiro VALENTE TORRÃO.
Assim, a isenção de IMT existirá relativamente à aquisição de imóveis para instalação de empreendimentos turísticos e será aplicável exclusivamente a essa fase e não à transmissão de prédios integrados em empreendimentos turísticos.
Na verdade, o tribunal não encontra motivos para divergir de tal posição, desde logo, pela teleologia subjacente ao referido art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, isto é, a finalidade legislativa subjacente à previsão da isenção de IMT está gizada para a implementação de uma oferta turística de qualidade. Assim, as isenções existirão relativamente aos promotores que pretendam construir empreendimentos ou proceder à renovação dos já existentes e não quando se trate da mera aquisição de fracções ou unidades de alojamento.
Em segundo lugar, na latitude do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, na redacção actualmente em vigor, a «instalação» é regulada como o procedimento que engloba uma sequência de actos jurídicos que conduzirão ao licenciamento das operações urbanísticas tendentes à construção do empreendimento turístico e que assim tornem legítimo o seu funcionamento e subsequente exploração turística.
Por último, a doutrina[6] na sua lição observa que: «A jusante da instalação de empreendimentos turísticos», existem os seguintes momentos «I. A submissão a propriedade plural dos empreendimentos que compreendam lotes e/ou fracções autónomas de um ou mais edifícios...» e «II. Determinação das situações em que é conveniente a constituição da propriedade plural seja precedida de loteamento».
Em bom rigor tal interpretação é hoje unânime após a prolação do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0968/12, de 23/01/2013 e em que foi relatora a Conselheira FERNANDA MAÇÃS que refere o seguinte: «…o conceito de “instalação”, para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com «exploração» e não com a «instalação…».
Ora, se na presente hipótese está em causa a aquisição de lotes de terreno integrados em empreendimento turístico, cuja instalação e promoção pertenceu à empresa transmitente, tendo esta submetido o projecto de empreendimento às entidades competentes para a sua aprovação, obtido a classificação de utilidade turística a título prévio e o alvará de utilização (do empreendimento) não se encontra fundamento jurídico para se defender que a intervenção do Requerente se subsuma à instalação. Em suma, não é aplicável ao caso sub judice a isenção de IMT.
5.5. Questão de determinar se o Requerente tem direito a uma indemnização por prestação de garantia indevida
Perante o supra exposto, o conhecimento desta questão fica prejudicado.
6. DECISÃO
Nestes termos decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 25 789,01, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar pelo Requerente, no montante de € 1530, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 26 de Junho de 2017
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de Direito Fiscal – Volume I, 3.ª edição, Almedina, 1993, pág. 294.
[2] ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de Direito Fiscal – Volume I, 3.ª edição, Almedina, 1993, pag. 294.
[3] Neste sentido, v. decisão arbitral n.º 435/2015-T, de 19/02/2016 e em que assumiu a função de árbitro-presidente a Conselheira FERNANDA MAÇÃS.
[4] SARA BLANCO MORAIS, Utilidade turística e interesse para o turismo – dos respectivos regimes jurídicos, Empreendimentos Turísticos (obra colectiva), CEDOUA, FDUC, IGAT, Almedina, 2010, pág. 30.
[5] PAULA QUINTAS, Direito do Turismo, Almedina, 2003, pág. 87.
[6] DULCE LOPES, Concretização dos empreendimentos turísticos legislação e aplicação, Empreendimentos Turísticos (obra colectiva), CEDOUA, FDUC, IGAT, Almedina, 2010, pág. 154.