DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, contribuinte n.º…, na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B…, contribuinte n.º…, doravante designada por Requerente, apresentou em 29/11/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2015, no valor global de € 13 623,20, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 25/01/2017 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 09/02/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 16/02/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.
1.5.Em 22/03/2017 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que as liquidações em crise devem ser mantidas na ordem jurídica, visto que aplicam correctamente a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
1.6.O tribunal em 23/05/2017 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo de 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem alegações finais escritas e agendou a data para proferir a decisão arbitral.
1.7.A Requerente em 01/06/2017 apresentou articulado no qual solicita a junção dos documentos comprovativos do pagamento da 3.ª prestação das liquidações de Imposto do Selo objecto destes autos.
1.8.O tribunal, nesse mesmo dia, determinou a notificação da Requerida para querendo exercer o contraditório relativamente aos documentos a que se alude em 1.7. da presente
1.9.Por despacho, datado de 14/06/2017, o tribunal admitiu a junção aos autos dos documentos descritos em 1.7 desta decisão.
1.10. A Requerente apresentou alegações finais escritas em 02/06/2017, nas quais manteve o pedido anulatório inicial.
1.11. A Requerida não apresentou alegações finais.
2. POSIÇÕES DAS PARTES
A Requerente alega que a descrição matricial n.º…, da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa compõe-se de vários andares susceptíveis de utilização independente e que as liquidações de Imposto do Selo com fonte na verba 28.1 da TGIS, respeitantes aos andares: R/C D; R/C E; 1.º D; 1.º E; 2.º D; 2.º E; 3.º D; 3.º E; 4.º D; 4.º E; 5.º D e 5.º E de tal edifício e ao ano de 2015 são ilegais.
Mais concretamente, defende que as liquidações em crise corporizam uma errada interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) da verba 28.1 da TGIS, visto que têm por base o entendimento de que o valor patrimonial tributário (VPT) relevante para a imposição tributária será o que resulta da soma do VPT das divisões ou andares susceptíveis de utilização independente e afectas a habitação.
Na verdade, conclui que o prédio objecto de incidência da verba 28.1 da TGIS é, in casu, cada uma das unidades com valor económico individual e o VPT a atender é o de cada uma dessas unidades, não se verificando, no caso concreto, a existência de qualquer uma com valor superior € 1 000 000,00 e destinadas a habitação.
Sustenta igualmente que as liquidações são ilegais, na medida em que violam o princípio da igualdade, porquanto não encontra a Requerente fundamento para a discriminação dos proprietários dos prédios urbanos afectos a uso não habitacional, que não estão abrangidos pela incidência do imposto.
Finalmente, peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, visto que as liquidações em crise respeitam a erro imputável aos serviços.
Por seu turno, a Requerida entende não assistir qualquer razão à Requerente, desde logo, porque a sujeição à verba 28.1 da TGIS resulta da conjugação de dois factos: i) a afectação habitacional e ii) o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1 000 000,00.
Por isso, refere que o conceito de prédio encontra-se previsto no art. 2.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio, realidade distinta à luz do artigo será a de «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente». Isto é, falece de sustentação legal a tese de que, embora as liquidações de Imposto do Selo se processem nas situações previstas na verba 28.1 da TGIS, de acordo com as regras do CIMI, o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total em que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédios.
Acrescenta que, quanto aos prédios em propriedade total, que não possuam fracções autónomas às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, o VPT a atender será o «…do prédio no seu conjunto».
Ora, se o imóvel em causa encontra-se inscrito na matriz sob o regime de propriedade total, constituído por 12 divisões destinadas a habitação, foi com base em tal circunstância que se efectuaram as liquidações de Imposto do Selo, tendo em consideração a natureza do prédio urbano e as suas divisões afectas a habitação, à data do facto tributário.
Deste modo, se as liquidações foram praticadas tendo em consideração tais elementos de facto, estas não padecem de qualquer ilegalidade.
Relativamente à alegada violação do princípio da igualdade defende que: i) a verba 28.1 da TGIS é uma norma de carácter geral e abstracto, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respectivos pressupostos de facto e de direito; ii) a tributação nesta sede está sujeita ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afectação habitacional de elevado valor e surge em contexto de crise económica que não pode ser ignorado e iii) «…o facto de o legislador estabelecer um valor (€ 1.000 000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite». Ou, dito de outro modo, trata-se de uma opção legítima, legal e constitucional.
Em resumo, pugna pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.
Deste modo, o tribunal tem de conhecer as seguintes questões:
i) se as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito;
ii) se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.
3. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência daqueles depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT. Por outro lado, o objecto dos autos integra o mesmo imposto, o do Selo.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. O edifício encontra-se matricialmente inscrito sob o artigo art…, urbano, freguesia de …, Lisboa e integrava em 31 de Dezembro de 2015 a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B… .
4.1.2. Tal edifício compreende, nomeadamente, 12 andares com utilização independente, inscritos do seguinte modo:
a) R/C D, com um VPT de € 109 980,00, habitação;
b) R/C E, com um VPT de € 121 940,00, habitação;
c) 1.º D, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
d) 1.º E, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
e) 2.º D, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
f) 2.º E, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
g) 3.º D, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
h) 3.º E, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
i) 4.º D, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
j) 4.º E, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
l) 5.º D, com um VPT de € 113 040,00, habitação;
m) 5.º E, com um VPT de € 113 040,00, habitação.
4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2015, em relação a cada um de tais andares, com afectação habitacional, no montante global de € 13 623,20 e que se decompõem da seguinte forma:
a) R/C D, no montante de € 1 099,80;
b) R/C E, no montante de € 1219,40;
c) 1.º D, no montante de € 1 130,40;
d) 1.º E, no montante de € 1 130,40;
e) 2.º D, no montante de € 1 130,40;
f) 2.º E, no montante de € 1 130,40;
g) 3.º D, no montante de € 1 130,40;
h) 3.º E, no montante de € 1 130,40;
i) 4.º D, no montante de € 1 1130,40;
j) 4.º E, no montante de € 1 130,40;
l) 5.º D, no montante de € 1 130,40;
m) 5.º E, no montante de € 1 130,40.
4.1.4. O pagamento das liquidações descritas em 4.1.3. foi efectuado da seguinte forma:
i) 1.ª prestação:
a) R/C D, € 366,60, no dia 29/04/2016;
b) R/C E, € 406,48, no dia 29/04/2016;
c) 1.º D, € 376,80, no dia 29/04/2016;
d) 1.º E, € 376,80, no dia 29/04/2016;
e) 2.º D, € 376,80, no dia 29/04/2016;
f) 2.º E, € 376,80, no dia 29/04/2016;
g) 3.º D, € 376,80, no dia 29/04/2016;
h) 3.º E, € 376,80, no dia 29/04/2016;
i) 4.º D, € 376,80, no dia 29/04/2016;
j) 4.º E, € 376,80, no dia 29/04/2016;
l) 5.º D, € 376,80, no dia 29/04/2016;
m) 5.º E, € 376,80, no dia 29/04/2016.
ii) 2.ª prestação:
a) R/C D, € 366,60, no dia 28/07/2016;
b) R/C E, € 406,46, no dia 28/07/2016;
c) 1.º D, € 376,80, no dia 28/07/2016;
d) 1.º E, € 376,80, no dia 28/07/2016;
e) 2.º D, € 376,80, no dia 28/07/2016;
f) 2.º E, € 376,80, no dia 28/07/2016;
g) 3.º D, € 376,80, no dia 28/07/2016;
h) 3.º E, € 376,80, no dia 28/07/2016;
i) 4.º D, € 376,80, no dia 28/07/2016;
j) 4.º E, € 376,80, no dia 28/07/2016;
l) 5.º D, € 376,80, no dia 28/07/2016;
m) 5.º E, € 376,80, no dia 28/07/2016.
iii) 3.ª prestação:
a) R/C D, € 366,60, no dia 30/11/2016;
b) R/C E, € 406,46, no dia 30/11/2016;
c) 1.º D, € 376,80, no dia 30/11/2016;
d) 1.º E, € 376,80, no dia 30/11/2016;
e) 2.º D, € 376,80, no dia 30/11/2016;
f) 2.º E, € 376,80, no dia 30/11/2016;
g) 3.º D, € 376,80, no dia 30/11/2016;
h) 3.º E, € 376,80, no dia 30/11/2016;
i) 4.º D, € 376,80, no dia 30/11/2016;
j) 4.º E, € 376,80, no dia 30/11/2016;
l) 5.º D, € 376,80, no dia 30/11/2016;
m) 5.º E, € 376,80, no dia 30/11/2016.
4.1.5. O edifício identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31/12/2015.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. DO DIREITO
A primeira questão que o tribunal tem de conhecer consiste em apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais divisões.
Para concretizar tal tarefa há que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
O art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da TGIS, na versão em vigor à data do facto tributário, dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio habitacional (…) – 1 %...».
Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma, em vigor à data do facto tributário, necessário aplicar as normas do CIMI.
Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».
O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.
No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».
Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[1].
Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2.º, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3, todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada andar ou divisão objecto de utilização separada.
Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 12 andares do edifício com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, isto é, 31 de Dezembro de 2015, não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como prédios habitacionais de natureza urbana.
Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».
A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado)…» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto de inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de andares ou divisões com utilização independente.
Ora, se nenhum dos andares com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000,00, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que o andar ou divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000,00 e ii) que tenha uma afectação habitacional.
É esta também a conclusão da jurisprudência estadual relativamente à delimitação da incidência da verba 28.1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi Relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.
Tal interpretação também se encontra plasmada no seguinte: «I – A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55–A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros...», Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0166/16 e em que foi Relatora a Conselheira ANA PAULA LOBO.
Consequentemente, as liquidações objecto destes autos padecem do vício de violação de lei e, como tal, não podem subsistir na ordem jurídica, o que se declara.
A questão da ilegalidade por aplicação de uma norma materialmente inconstitucional é assim uma questão de conhecimento prejudicado.
Por último, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em função de erro imputável aos serviços.
Na verdade, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se os actos tributários com todas as consequências legais, incluindo a devolução do imposto pago pela Requerente e o pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até ao efectivo reembolso.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 13 623,20 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.
Notifique.
Lisboa, 16 de Junho de 2017
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] V. neste sentido a decisão arbitral de 29/10/2013, proferida no processo n.º 50/2013 – T e na qual assumiu a função de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.