Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
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A…, contribuinte fiscal n.º…, com domicílio fiscal na Rua …, nº…, …-…, Estoril (doravante designado por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), com os nºs…, … e …, referentes ao ano de 2015, correspondentes às três prestações de IMI a pagar em abril, julho e novembro, pretendendo a sua anulação e o reembolso do montante de €5.904,57, correspondente ao excesso de imposto liquidado.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pelo Requerente em 28-11-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29-11-2016 e de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 25-01-2017, a ora signatária como árbitro. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 09-02-2017.
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Em 09-02-2017 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT. Em 15-03-2017. a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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Analisado pedido arbitral e a resposta apresentada pela Requerida, foi proferido despacho arbitral, em 30-03-2017, para que as partes se pronunciassem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Ambas se pronunciaram favoravelmente à dispensa pelo que, por despacho arbitral de 6-04-2017, foi dispensada a sua realização, fixado prazo igual e sucessivo de quinze dias para as partes apresentarem as suas alegações por escrito, com a advertência à requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente e foi indicada a data de 15-06-2017 para prolação da decisão arbitral. Foram as partes convidadas a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato word.
As partes apresentaram alegações, reiterando tudo o que alegaram nos respetivos articulados.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
6. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, pretendendo a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI, referentes ao ano de 2015, invocando os seguintes fundamentos:
a) Vício de forma, por falta absoluta de fundamentação, porquanto nem em nota de cobrança anterior, nem nas liquidações emitidas, constam os fundamentos pelos quais a AT aplicou a taxa de IMI legalmente fixada com a majoração de 30% e 200%, em relação às frações que integram o prédio sito na Rua …, nº…, na Freguesia de …, em Lisboa.
b) Vicio de forma por preterição de formalidade essencial de audiência prévia do sujeito passivo.
Termos em que conclui pela ilegalidade das liquidações impugnadas, pedindo a sua anulação, e, ainda, o reembolso do valor do excesso pago indevidamente, com as consequências legais.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
7. Na sua resposta, a Requerida, em defesa das liquidações impugnadas, vem invocar que a liquidação contém todos os elementos legalmente exigidos, tais como a identificação do tributo (IMI); a identificação fiscal do contribuinte; o ano a que o imposto se reporta (2015); o número do documento e a sua data, bem como a descrição do imóvel; o valor patrimonial; a coleta, a taxa e a taxa de majoração, identificando-se, ainda, o mês de pagamento com a indicação de ser a 1ª, 2ª e 3ª prestação. Tais elementos, do ponto de vista da AT, são fundamentação bastante para as liquidações em causa. Alega, ainda que, o IMI é uma receita municipal e que as taxas são fixadas por deliberação da Assembleia Municipal, nos termos do disposto no artigo 112.º do CIMI, pelo que resulta claro que a majoração aplicada aos prédios urbanos foi fixada por deliberação da respetiva Assembleia Municipal. No que tange à operação de quantificação do tributo a pagar a fundamentação da liquidação não suscita qualquer censura, uma vez que dela resulta, com clareza, que o imposto a pagar deriva da aplicação da taxa aplicável, ao valor patrimonial tributário, do artigo matricial ali indicado, majorada em 20 e 30 %, nos termos do artigo 112.º do CIMI. Alega, ainda, a AT que os Serviços de Finanças competentes disponibilizam toda a informação contendo os elementos referidos no número anterior, que podem aí ser consultados, mas que a Requerente não as consultou. A lei constitui ainda os contribuintes, no caso o sujeito passivo, na obrigação caso não recebam a nota de cobrança, de solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via daquele documento. Não obstante, as notas de cobrança foram devidamente emitidas e notificadas ao Requerente e são tempestivas. Nessa medida, entende que deve improceder o alegado vício de falta de fundamentação.
Quanto ao vício de falta de audição prévia por força do disposto no artigo 60.º, n.º 1 da LGT alega a requerida que esse direito pode ser dispensado, nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da LGT (i) no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação ou petição lhe seja favorável; e (ii) no caso de a liquidação se efetuar oficiosamente com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação de declaração em falta, sem que o tenha feito. Do ponto de vista da AT A liquidação impugnada cai no âmbito da exceção prevista no nº2, do artigo 60.º da LGT, considerando que a Requerida estava dispensada de notificar a Requerente para exercer o direito de audição prévia. Não obstante, a omissão de tal dever consubstanciar-se-ia em mera irregularidade não invalidante da liquidação, pois que não se vislumbra que a Administração Tributária tivesse qualquer espaço de conformação que lhe possibilitasse uma atuação final diversa daquela que empreendeu não podendo praticar nem outro ato, nem este mesmo ato que praticou em medida diversa. Pugna pela improcedência total do pedido arbitral.
8. Requerente e Requerida divergem, pois, quanto às questões enunciadas, as quais são exclusivamente de direito e sobre as quais cumpre decidir.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
O processo não padece de vícios que o invalidem.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
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Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
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O requerente é proprietário do prédio urbano sito na Rua …, nº…, na Freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o nº…, da Freguesia de …, Lisboa;
b. Com referência a este prédio e ao ano de 2015, foi liquidado IMI, à taxa de imposto fixada, com uma majoração de 30% e de 200%. Nos termos seguintes:
i. As frações B e I foram tributadas com uma majoração de 30% sobre a taxa fixada;
ii. Já as frações A, C, D, E, F, G, H foram tributadas com uma majoração de 200% sobre a taxa base de IMI.
c. Da liquidação junta aos autos, com o descritivo das frações e respetivos valores de imposto, é possível perceber a taxa e a majoração respetiva, sem qualquer justificação adicional sobre o porquê ada aplicação da majoração a cada uma das frações descritas.
d. O sujeito passivo foi notificado das liquidações sem precedência de qualquer notificação anterior relativa à decisão de aplicação das majorações referidas;
e. O sujeito passivo não foi notificado para exercer o seu direito de audição quanto à aplicação das referidas majorações.
f. O sujeito passivo pagou os montantes correspondentes às três prestações de IMI, com prazos de pagamento em abril, julho e novembro, determinados nos termos sobreditos;
g. Pagou, com referência às frações deste prédio o montante de €10.042,44, sendo que sem majoração teria pago apenas €4.137,70.
h. O presente pedido arbitral, para anulação das liquidações de imposto, foi apresentado em 28-11-2016.
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FACTOS NÃO PROVADOS
12. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
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FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
13. Os factos, supra descritos, foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, o Requerente juntamente com o pedido arbitral deduzido e não foram impugnados pela Requerida.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO
14. Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando, obrigatoriamente, pelos vícios de forma invocados pelo Requerente, a saber: a) falta de fundamentação; b) falta de audiência prévia.
Dispõe o artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o seguinte:
“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
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Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
No caso em apreciação o Requerente invocou primeiramente o vício de falta de fundamentação e, em segundo lugar, o vício de falta de audição prévia, ambos vícios de forma, invalidantes do ato final (liquidação de imposto). Sendo assim, seguiremos a ordem correspondente ao percurso seguido pelo recorrente no pedido arbitral.
A) Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação:
15. Alega o Requerente que não lhe foi comunicada previamente a decisão de aplicação da majoração. Além do que, das respetivas liquidações não resulta explicitada qualquer fundamentação que permita ao sujeito passivo perceber quais as razões subjacentes à aplicação da majoração de 30% a algumas frações e de 200% às demais. Na verdade, da resposta da AT não resulta invocado nada que ponha em causa esta alegação do requerente. Da análise do conteúdo dos documentos e das liquidações juntas aos autos resulta evidenciado que o ato de liquidação padece de absoluta falta de fundamentação, porquanto ela teria, no mínimo, que justificar (ainda que sumariamente) o porquê das taxas de majoração aplicáveis, bem assim como a razão de aplicar uma majoração tão díspar às diferentes frações do mesmo prédio. O sujeito passivo deveria ser elucidado das razões e da legislação aplicável, com base na qual a decisão de majoração foi tomada.
Ora, analisados os documentos juntos aos autos e as liquidações impugnadas este Tribunal não consegue descortinar as razões, o porquê da aplicação da majoração, das diferentes taxas de majoração, qual a lei em vigor que permitiu a sua aplicação e qual a interpretação da mesma pela autora do ato.
Não existiu qualquer notificação antecedente contendo as razões para a aplicação das referidas taxas de majoração, pelo que a sua aplicação carece em absoluto de fundamentação.
16. Os argumentos introduzidos pela requerida AT na sua resposta não contrariam esta conclusão, porquanto a remissão para a decisão da Assembleia Municipal sobre as taxas anualmente aplicáveis, por ter essa competência atribuída pelo artigo 112º do CIMI, não desonera o autor do ato tributário (AT) de o fundamentar devidamente. Sabendo que a fundamentação pode ser expressa por remissão para decisão ou parecer prévios à liquidação desde que proceda à junção dos mesmos no ato de notificação do ato, certo é que nos presentes autos isso não sucedeu. Nem no mento da notificação das liquidações nem em momento anterior.
17. No caso em apreço, verifica-se uma falha absoluta de fundamentação relativa à aplicação das majorações da taxa de IMI, tendo o sujeito passivo, sido confrontado com as liquidações de imposto e valores a pagar, sem que das mesmas se extraia o porquê da aplicação concreta de cada uma das majorações em causa.
Nas liquidações de imposto não consta qualquer referência aos pressupostos factuais e legais em que assentou a decisão da AT, mas apenas que os valores a pagar foram determinados por aplicação da taxa legal fixada majoradas em 30% e 200%. Este Tribunal não consegue alcançar o porquê da aplicação das majorações, e do argumentário da AT conclui-se que esta também não dispõe dessa informação. Bastará, aliás, colocar uma pergunta simples que qualquer destinatário normal colocaria em idêntica situação: num intervalo tão díspar que vai de uma majoração de 30% a 200%, de que fatores dependeu a aplicação em concreto, fração a fração, de cada uma destas majorações?
Sabendo que todas as frações pertencem ao mesmo prédio era fundamental que se esclarecesse o sujeito passivo sobre as razões da aplicação, a cada fração em concreto, da majoração devida e qual a base legal que lhe permite a aplicação da majoração.
Ora, o sujeito passivo não encontra resposta no ato tributário que lhe foi notificado, nem este Tribunal alcança quais possam ser as razões objetivas e concretas que estão subjacentes. Mesmo que essas razões existam a verdade é que o ato é totalmente omisso e nada esclarece a este respeito.
Tal bastaria para rematar a decisão final, mas cumpre, ainda que de forma sumária, complementar esta apreciação, fundamentando-a com as principais referências legais, doutrinais e jurisprudenciais.
18. É pacífico que a fundamentação é uma exigência legal, que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo. Acresce recordar que é uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).[1] Deste último normativo decorre, aliás, que embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade. É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral,[2] que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
a. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
b. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
c. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
d. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
19. O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir, de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser e possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação. Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta.
Tem vindo a ser reconhecido, igualmente pela doutrina e pela jurisprudência, que esta exigência de fundamentação deve ser equilibrada e moderada, considerando-se cumprida pela exposição sucinta e clara dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (fundamentação per relationem ou per remissionem), desde que estes integrem a decisão final, devidamente notificada ao destinatário.[3]
O incumprimento desta exigência (falta absoluta de fundamentação) ou dos requisitos enunciados (fundamentação incongruente, confusa ou contraditória, incompleta, obscura ou meramente remissiva) constitui ilegalidade, suscetível de conduzir à anulação do ato.[4]
20. Retornando ao caso concreto, a fundamentação exigível reporta sempre a um ato tributário concreto, extrai-se que a fundamentação legalmente devida deve ser aquela que funcionalmente se revele necessária e adequada para que um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreenda o sentido do mesmo (embora possa discordar do seu sentido) e perceba que não está perante uma pura demonstração de arbítrio.
Impõe-se, assim, aferir se no caso dos presentes autos, a Administração deu a conhecer os motivos que a levaram a aplicar as ditas taxas majoradas, e porque razão a duas frações essa majoração foi de 30% e às demais ascendeu aos 200%.
A alegação da AT sobre os elementos essenciais que diz estarem devidamente referenciados nas liquidações (identificação do prédio, frações, taxas, valores, garantias de reclamação e/ou impugnação), não colhe para a resposta à questão essencial. Todas essas informações são meramente circunstanciais e genéricas, sem qualquer alusão fundamentadora sobre a aplicação das majorações de taxa de IMI. Ora, esta é a questão essencial que aqui se discute em relação à qual a fundamentação é inexistente.
21. Compulsados os autos constata-se que as liquidações são totalmente omissas quanto a estas questões, pelo que nem sequer se trata de uma situação de insuficiente fundamentação, mas antes de total ausência de fundamentação. Mas mesmo que se entendesse apenas como fundamentação insuficiente, certo é que as consequências são idênticas, dado que esta equivale a falta de fundamentação, se o seu conteúdo não for bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, e só o é se da decisão se consegue perceber quais os factos e as normas legais que explicam e suportam a decisão final. [5]
22. Acresce que, as razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis à luz dos preceitos legais mencionados e/ou dos princípios invocados. Tem sido entendimento do STA, quanto à fundamentação de direito, que esta se considera suficiente, com a referência aos normativos legais concretamente aplicáveis, aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou ao quadro legal bem determinado. Mesmo admitindo, excecionalmente e em casos muito atípicos (dificilmente compatíveis com a natureza da obrigação jurídica tributária de origem estritamente legal), que na fundamentação do ato não sejam mencionados os normativos legais em concreto subjacentes à decisão, sempre se terá de indicar o quadro legal que conduziu ao ato ou decisão, e este deve ser perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, de modo que sejam perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
23. Ora, no caso em concreto, tratando-se de uma liquidação emitida pelo Serviço de Finanças competente, descortinando o conjunto de prédios pertencentes ao requerente, a verdade é que não se compreende o porquê da aplicação de majoração à taxa do IMI, em concreto, da majoração de 30% com referência às frações “B” e “I” e de 200% às restantes. Não há uma única norma legal mencionada, um princípio ou interpretação extraída da lei que sustente tal aplicação. A AT até poderia ter boas razões para concluir desta forma, mas tinha de as evidenciar, concreta, clara e de modo suficiente, para que entendêssemos as razões de facto e de direito que a conduziram até à decisão concreta de aplicação das referidas majorações.
Quanto a esta questão, o Acórdão do STA, de 26-03-2014[6], é muito esclarecedor, reportando a uma questão idêntica à que se decide nos presentes autos, deixando claro que: “se o sujeito passivo não tiver sido notificado do modo como foi apurada a matéria tributável, então deverá sê-lo quando for notificado da liquidação, sob pena de , no desconhecimento dos motivos por que se chegou ao VPT (in casu, majoração de 30% e 200%), não ficar em condições de conhecer os motios subjacentes à liquidação, e consequentemente, não poder optar conscientemente entre a aceitação do acto ou a reacção, graciosa ou contenciosa, contra o mesmo.”
24. Face aos elementos juntos aos autos, tal fundamentação é claramente inexistente, o que configura uma situação de falta absoluta de fundamentação. Acresce que, a alegação da AT para afastar o vício de falta de fundamentação, não colhe. Pois, não pode vir responsabilizar o sujeito passivo ou onerá-lo com o facto de não ter suscitado mais esclarecimentos (art. 37º LGT). Tal seria permitir e subverter todo o quadro de vinculação legal e constitucional em vigor. O destinatário tem o direito a solicitar esclarecimentos, se e quando o entender. De resto, não cabe ao sujeito passivo superar as falhas (graves) de cumprimento do ónus da fundamentação imposto à Administração. Não deve nem pode substituir o autor do ato, nem o exercício das suas garantias de impugnação o podem prejudicar. A fundamentação é um requisito do próprio ato, cabendo ao seu autor cumprir a lei e as obrigações funcionais a que está vinculado, entre as quais, a obrigação de o fundamentar, de facto e de direito, de modo claro e suficiente.
Não subsiste qualquer dúvida, que o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do ato praticá-lo, quais as normas legais e qual a interpretação que o levou a concluir como concluiu. Aliás, a própria AT, pela posição vertida nos autos revela bem a consciência de que o ato tributário demonstra, com bastante evidencia, a ausência de fundamentação da liquidação impugnada.
Acresce, por último, que a Administração Tributária está vinculada à lei, não podendo agir senão nos casos em que ela lho permite, nem de modo diverso do que ela impõe, pelo que a fundamentação é imprescindível para que se compreendam as razões de facto e de direito, que estão subjacentes ao ato praticado. Seria necessário que a documentação junta fosse criticamente analisada e o destinatário do ato devidamente esclarecido sobre qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito interpretado e aplicado. Por isso mesmo, também não basta a mera indicação de uma norma legal (o que no caso nem sequer ocorreu), acrescentando que a situação de facto não cabe na sua previsão.
25. Por tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a liquidação impugnada padece de vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulada.
26. Atento o que vem exposto e a decisão quanto ao vício de forma por falta de fundamentação, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios, nomeadamente o decorrente da violação do direito de audição. Diga-se, contudo que a não audição prévia do sujeito passivo quanto às majorações (30% e 200%) decididas e aplicadas, implica, sem mais a anulação do ato. Não colhe o argumento extraído ao artigo 60º, nº2, da LGT. Como bem refere a AT, no artigo 35º da sua resposta, “Tal direito é apenas dispensado, nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da LGT (i) no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação ou petição lhe seja favorável; e (ii) no caso de a liquidação se efectuar oficiosamente com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação de declaração em falta, sem que o tenha feito.”
No caso dos autos, como resulta de tudo o que vem exposto, não se verifica nenhuma das circunstâncias excecionais que permitiriam tal dispensa.
27. Por tudo o que vem exposto as liquidações de IMI objeto do presente processo arbitral são ilegais, devem ser anuladas, com a consequente devolução ao requerente do excesso de imposto pago, ou seja, de €5.904,67, acrescido de juros à taxa legal.
V. DECISÃO
Nos termos supra expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações impugnadas, por vício de forma por falta de fundamentação;
b) Declarar a anulação do ato impugnado com as consequências legais;
c) Condenar a Requerida AT no reembolso e pagamento da diferença do imposto pago em excesso, acrescido de juros à taxa legal, calculados até à data do reembolso efetivo;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €5.904,67 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.
º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 14 de junho de 2017
O Tribunal Arbitral,
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(Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido vd. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (2012) Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, pp. 675 e ss.
[2] A este propósito, vd., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 30/2012-T e 109/2013 proferidas em 1-08-2012 e 07-01-2014, respetivamente.
[3] Neste sentido, vd., entre outros, Joaquim Freitas da Rocha (2009) Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 113 e ss.
[4] Ainda neste sentido, cfr. Ac. TCAS, proferido em 04-12-2012, in processo nº 06134/12; com sentido idêntico, vd., ainda, Ac. S.T.A. de 13/7/2011, in recurso nº 656/11 e Ac. TCAS, de 19/6/2012, in processo nº 3096/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, vd. Diogo Leite de Campos e outros, ob. cit., pág. 381 e ss.; neste mesmo sentido vd., entre outros, Ac. TCAS, de 19-06-2012, proc. nº 3096/09, disponível in www.dgsi.pt.