Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado pelos outros Árbitros), Dr.ª Conceição Gamito e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-06-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA., sociedade comercial por quotas com sede na Rua de … … e …, …-… Lisboa, com o número único de matrícula, de identificação de pessoa colectiva e de identificação fiscal … (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”) e 102.º do CPPT, a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo com vista à anulação da liquidação de IVA n.º…, de 14-10-2014 e da liquidação de juros compensatórios n.º…, da mesma data
A Requerente pretende ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada a pagar-lhe juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
A Requerente designou como Árbitro a Dr.ª Conceição Gamito, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-03-2015.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.
Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Cons. Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 28-05-2015.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 15-06-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que requer reenvio prejudicial sobre a questão «da conformidade do entendimento da AT quanto à falta de verificação dos pressupostos da isenção, à luz do n.º 2, alínea a) do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006» (artigo 124.º da Resposta) e defende a improcedência dos pedidos.
Em 05-10-2015, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que foi produzida prova testemunhal e se decidiu que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente e não suscitados obstáculos a apreciação do mérito da causa.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Por acórdão de 30-11-2015, foi decidido proceder a reenvio prejudicial para o TJUE, que se pronunciou no acórdão de 14-06-2017, proferido no processo n.º C-26/16.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
a) A Requerente exerce a actividade principal de “Comércio de veículos automóveis ligeiros”, CAE 45110, e está enquadrada, em sede de IRC, no regime de tributação do grupo de sociedades, tendo como sociedade dominante a “B… SGPS SA”;
b) A Requerente, em sede de IVA está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal;
c) Na sequência de remessa à Direcção de Finanças de Lisboa da informação nº …/2013 de 24-10-2013, proveniente da Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira, para que fosse promovida a liquidação de IVA devido pela alienação dum veículo da marca …, com o n.º de chassis…, efectuada pela Requerente através da factura nº 001.2010…, de 26-01-2010, foi emitida a Ordem de Serviço n.º 2014…, ao abrigo da qual foi efectuada uma acção inspectiva interna à Requerente, de âmbito parcial, ao IVA do período de Janeiro de 2010; (processo administrativo e documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) O veículo referido foi vendido pela C… ao seu concessionário A… (à data D…), ora Requerente;
e) A admissão veículo no território nacional foi titulada pela Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º…, datada de 25-06-2009, sendo, posteriormente, anulada pela declaração complementar de veículos (DCV) nº …/2011, de 03-03-2011, a qual indica como motivo de anulação a expedição do veículo;
f) A Requerente procedeu à venda do veículo, através da factura n.º 001.2010…, com data de 26-01-2010, pelo valor de € 447.665,00, não tendo existido liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) com fundamento no disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) O ganho da venda do veículo obtido pela Requerente foi de € 19.400,00;
h) O referido veículo não havia sido utilizado (artigo 95.º do pedido de pronúncia arbitral);
i) O adquirente do veículo, E…, tem nacionalidade angolana e é titular de passaporte n.º N…, emitido pela República de Angola (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) Ao referido E… foi atribuído pelas autoridades espanholas, em 02-05-2008, o «Número de Identidad de Extranjero (N.I.E.)» X-…-M, indicando-se como sua residência «…, Pontevedra (…)» (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
k) No momento da compra, o adquirente do veículo apresentou à Requerente o número de identificação estrangeiro espanhol (NIE) X-…M, o qual foi referenciado na factura, e indicou como morada …, Orense, … Avion Espanha (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 26.º deste);
l) Foram ainda apresentados à Requerente, no momento da venda do veículo, cópia do passaporte emitido pela República de Angola e um documento emitido em 02-05-2008 pela Dirección General de la Policia y de la Guarda Civil do Ministério del Interior, comunidade de Tui Valenca, o qual certifica que o cidadão estrangeiro E…, nacional de Angola, foi inscrito no registo central de estrangeiros, sendo indicado o número NIE X-…-M (artigos 22.º a 24.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.ºs 4 e 5 com ele juntos);
m) O comprador informou a Requerente de que pretendia utilizar a viatura a título pessoal em Espanha, onde já estava estabelecido, e manifestou a sua intenção de comprar o carro à Requerente e expedi-lo para Espanha, providenciando pelo transporte do veículo desde as instalações da Requerente até Espanha, onde o veículo seria inspeccionado e legalizado;
n) A Requerente, em face dos documentos apresentados, considerou preenchidos os pressupostos de isenção de IVA prevista na alínea b) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitária (“RITI”);
o) Antes de proceder à venda, a Requerente consultou a sociedade-mãe B…, S.G.P.S., S.A., que a esclareceu que era aplicável o regime de isenção referido;
p) Por lapso de escrita informática a factura refere “IVA Isento ao abrigo do artº 14º a) do RITI” em vez de “IVA isento ao abrigo do artº 14º b) do RITI”;
q) O adquirente do veículo efectuou o seu transporte para Espanha num atrelado integralmente fechado;
r) Depois de proceder à inspecção do veículo em Espanha, o comprador enviou à Requerente, a pedido desta, os documentos denominados «tarjeta de inspección técnica de vehículos» e «Permiso de Circulación», para completar o processo de venda, como fora instruída para fazer pela sociedade-mãe;
s) No «Permiso de Circulación» referido, emitido em 18-02-2010, indica-se como domicílio do E…, … Avion, Ourense e a data de caducidade de 17-02-2011 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
t) No documento denominado «Tarjeta Inspección Técnica de Vehiculos» que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, refere-se, além do mais, que o veículo referido é novo e procedente da U.E.;
u) Em 14-02-2011, a Requerente enviou para a C…, S.A., a documentação que possuía para proceder à anulação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
v) Em 28-02-2011, a C…, S.A., enviou para os seus despachantes oficiais acima referidos – F…, LDA. – a documentação necessária à anulação da DAV (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
w) De acordo com a informação cadastral constante das bases de dados da AT, o adquirente residiu em Portugal, na Rua…, Lote …, em Lisboa, tendo-lhe sido atribuído, antes de 2001, o nº de identificação fiscal … (fls. 96, 115 e 116 do Processo Administrativo);
x) O adquirente foi gerente da empresa G…, Lda., NIF … entre 20-11-2012 e 09-09-2013 (documento n.º 1 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
y) O adquirente foi gerente da empresa H… Unipessoal, Lda., NIF … entre 03-05-2010 e 17-08-2010 (documento n.º 1 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido e fls. 116 do processo administrativo);
z) O adquirente é, desde o ano de 1993, representante de pessoas singulares, nomeadamente de I…, NIF…, J…, NIF…, e de K…, NIF …(documento n.º 1 junto do a Resposta e fls. 116 do processo administrativo);
aa) No dia 18-02-2010 foi emitida em nome do adquirente, pelo Ministério del Interior, Jefatura de Trafico, a «Permiso de circulación - (Matrícula turística)», matrícula …-…-…, temporária, contendo aposta como data de caducidade o dia 17-02-2011, documento incluído no processo de venda do veículo organizado pela Requerente (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
bb) Em resposta a pedido da AT, as autoridades espanholas informaram que «E…, NIE ES … no consta como residente em España em 2010» e nunca apresentou quaisquer declarações de rendimentos em Espanha (fls. 124 e 125 do processo administrativo);
cc) No dia 11-02-2010, o veículo referido foi objecto de uma inspecção técnica em Espanha (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
dd) A Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira, através da Divisão Operacional do Sul, elaborou a informação que consta de fls. 93 a 102 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
2.2 Análise documental
Conforme solicitado, a D…, Lda. apresentou factura de venda do veículo em questão, assim como conta corrente do cliente e os respectivos documentos de pagamento.
O veículo foi vendido através da factura 001.2010… de 26-01-2010, pelo valor de 447.665€, a E…, sendo indicada como sua morada…, Orense, …-… … Espanha. Na factura foi indicado o número de identificação de estrangeiro (N.l.E.)… (anexo 2);
O veículo foi pago parte através de transferência bancária efectuada por ordem de E… e o remanescente através do valor de um veículo usado que a D…, Lda. adquiriu ao mesmo cliente.
Do processo de venda também constam outros documentos relativos ao veículo:
- Permiso de circulación (18-02-2010), emitido pelo Ministério do Interior, Jefatura de Trafico de Ourense, do qual consta, entre outros, o nome do adquirente do veículo, a identificação do veículo através de chassis e o número de matrícula atribuída (…-…-…)
- Documento de Inspección Técnica de Vehiculos (11-02-2010). (anexo 3).
Verifica-se assim, que em Espanha foi atribuída ao veículo uma matrícula turística. A atribuição de matrícula turística encontra-se regulamentada no Real Decreto n° 2822/1998, de 23 de Dezembro que aprovou o Regulamento Geral de Veículos (RGV).
Por outro lado, no que se refere a documentos relativos ao cliente, a empresa possuía cópia do passaporte de E…, emitido pela República de Angola e cópia de documento emitido, em 02-05-2008, pelo Ministério dei Interior, Dirección General de Ia Policia V de La Guardia Civil- Comunidad Tui-Valencia, indicando que o cidadão estrangeiro E…, nacional de Angola, foi inscrito no registo central de estrangeiros, sendo indicado o número N.I.E. X-…-M (cfr. também anexo 3)
Tendo sido questionada quanto ao transporte do veículo, a empresa informou não possuir qualquer documento relativo ao mesmo, tendo o transporte ficado a cargo do cliente.
2.3 Visão do contribuinte do adquirente
Consultada a Visão do Contribuinte do adquirente do veículo, verifica-se que E…, contribuinte n°…, indica como país de residência Portugal, sendo indicada a morada Rua…, lote…, Lisboa.
O contribuinte em questão não apresenta registo de actividade em Portugal, nem rendimentos declarados. Contudo, encontra-se também registado como gerente da empresa G…, Lda., contribuinte n.º … (anexo 4).
2.4 Pedido de Informação às autoridades espanholas
No sentido de esclarecer as informações recolhidas, foi solicitado às autoridades espanholas confirmação do número de identidade de estrangeiro de E… (X-…-M), morada e eventual existência de rendimentos.
Na sua resposta as autoridades espanholas vieram informar que o número X-…M era válido em 2010. Do mesmo modo informaram que E… não consta como residente em Espanha em 2010, nem nunca aí apresentou declarações de rendimentos.
ee) No procedimento inspectivo foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo e do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1.1. Descrição dos factos
Em 01-11-2013, sob o nº…, deu entrada nesta direção de finanças, o ofício nº … de 30-10-2013 dos serviços das Alfândegas remetendo a informação nº …/2013 de 24-10-2013.
Tendo por base a informação constante naquela informação são descritos os seguintes factos:
i. O veículo da marca…, e identificado no quadro infra, foi vendido pela C… ao seu concessionário A… (à data D…) conforme Páginas 3 do Anexo I:
ii. O veículo foi objecto de DAV aquando da sua admissão no território nacional, a qual foi posteriormente anulada, pela DCV nº …/2011 de 03-03-2011, tendo sido declarada a expedição do veículo, nos termos do artigo 21º2, nº 3, alínea a) do CISV (Página 4 do Anexo I);
iii. O veículo referido foi posteriormente vendido pela A… através da fatura nº 001.2010… de 26-01-2010 a E…, tendo apresentado o número de identificação estrangeiro espanhol (NIE) … com morada em …, Orense, …-… … Espanha (Páginas 5 do Anexo l);
iv. O veículo foi vendido pelo valor de 447.665,00 € não tendo existido liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) ao abrigo do artigo 14º, nº 1, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), conforme se pode comprovar pela fatura anexa a páginas 5 do Anexo l;
v. No processo de venda do veículo constavam outros documentos:
a. Permiso de circulación emitido em Ourense em 18-02-2010 pelo Ministério del Interior, Jefatura de Trafico, do qual consta entre outros, o nome do adquirente do veículo, a identificação do veículo através de chassis e o número de matrícula atribuída (…-…-…), conforme Página 7 do Anexo l;
b. Tarjeta de inspección técnica de vehiculos data de 11-02-2010 (Páginas 8 a 10 do Anexo l);
c. Cópia do passaporte de E… emitido pela República de Angola;
d. Cópia do documento emitido em 02-05-2008 pela Dirección General de Ia Policia y de Ia Guarda Civil do Ministério dei Interior, comunidade de Tui Valenca, indicando que o cidadão estrangeiro E…, nacional de Angola, foi inscrito no registo central de estrangeiros, sendo indicado o número NIE X-…-M (Página 11 do Anexo l);
vi. O transporte do veículo ficou a cargo do cliente;
vii. A matrícula … -…-… atribuída em Espanha respeita a uma matrícula turística. Esta atribuição encontra-se regulamentada pelo Real Decreto nº 2822/1998 de 23 de Dezembro e que aprovou o Regulamento Geral de veículos (RGV)
viii. Não consta no Instituto Português de Seguros seguro válido e eficaz para um veículo com a matrícula …-…-…;
É de referir ainda, que por consulta às bases de dados da AT, o Sr. E…: – Tem número de contribuinte português;
– O número de contribuinte foi atribuído antes de 2001;
– Tem Portugal como país de residência.
III.1.2. Enquadramento legal
A alínea c) do nº 1 do artigo 1º do Código do IVA (CIVA) estabelece que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado [em território nacional] as operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).
Por seu turno, o artigo 1º do RITI estabelece nas suas várias alíneas as operações que se encontram sujeitas a IVA em território nacional. No caso particular da alínea e) é estabelecido que se encontram sujeitas a imposto "As transmissões de meios de transporte novos efetuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro estado membro."
O conceito de meio de transporte novo, encontra-se consagrado no nº 2 do artigo 6º do RITI, a contrario. Assim, são considerados meios de transporte novos:
1. Cuja transmissão seja efetuada há menos de 3 ou 6 meses após a data da primeira utilização, tratando-se, respetivamente, de embarcações e aeronaves ou de veículos terrestres;
2. O meio de transporte tenha percorrido menos de 6000 km (veículo terrestre), navegado menos de 100 horas (embarcação) ou voado menos de 40 horas (aeronave).
Para que a venda de um meio de transporte novo fique isenta de liquidação de IVA têm de ser cumpridos os requisitos previstos nos artigos 14º a 16º do RITI, tendo em conta a operação que lhe está subjacente.
No caso em apreço, foi aplicada a isenção prevista no artigo 14º do RITI respeitante às transmissões. Este artigo refere:
Estão isentas de imposto:
a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens,
b) As transmissões de meios de transporte novos previstas na alínea e) do artigo 1.º;
c) As transmissões de bens referidas no n.º 1 do artigo 7.º que beneficiariam da isenção prevista na alínea a) deste artigo se fossem efectuadas para outro sujeito passivo;
d) As transmissões de bens sujeitos a impostos especiais de consumo, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, quando este seja um sujeito passivo isento ou uma pessoa colectiva estabelecida ou domiciliada em outro Estado membro que não se encontre registada para efeitos do IVA, quando a expedição ou transporte dos bens seja efectuado em conformidade com o disposto no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo.
III.1.3. Correção proposta
Conforme referido, a venda da viatura em território nacional beneficiou de isenção de IVA ao abrigo da alínea a) do artigo 14º do RITI, em virtude do Sr. E… ter apresentado um número de identificação estrangeiro espanhol.
No entanto, através do correio electrónico recepcionado em 17-07-2014, é referido que "a não liquidação do IVA, foi baseada no Artº 14º, alínea b) do RIT" (Página 12 do Anexo l).
Contudo, e conforme exposição que seguidamente se fará, a alienação efetuada não poderia beneficiar das referidas isenções. Senão vejamos:
a) Isenção da alínea a) do artigo 14º do RITI
Para que seja possível usufruir da isenção aqui prevista é necessário que se cumpram, cumulativamente, os seguintes requisitos:
Verifica-se assim, que a venda da viatura não era passível de beneficiar da isenção de IVA ao abrigo da alínea a) do artigo 14º do RITI.
b) Matrícula temporária …-…-…
Conforme informação remetida pelos serviços das Alfândegas, é referido o seguinte relativamente a esta questão.
"(...) posteriormente à venda por parte da D…, para o veículo em questão foi solicitada e obtida matrícula turística em Espanha (…).
A atribuição de matrícula turística encontra-se regulamentada em Espanha, no Real Decreto 2822/1998 de 23 de Dezembro que aprovou o Regulamento Geral de veículos (RGV) e no Real Decreto 1571/93 de 10 de setembro, que adapta a legislação da matrícula turística às consequências da harmonização fiscal decorrente da adesão ao mercado Comum (...) [Páginas 13 a 19 do Anexo i].
De acordo com o artigo 2º do Real Decreto 1571/93, a matrícula turística tem carácter provisório, sendo o prazo de utilização normal correspondente a 6 meses por cada período de doze, podendo no entanto as autoridades prorrogar esse prazo.
No artigo 40º do referido RGV encontra-se estabelecido que as pessoas físicas com residência no estrangeiro poderão obter em qualquer Jefatura de Tráfico uma matrícula especial denominada turística para titular a circulação de automóveis de turismo.
No Real Decreto 1571/93 encontra-se com mais detalhe a enumeração das pessoas que podem beneficiar da matrícula turística:
- artigo 7º: as pessoas que tenham a sua residência habitual fora do território aduaneiro da Comunidade, que não exerçam atividades lucrativas nem prestem serviços em território espanhol e utilizem o veículo para seu uso pessoal;
- artigo 13º: podem utilizar no território espanhol com matrícula turística, os veículos adquiridos em condições normais de tributação noutro estado membro, as pessoas que tenham a sua residência habitual fora do território espanhol, mas no território aduaneiro da Comunidade, que não exerçam atividades lucrativas nem prestem serviços em território espanhol e utilizem o veículo para seu uso pessoal.
A série de matrícula turística é assim, uma série provisória destinada às pessoas não residentes em Espanha para que aí usufruam de isenção de determinados impostos.
Face às disposições legais em vigor em Espanha, resulta claro que para beneficiar de matrícula turística, o adquirente não pode ser residente em Espanha. No entanto, para beneficiar de isenção de IVA em Portugal, ao indicar o NIE e morada em Espanha, foi considerado que o adquirente do veículo era pessoa registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro e que aí se encontrava abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens."
Pese embora a matrícula temporária ter sido obtida em data posterior à data de venda da viatura, a A… não desconhecia a sua existência.
Com efeito, tal como foi referido no ponto III.1.1. Descrição dos factos, o documento de Permiso de circulacion emitido em Ourense em 18-02-2010 pelo Ministério del Interior, Jefatura de Trafico, do qual consta entre outros, o nome do adquirente do veículo, a identificação do veículo através de chassis e o número de matrícula atribuída, constava do processo de venda do veículo.
É de salientar que no referido documento consta como "fecha de caducidade" a data de 17-02-2011.
Neste sentido, a empresa poderia, com base na informação que detinha, ter procedido à regularização do IVA através de uma declaração de substituição para o período de 2010-01.
c) Isenção da alínea b) do artigo 14º do RITI
Esta alínea estabelece que as transmissões de meios de transporte novos, previstos na alínea e) do artigo 1º do RITI, beneficiam de isenção. Assim, para que exista o benefício desta isenção é necessário que sejam cumpridos cumulativamente os seguintes requisitos:
Verifica-se assim que a transmissão efetuada não beneficia da isenção desta alínea.
Conclusão
Assim, a título de conclusão, verifica-se que após a descrição dos factos, da definição do quadro legal e da análise da operação face ao mesmo, a venda da viatura com o chassi nº…, pela A…, através da fatura nº 001.2010… em 26-01-2010, ao Sr. E…, estava sujeita e não isenta de IVA.
Assim, ao valor tributável da operação - correspondendo ao valor de venda do mesmo - é de aplicar a taxa máxima legal em vigor no momento da sua exigibilidade, conforme cálculos no quadro infra (artigos 7º, nº 1, 8º, nº1, alínea a), 16º, nº 1 e 18º, nº 1, alínea c) e nº 9, todos do CIVA):
Os valores em causa - valor tributável e IVA - serão incluídos no Quadro 06 da declaração periódica de janeiro de 2010.
É de salientar, que nos termos do artigo 35º da Lei Geral Tributária, são devidos juros compensatórios.
ff) A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, mas não o exerceu;
gg) Na sequência da inspecção referida, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IVA n.º…, datada de 14-10-2014, junta com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, é indicado que se refere ao período 1001, que o valor a pagar e de € 89.533,00 e a data limite de pagamento voluntário é 31-12-2014;
hh) Com a mesma data de 14-10-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de juros compensatórios n.º…, cuja cópia foi junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere que se reporta ao período 1001, que o valor a pagar é de € 15.914,80, que a data limite de pagamento voluntário é 31-12-2014 e que o período a que se aplica a taxa de juro é de 12-03-2010 a 20-08-2014;
ii) A Requerente não teve acesso à informação de que dispunha AT nas suas bases de dados relativas ao referido E…;
jj) Em 29-12-2014 e 30-12-2014, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
kk) Em 18-02-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
2.2.1. Residência em Portugal do E…, em Janeiro e Fevereiro de 2010
Não se provou que o adquirente do veículo, E…, tivesse residência em Portugal durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2010, em que ocorreu a aquisição do veículo, seu transporte para Espanha e obtenção aí de matrícula temporária.
Na verdade, no Relatório da Inspecção Tributária, que constitui a fundamentação dos actos impugnados, não se indica expressamente o que levou a AT a formular o juízo probatório no sentido de o E… ter residência em Portugal, referindo-se apenas como possível fundamento o facto de ter número de contribuinte português, atribuído antes de 2001 (página 8 do Relatório da Inspecção Tributária).
Como é óbvio, o simples facto de o referido E… ter número de contribuinte português não implica que tenha residência em Portugal, o que é inquestionável se se tiver em conta que também tinha número fiscal espanhol. Na verdade, se a titularidade de número fiscal fosse prova de residência, teria de se concluir que o referido E… teria residido em Portugal antes de passar a residir em Espanha, pois o número fiscal espanhol foi atribuído posteriormente.
Por outro lado, os outros factos que constam da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, referidos na folha 116 do processo administrativo não são conclusivos quanto à residência do referido E… em Portugal e a conclusão nem mesmo é corroborada, pelo documento n.º 1 junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta.
Na verdade, o que se conclui deste documento n.º 1 é que o exercício das funções de gerente que aí se referem ocorreu depois da aquisição do veículo: o veículo foi adquirido em Janeiro de 2010 e o exercício da gerência G…, Lda., NIF … ocorreu entre 20-11-2012 e 09-09-2013; quanto à empresa H… Unipessoal, Lda., NIF … a gerência ocorreu entre 03-05-2010 e 17-08-2010.
Assim, os únicos factos referidos na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira que, apesar de não serem invocados no Relatório da Inspecção Tributária, poderiam levar a concluir que o referido E… residiria em Portugal em Janeiro de 2010, serão os de ser, desde o ano de 1993, representante de pessoas singulares, nomeadamente de I…, NIF…, J…, NIF…, e de K…, NIF … (documento n.º 1 junto do a Resposta e fls. 116 do processo administrativo).
Mas, para além de os longos 16 anos ocorridos desde o início dessa representação não poderem deixar de suscitar dúvidas sobre a actualização dessa informação (pode o referido ter sido deixado de os representar e não informado a Autoridade Tributária e Aduaneira), o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira não conseguir indicar um único facto praticado pelo referido E… no exercício dessa representação reforça as dúvidas sobre o exercício efectivo dessa representação no início do ano de 2010.
Aliás, a Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira, na informação que prestou que consta de fls. 93 a 102 do processo administrativo, assegura que «o contribuinte em questão não apresenta registo de actividade em Portugal, nem rendimentos declarados».
Neste contexto, é manifesto que não se pode concluir com a segurança indispensável a uma decisão jurisdicional que o referido E… residisse em Portugal em Janeiro e Fevereiro de 2010.
2.2.2. Residência do E… em Espanha e desempenho aí de actividade económica
A prova produzida não permite formular uma conclusão segura sobre se o referido E… residia com permanência em Espanha, em Janeiro e Fevereiro de 2010, quando adquiriu o veículo e obteve matrícula temporária para circular com ele em Espanha.
Apontam no sentido de o referido E… ter residência em Espanha os factos de no documento de certificação da atribuição do número de identidade de estrangeiro, emitido em 02-05-2008, ter sido indicada uma sua residência no «…, …, Pontevedra (…)» e no «Permiso de Circulacion» (matrícula temporária), emitido em 18-02-2010, ter sido indicado como «Domicílio» «Camposancos», «… …», «Ourense». O facto de se tratar de residências diferentes não é decisivo, só por si, para afastar a credibilidade das informações contidas nos documentos referidos, pois decorreram cerca de 19 meses entre as datas de emissão dos dois documentos e, obviamente, pode haver mudança de residência.
Porém, a última residência referida não é exactamente a residência que foi indicada à Requerente quando foi adquirido o veículo, porque o «código postal» que foi indicado é «… Avión», o que não corresponde a qualquer código postal existente, pois em Espanha são formados por cinco algarismos. Apesar de os restantes elementos serem confirmados pelo registo da matrícula turística, aquele erro na indicação do código postal suscita dúvidas sobre a correspondência à realidade da invocada residência em Espanha.
Por outro lado, as dúvidas sobre a realidade da residência do E… em Espanha são corroboradas pelo facto de as autoridades espanholas terem informado a Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira de que «não consta como residente em Espanha em 2010, nem nunca aí apresentou declarações de rendimentos» [alínea bb) da matéria de facto fixada].
Para além disso, o facto de E… ter obtido, em Espanha, a atribuição de matrícula turística para o veículo que adquiriu, aponta também no sentido de não ter aí residência habitual, pois o regime legal de atribuição desse tipo de matrícula apenas é permitido a não residentes habituais em Espanha, como resulta do preceituado nos artigos 7.º e 13.º do Real Decreto n.º 1571/1993, de 10 de Setembro. ( [1] ) No entanto, é certo que essa atribuição de matrícula temporária não afasta a possibilidade de o E… ter em Espanha residência não habitual.
Porém, a atribuição desta matrícula turística leva a concluir que o E… não exercia actividades lucrativas nem prestava serviços pessoais em território espanhol, pois este tipo de actividades não era compatível com a atribuição daquela matrícula.
Neste contexto, é de considerar provado que o E… não tinha residência habitual em Espanha, quando adquiriu o veículo, nem aí desenvolvia qualquer actividade económica.
E é de considerar não provado que o E… tivesse residência em Espanha à data em que adquiriu o veículo.
2.2.3. Prova do pagamento de IVA em Espanha e cessação do regime de matrícula turística
Não se provou que o adquirente do veículo tenha pago IVA em Espanha relativo à aquisição nem que não tenha sido pago nem se provou que o regime de matrícula turística atribuído ao veículo tivesse cessado por alguma das formas previstas nos artigos 11.º e 15.º do Real Decreto n.º 1571/1993, de 10 de Setembro.
Na verdade, não consta dos autos qualquer informação sobre o destino do veículo posterior à concessão de matrícula turística.
Por outro lado, a informação negativa fornecida pelas autoridades espanholas quanto ao E… apenas se reporta à sua residência em Espanha e à não apresentação de declarações de rendimentos.
Ora, o regime de matrícula turística pode cessar por várias formas, indicadas nos artigos 11.º e 15.º do Real Decreto n.º 1571/1993, entre as quais se inclui a de ser atribuída matrícula ordinária e pagas o IVA, tanto nos casos de residentes no território da União Europeia como fora dela:
Sección 2. Residentes fuera del territorio aduanero de la Comunidad
Artículo 11. Extinción del régimen.
El ulterior destino de los vehículos dotados de matrícula turística podrá ser:
(...)
2. Vehículos comunitarios.
Salida fuera del territorio de aplicación del sistema armonizado del Impuesto sobre el Valor Añadido o fuera de las islas Canarias, según el caso; entrada en depósitos; transferencia a otra persona con derecho al régimen de importación temporal; matriculación ordinaria previo pago de los tributos que correspondan y con sujeción a los trámites normales; abandono expreso a favor de la Hacienda Pública sin cargas ni gastos de ninguna clase.
(...)
Sección 3. Residentes en el territorio aduanero de la Comunidad
Artículo 15. Extinción del régimen.
El ulterior destino de los vehículos dotados de matrícula turística podrá ser:
a) Salida fuera del territorio peninsular español e islas Baleares, fuera de las islas Canarias o de los territorios de Ceuta y Melilla, según el caso de que se trate.
b) Entrada en depósitos.
c) Transferencia a otra persona con derecho al régimen de matrícula turística.
d) Matriculación ordinaria en España previo pago de los tributos que correspondan y con sujeción a los trámites normales.
e) Abandono expreso a favor de la Hacienda Pública sin cargas ni gastos de ninguna clase.
Por isso, nem é de excluir que tenha sido pago ou venha a ser pago IVA por quem vier a ter o dever de o fazer na sequência da cessação do regime fiscal em causa.
2.2.4. Colaboração da Requerente com eventual fuga ao pagamento de IVA
Não se provou que a Requerente tivesse colaborado com E… no sentido de evitar o pagamento do IVA relativo à transmissão do veículo.
Pelo contrário, a prova testemunhal produzida foi no sentido de a Requerente se ter preocupado em assegurar se estavam reunidas as condições para a isenção, designadamente contactando a sociedade-mãe B…, S.G.P.S., S.A., pedindo informação sobre a documentação necessária e agindo em conformidade.
Por outro lado, comprova-se que a Requerente organizou um processo relativo à venda do veículo com a documentação que comprova que o veículo foi transportado para Espanha, informação esta que foi enviada aos despachantes oficiais e por estes aos serviços alfandegários para anulação da Declaração Aduaneira de Veículo, não tendo qualquer deles infirmado qualquer dúvida sobre a suficiência desses documentos para ser concretizada a anulação.
Para além disso, a posterior posição da Direcção dos Serviços Antifraude Aduaneira concluindo pela não verificação dos pressupostos da isenção foi tomada com base em informações adicionais a que a Requerente não tinha acesso, designadamente as recolhidas na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e as fornecidas pelas autoridades espanholas.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo e na prova testemunhal.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.
3. Matéria de direito
Na decisão arbitral de 30-11-2015 já foi decidido que a liquidação impugnada;
a) enferma de vício de forma por falta de fundamentação;
b) não enferma de do vício que a Requerente lhe imputa «de falta de fundamentação substancial por a AT ter considerado que o comprador não se encontrava estabelecido ou domiciliado em Espanha, mas antes em Portugal sem a produção de qualquer prova nesse sentido no relatório de inspecção»;
c) não enferma do vício que a Requerente lhe imputa «de erro ao considerar que a residência fiscal do comprador em território espanhol seria conditio sine qua non para o reconhecimento da isenção».
Resta apreciar os vícios que a Requerente imputa ao acto de liquidação de IVA que dependem da interpretação do direito da União Europeia, que são os seguintes:
– desconformidade da interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz dos artigos 1.º, alínea e), e 14.º alínea b), RITI relativamente ao artigo 138.º, n.º 2, da Directiva do IVA;
– efeito directo desta Directiva do IVA no caso sub judice;
– erro na aplicação do direito decorrente da inoponibilidade à requerente da eventual fraude ao sistema do IVA levada a cabo pelo comprador através da matriculação turística da viatura.
Os artigos 131.º e 138.º, n.º 2, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:
Artigo 131.º
As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.
Artigo 138.º
(...)
2. Para além das entregas referidas no n.º 1, os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
a) As entregas de meios de transporte novos expedidos ou transportados para fora do respectivo território, mas na Comunidade, com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efectuadas a sujeitos passivos ou a pessoas colectivas que não sejam sujeitos passivos, cujas aquisições intracomunitárias não estejam sujeitas ao IVA por força do disposto no n.º 1 do artigo 3.º, ou a qualquer outra pessoa que não seja sujeito passivo;
Os artigos 1.º, alínea e), e 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 1.º
Incidência objectiva
Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
(...)
e) As transmissões de meios de transporte novos efectuadas a título oneroso, por qualquer pessoa, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, com destino a um adquirente estabelecido ou domiciliado noutro Estado-Membro.
Artigo 14.º
Isenções nas transmissões
Estão isentas do imposto:
(...)
b) As transmissões de meios de transporte novos previstas na alínea e) do artigo 1.º;
O TJUE pronunciou-se sobre as questões que forma objecto de reenvio prejudicial declarando:
1) O artigo 138, n 2, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, opõe‑se a que disposições nacionais subordinem o benefício da isenção de uma entrega intracomunitária de um meio de transporte novo à condição de o adquirente desse meio de transporte estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino do referido meio de transporte.
2) O artigo 138, n 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a isenção de uma entrega de um meio de transporte novo não pode ser recusada no Estado‑Membro de entrega pela simples razão de esse meio de transporte só ter sido objeto de matrícula provisória no Estado‑Membro de destino.
3) O artigo 138, n 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 opõe‑se a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o imposto sobre o valor acrescentado quando não se tiver demonstrado que o regime de matrícula provisória cessou e que o referido imposto foi ou será liquidado no Estado‑Membro de destino.
4) O artigo 138, n 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima opõem‑se a que o vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório seja posteriormente obrigado a pagar o imposto sobre o valor acrescentado, em caso de fraude fiscal cometida pelo adquirente, salvo se se provar, à luz de elementos objetivos, que o referido vendedor sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso, com base numa apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal.
À face do decidido pelo TJUE não oferece dúvida que a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 tem efeito directo no caso sub judice, pelo que será ilegal a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz dos artigos 1.º, alínea e), e 14.º alínea b), RITI na medida em que seja incompatível com o artigo 138.º, n.º 2, da Directiva do IVA, na interpretação definida no citado acórdão do TJUE.
Como decorre deste acórdão, a isenção não pode ser recusada por o adquirente do meio de transporte não estar estabelecido ou domiciliado no Estado‑Membro de destino do referido meio de transporte nem por esse meio de transporte só ter sido objeto de matrícula provisória no Estado‑Membro de destino.
Por outro lado, entendeu-se no referido acórdão do TJUE, no seu ponto 4), que o artigo 138.º n.º 2, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima só permitem que a Requerente (vendedor de um meio de transporte novo transportado pelo adquirente para outro Estado‑Membro e matriculado nesse Estado a título provisório) seja obrigada a pagar IVA em caso de fraude fiscal cometida pelo adquirente «se se provar, à luz de elementos objetivos, que o referido vendedor sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude».
No caso em apreço, à face do que já foi decidido no acórdão de 30-11-2005, está assente que «não se provou que a Requerente tivesse colaborado com E… no sentido de evitar o pagamento do IVA relativo à transmissão do veículo» (ponto 2.2.4. daquele acórdão).
Por isso, a hipótese de responsabilização da Requerente pelo pagamento do IVA liquidado fica dependente de um juízo positivo no sentido de que «devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude».
Mas, não há elementos objectivos que permitam formular um juízo neste sentido.
Na verdade, como já se referiu no ponto 2.2.4. do acórdão de 30-11-2015,
– «a prova testemunhal produzida foi no sentido de a Requerente se ter preocupado em assegurar se estavam reunidas as condições para a isenção, designadamente contactando a sociedade-mãe B…, S.G.P.S., S.A., pedindo informação sobre a documentação necessária e agindo em conformidade»;
– «a Requerente organizou um processo relativo à venda do veículo com a documentação que comprova que o veículo foi transportado para Espanha, informação esta que foi enviada aos despachantes oficiais e por estes aos serviços alfandegários para anulação da Declaração Aduaneira de Veículo, não tendo qualquer deles informado qualquer dúvida sobre a suficiência desses documentos para ser concretizada a anulação»;
– «a posterior posição da Direcção dos Serviços Antifraude Aduaneira concluindo pela não verificação dos pressupostos da isenção foi tomada com base em informações adicionais a que a Requerente não tinha acesso, designadamente as recolhidas na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e as fornecidas pelas autoridades espanholas»
Neste contexto, não se pode formular um juízo no sentido de que a Requerente, com os elementos de que dispunha e apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira, «devia saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente», pois a Autoridade Tributária e Aduaneira também não o formulou com base nesses elementos, só tendo concluído que deveria ser liquidado IVA com base em informações complementares, recolhidas posteriormente da sua base de dados e com informações das autoridades espanholas que não eram do conhecimento da Requerente.
Assim, a Requerente tem razão ao defender que «o Direito da União Europeia opõe-se a que a ora Requerente possa ser responsabilizada pelo pagamento de imposto em falta, já que os documentos apresentados pelo Comprador justificavam a concessão da isenção de IVA e a ora Requerente agiu sempre de boa fé, tomando todas as medidas que estavam ao seu alcance para assegurar a conformidade da situação com as normas aplicáveis» (artigo 172.º do pedido de pronúncia arbitral) e «que, não estando provado – rectius, não tendo sido indiciado ou sequer sugerido – qualquer conluio entre a Requerente e o Comprador na suposta fraude ao sistema de IVA, não pode ser a AT responsabilizar a ora Requerente pelo pagamento do imposto em falta» (artigo 178.º do pedido de pronúncia arbitral).
Por isso, a interpretação do artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do RITI em que assenta a liquidação impugnada é incompatível com o direito da União Europeia, interpretado à luz do princípio da proporcionalidade, como defende a Requerente.
Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, de harmonia com o preceituado no artigo 135.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IVA, pelo que da ilegalidade desta decorre a ilegalidade daquela.
4. Juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral), e pede com juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a juros indemnizatórios, pois a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde as datas em que a Requerente efectuou os pagamentos (30-12-2014, no que concerne à quantia de € 89.533,00, e 29-12-2014, no que respeita à quantia de € 15,914,80, como consta do documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral) até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IVA n.º…, no valor de € 89.533,00, e a liquidação de juros compensatórios n.º…, no valor de € 15.914,80;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre a quantia indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 105.447,80.
Lisboa, 26-06-2017
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Conceição Gamito)
(Emanuel Vidal Lima)
(vencido, conforme declaração junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO:
Voto vencido pelas razões que passo a descrever, tendo também em consideração a jurisprudência do TJUE nestas matérias, nomeadamente no Acórdão de 14 de junho de 2017, Caso … C-26/16, na sequência do pedido de decisão prejudicial que lhe foi submetido por este Tribunal Arbitral.
I – Dos factos:
Em primeiro lugar, não deixa de se configurar como uma situação deveras estranha, o facto de um cidadão africano, residente em Angola, com negócios em Angola e em Portugal, ter adquirido uma viatura de luxo em Portugal e registá-la com matrícula turística em AVIÓN, uma pequena aldeia da Galiza, que se especializou, ao longo dos anos, em atribuir matrículas turísticas a viaturas de luxo, com destaque para as viaturas da marca …, em virtude das circunstâncias especiais que caracterizam essa povoação, nomeadamente o facto de mais de metade das pessoas que aí nasceram serem emigrantes de longa duração, revelando muitos deles um elevado nível de sucesso no estrangeiro, regressando à terra natal (AVIÓN) todos os anos, no período de férias, e ostentando esse sucesso.
Com efeito, não se vislumbra, com facilidade, a relação do Sr. E…, africano de nacionalidade angolana, com aquela localidade, indiciando a prática de procedimentos cujo objetivo seria viabilizar que pudesse escapar em Espanha ao pagamento do IVA e de outras imposições aí devidas, não o tendo também feito em Portugal, com uma aparente justificação.
A “circulação” com a dita matrícula turística mais não visaria do que permitir o decurso do tempo, sem que houvesse incómodos perante as autoridades, até que o veículo pudesse ser legalizado como usado e exportado para Angola, e, consequentemente, o inerente prejuízo do Estado, comprometendo o bom funcionamento do sistema comum do IVA.
De facto, AVIÓN, pequeno município situado na montanha da província de Orense, na Galiza, tem sido, nos meios de comunicação, notícia recorrente [todos os anos] ao longo dos últimos doze anos, normalmente nos meses de Verão, quando a população residente (2.207 habitantes permanentes em 2004) duplica com a chegada dos seus emigrantes na América Latina, com destaque para o México, que regressam à terra natal para passar as suas férias (2.163 também em 2004), gozando, na sua maioria, de um elevado nível económico, como prova o tipo de viaturas que aí matriculam.
Em AVIÓN, em 2003, registaram-se 3 nascimentos e 46 funerais. Em contrapartida, em 2004, o seu parque automóvel enriqueceu com 483 viaturas de luxo, que se registaram com matrícula turística à qual apenas têm acesso os residentes no estrangeiro: 108 … E 320; 25 … ; 23…; 12 … … Em 2004, cerca de 23% do total das viaturas de luxo com matrícula turística em Espanha estavam em AVIÓN.
E em 2008, 26% dos 1.150 novos automóveis que se registaram nesse ano neste regime especial fizeram-no neste município de Orense (299 novas matrículas turísticas para uma população de pouco mais de 5.000 pessoas, número que inclui os emigrantes que aí se deslocam no período do Verão) que, com este volume de matrículas turísticas supera folgadamente as que foram registadas no mesmo ano em localidades como Madrid (119 para mais de 3,2 milhões de pessoas), que ocupa o primeiro lugar em matrículas definitivas, ou Marbella (108 para uma população de mais de 130.000 pessoas), que desde os anos 80 é o destino preferencial dos turistas estrangeiros.
Em AVIÓN existem centenas de … e centenas de … . Uma frota semelhante à de Marbella ou de Nice. A aquisição de uma viatura com matrícula turística permite ao comprador uma poupança que pode atingir cerca de 30% do seu preço, correspondente aos valores do IVA e do imposto de circulação que deixam de ser pagos.
A contrapartida é que os veículos com este tipo de matrícula só podem ser usados em Espanha durante seis meses, devendo ficar imobilizados pelo menos mais seis meses para poderem ser novamente utilizados, sendo necessário apresentá-los nos serviços alfandegários a fim de proceder à sua selagem.
É costume, no município de AVIÓN, que os adquirentes de viaturas com matrícula turística as deixem seladas até ao ano seguinte, para as utilizar de novo quando regressam de férias. Acabam por as vender, usadas, e por adquirir outras, novas, registando-as também com matrícula turística[2].
Em contrapartida, “na AVIÓN dos turistas milionários” enquanto existem apenas 1 supermercado e 1 pequena mercearia, estão abertas 6 entidades bancárias. Ou seja, 1 banco para cada 400 habitantes.
Toda esta informação passa abundantemente na imprensa espanhola, desde o El País até aos diversos jornais regionais galegos.
Em segundo lugar, refere-se que a Requerente, na qualidade de concessionária da … bem como de outras marcas, não desconhecia, decerto, esta realidade.
De realçar que a Requerente exerce atividade em Espanha desde 2007[3]:
Ora, como se referiu antes, a Requerente tinha conhecimento que a viatura entregue ao Sr. E…, cidadão angolano, fora objeto de matrícula turística e que essa matrícula foi obtida em AVIÓN. A Requerente tinha conhecimento desta situação. Do processo de venda da viatura constam estas informações.
Assim, isto parece comprovar que a Requerente não podia enquadrar a venda que efetuou da viatura em questão como beneficiando da isenção a que se refere a alínea b) do artigo 14.º do RITI, ou, fazendo-o, deveria ter procedido à regularização do IVA a posteriori, a favor do Estado, ao ter verificado que não se verificava uma das condições exigidas para que se pudesse aplicar o benefício da isenção.
Além disso, não é abonatório da A… que na fatura que emitiu tenha mencionado expressamente a alínea a) do artigo 14.º do RITI como justificação para a isenção de que beneficiou. Ora, esta norma apenas seria aplicável se a venda tivesse sido efetuada a outro sujeito passivo com direito à dedução, o que, de facto, não aconteceu, visto que o adquirente foi um particular, o Sr. E…, que se apresentou nessa qualidade de consumidor final. Este pormenor apenas foi detetado aquando da ação inspetiva realizada pela AT e dirigida a essa operação. A Requerente viria a justificar o procedimento adotado como tratando-se de um engano.
II – Da nossa interpretação
A Requerente justifica o direito a efetuar a venda da viatura sem IVA, devido ao facto de a mesma ter efetivamente saído do território português e ter sido efetuada a transferência da propriedade para o Sr. E… .
Mas a documentação que forneceu à Administração Fiscal, enquanto prova da operação intracomunitária efetuada, permite verificar, como ficou demonstrado, que não se encontravam preenchidas as demais condições indispensáveis para a concessão da isenção.
Existem também razões sérias, como ficou patente, para supor que a Requerente sabia que a natureza da transação efetuada não era compatível com a concessão da isenção à venda da viatura.
Deste modo, ao pretender justificar a isenção, sabendo que as provas da operação intracomunitária efetuada contrariavam a aplicação da isenção, o comportamento da Requerente contribuiu para impedir a exata cobrança do IVA e, por conseguinte, comprometeu o bom funcionamento do sistema comum do IVA.
Com efeito, a recusa da isenção em caso de desrespeito de uma obrigação prevista pelo direito nacional, no caso em apreço, a avaliação da natureza da conexão do adquirente com o Estado-Membro de chegada da viatura, comporta um efeito dissuasivo que tem por objetivo garantir a efetividade dessa obrigação e prevenir as fraudes e as evasões fiscais[4].
Daqui resulta que, nas condições do processo principal, o Estado Português pode recusar a aplicação da isenção baseando-se nas suas competências ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 14.º do RITI, aplicada por força do disposto na alínea e) do artigo 1.º do mesmo diploma, em consonância com o procedimento a que se refere o artigo 131.º da Diretiva IVA, já mencionado.
E em cumprimento do disposto no artigo 254.º da Diretiva IVA que determina que:
«Relativamente às entregas de meios de transporte novos efetuadas nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 138.º, por sujeitos passivos registados para efeitos do IVA a adquirentes não registados para efeitos do IVA […], os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para que o vendedor comunique todas as informações necessárias a fim de permitir a aplicação do IVA e o respetivo controlo pela administração.»
Recorda-se, mais uma vez que, uma entrega intracomunitária de um bem e a aquisição intracomunitária deste constituem, na realidade, uma só e a mesma operação económica.
E, conforme jurisprudência assente do TJUE, para que a operação possa ser qualificada como uma transmissão isenta de um meio de transporte novo e o lugar de aquisição determinado,
«[…] há que demonstrar que existe um nexo temporal e material entre a entrega do bem e o transporte deste, bem como uma continuidade no desenrolar da operação.» [5]
e que:
«No caso específico da aquisição de um meio de transporte novo na aceção do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), ii), da diretiva 2006/112/CE, a determinação do carácter intracomunitário da operação deve ser efetuada através de uma apreciação global de todas as circunstâncias objetivas e da intenção do adquirente, desde que se baseie em elementos objetivos que permitam identificar o Estado-Membro no qual se planeou proceder à utilização final do bem em causa.» [6]
Reconhecendo que a aplicação desta regra às operações intracomunitárias que tenham por objeto meios de transporte novos não é fácil tendo em conta o carácter especial dessas operações, o TJUE salienta, a este respeito, que:
«[…] a qualificação da operação é complicada pelo facto de o IVA sobre esta dever ser igualmente pago por um particular que não seja sujeito passivo, ao qual não se aplicam as obrigações relativas à declaração e à contabilidade, pelo que não é possível controlá-lo a posteriori. Além disso, enquanto consumidor final, o particular não tem direito à dedução do IVA mesmo em caso de revenda de um veículo adquirido e tem, por esse motivo, mais interesse do que um operador económico em não pagar o imposto.»[7]
Assim, para poder qualificar uma operação de aquisição intracomunitária de um meio de transporte novo, sublinha que:
«[…] entre os elementos suscetíveis de revestir uma certa importância figuram […] o lugar da matrícula e da utilização habitual deste, o lugar do domicílio do adquirente assim como a existência ou a inexistência de laços que o adquirente mantém com o Estado-Membro de entrega ou com outro Estado-Membro.» […]. «O que importa é determinar em que Estado-Membro se verificará a utilização final e duradoura do meio de transporte em causa.» [8]
Ora, no caso do processo principal, ao invés, os elementos objetivos conhecidos acerca da transação efetuada permitiam inferir que a viatura não seria objeto de utilização final em Espanha, suscitando-se muitas dúvidas quanto à natureza dessa operação. Assim, tudo leva a crer que, com o conhecimento e a colaboração da Requerente, o IVA devido não foi liquidado em Espanha, tendo em conta a matrícula turística com que foi efetuado o registo da viatura e o local onde a mesma foi obtida.
Ainda de acordo com a jurisprudência do TJUE, tratando-se de casos especiais em que existem razões sérias para supor que a aquisição intracomunitária correspondente à entrega em causa pode escapar ao pagamento do IVA no Estado-Membro de destino, e isso apesar da assistência mútua e da cooperação administrativa entre as autoridades fiscais dos Estados-Membros em causa, o Estado-Membro de partida é, em princípio, obrigado a recusar a isenção em benefício do fornecedor e a obrigar este último a liquidar o imposto a posteriori para evitar que a operação em causa possa escapar a qualquer tributação[9].
E o TJUE salienta que “não é contrário ao direito da União exigir que um operador aja de boa‑fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não o leve a participar numa fraude fiscal” […] “Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar essa fraude, devia ser‑lhe recusado o benefício da isenção” [10].
Perante os factos descritos, entendemos que a A… não tomou as medidas que razoavelmente lhe podem ser exigidas para garantir que a operação efetuada não a levava a participar numa fraude fiscal.
Com efeito, como interpreta o TJUE [11]:
“aquando de uma transação que implica a realização de uma operação intracomunitária que tem por objeto um meio de transporte novo, o vendedor não pode confiar apenas na intenção expressa pelo adquirente de transportar o bem para outro Estado‑Membro, para efeitos da sua utilização final. Pelo contrário, como o advogado‑geral salientou no n.° 63 das suas conclusões, o vendedor deve‑se assegurar de que a intenção expressa pelo adquirente se baseia em elementos objetivos (v., por analogia, acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.° 47)”,
acrescentando que [12]:
“a ... devia fazer prova de uma diligência elevada, por um lado, atendendo ao valor do veículo em causa e, por outro, porque, no contexto de uma aquisição de um meio de transporte novo, o particular não tem direito à dedução do IVA, mesmo em caso de revenda de um veículo adquirido, e, por esse motivo, tem mais interesse do que um operador económico em se subtrair ao imposto (acórdão de 18 de novembro de 2010, X, C‑84/09, EU:C:2010:693, n.° 43)”.
Além disso, seguindo a orientação do TJUE, deveria ser tido em conta que a A… tinha conhecimento que o adquirente forneceu vários endereços em Espanha e que, dado o seu exercício de atividade comprovado no mercado espanhol, há vários anos, tinha decerto conhecimento que a matrícula provisória se destinava apenas aos não residentes.
Com efeito, de acordo com o princípio fundamental do sistema comum do IVA, este imposto é aplicável a cada operação de produção ou de distribuição, com dedução do IVA que incidiu diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
Isto é, quer apenas por recurso às regras comunitárias quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, a conclusão será a mesma: só poderá concluir-se pela obrigação de tributação da transmissão intracomunitária da viatura efetuada pela Requerente.
De facto, os elementos de interpretação das normas fiscais, nomeadamente a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita, de forma consistente, pelo TJUE, bem como as características do IVA, permitem-nos inferir que, neste processo, a transmissão intracomunitária da viatura deveria ter sido tributada, pelo que se conclui que deveriam ter sido mantidas as liquidações efetuadas pela AT por se nos afigurar o procedimento mais correto.
Porto, 26 de junho de 2017
Emanuel Vidal Lima