Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 4.11.2016, a Requerente, A…, S.A., com sede no …, …, pessoa coletiva n.º…, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas que daquela foram objeto, relativos aos exercícios de 2013 e 2014 .
A Requerente, alegando ter pagado o valor das autoliquidações em causa, peticiona, ainda, a condenação da Requerida à sua restituição, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 1 de setembro de 2014 e 1 de setembro de 2015, respetivamente, até integral reembolso.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 26-01-2017.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
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A Autora entregou, no dia 30 de Maio de 2014, a sua declaração de IRC Modelo 22
referente ao exercício de 2013 e no dia 29 de Maio de 2015, a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2014 tendo, nesses momentos, procedido à autoliquidação do referido imposto (incluindo tributação autónoma), que se encontra pago.
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Sucede que o sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impedem que a Autora inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de beneficio fiscal contratuais reconhecido à Autora, na modalidade de crédito de imposto dedutível à coleta de IRC, o que resultou num excesso de imposto pago por referência aos exercício fiscais de 2013 e 2014 aqui em causa.
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Tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as
tributações autónomas como IRC, a Autora absolutamente nada vê na lei que afaste a dedução do incentivo fiscal também à parte da coleta de IRC produzida pelas
tributações autónomas.
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Em sede de reclamação graciosa, a AT optou, através do indeferimento do
peticionado, por sancionar o que resulta do seu sistema informático.
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Se a AT entende que naquele artigo 90.º do CIRC não está incluída a coleta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a coleta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), sempre teria que se concluir na mesma que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal, por força quer do artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, quer do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição; sublinhado nosso).
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E por força desta ilegalidade, sempre terá então de ser anulada, agora com base
nesta outra razão, as liquidações de tributação autónoma aqui em causa.
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A jurisprudência arbitral dominante quando chamada a dirimir o thema decidendum do presente pleito sempre entendeu que, precisamente por ser aplicável o artigo 90.º do Código do IRC, devia à coleta de tributações autónomas serem dedutíveis os benefícios fiscais que operam por dedução à coleta de IRC como os benefícios fiscais contratuais.
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Mais, a única jurisprudência arbitral que antes da introdução do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC em 2016 concluía que não seriam dedutíveis os benefícios fiscais à coleta de tributação autónoma, concluía desse modo porque precisamente «relativamente às tributações autónomas, adiante-se que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90º do CIRC» (cf.decisão arbitral no processo n.º 697/2014, de 13.05.2015).
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Logo, nem sequer pode a AT tentar afirmar que a interpretação expressa na única decisão isolada que, antes da alteração legislativa introduzida pelo novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, concluía pela não dedutibilidade de benefícios fiscais à coleta de TA, era aquela a que o legislador estaria alegadamente a aderir.
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Até à introdução do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC em 2016, nenhum interprete ou julgador concluía que, aplicando-se o artigo 90.º do Código do IRC à liquidação das tributações autónomas, então os benefícios fiscais que operam por dedução à coleta não eram passíveis de dedução à coleta das tributações autónomas.
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Razão pela qual não pode ser de modo algum atribuída natureza interpretativa a
uma solução do legislador a que nenhum interprete ou julgador chegariam ou chegaram quando o tema foi amplamente discutido pelos contribuintes, AT e tribunais arbitrais.
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O legislador decidiu pois de forma inovatória sobre o tema, numa solução contra
a jurisprudência arbitral até então firmada sobre o mesmo, seja a claramente
maioritária a favor da dedução dos benefícios fiscais à coleta da TA e mesmo contra a jurisprudência que negava essa dedutibilidade pois o legislador adota uma solução contrária à interpretação destes.
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E, por isso, o facto de se dizer que a nova norma tem natureza interpretativa é
absolutamente irrelevante para o presente pleito porque quem tem de definir se uma determinada norma é ou não interpretativa são os Tribunais (ou então sim se violaria o princípio da separação de poderes) e demonstrou-se já que ninguém interpretava o thema decidendum nos termos que decorrem da alteração legislativa do legislador em 2016.
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Pretender o contrário, é dizer que o que legislador afinal pretende é aplicar
retroativamente uma nova norma com entrada em vigor a 31 de Março de 2016, a factos tributários de 2013 e 2014.
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Acresce que, como conclui lapidarmente o Prof. Dr. Saldanha Sanches «não nos
parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroactivos de qualquer norma em matéria fiscal. Incluindo os provocados por lei interpretativa.» (cf. “Lei interpretativa e retroactividade em matéria fiscal”, Fiscalidade, n.º 1, Janeiro de 2000, p.77 e seguintes).
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É forçoso concluir, como o já faz a jurisprudência arbitral maioritária, que o novo nº 21 do artigo 88.º do Código do IRC, aditado em 31 de Março de 2016, não tem
qualquer relevância no presente pleito, sendo de concluir pela dedutibilidade dos benefícios fiscais contratuais da Autora à coleta de tributações autónomas dos exercícios de 2013 e 2014.
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A Autora pagou com respeito ao exercício de 2013 e 2014 imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade da
(auto)liquidação na parte aqui peticionada, a Autora tem direito não só ao respetivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), a juros indemnizatórios.
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Juros estes calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, no
valor de €18.301,89 e €22.878,22, respetivamente, contados desde o termo da data para o reembolso oficioso do imposto, i.e., desde 1 de Setembro de 2014 e 1 de Setembro de 2015, até ao integral reembolso do referido montante.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
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Num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
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Não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
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Atenta a diversidade das realidades sujeitas às taxas de tributação autónoma, as finalidades marcadamente anti-evasivas que lhe estão adstritas, a natureza instantânea em matéria de verificação dos factos geradores, é possível concluir – na linha de alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais e do Tribunal Constitucional que, no quadro do mesmo imposto – o IRC – coexistem modalidades diferentes de imposição criadas por razões de política fiscal, i.e., ao lado de uma estrutura normativa que configura um imposto incidente sobre uma base tributável constituída pelo lucro, existem imposições que tributam de forma autónoma determinadas realidades que se manifestam em despesas ou em rendimentos.
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No que tange à dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º), quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso dos benefícios fiscais contratuais -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução.
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Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta - o lucro.
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De onde decorre a impossibilidade de proceder a qualquer dedução dos créditos resultantes de benefícios fiscais à coleta produzida pelas tributações autónomas, sob pena de se subverter todo a teleologia que esteve presente na sua génese.
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Terá pois de se concluir que são diversas as razões que impedem que ao montante das coletas das tributações autónomas seja deduzidos os benefícios fiscais, mormente e no aqui nos ocupa, os benefícios fiscais contratuais.
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E as razões prendem-se, em primeira linha, com a autonomia das coletas apuradas com base nos valores e taxas referidos no art.º 88.º, como agora está expresso no n.º 21 do mesmo artigo, como com a interação que estabelece entre a base tributável do IRC constituída pelo lucro e a natureza e objetivos dos benefícios fiscais em causa, donde resulta que o legislador, ao aditar este n.º 21 ao art.º 88.º do Código, mais não faz do que acolher e a explicitar a interpretação que já resultava das disposições legais relevantes.
Sem prescindir,
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O Orçamento de Estado para 2016 aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, atribuindo ao mesmo com carácter interpretativo, onde se estabeleceu o seguinte:
«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.» pelo que se dúvidas houvessem, as mesmas ficaram dissipadas com este normativo.
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Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Se são ilegais e, sem consequência, devem ser anuladas, as autoliquidações e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, objeto do presente processo.
b) Em caso afirmativo, se deve ser reconhecido à Requerente o direito à restituição dos impostos em causa, acrescidos de juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
a)A sociedade B…, S.A entregou no dia 30 de Maio de 2014 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013 tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação do referido imposto, incluindo tributação autónoma.
b) A sociedade B…, S.A entregou no dia 29 de Maio de 2015 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2014 e subsequente declaração de substituição tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação do referido imposto, incluindo tributação autónoma.
c) As obrigações tributárias emergentes das tributações autónomas em causa encontram-se cumpridas por subtração ao valor de IRC a recuperar em resultado de pagamentos por conta, pagamento adicionais por conta efetuados pela sociedade B…, S.A e, ainda, por retenções na fonte que lhe foram efetuadas.
d) O sistema informático da AT assinalou de divergências (“erros”) que impediram que a sociedade B…, S.A inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de beneficio fiscal contratuais reconhecido à Autora, na modalidade de crédito de imposto dedutível à coleta de IRC.
e) A sociedade B…, S.A apurou uma coleta de tributação autónoma de IRC €18.301,89 em 2013 e uma coleta de tributação autónoma de IRC de €22.878,22 em 2014.
f) A sociedade B…, S.A apresentava benefícios fiscais contratuais disponíveis para dedução à coleta em IRC em valor superior ao montante das tributações autónomas em causa.
g) Em 30.05.2016 a sociedade B…, S.A., apresentou reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação mencionados.
h) Por decisão proferida em 4.08.2016 foi a reclamação graciosa indeferida, constando de informação prestada no processo e objeto de declaração de concordância no despacho de indeferimento, designadamente, o seguinte:
i) No dia 28.06.2016 foi celebrada escritura pública de fusão entre a sociedade B…, S.A e a ora Requerente por incorporação daquela nesta, ato que foi objeto de Registo Comercial efetuado em 30.06.2016.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
10. No período tributário de 2013 encontrava-se em vigor o artigo. 3.º, n.º 1, al. a), do RFAI, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, com vigência sucessivamente prorrogada até 31 de Dezembro de 2013, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (cfr. o seu artigo 116.º), pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (cfr. o seu artigo 134.º), pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (cfr. o seu artigo 162.º) e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (cfr. o seu artigo 232.º), e transferido entretanto para os artigos 23.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, que, entre outras alterações, prorrogou a vigência do RFAI até 2017.
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se as
autoliquidações de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) relativas aos
exercícios de 2013 e 2014, padecem do vício material de violação de lei, objeto de
impugnação porquanto, segundo entende, não deve ser vedada a dedução do benefício fiscal decorrente do RFAI à parte da coleta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma.
Esta problemática foi já objeto de vasta jurisprudência arbitral que, maioritariamente, tem decidido pela dedutibilidade de benefícios fiscais à coleta resultante das tributações autónomas. Neste sentido foram as decisões proferidas nos processos 769/2014-T, 219/2015-T, 369/2015-T,370/2015-T, 637/2015-T, 673/2015-T, 740/2015-T, 749/2015-T, 784/2015-T. [1]
Como se pode ler no acórdão do CAAD n.º 219/2015-T, cujo entendimento se acompanha:
“Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à coleta proveniente das tributações autónomas.
O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º.
As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributação e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matérias tributável de IRC.
Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo [3.º,n.º 1, do RFAI], não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.
(…)
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal (….) ser limitada à coleta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas”.
Temos, portanto, que o elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9º, n.º 2, do Código Civil).
É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.
Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.
Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.
Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”
Sufragando-se este entendimento entende-se, em consequência, que antes da Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de Março) não estava vedada a dedução pretendida pela Requerente.
11. Impõe-se, ainda, analisar a questão do n.º 21, do artigo 88º, do CIRC, introduzido por aquela Lei.
Na verdade, segundo este número “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Por outro lado, o artigo 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, estabelece que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”
A Administração Tributária entende que a nova redação do artigo 88.º impede a dedução, nos termos do artigo 90.º, dos benefícios fiscais contratuais decorrentes do RFAI, à coleta que resulte das tributações autónomas.
Porém, conforme de pode ler na decisão arbitral proferida no Processo n.º: 5/2016-T:
“A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento para 2016), aditou ao CIRC os n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º, tendo sido reconhecida pelo legislador natureza interpretativa às normas aí contidas.
O n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, prevê o seguinte:
«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».
Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:
i) Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE nem do RFAI;
ii) Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE nem no RFAI;
iii) Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;
iv) Mantém-se válida a previsão, contida no RFAI, das deduções “à coleta de IRC”;
v) Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;
vi) Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;
vii) Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE e no RFAI.
Conforme é afirmado no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, a propósito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI):
«[p]ela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída».
Ainda segundo este Acórdão:
«não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão
«dedução à coleta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «coleta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores».
Esta fundamentação é transponível, com as devidas adaptações, para o caso sub judice.
Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE e do RFAI.
Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no RFAI à dedução “à coleta do IRC” e no SIFIDE refere-se à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que, em ambos os casos, é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia, quer no RFAI quer no SIFIE, ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador.
Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão».
Deste modo, para que as deduções previstas no RFAI e no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar os regimes jurídicos especiais que as preveem.”
Acompanha-se, também, a posição manifestada neste acórdão bem como no acórdão nele citado, proferido no processo º 673/2015-T.
12.Ainda que assim não fosse, atendendo a que estão em causa liquidações de IRC dos exercícios de 2013 e 2014, importaria ainda analisar qual o efeito que o novo número 21º do art. 88º do CIRC e o carácter interpretativo que é atribuído pelo legislador à sua introdução em 2016 teriam sobre os factos em apreço, atendendo a ao princípio de não retroatividade, que é constitucionalmente consagrado quanto à lei fiscal no art. 103º, nº 3, da Constituição da República portuguesa.
Como escreve Inocêncio Galvão Telles “A interpretação autêntica representa um instrumento arriscado nas mãos de um legislador menos escrupuloso. Sob a aparência interpretativa pode introduzir um princípio novo que, no entanto, valerá como se se tratasse do significado efectivo da lei antecedente. Compreende-se o perigo deste modo de proceder e os inconvenientes que ele é susceptível de acarretar.É um perigo inerente às leis interpretativas, que são, por sua própria natureza retroactivas”[2]
Por sua vez, diz-nos Miguel Teixeira de Sousa que “Segundo o estabelecido no art. 13º, nº 1, CC, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ou seja, ficciona-se que o significado estabelecido pela lei interpretativa coincide com o único significado que a lei interpretada sempre comportou.É por isso que a lei interpretativa é uma lei retroactiva .
Nos casos em que esteja constitucionalmente excluída a retroactividade não pode haver lei interpretativa retroactiva”.[3]
Diz-nos ainda o saudoso Professor José Luís Saldanha Sanches que “(…) o legislador constitucional resolveu introduzir o nº 3 do art. 103ºda CRP uma proibição constitucional da retroactividade.
(…)
(…)por isso não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroactivos de qualquer norma em matéria fiscal”[4]
À luz da doutrina citada, que aqui se perfilha, independentemente do carácter interpretativo do n.º 21, do artigo 88º, do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de março), o mesmo sempre seria inaplicável no caso “sub judice” por força do art. 103º, nº 3, da CRP.
Na verdade, como é bom de ver, se em face da anterior redação do art. 88º do CIRC o regime legal em vigor permitia uma interpretação diversa da estabelecida pela pretensa lei interpretativa, como o demonstra vasta jurisprudência arbitral, uma norma que imponha uma interpretação diversa, destinada a produzir efeitos sobre factos ocorridos inteiramente em momento anterior à entrada em vigor da nova redação da lei, tem, necessariamente, natureza retroativa, vedada em matéria fiscal pela Constituição. [5]
Termos em que se conclui que os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2013 e 2014, na medida correspondente à não dedução dos benefícios fiscais previsto no RFAI à coleta do IRC, no montante de €18.301,89, e € 22.878,22, respetivamente, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na medida em que não reconheceu essa ilegalidade.
Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.
13.Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias correspondentes ao valor das deduções à coleta, bem como os respetivos juros indemnizatórios desde 1 de Setembro de 2014 (imposto de 2013) e 1 de Setembro de 2015 (imposto de 2014) até total reembolso.
Vejamos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que na sequência da ilegalidade dos atos de autoliquidação há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
As obrigações tributárias emergentes das tributações autónomas em causa encontram-se cumpridas por subtração ao valor de IRC a recuperar em resultado de pagamentos por conta, pagamento adicionais por conta feitos pela sociedade B…, S.A. e ainda apor retenções na fonte que lhe foram efetuadas.
Nos termos do art. 43º da LGT:
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
Consta do probatório que o sistema informático da AT assinalou divergências (“erros”) que impediram que a Autora inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de beneficio fiscal contratuais reconhecido à Autora, na modalidade de crédito de imposto dedutível à coleta de IRC.
Nestas circunstâncias, não podendo a Requerente efetuar a liquidação de acordo com o Direito por tal não ser permitido pelo sistema informático da Requerida, não pode deixar de se considerar ocorrer erro imputável aos serviços, face ao art. 43º, nº 2, da Lei Geral Tributária.
Na verdade, considerando-se ocorrer erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, por igualdade ou maioria de razão, não poderá deixar de se considerar haver erro imputável aos serviços quando o próprio sistema informático da Requerida impõe a apresentação da declaração nos termos em que a mesma foi efetuada.
Em sentido similar foi a decisão proferida no processo 673/2015-T, onde se pode ler:
“No que concerne às duas autoliquidações relativas ao ano de 2013, que foram efectuadas pela Requerente, é de entender que o erro que a afecta na parte respeitante à não dedução do CFEI é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitia à Requerente efectuar a autoliquidação deduzindo o benefício fiscal do CFEI ao montante das tributações autónomas. Trata-se de uma situação que, para efeito do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, é equivalente ao preenchimento da declaração segundo «as orientações genéricas da administração tributária», pois estas estão subjacentes ao sistema informático de apresentação da declaração modelo 22, que impedem a dedução do CFEI ao montante das tributações autónomas.”
Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i.e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
Das autoliquidações em crise, caso fosse considerada a dedução do RFAI à coleta do IRC associada às tributações autónomas, resultaria imposto a recuperar a este titulo de €18.301,89 referente a 2013 e de €22.878,22 referente a 2014, o qual deveria ter sido reembolsado até 31 de agosto de 2014 e 31 de agosto de 2015, respetivamente, nos termos do n.º 3 do artigo 104.º do Código do IRC.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde 1 de setembro de 2014 quanto a €18.301,89, e desde 1 de setembro de 2015 quanto € 22.878,22, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde aquelas datas até integral pagamento.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às autoliquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal.
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).
-IV- Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência:
- Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa objeto do presente processo e anulá-la por ter indeferido a pretensão da Requerente;
- Anular, por ilegais, as autoliquidações em crise, no montante de €18.301,89, e € 22.878,22, respetivamente;
- condenar a Requerida a reembolsar a Requerente nos montante €18.301,89, € 22.878,22 e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, contados desde 1 de setembro de 2014 quanto a €18.301,89, e desde 1 de setembro de 2015 quanto € 22.878,22, até efetivo e integral pagamento.
Valor da ação: €41.180,11 (quarenta e um mil cento e oitenta euros e onze cêntimos) -os termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 2 142.00 € (dois mil cento e quarenta e dois euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa,13.06.2017
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1] Em sentido diverso foram as decisões arbitrais proferidas nos processos 697/2014-T e 722/2015-T (todas estas decisões arbitrais estão disponíveis em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/”)
[2] INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO, Vol. I, 11ª Edição, 2001, Coimbra Editora, pag. 242.
[3] INTRODUÇÃO AO DIREITO, Almedina, 2012, pag. 290.
[4] Revista Fiscalidade, n.º 1, Janeiro de 2000, pags. 87-88.
[5] Neste sentido, embora com fundamentação não inteiramente coincidente cf. a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 749/2015-T (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/”)
[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).