DECISÃO ARBITRAL
Na sequência e em execução do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, em recurso interposto pela Requerente – A... SUCURSAL EM PORTUGAL, decretou, por acórdão de 21-06-2018, comunicado ao CAAD em 25-09-2019, a anulação da decisão arbitral proferida neste processo arbitral em 09-06-2017, profere-se a seguinte nova decisão:
I. - RELATÓRIO
A - PARTES
A sociedade A... SUCURSAL EM PORTUGAL, designada por “Requerente”, com sede na Rua Dr. ..., ..., em Lisboa, com o número de pessoa colectiva ..., impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.
B - PEDIDO
1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 07 de Dezembro de 2016 e, nessa mesma data, notificado à AT.
2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 31-01-2017, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
3 - As Partes foram, em 31-01-2017, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 15-02-2017.
5 - No dia 05 de Junho de 2017, O Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tendo em conta o teor do despacho proferido em 21 de Maio de 2017, considerou dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do referido diploma legal.
6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:
a) - Declare a ilegalidade do despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, no segmento em que indefere, por intempestividade, a reclamação graciosa n.º ... - 2015/...;
b) - Declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos de autoliquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC) e dos juros compensatórios (JC), objecto dessa mesma reclamação graciosa n.º ...- 2015/..., tal como identificados nos autos (Doc.7), respeitantes aos veículos, igualmente, identificados no referido Doc.7, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que somam o montante de € 7.919,52;
c) - Condene a AT ao reembolso da quantia de € 7.919,52, correspondente ao montante total pago a título de IUC e de JC, referente aos actos de autoliquidação e veículos atrás referenciados;
d) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento, quer de juros indemnizatórios relativos aos montantes indevidamente liquidados e pagos, quer das custas do processo.
C - CAUSA DE PEDIR
7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
8 - Que é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objecto social, pratica operações permitidas aos Bancos, com excepção da recepção de depósitos, celebrando com os seus clientes Contratos de Longa Duração (ALD); contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e contratos de Locação Financeira (leasing) de veículos automóveis;
9 - Que, nesse contexto, celebrou com os seus clientes contratos de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda e contratos de locação financeira, veículos que adquire, como viaturas novas, aos importadores nacionais da B... e da C..., e que, findos tais contratos, são vendidos aos correspondentes locatários ou a terceiros;
10 - Que teve conhecimento, no Portal das Finanças, dos documentos de autoliquidação de IUC e de JC identificados nos autos, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014;
11 - Que não obstante ter sido surpreendida com as referidas autoliquidações, e embora delas discordando, procedeu ao integral pagamento dos respectivos montantes, uma vez que é seu apanágio ter uma situação tributária devidamente regularizada;
12 - Que, em 27-04-2015, deduziu reclamação graciosa contra 178 autoliquidações de IUC, relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, tendo então, instruído tal Reclamação, designadamente, com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos, quer pela identificação das viaturas alienadas antes da data da exigibilidade do imposto;
13 - Que a reclamação graciosa, por ter sido considerada intempestiva, foi, por despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, parcialmente indeferida, relativamente a liquidações, cuja soma perfaz o montante de € 7.919,52;
14 - Que a reclamação graciosa não pode ser tida como intempestiva, dado ter sido apresentada contra as mencionadas autoliquidações de IUC dentro do prazo de 2 anos, previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT
15 - Que em todos os contratos que celebrou, de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, estão claramente identificados os utilizadores dos correspondentes veículos, para os quais, ou para terceiros, após o termo dos contratos, transmitiu a propriedade dessas viaturas por um valor residual;
16 - Que nas datas da exigibilidade do IUC, referente aos veículos em causa nos autos, já não era, nuns casos, sua proprietária e, noutros casos, era locadora financeira ou locadora em contratos de locação operacional com promessa de compra e venda, não sendo, em qualquer dos casos, sujeito passivo do referido imposto;
17 - Que as vendas dos veículos ocorreram precisamente nas datas em que as correspondentes facturas foram emitidas, as quais documentam e demonstram a venda desses veículos em momento anterior ao da data da exigibilidade do IUC, sendo que, depois da concretização de tais vendas, nunca retoma a propriedade dos veículos;
18 - Que o IUC, embora tenha como objectivo a angariação de receitas, visa, igualmente, tributar os custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade, sendo a unificação desses objectivos assegurada pelo princípio da equivalência estatuído no art.º 1.º do CIUC, o qual, sendo basilar em sede de tributação de IUC, deixa claro que os contribuintes devem ser onerados na medida dos impactos que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando, assim, o princípio do poluidor-pagador;
19 - Que foi instituído, no CIUC, o princípio de que quem polui deve pagar, associando o imposto aos danos ambientais e viários que são causados com a efectiva utilização dos veículos;
20 - Que nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, na medida em que se limitou a dar de locação os veículos em causa ou a vendê-los, nos casos em que os contratos de locação já tinham terminado;
21 - Que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, e que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;
22 - Que, após o terminus dos referidos contratos, procede à transferência da propriedade dos respectivos veículos para os correspondentes locatários ou para terceiros, transferência que se dá por mero efeito dos contratos e que está suportada nas respectivas facturas de venda, em cujas datas de emissão é pago o respectivo preço;
23 - Que, em qualquer dos mencionados contratos, celebrados com os seus clientes, embora o locador continue a ser o proprietário dos veículos, só os locatários e os titulares da opção de compra e venda, no caso dos contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, têm o exclusivo gozo dos veículos, sendo os potenciais causadores de danos viários e ambientais;
24 - Que o registo de aquisição dos veículos automóveis não tem qualquer valor constitutivo, mas meramente declarativo, na medida em que apenas tem como objectivo publicitar a situação jurídica dos veículos, constituindo o mesmo uma presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, sendo, todavia, tal presunção ilidível;
25 - Que mesmo nos caos em que o comprador (novo proprietário do veículo), não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que esse direito continua a ser do vendedor, podendo, contudo, tal presunção ser ilidida;
26 - Que considerar como sujeitos passivos de IUC apenas os proprietários das viaturas em nome das quais as mesmas se encontrem registadas, não atendendo às situações em que tais registos já não coincidem com os reais proprietários ou com os reais utilizadores das mesmas, constitui uma restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação;
27 - Que a AT tinha conhecimento oficioso das datas das vendas e locações das viaturas em questão, bem como dos adquirentes e locatários das mesmas, na medida em que todas as facturas de venda e de rendas lhe eram, oportunamente, comunicadas via SAF-T;
28 - Que ao contrário do que lhe cabia fazer, a AT, face ao princípio do inquisitório, não encetou qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa, demonstrando total desinteresse na procura dessa verdade, tendo-se limitado a considerar a informação constante das bases de dados.
D - RESPOSTA DA REQUERIDA
29 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta em 27-03-2017, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
POR EXCEPÇÃO
30 - A Intempestividade da reclamação graciosa, dado que o prazo para a sua apresentação, relativamente às correspondentes liquidações (e não às autoliquidações como entende a Requerente) era de 120 dias, nos termos do art.º 120.º, n.º 1 do CPPT, ex vi do art.º 70.º, n.º 1 do mesmo Código, e não de 2 anos, como previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, tal como a Requerente considerou;
31 - A Extemporaneidade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, fundada no indeferimento por intempestividade da reclamação graciosa.
POR IMPUGNAÇÃO
32 - Alega a Requerida que a pretensão da Requerente não pode, de todo, proceder, porquanto os contratos de locação financeira que, a mesma, refere terem sido celebrados, não foram comunicados, nos termos estabelecidos no art.º 19.º do CIUC, não podendo, igualmente, proceder, o argumento de que a Requerente não era sujeito passivo do IUC nos casos em que alega já não ser proprietária dos veículos nas datas em que se venceu a obrigação de liquidação do referido imposto. (cfr. art.ºs 31.º a 37.º da Resposta)
33 - Por outro lado, a Requerida considera que a Requerente faz uma interpretação e aplicação das normas legais, aplicáveis ao caso, notoriamente erradas, na medida em que,
34 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. (cfr. art.º 51.º da Resposta)
35 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 62.º da Resposta)
36 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (cfr. art.º 63.º da Resposta)
37 - Considera que a redacção do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.
38 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF. (cfr. art.º 76.º da Resposta)
39 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (cfr. art.º 78.º da Resposta)
40 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada. (cfr. art.º 101.º da Resposta)
41 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade.
42 - Acrescenta que as facturas apresentadas pela Requerente, como prova de venda dos veículos, não são aptas e não revelam, por si só, a vontade de celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. (cfr. art.º 118.º e 119.º da Resposta)
43 - Por fim, refere não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, salientando, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que permitam a liquidação de juros indemnizatórios, cujo pedido foi formulado pela Requerente. (cfr. arts.º 151.º e 152.º da Resposta)
44 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação aduzida, deverá ser julgada procedente a excepção invocada, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se os actos tributários de liquidação impugnados na ordem jurídica, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
E - QUESTÕES DECIDENDAS
45 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.
46 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, é necessário apreciar e decidir as seguintes questões:
a) - A excepção referente à extemporaneidade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, fundada na intempestividade da reclamação graciosa;
b) - Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção;
c) - Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto;
d) - Se, nos termos de um contrato de locação financeira ou de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, na data da exigibilidade do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.
e) - Se os documentos apresentados, relativos à locação e à venda dos veículos identificados no processo, são aptos a fazer prova da locação e da compra e venda de tais veículos.
F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
47 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é competente para apreciar o caso, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
48 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
49 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.
50 - Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e a informação inscrita no processo administrativo tributário, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.
II - FUNDAMENTAÇÃO
G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
51 - No que respeita à matéria de facto, importa notar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Dos factos provados
52 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
53 - A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objecto social, pratica operações permitidas aos Bancos, com excepção da recepção de depósitos, celebrando com os seus clientes Contratos de Longa Duração (ALD); contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e contratos de Locação Financeira (leasing) de veículos automóveis;
54 - A Requerente teve conhecimento, no Portal das Finanças, dos documentos, que designa de autoliquidação de IUC, e de JC identificados nos autos, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, tendo procedido ao pagamento dos correspondentes montantes;
55 - Em 27-04-2015, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra 178 autoliquidações de IUC, relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, tendo então, instruído tal reclamação, designadamente, com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos, quer pela identificação das viaturas alienadas antes da data da exigibilidade do imposto;
56 - A reclamação graciosa foi, por despacho de 20-06-2016 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, considerada intempestiva e parcialmente indeferida;
57 - A Requerente entende que a reclamação graciosa não pode ser tida como intempestiva, dado ter sido apresentada, dentro do prazo de 2 anos, previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, contra as designadas autoliquidações de IUC;
58 - A Requerente apresentou, em 06-12-2016, pedido de constituição de tribunal arbitral, solicitando a anulação, por ilegalidade, do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa, no segmento em que aquele indeferiu tal reclamação, bem como a anulação das autoliquidações de IUC impugnadas, e respectivos JC, e a restituição da totalidade do montante pago, no valor de € 7.919,52;
59 - A data de pagamento mais recente, relativamente às liquidações de IUC, objecto da reclamação graciosa e do pedido de constituição de tribunal arbitral, reporta-se a 16-12-2014.
60 - No universo das liquidações de IUC subjacentes à reclamação graciosa em causa, nem todas elas tinham como limite para o seu pagamento voluntário, a data de 16-12-2014, posto que, algumas dessas liquidações, nomeadamente as relacionadas com os veículos de matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., cujas liquidações totalizavam o montante de € 479,17, tinham datas de pagamento que se situavam nos primeiros três meses do ano de 2015;
61 - Os veículos referenciados no ponto anterior, tendo sido objecto de contrato de locação financeira e de contrato de aluguer de veículo s/condutor com contrato - promessa de compra e venda, foram, no quadro desses contratos, vendidos a terceiros;
62 - A Requerente, como prova das mencionadas vendas e para ilidir, nomeadamente, a presunção que entende estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, juntou cópias, quer dos contratos, quer das facturas de venda dos veículos.
63 - Nas datas relativas à exigibilidade do imposto, a que se reportam as correspondentes liquidações de IUC, a propriedade dos veículos em questão não pertencia à Requerente, mas a outras pessoas, tal como identificadas nos autos.
64 - O prazo de 120 dias (artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, ex vi artigo 70.º, n.º 1 do mesmo Código), para a apresentação da reclamação graciosa, foi ultrapassado, dado que, por um lado, a mesma foi apresentada em 2015-04-27 e, por outro, a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC objecto dessa reclamação, era de 2014-12-16.
65 - A reclamação graciosa n.º ...2015..., apresentada pela Requerente, em 2015-04-27, “ (…) foi parcialmente indeferida, por intempestividade (com exceção das liquidações de IUC relativas aos veículos com as matrículas ... e ...e aos veículos cuja data limite de pagamento do imposto foi em 01-03-2015) ”.
66 - A liquidação, no valor de € 137,03, relativa ao veículo com a matrícula ..., face à documentação junta aos autos, foi objecto de anulação.
Dos factos não provados
67 - Não se verificaram quaisquer factos como não provados, com relevância para a decisão arbitral.
H - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
68 - A matéria de facto está fixada, importando proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no ponto 46.
69 - A questão essencial e decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.
70 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, e que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;
71 - A Requerida, por seu lado, considera que o legislador tributário ao estabelecer, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 62.º da Resposta)
QUESTÕES PRÉVIAS
SOBRE A ANULAÇÃO DA DECISÃO
72 - Na sequência da anulação da decisão arbitral proferida neste processo arbitral em 09-06-2017, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 21-06-2018, comunicado ao CAAD em 25-09-2019, com fundamento na violação do principio do contraditório, na medida em que, independentemente da questão da excepção de incompetência em razão da matéria, invocada pelo tribunal arbitral na mencionada decisão, ser de conhecimento oficioso, deveria, o referido tribunal, ter concedido às partes, o que não fez, a oportunidade de, relativamente à mesma, se pronunciarem, solicitou-se à Requerente e à Requerida que se pronunciassem sobre tal questão, tendo, em síntese, as mesmas referido o seguinte:
73 - A Requerente entende que a decisão que recaiu sobre “ (…) a reclamação graciosa, na parte em que respeita às viaturas matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ...- a que correspondem autoliquidações de IUC emitidas em Janeiro, Fevereiro e Março de 2015 - (…)”, indeferiu a referida “reclamação graciosa com base na legalidade das respectivas autoliquidações, e não com fundamento em intempestividade da reclamação (…)”, considerando ainda que,
74 - Se “(…) por mera hipótese, houvesse incompetência material do tribunal arbitral relativamente a todas as autoliquidações de IUC e JC, por imposição do artigo 14º nº 1 do CPTA daí não pode resultar a absolvição da Requerida/AT da instância, mas outrossim” “(…) a remessa do processo ao Tribunal Tributário competente - conforme resulta daquele artigo 14º nº 1 do CPTA e do artigo 278º nº 1 a) e nº 2 do CPC”.
75 - A Requerida, por seu lado, reproduzindo algumas das considerações exaradas na defesa por excepção constante da sua Resposta, refere expressamente, e em síntese, que,
76 - A reclamação graciosa n.º ...2015..., apresentada pela Requerente “ (…) foi parcialmente indeferida, por intempestividade (com exceção das liquidações de IUC relativas aos veículos com as matrículas ... e ... e aos veículos cuja data limite de pagamento do imposto foi em 01-03-2015) ”, acrescentado que,
77 - “Da análise da reclamação graciosa interposta, verifica-se que tendo a mesma sido apresentada em 2015-04-27 e a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC ser de 2014-12-16, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código), para a apresentação da mesma”. Considera também,
78 - Que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa teve por base a sua intempestividade, cuja ilegalidade a Requerente pretende que seja declarada, pelo que acompanha o tribunal quando o mesmo “(…) entende oficiosamente, que carece de competência em razão da matéria, tendo em conta, quer o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, quer o disposto no nº 1 do artigo 96º e nº 1 do artigo 97º, ambos do CPC”.
79 - Assim sendo, importa, desde já, notar, a propósito dos veículos mencionados pela Requerida, no ponto 76, a coincidência existente - excepção feita à viatura com a matrícula ..., relativamente à qual, face à documentação junta aos autos, a AT procedeu à anulação da correspondente “ (…) nota de cobrança oficiosa de IUC n.º 2013 ... no valor de € 137,03 - entre tais veículos e os que são identificados pela Requerente, como, no ponto 73, estão mencionados.
SOBRE A EXCEPÇÃO
80 - Já se disse que a Requerida, na Resposta apresentada, ajeitou, desde logo, a sua defesa por excepção, pelo que, tendo em conta, quer o disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quer o estabelecido no n.º 1 do art.º 608.º do CPC, aqui aplicáveis por força do artigo 29.º, nº 1, alíneas c) e e) do RJAT, respectivamente, importa conhecer, em primeiro lugar, a mencionada excepção, uma vez que, face ao disposto nas aludidas normas, o seu conhecimento precede o de quaisquer outras matérias.
81 - Entende a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente foi extemporâneo, na medida em que o mesmo se encontra baseado no indeferimento de uma reclamação graciosa indeferida por intempestividade. Mais concretamente, refere que,
82 - “(…) não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento, ainda que parcial, de uma reclamação graciosa parcialmente extemporânea”, posto que, “De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação”. Acrescentando que,
83 - A Requerente não pode “(…) fundamentar a tempestividade do recurso ao tribunal arbitral com base na apresentação de uma petição de reclamação graciosa no segmento extemporâneo, nem podendo “(…) o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade da reclamação graciosa, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que a AT contesta, nos termos dos documentos constantes do processo administrativo”. Considera ainda a Requerida, nas alegações atinentes à mencionada excepção,
84 - Que tendo a reclamação graciosa, interposta pela Requerente, sido apresentada em 2015-04-27 e sendo a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC de 2014-12-16, o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código), para a apresentação da mesma, foi largamente ultrapassado, acrescentando que,
85 - Embora o n.º 2 do artigo 16.º do CIUC “(…) refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo”, não se estando, assim, “ (…) perante uma autoliquidação, limitando-se a Requerente a proceder ao pagamento dos valores apurados pela Administração Fiscal e correspondentes ao IUC a pagar”. Acrescenta ainda que,
86 - “Desta forma, a Requerente não podia lançar mão do procedimento previsto no artigo 131.º CPPT, por não estarmos perante uma autoliquidação, nem perante erro imputável aos serviços, mas sim perante uma liquidação de imposto”.
87 - Face à circunstância da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, invocada pela Requerida, ter como objecto e residir no indeferimento da reclamação graciosa n.º ... - 2015/..., indeferida, por intempestividade, nos termos do despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, impõe-se conhecer, antes de mais, se a referida reclamação graciosa, apresentado em 27 de Abril de 2015, foi, ou não, tempestivamente apresentada.
Vejamos,
88 - Importa, desde logo, saber se no quadro da tributação atinente ao imposto único de circulação (IUC) estamos no domínio da liquidação de imposto ou de autoliquidação.
89 - No caso dos autos diz a Requerente, no ponto 9 do seu pedido de pronúncia arbitral, que “[…] desconhecia este IUC e JC até que consultou o Portal das Finanças e constatou a existência, entre muitos outros, dos documentos de cobrança de IUC e JC aqui em questão, tendo […] retirado do Portal das Finanças os respectivos documentos de cobrança para autoliquidação e pagamento do IUC e JC”, acrescentado que,
90 - “Não obstante ter sido surpreendida com os valores de IUC e JC que constavam do Portal das Finanças/área reservada […]”, entendeu tomar a “iniciativa de autoliquidar e pagar o respectivo IUC e JC, obtendo os respectivos documentos para pagamento por via da internet, no Portal das Finanças […]”. Cfr. pontos 11 e 12 do seu pedido de pronúncia arbitral.
91 - A Requerente refere, assim, ter tido conhecimento dos actos tributários, em conformidade com a revelação dos mesmos no “seu sítio” no Portal das Finanças, tendo procedido ao pagamento das quantias de imposto liquidado.
92 - Fica, pois, certo que a Requerente retirou da sua página, no Portal das Finanças, os documentos designados por Notas de Apuramento de IUC/Notas de Liquidação, como resulta de alguns desses documentos, que estão junto aos autos, e procedeu ao pagamento dos montantes neles inscritos, o que não pode deixar de significar que as correspondentes e subjacentes liquidações tributárias já tinham sido “geradas” (efectuadas) com base em programação informática, dado que a sua automaticidade resulta, necessariamente, de um programa informático com claros e precisos objectivos, previamente delineados pelo programador, o mesmo é dizer, pela Administração Tributária, pagamentos que estão devidamente comprovados pela entidade cobradora, tal como resulta das respectivas Certidões Comprovativas de Pagamento.
93 - Os mencionados documentos, juntos ao pedido de pronúncia arbitral, nos quais a Requerente se fundou para proceder ao pagamento do IUC em questão, contêm todos os elementos essenciais aos actos de liquidação em causa, a saber: a identificação do serviço emissor, a identificação do sujeito passivo, incluindo o seu número de identificação fiscal, o período a que respeita o imposto em falta, a data limite de pagamento, o valor a pagar que, respeitando embora, nalguns casos, à importância resultante do somatório do IUC devido e dos correspondentes juros compensatórios, está, todavia, devidamente ventilado, aí se procedendo à demonstração das respectivas liquidações, seja, pois, a título de IUC, onde, designadamente, se refere a matrícula do veículo, o ano e mês de matrícula, bem como a sua cilindrada, seja relativamente aos referidos juros, bem como a respectiva referência para pagamento.
94 - Nestas circunstâncias, estamos, inequivocamente, perante liquidações de IUC efectuadas pela AT, com os elementos que constam do sistema, previamente inseridos, não cabendo ao sujeito passivo alterar nenhum destes elementos, liquidações que são levadas à esfera de cognoscibilidade da Requerente por via da sua colocação na “página” que “lhe está reservada” no Portal das Finanças, constituindo actos lesivos que, face ao previsto e estatuído no n.º 2 do art.º 9.º e no n.º 1 do art.º 95.º, ambos da LGT, podem ser impugnados pelos interessados.
95 - A liquidação do imposto em causa, tal como à data de alguns dos factos, se estatuía no n.º 1 do art.º 16.º do CIUC, era, de resto, da competência da Direcção-Geral dos Impostos, estando, hoje, a mesma, atribuída à Autoridade Tributária e Aduaneira, não devendo, aliás, o disposto nos n.ºs 2 e 3, desse mesmo artigo, ser interpretado sem ter em conta a competência exclusiva, em matéria de liquidação de IUC, legalmente cometida ao referido Departamento do Ministério das Finanças, sendo certo, de resto, que o termo “liquidação” usado no n.º 2 do referido artigo não poderá ter outro entendimento que não seja o de se referir ao “pagamento” do referido imposto, imprecisão terminológica que, aliás, se verifica, designadamente, quer noutros artigos do referido CIUC, como é o caso do n.º 2, do art.º 17.º, quer em outros diplomas legais, quer no “jargão comercial”.
96 - Assim sendo, afastado fica o entendimento de que estamos perante uma situação de autoliquidação, posto que a autoliquidação é a que, de todo, é feita pelos particulares, por contraposição à liquidação que é feita pela Administração Tributária, só podendo falar-se de autoliquidação quando é o próprio contribuinte a fazer os cálculos do imposto a pagar, ou seja, quando é o sujeito passivo a aplicar a taxa do imposto à matéria colectável, o que, em absoluto, não acontece no caso dos autos (Cfr. designadamente, José Casalta Nabais, in Direito Fiscal - (Reimpressão) Almedina, Coimbra - Março - 2002, p. 252; Vitor Faveiro, in Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, 1.º vol., Coimbra Editora - 1984, pp 409/410 e Pedro Soares Martinez, in Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 295/296.
97 - A este propósito, cabe notar, à semelhança do que é feito no Acórdão do STA, de 31-05-2006, Proc. JSTA00063227, disponível em www.dgsi.pt., que o “último grito” relativamente ao conceito de autoliquidação está consagrado no art.º 120.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária espanhola, aprovada pela Ley 58/2003, de 17 de Dezembro, quando dispõe que “as autoliquidações são declarações nas quais os obrigados tributários, além de comunicarem à Administração os dados necessários para a liquidação do tributo e outros de conteúdo informativo, fazem por si mesmos as operações de qualificação e quantificação necessárias para determinar e pagar a importância da dívida tributária ou, se for o caso, determinar a quantidade que haja a devolver ou a compensar”.
98 - Em suma, estamos, no caso dos autos, confrontados com liquidações de IUC e não, como entende a Requerente, perante autoliquidações, quando refere que “Contrariamente ao preconizado no despacho de indeferimento parcial da Reclamação, esta não é intempestiva, […]”, acrescentando que “Com efeito, a Reclamação Graciosa foi apresentada contra as autoliquidações de IUC, dentro do prazo de 2 anos consignado no artigo 131º nº 1 do CPPT”. Cfr. Pontos 16 e 17 do seu pedido de pronúncia arbitral.
99 - Assim sendo, e tendo em conta, como decorre dos autos, que, excepção feita às liquidações de IUC relativas aos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., o prazo limite mais recente para o pagamento voluntário, relativo às liquidações de IUC objecto da mencionada reclamação graciosa, respeita a 16-12-2014, e que a dita reclamação foi apresentada em 27-04-2015, forçoso é entender que a mesma estava fora de prazo à data em que foi apresentada, atento o prazo de 120 dias, legalmente previsto para o efeito (art.º 102.º, n.º 1 do CPPT, ex vi do n.º 1, do art.º 70.º do referido Código), não merecendo, pois, censura a decisão da Autoridade Tributária que indeferiu, por intempestiva, a referida reclamação graciosa.
100 - Por outro lado, e nestas circunstâncias, ou seja, face ao despacho de indeferimento parcial, por intempestividade, da reclamação graciosa em questão, importará, agora, conhecer, quais as consequências da apresentação, em 06-12-2016, do pedido de constituição de tribunal arbitral (pedido de pronúncia arbitral), que tem, designadamente, como objecto a declaração de ilegalidade desse mesmo despacho de indeferimento.
101 - Já se referiu que a Requerida, na sua defesa por excepção, entende que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, na medida em que, contrariamente ao entendimento da Requerente, a sua tempestividade não pode basear-se no indeferimento, ainda que parcial, de uma reclamação graciosa parcialmente extemporânea.
Vejamos,
102 - A reclamação graciosa em questão, já se disse, face à sua apresentação em 27-04-2015, não se revelou apresentada dentro do prazo legalmente estabelecido, na medida em que o prazo para a sua apresentação, como atrás se referiu, era de 120 dias, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário do IUC, o qual - excepção feita às liquidações, cuja legalidade foi, implicitamente, confirmada na mencionada reclamação - terminou em 16-12-2014.
103 - A Requerente optou por intentar inicialmente reclamação graciosa, quando poderia não o ter feito. Na verdade, resulta do teor do artigo 70.º do CPPT à data dos factos (redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro), que “1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º“, factos que, no caso, como resulta da alínea a) do referido artigo, são o “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias (…)”
104 - Como atrás se referiu, o prazo de 120 dias previsto na lei para apresentação da reclamação graciosa, contado desde 16-12-2014 (data limite mais recente para o pagamento voluntário das liquidações de IUC), não foi observado, atenta a sua apresentação em 27-04-2015, o que, por consequência, coloca o pedido de pronúncia arbitral numa situação que também será intempestiva, considerado, designadamente, o prazo legal de 90 dias para a sua apresentação, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, os quais, no caso, como resulta da alínea a) do referido artigo, se consubstanciam no “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias (…)”, e que correspondem, justamente, aos actos de liquidação de IUC que, à excepção das liquidações, cuja legalidade foi confirmada, estão subjacentes à reclamação graciosa indeferida por intempestividade.
105 - Assim, a extemporaneidade da reclamação graciosa, preclude o direito de se apreciar a legalidade dos actos de liquidação, que nela estão inscritos, com a excepção atrás mencionada, pois, como já ficou referido, se assim não fosse, “(…) estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”, e que se consolidaram no ordenamento jurídico.
106 - Neste sentido, importa, com as devidas adaptações, notar as orientações jurisprudenciais concretizadas, nomeadamente, quer no Acórdão do TCAN (processo n.º 01584/09.3BEPRT), de 11-10-2017, quando refere que “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido”, quer no Acórdão do TCAS (processo n.º 07644/14), de 23-03-2017, quando ajuíza no sentido de que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”.
107 - Aqui chegados, importa notar que, no universo das liquidações de IUC subjacentes à reclamação graciosa referenciada no processo, nem todas as liquidações tinham como limite para o seu pagamento voluntário, a data de 16-12-2014. Com efeito, algumas delas, nomeadamente as relacionadas com os veículos de matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., cujas datas de pagamento se situavam nos primeiros três meses do ano de 2015.
108 - Trata-se de liquidações que, não podendo ter servido de fundamento ao despacho de indeferimento, por intempestividade, da reclamação graciosa em questão, só poderão ser tidas como tendo sido confirmadas, na sua legalidade, o que significa que, neste particular, o referido despacho procedeu à reafirmação da legalidade dos actos de liquidação correspondentes. Assim,
109 - O despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa em causa, fundado na sua intempestividade, como se tem vindo a referir, não poderá, todavia, ter deixado, de apreciar a legalidade das liquidações relativas aos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., com IUC liquidado no valor, respectivamente, de € 21,00; € 32,09; € 143,35; € 99,01; € 52,21 e € 131,51, totalizando o montante de € 479,17, tendo, consequentemente, apreciado, nessa exacta medida, o mérito das liquidações reclamadas, indeferindo, assim, nesta parte, a dita reclamação com base na legalidade de tais liquidações.
110 - O despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido nas mencionadas circunstâncias, assume-se, de algum modo, como a “extensão” e “prolongamento” do próprio acto de liquidação, na medida em que reaprecia a sua legalidade e volta a confirmá-la, tal como inicialmente fora configurada, indeferimento esse que, sendo, por um lado, um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, cuja apreciação importa efectuar, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, determina, por outro lado,
111 - Que o pedido de pronúncia arbitral, no respeitante aos mencionados actos de liquidação, ou seja, aos que se relacionam com os veículos de matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., não possa ser tido como intempestivo. Com efeito,
112 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, conjugado com o estatuído no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, a impugnação judicial da decisão de reclamação graciosa deve ser deduzida no prazo de 90 dias, contados a partir da notificação da referida decisão, a qual, no caso dos autos, face aos documentos integrantes do processo, foi, sob a forma de carta registada com aviso de recepção, encaminhada para conhecimento da Requerente em 06-09-2016, sendo que o pedido de constituição de tribunal arbitral, face aos elementos inscritos no Sistema Electrónico de Gestão Processual (SGP), foi apresentado no CAAD em 06-12-2016.
113 - Nestas circunstâncias, e na parte respeitante às mencionadas liquidações, cuja legalidade foi, como já se referiu, confirmada pelo despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu, por intempestividade, a Reclamação Graciosa n.º ...-2015/..., considera-se que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi tempestivamente apresentado.
I - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (CONTINUAÇÃO)
114 - Aqui chegados, importa, agora, ajuizar sobre a legalidade das liquidações associadas aos seis veículos, cujas matrículas atrás estão referenciadas.
115 - Já se disse, no ponto 69, que, a este propósito, a questão essencial e decisiva, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.
J - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC
116 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T e do n.º 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.”
Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.
Trata-se de um entendimento que, de todo, se acompanha e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão.
L - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO
117 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.
118 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)
Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.
119 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.
Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.
120 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)
121 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.
122 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)
123 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)
124 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)
125 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1, do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.
126 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, verem-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.
127 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.
128 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que os vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova das referidas vendas, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.
M - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC AQUANDO DA ALIENAÇÃO DO VEÍCULO OBJECTO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA OU DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA
129 - As transmissões dos veículos em causa, ou seja, dos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., a que se tem vindo a aludir, como tendo liquidações de IUC, no montante total de € 479,17, reportadas aos primeiros três meses do ano de 2015 e que não fundaram o indeferimento por intempestividade da reclamação graciosa, tiveram como adquirentes as pessoas que, nos correspondentes contratos de locação financeira, ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, figuravam como locatários ou como promitentes-compradores, sendo que as referidas vendas ocorreram (todas elas) antes das datas referentes às da exigibilidade do IUC.
130 - A alienação dos veículos referenciados nos autos ocorreu, nuns casos, durante a vigência dos aludidos contratos e, noutros, após o termo desses contratos, sendo que, em qualquer das situações, ou seja, nas que se referem às vendas dos veículos ocorridas ainda durante a vigência dos aludidos contratos, ou em datas posteriores ao fim desses contratos, as datas das mencionadas vendas reportam-se a momentos anteriores às da exigibilidade do imposto único de circulação, não sendo, pois, o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, dado que, face ao que já atrás se referiu, a mesma não era, então, nestas circunstâncias, sujeito passivo do imposto.
N - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS
SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA E DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA
131 - Relativamente aos contratos de locação financeira e aos contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, no quadro dos quais se inscreveram todas as transferências de propriedade dos veículos para os ex-locatários, deve entender-se que tais contratos são meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade de locatários. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.
SOBRE AS FACTURAS
132 - Não sendo legalmente exigível a forma escrita para a transmissão da propriedade de veículos automóveis, a prova dessa transmissão poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas relativas às vendas dos veículos.
133 - A propósito das facturas, enquanto documentos probatórios da venda de veículos automóveis, não se pode deixar de ter em conta o n.º 2, artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, em cuja estatuição se consideram as facturas como documentos que indiciam a efectiva compra e venda dos veículos.
134 - Por outro lado, importa também lembrar o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 29.º; no n.º 5 do art.º 36.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, todos do CIVA, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, donde se retira que apenas a factura, a factura-recibo e a factura simplificada corporizam documentos reconhecidos para efeitos da transmissão de bens ou da prestação de serviços.
135 - A Requerente, como meio de prova de que procedeu à venda dos veículos, tal como identificados no presente processo, em data anterior à da exigibilidade do imposto, juntou, nomeadamente, para além das cópias dos contratos mencionados, quer as facturas/recibo referentes às alegadas vendas (como ocorreu relativamente aos veículos com as matrículas:..., ... e ...), quer facturas e documentos de pagamento, facturas que, nuns casos, exibem a referencia ao seu processamento por computador e, noutros casos, a indicação de que foram processadas por Programa objecto de prévia certificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), identificado por Programa Certificado n.º .../AT.
136 - Deve, aliás, salientar-se que nada permite considerar que quaisquer desses documentos, nomeadamente as facturas apresentadas, como suporte das vendas dos veículos em causa nos autos, não tenham correspondência com as vendas que, alegadamente, foram concretizadas. 137 - As facturas juntas aos autos, como prova da alienação dos veículos, tendo em conta o objecto social da Requerente, corporizado no aluguer de veículos automóveis e na venda desses veículos aos seus clientes, no termo dos respectivos contratos de aluguer, mostram-se totalmente ajustadas à mencionada realidade empresarial, sendo absolutamente verosímil a venda dos veículos que as facturas apresentadas visam provar, não se identificando, de todo, elementos que corporizem qualquer contrato simulado, antes permitem concluir estarmos perante facturas que reproduzem a real e verdadeira venda dos veículos às pessoas nelas indicadas.
138 - A conjugação dos diversos documentos apresentados permitem ao tribunal entender, com um elevado grau de probabilidade e de verosimilhança, que a alienação dos veículos em causa aos correspondentes locatários se concretizou. A este propósito, cabe notar o que escreve Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 256, em anotações ao art.º 115.º do referido Código, quando citando ALBERTO DOS REIS, refere que a “prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social”.
139 - Em síntese, a prova da venda dos veículos em questão, a partir da junção aos autos dos mencionados documentos, afigura-se razoável e proporcional, sobretudo, tendo em conta o objecto social da Requerente, centrado na actividade de operações de financiamento para aquisição de viaturas automóveis, e na celebração dos correspondentes contratos de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, não sendo, consequentemente, de estranhar, bem pelo contrário, que, tal como já se assinalou, na sequência dos contratos mencionados, se concretize a transferência da propriedade dos veículos identificados nos autos para os correspondentes locatários.
140 - As facturas em questão (cópias), referentes às vendas dos veículos, na medida em que gozam da presunção de veracidade que no n.º 1 do art.º 75.º da LGT lhes é conferida, cabendo à AT, atento o disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar que as informações nelas inscritas não correspondem à realidade, permitem concluir pela real transferência da titularidade dos veículos, constituindo meio de prova suficiente para ilidir as presunções em causa nos autos, ou seja, a presunção estabelecida no art.º 7.º do Código do Registo Predial e a consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o que significa que, à data em que o imposto era exigível, a propriedade dos veículos em questão havia sido transferida da Requerente para os ex - locatários, não sendo a mesma sujeito passivo do imposto em causa.
141 - Nestas circunstâncias, os seis veículos referenciados nos autos como tendo sido alienados, no quadro dos respectivos contratos locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, consideram-se como vendidos, nos termos já referidos, em momentos anteriores às datas da exigibilidade do correspondente IUC, devendo, assim, considerar-se que a Requerente, relativamente a tais veículos, não era, à data a que dizem respeito as liquidações em causa, sujeito passivo do imposto em questão, não se podendo, pois, deixar de considerar que a presunção legal consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC foi ilidida.
142 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção, nem tendo em conta os elementos probatórios que lhe foram apresentados, como resulta, designadamente, do processo administrativo tributário, está a proceder à liquidação ilegal do IUC, relativamente aos veículos atrás mencionados, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do referido art.º 3.º do CIUC, o que configura a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.
O - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
143 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)
144 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)
145 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos seis actos de liquidação, atrás referenciados, e do pagamento das correspondentes quantias, como consta das Certidões Comprovativas de Pagamento constantes do processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, a título de imposto, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, montantes esses que, no caso dos autos, totalizam a quantia de € 479,17, resultante das liquidações de IUC com o valor de € 21,00; € 32,09; € 143,35; € 99,01; € 52,21 e € 131,51, associadas, respectivamente, aos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ... .
146 - Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 479,17.
CONCLUSÃO
O quadro circunstancial que se deixa mencionado, permite concluir o seguinte:
147 - A reclamação graciosa, excepção feita às liquidações de IUC relativas aos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., é intempestiva, na medida em que o prazo de 120 dias, previsto para sua apresentação, (artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, ex vi artigo 70.º, n.º 1 do mesmo Código), contado desde 16-12-2014 (data limite mais recente para o pagamento voluntário das liquidações de IUC), não foi observado, dado a mesma ter sido apresentada em 27-04-2015.
148 - O pedido de pronúncia arbitral, excepção feita às liquidações de IUC relativas aos veículos identificados no ponto anterior, fundado em reclamação graciosa extemporânea, é intempestivo, na medida em que só a tempestividade da reclamação graciosa possibilita a discussão da legalidade das liquidações nele impugnadas.
149 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar e confirmar a legalidade dos seis actos de liquidação em causa no presente processo, com fundamento na ideia de que o artigo 3.º, n.º.1, do CIUC não consagra uma presunção ilidível, e que a Requerente é, nos casos previstos no n.º 2 do referido artigo, sujeito passivo do imposto, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.
150 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária dos seis veículos referenciados no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do correspondente imposto, quando tal propriedade, relativamente aos veículos em questão, já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.
151 - A decisão da AT, relativamente à reclamação graciosa identificada nos autos é, na parte que respeita aos seis mencionados actos de liquidação, e na medida em que procede à sua confirmação, falha de legalidade, não podendo permanecer na ordem jurídica.
III – DECISÃO
152 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
- Julgar intempestiva a apresentação da reclamação graciosa, referenciada nos autos, com o n.º ... - 2015/..., no que respeita ao universo de liquidações de IUC que a integram, à excepção das liquidações, cujas datas limite de pagamento do referido imposto, se situam nos primeiros três meses de 2015.
- Anular a decisão proferida no quadro da mencionada reclamação graciosa, na parte que respeita aos actos de liquidação, cujo valor perfaz o montante de € 479,17, relacionado com os veículos de matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ... .
- Julgar procedente a excepção de extemporaneidade do pedido, excluindo as liquidações, cujas datas limite de pagamento se situam nos primeiros três meses de 2015, decidindo, em consequência e em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 576.º do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea e), do RJAT, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira, parcialmente, do pedido.
- Julgar, consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral, na parte que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC, com o valor de € 479,17, respeitantes aos seis veículos atrás identificados, tempestivo e procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei.
- Anular os actos de liquidação de IUC, com datas limite de pagamento que se situam nos primeiros três meses de 2015, com o valor de € 21,00; € 32,09; € 143,35; € 99,01; € 52,21 e € 131,51, associados, respectivamente, aos veículos com as matrículas ..., ..., ..., ..., ... e ..., cujo valor total perfaz a quantia de € 479,17.
- Condenar a AT ao reembolso da quantia de € 479,17, relativo ao IUC liquidado e pago, referente às liquidações associadas aos atrás referidos veículos, (cujas datas limite de pagamento se situam nos primeiros três meses de 2015), bem como ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento da quantia referida, até ao integral reembolso da mesma;
- Condenar a Requerente e a Requerida em custas, que se fixam, para cada uma, na proporção de 94% para Requerente e de 6% para a Requerida.
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º
- A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 7.919,52.
CUSTAS
De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2020
O Árbitro
António Correia Valente
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico.)
Decisão Arbitral
I. - RELATÓRIO
A - PARTES
A sociedade A…, designada por “Requerente”, com sede na Rua …, Lote …, em Lisboa, com o número de pessoa colectiva …, impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.
B - PEDIDO
1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 07 de Dezembro de 2016 e, nessa mesma data, notificado à AT.
2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 31-01-2017, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
3 - As Partes foram, em 31-01-2017, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 15-02-2017.
5 - No dia 05 de Junho de 2017, O Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tendo em conta o teor do despacho proferido em 21 de Maio de 2017, considerou dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do referido diploma legal.
6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:
a) - Declare a ilegalidade do despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, no segmento em que indefere, por intempestividade, a Reclamação Graciosa n.º … - 2015/…;
b) - Declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos de autoliquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC) e dos juros compensatórios (JC), objecto dessa mesma Reclamação Graciosa n.º …- 2015/…, tal como identificados nos autos (Doc.7), respeitantes aos veículos, igualmente, identificados no referido Doc.7, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que somam o montante de € 7.919,52;
c) - Condene a AT ao reembolso da quantia de € 7.919,52, correspondente ao montante total pago a título de IUC e de JC, referente aos actos de autoliquidação e veículos atrás referenciados;
d) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento, quer de juros indemnizatórios relativos aos montantes indevidamente liquidados e pagos, quer das custas do processo.
C - CAUSA DE PEDIR
7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
8 - Que é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objecto social, pratica operações permitidas aos Bancos, com excepção da recepção de depósitos, celebrando com os seus clientes Contratos de Longa Duração (ALD); contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e contratos de Locação Financeira (leasing) de veículos automóveis;
9 - Que, nesse contexto, celebrou com os seus clientes contratos de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda e contratos de locação financeira, veículos que adquire, como viaturas novas, aos importadores nacionais da … e da …, e que, findos tais contratos, são vendidos aos correspondentes locatários ou a terceiros;
10 - Que teve conhecimento, no Portal das Finanças, dos documentos de autoliquidação de IUC e de JC identificados nos autos, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014;
11 - Que não obstante ter sido surpreendida com as referidas autoliquidações, e embora delas discordando, procedeu ao integral pagamento dos respectivos montantes, uma vez que é seu apanágio ter uma situação tributária devidamente regularizada;
12 - Que, 27-04-2015, deduziu Reclamação Graciosa contra 178 autoliquidações de IUC, com o valor total de € 10.407,11 relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, tendo então, instruído tal Reclamação, designadamente, com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos, quer pela identificação das viaturas alienadas antes da data da exigibilidade do imposto;
13 - Que a Reclamação Graciosa, por ter sido considerada intempestiva, foi, por despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (em substituição), da Direção de Finanças de Lisboa, parcialmente indeferida, relativamente a liquidações, cuja soma perfaz o montante de € 7.919,52;
14 - Que a Reclamação Graciosa não pode ser tida como intempestiva, dado ter sido apresentada contra as mencionadas autoliquidações de IUC dentro do prazo de 2 anos, previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT
15 - Que em todos os contratos que celebrou, de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, estão claramente identificados os utilizadores dos correspondentes veículos, para os quais, ou para terceiros, após o termo dos contratos, transmitiu a propriedade dessas viaturas por um valor residual;
16 - Que nas datas da exigibilidade do IUC, referente aos veículos em causa nos autos, já não era, nuns casos, sua proprietária e, noutros casos, era locadora financeira ou locadora em contratos de locação operacional com promessa de compra e venda, não sendo, em qualquer dos casos, sujeito passivo do referido imposto;
17 - Que as vendas dos veículos ocorreram precisamente nas datas em que as correspondentes facturas foram emitidas, as quais documentam e demonstram a venda desses veículos em momento anterior ao da data da exigibilidade do IUC, sendo que, depois da concretização de tais vendas, nunca retoma a propriedade dos veículos;
18 - Que o IUC, embora tenha como objectivo a angariação de receitas, visa, igualmente, tributar os custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade, sendo a unificação desses objectivos assegurada pelo princípio da equivalência estatuído no art.º 1.º do CIUC, o qual, sendo basilar em sede de tributação de IUC, deixa claro que os contribuintes devem ser onerados na medida dos impactos que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando, assim, o princípio do poluidor-pagador;
19 - Que foi instituído, no CIUC, o princípio de que quem polui deve pagar, associando o imposto aos danos ambientais e viários que são causados com a efectiva utilização dos veículos;
20 - Que nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, na medida em que se limitou a dar de locação os veículos em causa ou a vendê-los, nos casos em que os contratos de locação já tinham terminado;
21 - Que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, e que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;
22 - Que, após o terminus dos referidos contratos, procede à transferência da propriedade dos respectivos veículos para os correspondentes locatários ou para terceiros, transferência que se dá por mero efeito dos contratos e que está suportada nas respectivas facturas de venda, em cujas datas de emissão é pago o respectivo preço;
23 - Que, em qualquer dos mencionados contratos, celebrados com os seus clientes, embora o locador continue a ser o proprietário dos veículos, só os locatários e os titulares da opção de compra e venda, no caso dos contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, têm o exclusivo gozo dos veículos, sendo os potenciais causadores de danos viários e ambientais;
24 - Que o registo de aquisição dos veículos automóveis não tem qualquer valor constitutivo, mas meramente declarativo, na medida em que apenas tem como objectivo publicitar a situação jurídica dos veículos, constituindo o mesmo uma presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, sendo, todavia, tal presunção ilidível;
25 - Que mesmo nos caos em que o comprador (novo proprietário do veículo), não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que esse direito continua a ser do vendedor, podendo, contudo, tal presunção ser ilidida;
26 - Que considerar como sujeitos passivos de IUC apenas os proprietários das viaturas em nome das quais as mesmas se encontrem registadas, não atendendo às situações em que tais registos já não coincidem com os reais proprietários ou com os reais utilizadores das mesmas, constitui uma restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação;
27 - Que a AT tinha conhecimento oficioso das datas das vendas e locações das viaturas em questão, bem como dos adquirentes e locatários das mesmas, na medida em que todas as facturas de venda e de rendas lhe eram, oportunamente, comunicadas via SAF-T;
28 - Que ao contrário do que lhe cabia fazer, a AT, face ao princípio do inquisitório, não encetou qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa, demonstrando total desinteresse na procura dessa verdade, tendo-se limitado a considerar a informação constante das bases de dados.
D - RESPOSTA DA REQUERIDA
29 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta em 27-03-2017, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
POR EXCEPÇÃO
30 - A Intempestividade da Reclamação Graciosa, dado que o prazo para a sua apresentação, relativamente às correspondentes liquidações (e não às autoliquidações como entende a Requerente) era de 120 dias, nos termos do art.º 120.º, n.º 1 do CPPT, ex vi do art.º 70.º, n.º 1 do mesmo Código, e não de 2 anos, como previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, e como a Requerente considerou;
31 - A Extemporaneidade da apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral, fundada no indeferimento por intempestividade da Reclamação Graciosa.
POR IMPUGNAÇÃO
32 - Alega a Requerida que a pretensão da Requerente não pode, de todo, proceder, porquanto os contratos de locação financeira que, a mesma, refere terem sido celebrados, não foram comunicados, nos termos estabelecidos no art.º 19.º do CIUC, não podendo, igualmente, proceder, o argumento de que a Requerente não era sujeito passivo do IUC nos casos em que alega já não ser proprietária dos veículos nas datas em que se venceu a obrigação de liquidação do referido imposto. (cfr. art.ºs 31.º a 37.º da Resposta)
33 - Por outro lado, a Requerida considera que a Requerente faz uma interpretação e aplicação das normas legais, aplicáveis ao caso, notoriamente erradas, na medida em que,
34 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. (cfr. art.º 51.º da Resposta)
35 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 62.º da Resposta)
36 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (cfr. art.º 63.º da Resposta)
37 - Considera que a redacção do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.
38 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF. (cfr. art.º 76.º da Resposta)
39 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (cfr. art.º 78.º da Resposta)
40 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada. (cfr. art.º 101.º da Resposta)
41 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade.
42 - Acrescenta que as facturas apresentadas pela Requerente, como prova de venda dos veículos, não são aptas e não revelam, por si só, a vontade de celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. (cfr. art.º 118.º e 119.º da Resposta)
43 - Por fim, refere não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, salientando, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que permitam a liquidação de juros indemnizatórios, cujo pedido foi formulado pela Requerente. (cfr. arts.º 151.º e 152.º da Resposta)
44 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação aduzida, deverá ser julgada procedente a excepção invocada, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se os actos tributários de liquidação impugnados na ordem jurídica, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
E - QUESTÕES DECIDENDAS
45 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.
46 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, é necessário apreciar e decidir:
a) - A excepção dilatória referente à extemporaneidade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, fundada na intempestividade da Reclamação Graciosa;
b) - Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.
c) - Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.
d) - Se, na data da exigibilidade do imposto, vigorar um contrato de locação financeira ou um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2 do CIUC, sujeito passivo do IUC é o locatário ou a entidade locadora, em nome da qual a propriedade do veículo se encontra registada.
e) - Se, nos termos de um contrato de locação financeira ou de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, na data da exigibilidade do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.
f) - Se os documentos apresentados, relativos à locação e à venda dos veículos identificados no processo, são aptos a fazer prova da locação e da compra e venda de tais veículos.
F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
47 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é competente para apreciar o caso, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
48 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
49 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.
50 - Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e a informação inscrita no processo administrativo tributário, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.
G - DA EXCEPÇÃO DEDUZIDA RELATIVA À EXTEMPORANEIDADE DA APRESENTAÇÃO DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL FUNDADA NA INTEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
51 - Tendo em conta, quer o disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quer o estabelecido no n.º 1 do art.º 608.º do CPC, aqui aplicáveis por força do artigo 29.º, nº 1, alíneas c) e e) do RJAT, respectivamente, importa conhecer, em primeiro lugar, a mencionada excepção suscitada pela AT, uma vez que, face ao disposto nas aludidas normas, o seu conhecimento precede o de quaisquer outras matérias.
52 - Já se disse que, por um lado, a AT considera extemporânea a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, com base no indeferimento por intempestividade da Reclamação Graciosa n.º … - 2015/…, não tendo, como expressamente consta do parecer subjacente ao referido despacho de indeferimento, havido lugar à análise de mérito do referido pedido, e que, por outro, a Requerente pretende, desde logo, que seja declarada a ilegalidade desse mesmo despacho de indeferimento, o que suscita, previamente, a questão de conhecer a competência do tribunal arbitral para este efeito.
53 - Tendo em conta, quer o disposto no art.º 608.º, n.º 2, in fine, do CPC, quer o previsto no n.º 1 do art.º 97.º do mesmo Código, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT importa, pois, apreciar, oficiosamente, a atrás mencionada questão da competência do tribunal arbitral.
54 - Resulta, clara e explicitamente, do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro), que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões que visem “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.”
55 - Por outro lado, embora a referida disposição legal apenas se refira, com expressa precisão, à […] declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos […], importa saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.
56 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.
57 - A este propósito, cabe notar o que nos diz o Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 121, quando refere que “Embora na alínea a) do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade dos actos de liquidação […] essa competência estende-se também aos actos de segundo e terceiros graus (reclamação graciosa e recurso hierárquico, respectivamente) que apreciem a legalidade desses actos primários (actos de liquidação de tributos).”
58 - Deve ainda referir-se o entendimento do mencionado autor, ibidem, p. 123, quando considera que “Nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação”. Acrescentando que,
59 - “Limitando-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, no que concerne a actos de liquidação […] à declaração da sua ilegalidade e suas consequências, apenas se incluirão nessa competência os actos de indeferimento de reclamações graciosas ou de recursos hierárquicos […] nos casos em que estes actos de segundo grau […] conheceram efectivamente da legalidade de actos de liquidação […] e não também quando aqueles actos se abstiveram desse conhecimento, por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (como, por exemplo, intempestividade ou ilegitimidade, ou incompetência).” (sublinhado nosso)
60 - A pretensão da Requerente, como consta do seu pedido de pronúncia arbitral, visa, antes de mais, a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º … - 2015/…, o qual, como já se deixou dito, foi proferido com fundamento, justamente, na intempestividade dessa Reclamação.
CONCLUSÃO
61 - Face ao exposto, e considerando, por um lado, as competências dos tribunais arbitrais, como atrás se referenciam e, tendo em conta, por outro, que o fundamento do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa reside na sua intempestividade, este Tribunal Arbitral não pode deixar de entender, oficiosamente, que carece de competência, em razão da matéria, para julgar a referida questão, considerando-se, assim, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, prejudicado o conhecimento das restantes questões de direito suscitadas quer, pela Requerente, quer pela Requerida.
III - DECISÃO
62 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
- Declarar-se incompetente em razão da matéria, tendo em conta, quer o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), quer o disposto no n.º 1 do artigo 96.º e no n.º 1 do art.º 97.º, ambos do CPC, absolvendo, consequentemente, da instância, a Autoridade Tributária e Aduaneira, face ao disposto no artigo 99.º, n.º 1 do referido Código.
- Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 7.919,52.
CUSTAS
De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.
Notifique-se.
Lisboa, 09 de Junho de 2017
O Árbitro
António Correia Valente
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)