Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 736/2016-T
Data da decisão: 2017-06-01  IVA  
Valor do pedido: € 4.585,27
Tema: IVA - artigo 78.º, do CIVA; duplicação de coleta
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

            I – Relatório

 

1.1.A…, Lda., portadora do NIPC …, com sede na … n.º…, …, …-… …, tendo sido notificada – através de Despacho proferido, a 9/9/2016, pela Exma. Sra. Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, no uso de competências delegadas – do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, apresentada contra a liquidação de IVA n.º 2016…, apresentou, a 12/12/2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista “a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, da liquidação de IVA n.º 2016…, respeitante ao período de tributação de IVA de dezembro de 2015, e da liquidação de juros de mora e de juros compensatórios n.º 2016…, também relativa ao período de dezembro de 2015, bem como o reembolso à ora Requerente dos montantes de IVA, juros de mora e juros compensatórios pagos através dos DUC n.º … e n.º… .”

 

            1.2. Em 23/2/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 31/3/2017, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da Requerente.

 

            1.4. Por despacho de 22/5/2017, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c) e e), do RJAT, e 19.º do RJAT, ser dispensável a produção de prova testemunhal e a reunião do artigo 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 1/6/2017 para a prolação da decisão arbitral.

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “segundo a AT, o indeferimento da reclamação graciosa no valor de € 4.552,25 justifica-se pela não verificação dos «pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA»”; b) “a AT fundamenta o essencial da sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, por conseguinte, da liquidação adicional de IVA no valor de € 4.552,25, no facto de a A… ter – alegadamente – incumprido a obrigação prevista no artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA”; c) “conforme resulta do entendimento propugnado pela AT, não tendo a ora Peticionante juntado ao procedimento de reclamação graciosa prova suficiente que comprove que o adquirente a quem foi erradamente emitida a fatura tomou conhecimento da retificação de imposto – que, na opinião (errada!) da ora Requerida, seria a B…, CRL, com o NIF… –, a mesma não poderá regularizar o imposto indevidamente entregue ao Estado no valor de € 4.552,25”; d) “a AT ter-se-á equivocado nos pressupostos de facto em que assenta o direito da Requerente à regularização do IVA a seu favor e, bem assim, ter-se-á equivocado ao interpretar e aplicar as normas relativas ao procedimento de regularização do IVA e respetivas formalidades. Acresce que a liquidação adicional emitida pela ora Requerida padece ainda de ilegalidade por duplicação da coleta, na medida em que implica a duplicação do pagamento, pela Requerente, de IVA relativamente ao mesmo facto tributário”; e) “a Requerida lavra em erro quanto aos pressupostos de facto da aplicação do direito da Requerente à regularização a seu favor do IVA liquidado na fatura inicial n.º … . Com efeito, a Requerida pressupõe que o adquirente, na transmissão de bens suportada pela fatura inicial n.º…, é a B… CRL. Porém, como acima se evidenciou, o adquirente é a C…”; f) “o erro cometido pela Requerente na fatura inicial não foi o da identidade do adquirente – que se encontra sempre corretamente identificada como C… na fatura inicial, na nota de crédito e na fatura retificada –, mas antes o do NIF inscrito na fatura inicial, que deveria ter sido o NIF…, da C…, e não o NIF…, da B… CRL”; g) “a Requerida lavrou em erro nos pressupostos de facto, ao considerar que a B… CRL seria o adquirente da operação de transmissão de bens suportada pela fatura (inicial) n.º …, erro este que conduziu a Requerida à conclusão errada de que não estavam verificados os «pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA» [...] e aos consequentes atos de indeferimento da reclamação graciosa, de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros de mora e de juros compensatórios, os quais se encontram inquinados do vício de violação de lei, em particular do disposto no artigo 78.º do Código do IVA, por erro nos pressupostos de facto”; h) “este [erro nos pressupostos de facto] constitui, por si só, motivo mais do que suficiente para determinar a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, nesse sentido, devem a liquidação adicional de IVA e a liquidação de juros de mora e de juros compensatórios aqui contestadas ser anuladas”; i) “os artigos 78.º e seguintes do Código do IVA preveem um regime em que os sujeitos passivos podem proceder a regularizações do imposto, liquidado ou deduzido, a favor do Estado ou a favor dos sujeitos passivos. No caso sub judice, a Requerente incluiu, erroneamente, na fatura emitida à C…, o NIF de um contribuinte que já se encontrava cessado desde fevereiro de 2009 (NIF…) (cfr. documento n.º 7), em vez de incluir o NIF do adquirente, a C… (NIF…). Salienta-se que, conforme resulta já dos factos acima descritos, a A… incluiu o IVA liquidado ao cliente C… na declaração periódica do período seguinte ao da emissão da fatura e entregou o correspondente IVA ao Estado. [...]. Só através [do] e-mail enviado pelo seu cliente C…[a 2/12/2015], é que A… se apercebeu de que emitiu a fatura com um número de identificação fiscal errado, número esse que pertencia à B… CRL, com atividade cessada desde fevereiro de 2009. No dia 11 de dezembro de 2015, a A… anulou a fatura incorretamente emitida através da nota de crédito n.º … e da emissão da fatura n.º … (cfr. documentos n.º 8 e n.º 9, respetivamente)”; j) “conforme resulta da prova junta aos presentes autos, todos os procedimentos [relativos à «rectificação, ou anulação, de uma factura emitida com um NIF incorrecto»] foram cumpridos[:] [...] No dia 11 de dezembro de 2015, a A… anulou a fatura incorretamente emitida através da nota de crédito n.º … e da emissão da fatura n.º … (cfr. documentos n.º 8 e n.º 9, respetivamente). Em virtude da anulação da fatura incorretamente emitida pela A…, a C…, enquanto adquirente dos bens transmitidos pela A…, regularizou o IVA deduzido a favor do Estado no «Anexo 41 – Regularizações a favor do Estado» (cfr. documento n.º 5). Em contrapartida, a A… regularizou o IVA entregue ao Estado a seu favor no «Anexo 40 Regularizações a favor do sujeito passivo» da declaração periódica relativa ao período de dezembro de 2015 (cfr. documento n.º 11). Por último, [...] a A… tem na sua posse o duplicado da nota de crédito assinado pelo adquirente, comprovativo de que este –C…– tomou conhecimento da retificação da fatura (cfr. documento n.º 10)”; l) “no caso em análise, tendo por base a jurisprudência deste Tribunal Arbitral e a doutrina acima vertidas, não restam dúvidas de que a regularização de IVA a efetuar pela Reclamante deve ser feita ao abrigo do artigo 78.º, n.º 3 [do CIVA]”; m) “a AT fundamenta o essencial da sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, por conseguinte, da liquidação adicional de IVA no valor de € 4.552,25, no facto de a A… ter – alegadamente – incumprido a obrigação prevista no artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA. Ou seja, de acordo com a AT, a A… teria de possuir prova de que o adquirente – que, na opinião (errada!) da ora Requerida, seria a B…, CRL, com o NIF … – tomou conhecimento da retificação de imposto”; n) “como tal, conforme resulta do entendimento propugnado pela AT, não tendo a ora Requerente juntado ao procedimento de reclamação graciosa prova suficiente que comprove que o adquirente a quem foi erradamente emitida a fatura tomou conhecimento da retificação de imposto – que, na opinião (errada!) da ora Requerida, seria a B…, CRL, com o NIF…–, a mesma não poderá regularizar o imposto indevidamente entregue ao Estado no valor de €4.552,25. Ora, a Requerente não pode aceitar esta decisão por a mesma se basear num pressuposto de facto errado: a AT considerou (reitera-se, erradamente!) que o adquirente da transmissão de bens realizada e constante da fatura n.º … era a B…, CRL, com o NIF…, e não a C…, com o NIF … . Com efeito, tal como resulta do exposto, a Requerente juntou ao procedimento de reclamação graciosa prova bastante de que o adquirente dos bens transmitidos – a C…– tomou conhecimento da retificação efetuada à fatura n.º … (realizada através da emissão da nota de crédito n.º … e da fatura n.º…) (cfr. resulta do parágrafo 74, pág. 10/10 do documento n.º 2). De facto, a Requerente juntou o duplicado da nota de crédito assinado pelo adquirente – C…, reitere-se –, comprovativo de que este tomou conhecimento da retificação da fatura (cfr. documento n.º 10)”; o) “estando provado que a Requerente juntou aos autos a nota de crédito carimbada e reenviada pelo adquirente dos bens (D… S.A.), a comprovar que esta tomou conhecimento da nota de crédito emitida a anular a fatura n.º …, é inegável que não assiste qualquer razão à AT para esta continuar a negar o direito à regularização do IVA liquidado na fatura n.º…, posteriormente retificada através da nota de crédito n.º … e da fatura n.º…”; p) “o artigo 78.º, n.º 5, configura uma limitação ao direito à dedução do imposto que se justifica na estrita medida da prevenção do risco de evasão fiscal. É, pois, evidente que os atos de indeferimento da reclamação graciosa, de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros de mora e de juros compensatórios se encontram inquinados do vício de violação de lei, em particular do disposto no artigo 78.º do Código do IVA, por erro nos pressupostos de direito”; q) “é incontestável que todas as formalidades necessárias à retificação desta fatura foram cabalmente observadas pela ora Requerente, devendo a liquidação adicional de IVA e a liquidação de juros de mora e de juros compensatórios aqui contestadas ser anuladas, o que desde já se requer com fundamento em ilegalidade por duplicação de coleta”; r) “concluindo-se que assiste razão à A… e que a liquidação de IVA e de juros de mora correspondem a atos ilegais, deverá a AT pagar juros indemnizatórios [...] sobre o valor do imposto e juros aqui contestado indevidamente liquidado e pago por aquela.”        

 

            2.2. Vem a ora Requerente, em síntese, solicitar ao Tribunal Arbitral que se determine “a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, da liquidação de IVA n.º 2016…, respeitante ao período de tributação de IVA de dezembro de 2015, e da liquidação de juros de mora e de juros compensatórios n.º 2016…, também relativa ao período de dezembro de 2015, bem como o reembolso à ora Requerente dos montantes de IVA, juros de mora e juros compensatórios pagos através dos DUC n.º … e n.º… .”  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “a liquidação adicional de IVA objecto da reclamação graciosa resultou da validação automática, efectuada com recurso à informação constante na base de dados da AT, dos NIF’s constantes do Anexo «Regularizações do Campo 40», que é parte integrante da declaração periódica de IVA relativa ao período 1512, submetida em Fevereiro de 2016”; b) que, “em 05-01-2015, a Reclamante emitiu a factura com o n.º …, ao cliente E…, com o NIF…, com valor de IVA de € 4.552,88, registado contabilisticamente, em 01-07-2015, a crédito da conta #24331100 - IVA Liquidado. Se atentarmos bem nos elementos desta factura, exibida pela Requerente como documento n.º 4 do pedido arbitral, verifica-se que esta é dirigida ao cliente acima indicado, com o n.º de cliente…, com sede no…, …, no ..., reportando-se ao pedido n.º …, de 30-12-2014. Onze meses depois, em 11-12-2015, a Requerente, pretendendo anular a factura, procedeu à emissão da nota de crédito n.º…, pelo mesmo valor da factura objecto de anulação, tendo registado contabilisticamente, em 13-12-2015, o IVA a débito, na conta #24331100 - IVA Liquidado. Esta nota de crédito (cf. documento n.º 8 do pedido arbitral) foi emitida ao cliente n.º…, E…, com morada na Rua …, …, no ..., e refere-se ao pedido n.º … de 11-12-2015”; c) que “a Requerente não juntou, em sede de reclamação graciosa, quaisquer elementos que permitissem comprovar que o cliente E…, com o NIF…, tenha tomado conhecimento da emissão da nota de crédito em causa, conforme estipulado pelo art. 78.º, n.º 5, do Código do IVA”; d) que “a Requerente, no âmbito do direito de audição exercido no procedimento de reclamação graciosa, apresenta o duplicado da nota de crédito assinado e carimbado, não pela entidade a quem se destina, mas pela D… S.A., com o NIF… . Ou seja, não foi a entidade adquirente que reconheceu a retificação do imposto”; e) que, “vem agora, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente explicar que, por um lado, a E… não corresponde à designação comercial da empresa e que, por outro, a alteração da morada entre a factura inicial e a nota de crédito emitida se deve ao facto de, nestes onzes meses, a designação da morada ter sido alterada”; f) que, “consultando o Portal da Justiça, publicação on-line do acto societário, no que diz respeito ao NIF …- que corresponde à B…, CRL -, verifica-se que já em 03-03-2008 (por força da apresentação 94/…) e, bem assim, a 27-02-2009 (data em que cessou a actividade), a morada da sede daquela entidade era na Rua…, n.º…, no ... (cf. documentos n.os 1 e 2, que se juntam). Deste modo, é completamente destituída de sentido a alegação feita pela Requerente (cf. art. 18.º do pedido arbitral) de que a morada se teria alterado entre Janeiro e Dezembro de 2015”; g) que “verifica-se que, como referido supra, a nota de débito/factura n.º…, de 14-12-2015 (cf. documento n.º 8 [9] do pedido arbitral), foi emitida ao sujeito passivo D… S.A., com o NIF … (alegadamente, segundo a Requerente, o verdadeiro destinatário da factura), para a Av.ª …, …, em Lisboa. Ora, como se verifica pela consulta ao mencionado Portal da Justiça, a D… S.A. não tinha sede nesse local desde Setembro de 2012, ou seja, mais de três anos antes da emissão daquele documento, constando como sede a Rua …, n.º…, no ... (cf. documentos n.os 3 e 4, que se juntam)”; h) que, “no caso em apreço, a inexactidão da factura inicialmente emitida não respeita ao valor tributável da operação nem ao montante do imposto em causa, pelo que, neste caso, a correcção não deveria ser feita com recurso a uma ND”; i) que “a Requerente não demonstra ter havido, por parte da D… S.A., qualquer dedução de IVA num momento inicial, aquando da alegada receção da fatura em Janeiro de 2015”; j) que, “ademais, a Requerente não prova, sobretudo, que a regularização indicada no anexo 41 da DP de Fevereiro de 2016, entregue pela D… S.A (por si junta como documento n.º 5 do pedido arbitral), tenha por base aquela factura em concreto. Desde logo, porque, muito simplesmente o valor de IVA da factura em causa é de € 4.552,88 e o montante constante do mod. 41 é de € 4.920,92”; l) que, “tal como o direito à dedução, também o direito à regularização é formalista. [...]. [...] cabia à Requerente provar que a adquirente dos bens, ou de quem lhe tenha sucedido em termos jurídicos, havia sido notificada da rectificação pretendida. [...]. [...] não tendo a Requerente cumprido com o requisito essencial à aceitação da regularização, não pode a mesma ser aceite, pelo que deve ser mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral ora apresentado”; m) que, “por força da aplicação do princípio da neutralidade subjacente ao IVA, a regularização efectuada apenas será admissível se a Requerente vier apresentar os elementos contabilísticos que sustentam o anexo 41 da DP entregue pela D… S.A. (NIF…), por forma a garantir que o valor da factura aqui sindicada está aí inclusa, atenta a divergência dos valores supra referida”; n) que, “atento todo o exposto, constata-se, pois, que a liquidação em causa nos autos resulta estritamente do autodeclarado pela Requerente, inexistindo erro imputável aos serviços da AT [e, consequentemente,] inexistência de erro imputável aos serviços nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT.”

 

2.4. Conclui a AT que o presente pedido deve ser “julgado improcedente [...] e absolvida a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A ora Requerente é uma sociedade por quotas com sede em território nacional que exerce, a título principal, a actividade do comércio por grosso de perfumes e de produtos de higiene, registada com o CAE 46450. É um sujeito passivo de IVA nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal mensal, devendo, desse modo, apresentar mensalmente declarações periódicas, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA.

            ii) No dia 11/12/2015, a Requerente anulou a factura incorretamente emitida através da nota de crédito n.º … e da emissão da factura n.º … (vd., respectivamente, Docs. 8 e 9). Em virtude da referida anulação, a C…, enquanto adquirente dos bens transmitidos pela ora Requerente, regularizou o IVA deduzido a favor do Estado no «Anexo 41 – Regularizações a favor do Estado» (vd. Doc. 5). Por seu lado, a Requerente regularizou o IVA entregue ao Estado a seu favor no «Anexo 40 – Regularizações a favor do sujeito passivo» da declaração periódica relativa ao período de dezembro de 2015 (vd. Doc. 11). A ora Requerente juntou, ainda, aos presentes autos o duplicado da nota de crédito assinado pelo adquirente, como comprovativo de que este –C…– tomou conhecimento da rectificação da factura (vd. Doc. 10). A autenticidade deste documento não foi questionada nestes autos.

 

            iii) Em 5/2/2016, a Requerente submeteu electronicamente a declaração periódica de IVA n.º…, referente ao período de dezembro de 2015, dentro do prazo estabelecido no artigo 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA, cujo montante apurado de IVA a liquidar foi de €760.017,97 (vd. Doc. 11) – montante este integralmente entregue ao Estado no dia 10/2/2016 (conforme comprovativo de pagamento anexado como Doc. 13).

 

            iv) A 12/2/2016, a Requerente foi notificada, através da sua caixa postal electrónica, de que “foram verificadas incorreções nos números de identificação fiscal (NIF’s), indicados no Anexo «Regularizações do Campo 40»” (v. Doc. 14). Resulta ainda da notificação referida que o erro em causa foi verificado na Linha 17 e quanto ao cliente com o NIF…, em virtude de este NIF constar como cessado para efeitos de IVA. Segundo a AT, a incorrecção prende-se com IVA regularizado a favor do sujeito passivo, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 2, do CIVA, no valor de €4553,88. 

 

            v) Reconhecendo que se tinha enganado na fundamentação da regularização de IVA no valor de €4553,88, a Requerente submeteu electronicamente, a 16/2/2016, uma declaração periódica de substituição, com o n.º …, referente ao mesmo período e com o mesmo montante de IVA apurado (vd. Doc. 16), montante este que já havia sido entregue ao Estado no dia 10/2/2016. No anexo 40 da mencionada declaração periódica de substituição, a Requerente corrigiu a fundamentação da regularização de IVA efectuada a seu favor, no valor de €4553,88, identificando que a mesma regularização estava a ser realizada ao abrigo do art. 78.º, n.º 3, do CIVA.

 

            vi) A ora Requerente foi notificada da liquidação adicional n.º 2016…, no valor de €4553,25 (vd. Doc. 1). A 4/5/2016, o SF de Oeiras … notificou a Requerente de que “relativamente ao pedido de informação solicitado em 2016-02-19, ao e-balcão, não se[ndo] o meio próprio, o mesmo foi mandado convolar em reclamação graciosa.” (vd. Doc. 19).

 

            vii) A 10/5/2016, a ora Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IVA n.º 2016…, relativa ao período de 201512 (vd. Doc. 20). O indeferimento da referida reclamação foi notificado à Requerente a 12/9/2016 (v. Doc. 25).

           

viii) Inconformada, a ora Requerente deduziu, em 12/12/2016, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

           

IV – Do Direito

 

            No presente caso, as questões essenciais que se colocam são as de saber se: 1) a ora Requerente cumpriu com a obrigação prevista no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA e, também, se a regularização de IVA a efetuar pela Requerente deve ser feita ao abrigo do artigo 78.º, n.º 3, do CIVA; 2) como alega a ora Requerente, as liquidações em causa padecem de “ilegalidade por duplicação de coleta”; e 3) se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.

 

            Vejamos, então.

 

            1) Alega a Requerente que ocorre erro nos pressupostos de facto porque “a Requerida [considerou] que a B… CRL seria o adquirente da operação de transmissão de bens suportada pela fatura (inicial) n.º…, erro este que conduziu a Requerida à conclusão errada de que não estavam verificados os «pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA» [...] e aos consequentes atos de indeferimento da reclamação graciosa, de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros de mora e de juros compensatórios”. Acrescenta, ainda, a Requerente, que “a Requerida pressupõe que o adquirente, na transmissão de bens suportada pela fatura inicial n.º…, é a B… CRL. Porém, [...] o adquirente é a C…”.

 

            A Requerente reconhece “o erro cometido [...] na fatura inicial”, mas salienta que esse erro “não foi o da identidade do adquirente – que se encontra sempre corretamente identificada como C… na fatura inicial, na nota de crédito e na fatura retificada –, mas antes o do NIF inscrito na fatura inicial, que deveria ter sido o NIF…, da C…, e não o NIF…, da B… CRL”.

 

            Observando os elementos documentais que foram trazidos aos autos, constata-se que assiste razão à ora Requerente, uma vez que a mesma cumpriu com a obrigação estabelecida no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA.

 

            Como se pode ler supra, no ponto ii) da factualidade provada: a) no dia 11/12/2015, a Requerente anulou a factura incorretamente emitida através da nota de crédito n.º … e da emissão da fatura n.º … (vd., respectivamente, Docs. 8 e 9); b) em virtude da referida anulação, a C…, enquanto adquirente dos bens transmitidos pela ora Requerente, regularizou o IVA deduzido a favor do Estado no «Anexo 41 – Regularizações a favor do Estado» (vd. Doc. 5); c) a Requerente regularizou o IVA entregue ao Estado a seu favor no «Anexo 40 – Regularizações a favor do sujeito passivo» da declaração periódica relativa ao período de dezembro de 2015 (vd. Doc. 11); e d) a Requerente juntou, ainda, aos presentes autos o duplicado da nota de crédito assinado pelo adquirente, como comprovativo de que este – C…– tomou conhecimento da rectificação da fatura (vd. Doc. 10).

 

            Como também se refere supra, no ponto iii) da factualidade provada, a Requerente, em 5/2/2016, submeteu electronicamente a declaração periódica de IVA n.º…, referente ao período de dezembro de 2015, dentro do prazo estabelecido no art. 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA, cujo montante apurado de IVA a liquidar foi de €760.017,97 (vd. Doc. 11), montante este que foi integralmente entregue ao Estado a 10/2/2016 (conforme comprovativo de pagamento anexado como Doc. 13).

 

            Reconhecendo que se tinha enganado na fundamentação da regularização de IVA no valor de €4553,88, a ora Requerente submeteu electronicamente, a 16/2/2016, uma declaração periódica de substituição, com o n.º…, referente ao mesmo período e com o mesmo montante de IVA apurado (vd. Doc. 16), montante este que já havia sido entregue ao Estado no dia 10/2/2016. No anexo 40 da referida declaração periódica de substituição, a Requerente corrigiu a fundamentação da regularização de IVA efectuada a seu favor, no valor de €4553,88, identificando que a mesma regularização estava a ser realizada ao abrigo do art. 78.º, n.º 3, do CIVA. [Vd. supra, ponto v) da factualidade provada.]

 

            Conclui-se, pois, que a ora Requerente realizou todos os procedimentos necessários ao reconhecimento do direito à regularização do IVA liquidado na factura n.º …, posteriormente rectificada através da nota de crédito n.º … e da factura n.º… . Sendo, também, evidente que o lapso relativo ao NIF inscrito na factura inicial (… em vez de …, este o exacto NIF da aí identificada C…) configura um caso de inexactidão da factura, nos termos (e para os efeitos) do que se dispõe no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.

 

            Alega, no entanto, a AT, na sua resposta, que: a) enquanto que a factura com o n.º … “é dirigida ao cliente acima indicado [C…], com o n.º de cliente…, com sede no …, …, no ..., reportando-se ao pedido n.º…, de 30-12-2014”, “em 11-12-2015, a Requerente, pretendendo anular a factura, procedeu à emissão da nota de crédito n.º …, pelo mesmo valor da factura objecto de anulação, tendo registado contabilisticamente, em 13-12-2015, o IVA a débito, na conta #24331100 - IVA Liquidado. Esta nota de crédito (cf. documento n.º 8 do pedido arbitral) foi emitida ao cliente n.º … [C…], com morada na Rua …, …, no ...”; b) “verifica-se que [...] a nota de débito/factura n.º …, de 14-12-2015 (cf. documento n.º 8 [9] do pedido arbitral), foi emitida ao sujeito passivo D… S.A., com o NIF … (alegadamente, segundo a Requerente, o verdadeiro destinatário da factura), para a Av.ª …, …, em Lisboa. Ora, como se verifica pela consulta ao mencionado Portal da Justiça, a D… S.A. não tinha sede nesse local desde Setembro de 2012, ou seja, mais de três anos antes da emissão daquele documento, constando como sede a Rua …, n.º…, no ...”; c) “no caso em apreço, a inexactidão da factura inicialmente emitida não respeita ao valor tributável da operação nem ao montante do imposto em causa, pelo que, neste caso, a correcção não deveria ser feita com recurso a uma ND”; d) “a Requerente não prova [...] que a regularização indicada no anexo 41 da DP de Fevereiro de 2016, entregue pela D… S.A (por si junta como documento n.º 5 do pedido arbitral), tenha por base aquela factura em concreto. Desde logo, porque, muito simplesmente o valor de IVA da factura em causa é de € 4.552,88 e o montante constante do mod. 41 é de € 4.920,92.”

 

            Não assiste, contudo, razão à AT uma vez que: a) a diferença nas moradas não impede que se possa considerar que a rectificação foi correctamente feita, dado tratar-se de um mero lapso sem influência determinante na identificação do cliente acima mencionado (como bem salienta a Requerente, no ponto 18.º da sua p.i., “[apesar desse lapso] ambos os documentos [foram] recebidos [...] pela C…, que os registou na sua contabilidade e lhes conferiu o adequado enquadramento em sede de IVA”; b) apesar do lapso de moradas referido pela AT, deve notar-se que tal lapso é relativo à morada de facturação e não à morada de envio; c) a inexactidão das facturas, referida no n.º 3 do art. 78.º do CIVA, respeita a todos os elementos ou requisitos compreendidos nas mesmas e não apenas, como alega a AT, “ao valor tributável da operação [ou] ao montante do imposto em causa” (pois não se vislumbram razões para nos afastarmos do brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus); d) a divergência de valores referida não impede que se possa considerar que o montante constante do mod. 41 inclui o valor da factura de IVA em causa, dado que aquele é superior a este (por outro lado, nenhum elemento foi trazido aos autos de modo a que se possa duvidar, fundadamente, da inclusão daquele valor no montante referido no mod. 41).      

 

            Acresce, por último, que, como já se disse antes, tendo a ora Requerente apresentado o duplicado da nota de crédito assinado pelo adquirente, se conclui que foi apresentada prova bastante de que o adquirente, C…, tomou conhecimento da rectificação da factura (vd. Doc. 10) – cumprindo-se, deste modo, o disposto no art. 78.º, n.º 5, do CIVA. Note-se, ainda, a este respeito, que nestes autos não foi questionada a autenticidade do referido documento.

 

            Em face do acima exposto, conclui-se que os actos tributários ora em causa são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito – o que determina a anulação dos mesmos e a devolução das quantias indevidamente pagas.

 

2) Tendo-se concluído, em 1), que era procedente a alegação da ora Requerente, torna-se desnecessário analisar as demais alegações feitas pela mesma.

 

3) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.

   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

 

Tendo havido, como decorre do que se disse em 1), erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Declarar a ilegalidade da liquidação de IVA impugnada e da liquidação de juros de mora e de juros compensatórios n.º 2016…, determinando a sua anulação, bem como a devolução das quantias indevidamente pagas.

            – Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €4585,27 (quatro mil quinhentos e oitenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €612,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 1 de Junho de 2017.

 

 

O Árbitro,

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.