Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 754/2016-T
Data da decisão: 2017-06-14  IRC  
Valor do pedido: € 1.501.797,12
Tema: IRC - Benefício fiscal; SGPS; Dedutibilidade de encargos financeiros; indeferimento tácito de uma reclamação graciosa; incompetência do Tribunal; inidoneidade do meio processual; intempestividade; ineptidão do pedido inconstitucionalidade reportada à aplicação regime do n.º 7 da Circular n.º 7/4004
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Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco

Valdez e Dr. Ricardo Gomes Pedro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-03-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, S. A., NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-12-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-02-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22-03-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou excepções de incompetência do Tribunal Arbitral, da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, da falta de constituição de advogado, da intempestividade, da inidoneidade do meio processual e da consolidação na ordem jurídica dos encargos referentes aos exercícios de 2003 a 2011.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona o valor atribuído pela Requerente ao processo e a desconformidade do pedido formulado na reclamação graciosa e o pedido de pronúncia arbitral e defende que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 03-05-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT, em que a Requerente poderia responder às excepções.

O despacho referido foi notificado às Partes na mesma data.

As Partes não apresentaram alegações no prazo referido, mas a Requerente acabou por as apresentar em 06-06-2017, muito depois de expirado o prazo de 10 dias.

A Requerente enviou as alegações com uma mensagem de correio electrónico em que refere que «a A…, S.A., NIF…, Requerente no Processo n.º 754/2016T, entendendo que, apesar de ter sido ultrapassado o prazo de 10 de dias o qual não se relevou suficiente para a produção das alegações em causa, e não se conformando com as exceções invocadas pela Administração Tributária, vem pelo presente apresentar documento contendo as suas alegações». Em 07-06-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio juntar o processo administrativo, que é composto apenas pela reclamação graciosa apresentada pela Requerente e actos de expediente. Os documentos juntos com a reclamação graciosa que podem relevar para a apreciação da causa foram também juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que o processo administrativo não tem relevância para a decisão da causa.

Na mesma data, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio dizer que as alegações são intempestivas, pelo que devem ser desentranhadas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Nas alegações que apresentou, que são subscritas por advogado, a Requerente afirma, no artigo 16.º que, se necessário, ratificará o processado.

As alegações apresentadas pela Requerente são manifestamente intempestivas, pois foi fixado um prazo de 10 dias, por despacho cuja notificação foi enviada por correio electrónico em 03-05-2017 e as alegações foram apresentadas em 06-06-2017.

A própria Requerente reconhece que foi excedido o prazo fixado e como explicação para o atraso diz apenas que o prazo não se relevou suficiente para a produção das alegações em causa.

O prazo fixado para alegações tem natureza de prazo peremptório, pelo que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, como decorre o preceituado dos n.º e 3 do artigo 139.º do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Assim as alegações apenas poderiam ser apresentadas para além do prazo fixado se ocorresse justo impedimento, como se prevê nos artigos 139.º, n. 4, e 140.º do CPC.

Nos termos deste artigo 140.º, considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto e a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova.

A Requerente não indica nem faz prova de qualquer obstáculo à prática atempada do acto, pelo que tem de se concluir que não se verificam condições para permitir a apresentação das alegações para além do prazo fixado.

Sendo assim, não se pode atender às alegações na parte em que a Requerente se pronuncia sobre as excepções sobre a matéria da causa.

No entanto, nas referidas alegações a Requerente inclui a referida declaração de que, se necessário, ratificará o processado.

Sendo estas alegações subscritas por advogado, entende-se que esta afirmação exprime manifestamente uma intenção de ratificar o processado, pelo que se considera ratificado, sem mais formalidades, considerando-se sanada a falta inicial de constituição de advogado.

Sendo as alegações relevantes para este efeito de sanação da falta de constituição de advogado, que não contende com os direitos processuais das Partes, não se ordena o seu desentranhamento, sem prejuízo de não se atender às alegações para efeito de apreciar as excepções e o mérito da causa.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar previamente as excepções, começando pela de incompetência, em face do preceituado no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

 

2. Excepções

 

 2.1. Excepção de incompetência

 

A Requerente formula os seguintes pedidos:

a.         A ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa;

b.         A correcção da Modelo 22 de IRC individual da Requerente anteriormente submetida referente ao exercício de 2013, tendo por base a afectação do valor efectivamente acrescido do montante de €6.674.653,65, montante corrigido dos encargos financeiros de 2012, decidido favoravelmente à Requerente, passando de um prejuízo de € 3.890.566,38, para um prejuízo fiscal de € 10.565.222,24, levando igualmente à correcção da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, por respeito ao mesmo exercício de um lucro tributável de € 14.358.062,43, para um lucro tributável agregado no montante de € 7.682.408,57;

c.          Caso se entenda apenas aceitar a dedução do valor acrescido segundo a interpretação da Circular 7/2014 de 30 de Março, no montante de € 3.079.849,54, valor obtido depois de deduzido no montante por referência a 2012, já decidido favoravelmente à Requerente, devendo ser corrigida a Declaração de Rendimentos individual da Requerente anteriormente submetida, referente ao exercício de 2013 de um prejuízo de € 3.890.568,38, para um prejuízo fiscal de € 6.970.417,62, levando igualmente à correcção da Declaração Modelo 22 do Grupo, por respeito do mesmo exercício de um lucro tributável de € 14.358.062,43, para um lucro tributável agregado de € 11.2478.212,89;

Subsidiariamente;

d.          Caso seja apenas concedido o direito à dedução dos encargos financeiros incorridos na sequência dos financiamentos contraídos durante o período em que esteve adstrita ao regime fiscal das SGPS (2003 a 2012 inclusive), no exercício de 2014, tendo por base o valor efectivamente acrescido no montante global de € 6.674.63,86, montante corrigido dos encargos financeiros de 2012, já decidido favoravelmente a favor da Requerente, deverá a respectiva declaração de rendimentos Modelo 22 individual da Requerente anteriormente submetida, ser corrigida de um prejuízo fiscal de € 6.0252.783,45, para um prejuízo fiscal de € 12.927.437,31, levando igualmente à correcção da declaração de rendimentos Modelo 22 do Grupo, por respeito ao mesmo exercício, de 28.209.641,54, para um lucro tributável agregado de € 21.534.987,68;

e.          Caso seja apenas concedido o direito à dedução dos encargos financeiros acrescidos segundo a interpretação da Circular 7/2014 de 30 de Março, no montante global de € 3.079.849,54, valor obtido depois de deduzido o montante por referência ao exercício de 2012, já decidido favoravelmente à Requerente, deve a declaração de rendimentos Modelo 22 individual da Requerente anteriormente submetida ser corrigida de um prejuízo de € 6.252.783,45, para um prejuízo fiscal de € 9.332.632,99, levando igualmente à correcção da Declaração Modelo 22 do Grupo, por respeito do mesmo exercício de um lucro tributável de € 28.209641,54, para um lucro tributável agregado de € 25.129.792,00;

f.           O pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º e 100.º, ambos da LGT e Artigoº 61.º do CPPT.

 

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [1] )

Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [2] ) ([3])

No caso em apreço, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa que não foi apreciada no prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

É este indeferimento tácito que a Requerente indica como primeiro objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 Relativamente aos indeferimentos tácitos, que são uma ficção destinada a assegurar a impugnabilidade em processos de contencioso de anulação de actos, como é o processo de impugnação judicial, não se coloca a questão da distinção entre os campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, pois presume-se que são sempre indeferidos por razões substantivas e não por razões formais. ( [4] )

Assim, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

Mas, como decorre daquele artigo 2.º do RJAT, é manifesto que não se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação dos pedidos de correcção de resultados fiscais formulados nas alíneas b) a e) atrás transcritas.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais como consequência de pedidos de declaração de ilegalidade de anulação de actos dos tipos referidos naquele artigo 2.º, como é jurisprudência pacífica.

Nestes termos, procede a excepção de incompetência quanto aos pedidos referidos nas alíneas b) a e) do pedido de pronúncia arbitral e improcede quanto aos das alíneas a) e f).

 

2.2. Excepção de inidoneidade do meio processual

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta excepção por os pedidos referidos nas alíneas b) a e) do pedido de pronúncia arbitral deverem ser efectuados em processo de execução de julgado.

Tendo-se decidido que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciara aqueles pedidos, fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação desta excepção de inidoneidade do meio processual.

 

 

 2.3. Excepção de intempestividade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da intempestividade por entender ser aplicável o prazo de 30 dias previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

Porém, esse prazo é aplicável actualmente apenas à impugnação de «actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais», previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

No caso em apreço, é impugnado o indeferimento tácito de uma reclamação graciosa de um acto de autoliquidação de IRC de 2013, designadamente o resultante da apresentação da declaração modelo 22 efectuada pela Requerente na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal que identifica (artigos 11.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral).

A reclamação graciosa foi apresentada em 27-05-2016, pelo que se presume tacitamente indeferida em 27-09-2016 (artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT), sendo a partir desta data que se conta o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 26-12-2016, pelo que foi apresentado dentro do prazo legal.

Improcede, assim, a excepção da intempestividade.

 

2.4. Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a Requerente identifica como objecto do pedido de pronúncia arbitral «o acto tributário de autoliquidação de IRC de 2013”, suscitando “a declaração de ilegalidade de um acto tributário”;

– destarte, o pedido formulado pela Requerente não contende com declaração de ilegalidade de um acto tributário, mas exclusivamente com a consideração dos resultados fiscais do grupo e individual em face da consideração dos encargos financeiros, incorrectamente acrescidos aquando da entrega das Declarações de Rendimentos Modelo 22, quer individual quer do Grupo;

– no próprio formulário do pedido de constituição de tribunal arbitral, em momento algum a Requerente procedeu à identificação do alegado acto tributário que pretende colocar em crise, ou a declaração da sua ilegalidade.

 

Porém, como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira refere no artigo 39.º da resposta, o artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT impõe que do pedido de pronúncia arbitral conste a identificação do acto ou actos tributários colocados em crise.

O formulário electrónico do CAAD é irrelevante para esse efeito, pois o que define o objecto do processo é o pedido de pronúncia arbitral e não o formulário, a que o RJAT não faz qualquer referência.

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente identifica como objecto do processo o indeferimento tácito da reclamação graciosa (fls. 1 e artigo 24.º do pedido de pronúncia arbitral) e o acto de autoliquidação de IRC de 2013 (artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral), designadamente o resultante da apresentação da declaração modelo 22 efectuada pela Requerente na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal que identifica (artigos 11.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral).

Por outro lado, ao contrário do que diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, as declarações modelo 22 da Requerente relativas ao exercício de 2013, quer do grupo quer individual, encontram-se juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 3 e 4.

 Assim, não ocorre a invocada ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de identificação dos actos que são objecto do processo, pelo que improcede esta excepção.

 

2.5. Excepção da consolidação na ordem jurídica dos encargos referentes aos exercícios de 2003 a 2011

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta excepção dizendo o seguinte, em suma:

– a Requerente «em face de estar legalmente vinculada no período compreendido entre 2003 a 2012, ao regime fiscal das SGPS, não lhe sendo possível a aplicação de uma afectação real e directa entre os juros de empréstimos suportados à data e as participações que detinha, pretende agora a deduzir totalmente o montante global de € 6.674.653,86, dos encargos suportados nos exercícios de 2003 a 2011, contabilizados e reconhecidos fiscalmente de acordo com o princípio da periodização do resultado fiscal»;

– «ou seja, de uma só penada e no exercício de 2013, a Requerente pretende deduzir o montante global dos encargos acrescidos nos exercícios de 2003 a 2011»;

– «colide frontalmente com as normas tributárias relativamente à caducidade do direito de acção em sede procedimental e processual, encontrando-se os factos referentes aos anos de 2003 a 2011, plenamente consolidados na ordem jurídica»;

– a Requerente não apresentou qualquer impugnação administrativa ou judicial relativa aos encargos relativos a esses exercícios de 2003 a 2011;

– assim, o pedido relativo à dedução desses encargos viola o princípio da segurança da ordem jurídica.

 

Os fundamentos referidos não constituem obstáculo à apreciação do mérito da causa, tendo, antes, a ver com ele, pois reportam-se a saber se podem ser invocados em 2013 encargos relativos aos exercícios de 2003 a 2011, nas circunstâncias referidas pela Requerente.

Por isso, improcede esta excepção, sem prejuízo de os argumentos invocados poderem ser apreciados na apreciação do mérito da causa.

 

2.6. Excepção de desconformidade do pedido formulado na reclamação graciosa e o pedido de pronúncia arbitral

 

A excepção referida reporta-se aos pedidos formulados nas alíneas b) a e) do pedido de pronúncia arbitral não coincidirem com os formulados na reclamação graciosa.

Uma vez que já se decidiu que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar aqueles pedidos, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento desta questão, inclusivamente saber se se está perante matéria de excepção.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A 31 de dezembro de 2013, a ora Requerente era a sociedade dominante de um perímetro de entidades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"), o qual era composto pelas seguintes sociedades dominadas nos termos do artigo 69.º do Código do IRC (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

B…, S.A., com o NIF…;

C…, S.A., com o NIF…;

D…, S.A., com o NIF…;

E…, S.A., com o NIF…;

F…, S.A., com o NIF…;

G…, S.A., com o NIF…;

H…, S.A., com o NIF…;

I…, S.A., com o NIF…;

J…, S.A., com o NIF…;

K…, SGPS, S.A., com o NIF…;

L…, S.A., com o NIF… .

 

·         Em 28-05-2014, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2013, com a identificação …-… -…, na qual foi apurado um resultado fiscal negativo de € 3.890,568,38 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 30-05-2014, na qualidade de sociedade dominante, a Requerente submeteu, por referência ao exercício de 2013, a declaração de rendimento Modelo 22 respeitante ao aludido consolidado fiscal, com a identificação …-… -…, na qual foi apurado um lucro tributável agregado no montante de Euro 14.358,062.43 (catorze milhões, trezentos e cinquenta e oito mil, sessenta e dois euros e quarenta e três cêntimos) e procedeu ao respectivo pagamento do IRC (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A Requerente foi constituída em dezembro de 1992, sob a forma jurídica de SGPS, com a designação legal de M…, SGPS, S.A. (artigo 66.º do pedido de pronúncia arbitral);

·         Em 1997, para além da mudança na firma societária para N…, SGPS, S.A., assistiu-se, igualmente, a uma reformulação da estratégia empresarial da ora Requerente, claramente mais focada, daí em diante, na aquisição e gestão de participações sociais, sinalizadas como fundamentais para o crescimento do Grupo O…("Grupo O…") (artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral);

·         Durante os exercícios de 2003 a 2012, inclusive, a Requerente tinha o perfil societário de Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), tendo neles acrescido ao seu lucro tributável encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, de harmonia com o disposto no artigo 32.ºdo EBF;

·         Nos exercícios de 2003 a 2012, inclusive a Requerente indicou como não dedutíveis encargos financeiros relativos à aquisição de partes de capital (artigo 72.º do pedido de pronúncia arbitral e documentos n.ºs 9 a 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Os referidos montantes indicados pela Requerente como não dedutíveis são superiores aos que resultariam da aplicação do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30-03-2004, emitida pela Direcção de Serviços do IRC (artigo 73.º do pedido de pronúncia arbitral):

·         No dia 25-11-2013, e no âmbito de uma operação de reestruturação societária realizada no seio do Grupo O… (projeto de fusão cuja cópia foi junta ao pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 7, cujo teor se dá como reproduzido), a Requerente alterou o seu objeto social, perdendo, deste modo, o seu formato jurídico original (SGPS), com efeitos a 01-01-2013;

·         A Requerente passou, por referência ao exercício de 2013, a considerar, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital e, bem assim, os encargos (gastos) financeiros líquidos, nos termos gerais, mas não deduziu os encargos financeiros que indicou nas declarações respeitantes aos exercícios de 2003 a 2012, inclusive, como tendo sido suportados com a aquisição de partes de capital (artigo 70.º do pedido de pronúncia arbitral);

·         Em 27-05-2016, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação efectuada na declaração modelo 22 relativa ao grupo de sociedades, com a identificação …-… -… (documento junto com o formulário do CAAD);

·         A reclamação graciosa teve o n.º …2016… e não foi nela proferida decisão;

·         A Requerente apresentou um pedido de revisão do acto tributário relativo ao exercício de 2011 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·          A Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Na sequência de indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012, a Requerente apresentou um pedido de pronúncia arbitral no CAAD que foi julgado procedente por decisão proferida em 21-07-2016, no processo n.º 656/2015-T (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A decisão referida na alínea anterior foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que não tomou dele conhecimento (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 30-03-2004, a Direcção de Serviços do IRC emitiu a Circular n.º 7/2004, cujo teor se dá como reproduzido (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral), em que se refere, além do mais, o seguinte:

«Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros

6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigoº 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».

 

·          Em 26-12-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse alienado participações sociais relativamente às quais suportou encargos financeiros nos exercícios de 2003 a 2012.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e afirmações da Requerente não questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Regime aplicável aos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital detidas pelo menos durante um ano

 

O artigo 31.º, n.º 2 do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, estabeleceu o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Com a renumeração do EBF operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, este artigo 31.º passou a ser o artigo 32.º, tendo então a seguinte redacção:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, este artigo 32.º, n. 2, passou a ter a seguinte redacção:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Esta norma veio a ser revogada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

 

4.2. Questão da consolidação na ordem jurídica dos encargos acrescidos nos exercícios de 2003 a 2011 e da violação do princípio da certeza e da segurança jurídica estatuído no disposto no artigoº 2.º da CRP

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira censura a Requerente pretender deduzir no exercício de 2013 o montante global dos encargos acrescidos nos exercícios de 2003 a 2011.

Embora, à face do referido regime previsto no EBF, as mais-valias e menos-valias só fossem consideradas ou desconsideradas para efeitos de formação do lucro tributável no exercício da sua realização, a Administração Tributária entendia, nos termos do ponto 6 da referida Circular n.º 7/2004, que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deveriam ser desconsiderados como gastos (custos, na terminologia a redacção do CIRC de 2009) no exercício em que os mesmos fossem suportados, acrescendo ao lucro tributável de cada um desses exercícios, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias e menos-valias, que só era possível apurar no momento da realização.

Mas, como a aplicação deste regime especial dependia da verificação de condições a apurar posteriormente, a Administração Tributária adoptava naquele n.º 6º da Circular n.º 7/2004 o entendimento de que «caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

Este entendimento foi julgado constitucionalmente admissível pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, que decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais-valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital».

Tendo o referido entendimento sido adoptado pela Circular n.º 7/2004, ele é vinculativo para a Administração Tributária, por força do preceituado no artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, que estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias». ( [5] )

Assim, à face deste entendimento publicitado no ponto 6 da referida Circular, que foi adoptado pela Requerente nos exercícios de 2003 a 2012, a desconsideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital estava condicionada à verificação dos requisitos para aplicação deste regime de não concurso das mais-valias e menos-valias realizadas para formação do lucro tributável: se se visse a constatar, «no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

Por isso, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão ao aludir à consolidação da não dedução dos encargos financeiros durante os exercícios de 2003 a 2012, como obstáculo à sua dedutibilidade no exercício de 2013: na verdade, segundo o entendimento a que a Administração Tributária se vinculou, a desconsideração dos encargos financeiros estava dependente da verificação, no momento da alienação das participações sociais, das condições para aplicação daquele regime, pelo que, até esse momento ocorrer, estava sempre em aberto a possibilidade de relevância daqueles encargos como gastos do exercício em que se viesse a ocorrer a alienação.

Não corresponde à realidade a afirmação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a Requerente não adoptou a referida Circular: o que a Requerente diz nos artigos 73.º e 74.º do pedido de pronúncia arbitral é que não aplicou o método de determinação dos encargos financeiros previsto no ponto 7 da referida Circular n.º 7/2004, mas efectuou a desconsideração dos encargos financeiros, que determinou por outro método, o que está em sintonia com o previsto no ponto 6 da referida Circular.

No caso em apreço, a Requerente deixou de ser uma SGPS, a partir do exercício de 2013, inclusive, pelo que neste exercício se conclui que deixou de ser possível à Requerente ser tributada com aplicação do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Assim, também nesse exercício se conclui que, no momento em que vier a ocorrer alienação das partes de capital, já não estarão reunidas as condições para aplicação daquele regime, pois esta depende de a sociedade ter a natureza de SGPS.

A doutrina da referia Circular, embora refira o momento da alienação como aquele em que se pode concluir pela verificação ou não de todos os requisitos de aplicação do regime  deve ser entendida, por interpretação declarativa, como admitindo a aplicação desse entendimento às situações em que se possa concluir, antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que e relevante para viabilizar a dedução dos encargos, é a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime.

Por isso, é de concluir, em sintonia com o entendimento a que a Administração Tributária está vinculada, que todos os encargos financeiros suportados entre 2003 e 2012, inclusive, com a aquisição de partes de capital detidas durante pelo menos um ano devem relevar como gastos do exercício de 2013, exercício em que se constata «que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime» e por isso, «proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

Pelo exposto não ocorre a referida consolidação na ordem jurídica dos encargos acrescidos pela Requerente nos exercícios de 2003 a 2011, nem a sua desconsideração no exercício de 2013 contende com o princípio da certeza e segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de Direito democrático, proclamado no artigo 2.º da CRP.

Antes pelo contrário, o que contenderia com esse princípio, na vertente de protecção da confiança, seria não aplicar o regime previsto no referido n.º 6 da Circular, aos contribuintes que agiram em sintonia com o entendimento que a Administração Tributária decidiu adoptar, quanto a possibilidade de deduzir os encargos quando se viesse a verificar que não podia ser aplicado o regime referido.

Por outro lado, é claro o erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que a Requerente não pode deduzir os encargos financeiros em 2013 por ter deixado de ser uma SGPS.

Na verdade, a regra aplicável à generalidade das sociedades que não são SGPS, é a da dedutibilidade de todos os encargos financeiros, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção anta à Lei n.º 2 /2014, de 16 de Janeiro. Por isso, nada obsta a que a Requerente, precisamente por ter deixado de ser uma SGPS em 2013, possa deduzir neste exercício os encargos financeiros que não deduziu nos exercícios anteriores, pelo facto de ter adoptado o entendimento perfilhado pela Administração Tributária no ponto 6 da referida Circular. Com efeito, a não dedutibilidade dos encargos financeiros prevista na parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nem constituía um «benefício fiscal» de que gozassem as SGPS, sendo antes um regime tributário penalizador, quando comparado com o regime geral de dedução de encargos financeiros. De qualquer forma, deixando de ser SGPS, tem direito a deduzir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Assim, conclui-se que a Requerente deveria ter considerado como gasto no exercício de 2013 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais que desconsiderou nos exercícios de 2003 a 2012, pelo que a autoliquidação enferma da ilegalidade que a Requerente lhe imputa.

 

4.2. Questão da desconformidade entre o pedido formulado na reclamação graciosa e o formulado no pedido de pronúncia arbitral

 

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 03-06-2015, proferido no processo n.º 793/14, que «na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso».

Por isso, no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, o objecto do processo impugnatório, no caso o processo arbitral, não é limitado pelo objecto da reclamação graciosa.

De qualquer forma, a ilegalidade essencial que a Requerente imputa à autoliquidação de 2013, que é não terem nela sido considerados como gastos os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, é idêntica na reclamação graciosa e no presente processo. Há apenas divergência quanto aos valores a considerar, mas não há obstáculo a que os montantes a indicar tenham sido alterados designadamente por efeito de decisões administrativas ou jurisdicionais supervenientes, como é o caso.

Na verdade, constatada a existência de ilegalidade, é de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, sendo a determinação dos encargos a considerar matéria a apurar em execução de julgado, como já se referiu a propósito da questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Aliás, no caso em apreço, nem se conhece a decisão do processo relativo ao exercício de 2011, que se refere na alínea m) da matéria de facto fixada.

 

4.3. Questão da inconstitucionalidade da interpretação defendida pela Requerente

 

Não é claro em que termos a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca a questão de inconstitucionalidade, afigurando-se que faz errada interpretação da situação fáctica que se depara nos autos.

Na verdade, não está em causa uma situação em que a Requerente defenda que não deveria ser feita aplicação da arte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mas sim uma situação em que a Requerente:

– aplicou aquela regra nos exercícios de 2003 a 2012, como a Administração Tributária defende no n.º 6 da Circular n.º 7/2004;

– por se ter concluído, a partir de 2013, que já não se poderão verificar todos os requisitos para aplicação daquele regime, no momento da alienação das participações, deve proceder-se, «nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores», como a Administração Tributária também defende no n.º 6 da Circular n.º 7/2004.

 

Isto é, não se está perante uma situação em que a Requerente recuse a aplicação do n.º 6 da Circular referida, mas sim perante uma situação em que a Requerente lhe deu cumprimento durante os exercícios de 2003 a 2012, quanto à não dedutibilidade dos encargos financeiros, e pretende que, também de acordo com o mesmo n.º 6, todos esses encargos sejam deduzidos em 2013, por já não se poderem verificar todos os requisitos para poder ser aplicado o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º.

É neste contexto fáctico que há que apreciar as questões de inconstitucionalidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita.

 

4.3.1. A questão de inconstitucionalidade reportada à aplicação regime do n.º 6 da Circular n.º 7/4004

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta questão afirmando que é ilegal e inconstitucional a tese da Requerente «se contestar a linha argumentativa da Requerente no sentido da inaplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigoº 32.º do EBF, na parte relativa à indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, quando não seja possível proceder à sua afectação específica» e defende «que  afigura-se  inconstitucional  o  Artigoº  32.º,  n.º  2  do  EBF quando  interpretado  no  sentido  de  que  a  exclusão  da  dedução  dos  encargos  financeiros  se circunscreve  às situações em que é possível  a sua  afetação  direta e específica, porquanto tal  é violador do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa».

As regras constitucionais que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere como violadas são «o princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º e 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa».

Na verdade, a colocação desta questão afigura-se sem fundamento, pois o que está em causa é a Requerente deduzir em 2013 os encargos financeiros que não deduziu nos exercícios de 2003 a 2012 e relativamente aos quais se apura, em 2013, que não se verificou o fundamento para afastar a dedutibilidade, à face do próprio entendimento publicitado pela Administração Tributária, que é a verificação dos requisitos de aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF no momento da alienação das partes de capital.

As regras do CIRC sobre a dedutibilidade de encargos financeiros, designadamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º, na redacção de 2009, estão manifestamente em sintonia com os princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva, pois esse regime é aplicável à generalidade dos sujeitos passivos de IRC e os encargos suportados para obter o rendimento deverão ser deduzidos para determinar o rendimento real.

A regra da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma excepção às regras do CIRC sobre a dedutibilidade de encargos financeiros justificada pelo regime especial de tributação das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS.

Por isso, se se constata em 2013 que não se verificam as condições para aplicar o regime especial de tributação de mais-valias e menos-valias previsto naquele artigo 32.º, n.º 2, a ilação necessária é não aplicar também o regime especial de irrelevância dos encargos financeiros, que só se justificaria se fosse aplicável aquele regime de tributação.

O que contenderia com os princípios a igualdade da tributação segundo a capacidade contributiva seria aplicar o regime especial de indedutibilidade de encargos financeiros sem se verificarem as condições especiais que o podem justificar, ao contrário do que sucede com a generalidade das sociedades e da regra da tributação fundamentalmente com base no lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).

Não se vislumbra, assim, qualquer violação daquelas regras constitucionais, sendo certo que se está perante aplicação do regime que a própria Administração Tributária se vinculou a aplicar, naquele n.º 6.

 

4.3.2. A questão de inconstitucionalidade reportada à aplicação regime do n.º 7 da Circular n.º 7/4004

 

Ao contrário do que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá entendido na sua resposta, não se está perante uma situação fáctica em que a Requerente tenha recusado a aplicação do regime de indedutibilidade dos encargos financeiros previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por hipotético entendimento da Requerente de só ser permitida a afectação directa dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais.

Com efeito, passou-se precisamente o contrário, pois a Requerente diz «não se revelar possível uma afetação real e direta desses encargos ao fim a que se destinavam» (artigo 73.º do pedido de pronúncia arbitral) e, no entanto, efectuou a afectação que entendeu adequada, até em termos que considera mais exigentes (considerando indedutíveis mais encargos, segundo se depreende dos valores que refere) do que os que resultariam da aplicação do método previsto naquele n.º 7, o que diz ter feito «por prudência, em face do debate intenso que ocorreu relativamente ao alcance e âmbito de aplicação da aludida Circular» (artigo 72.º do pedido de pronúncia arbitral).

Assim, a questão da inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativa a um hipotético entendimento da Requerente no sentido de o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF só ser aplicado a situações em que é possível afectação directa e específica de encargos financeiros à aquisição de participações sociais, é questão que não se coloca no caso em apreço, pois a própria Requerente reconhece que essa afectação directa não é possível (artigo 73.º do pedido de pronúncia arbitral) e, apesar disso, efectuou-a, necessariamente com uso de outro método.

Na verdade, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, segundo refere no artigo 138.º da resposta, a Requerente não repudia a afectação que efectuou de encargos à aquisição de participações sociais, antes pretende, em primeira linha, que ela seja a base e a medida da dedutibilidade de encargos no exercício de 2013, por se ter tornado inviável aplicar-lhe o regime, do artigo 32.º, n.º 2, do EBF. 

Por isso, a questão de inconstitucionalidade que a Requerente coloca, que é a de ser inconstitucional a não aplicação do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF quando não for viável uma afectação directa, não tem aplicação a situação em apreço, pois essa posição não é defendida pela Requerente.

Assim, a questão de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a este ponto, não tendo aplicação ao caso dos autos, é uma pura questão de inconstitucionalidade abstracta, cuja decisão só é permitida ao Tribunal Constitucional (artigo 281.º da CRP), pelo que não se toma dela conhecimento.

O mesmo sucede com a interpretação do  n.º  2  do  artigo  32.º  do  EBF que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz contestar, no artigo 143.º da resposta, «no  sentido  de  que,  todos  e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente de prova promovida por aquele sujeito passivo para o efeito».

Na verdade, a Requerente não defendeu que «todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis», antes interpretou o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, antes considerou indedutíveis os encargos referidos na matéria de facto, motivo por que os acresceu ao lucro tributável dos exercícios de 2003 a 2012.

  Para além disso, também não se vê a pertinência da referência que no artigo 148.º da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira faz à «tese de que bastará invocar a ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 para peticionar a aceitação enquanto gasto fiscal da totalidade dos encargos financeiros».

Com efeito, a Requerente não diz que a Circular 7/2004 seja ilegal, antes pretende que ela seja aplicada, nomeadamente o seu n.º 6.

Por isso, é também uma questão de inconstitucionalidade abstracta a questão da alegada violação do artigo 104.º, n.º 2, da CRP que a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca neste artigo 148.º da resposta.

 

4.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa, por erro na autoliquidação de 2013, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões de legalidade invocadas, pelo que não se tom delas conhecimento, de harmonia com o preceituado no artigo 130.º subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante a restituir.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, o erro da autoliquidação é imputável à Requerente, que a efectuou.

No entanto, a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, pois deveria ter proferido decisão de deferimento.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data em que deveria ter sido deferida a reclamação graciosa, que é 27-09-2016, quatro meses após a sua apresentação (artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT).

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde 28-09-2016, sobre a quantia que lhe deva ser restituída, que deverá ser determinada em execução de julgado.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde 28-09-2016 até ao integral reembolso.

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente a excepção de incompetência apenas quanto aos pedidos referidos nas alíneas b) a e) do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a esses pedidos;

b)      Julgar improcedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

c)      Julgar improcedente a excepção de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral;

d)      Julgar improcedente a excepção de consolidação na ordem jurídica dos encargos referentes aos exercícios de 2003 a 2011;

e)      Considerar prejudicado conhecimento das excepções de inidoneidade de meio processual e de desconformidade entre o pedido formulado na reclamação graciosa e o pedido de pronúncia arbitral;

f)       Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º …2016… e da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013, com o n.º …-… -…, que é indicada no artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral como objecto do pedido de pronúncia arbitral;

g)      Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, sobre a quantia a restituir que for determinada em execução do presente acórdão, desde 28-09-2016 até ao integral reembolso.

 

 

 

7. Valor do processo

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira questiona o valor do processo, por entender que ele deve corresponder à alteração da matéria tributável pretendida e ser fixado em € 6.674.653,65.

Quando ocorreu uma liquidação (em sentido lato, abrangendo a autoliquidação), o valor do processo impugnatório deve ser «o da importância cuja anulação se pretende», de harmonia com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

No caso em apreço, o efeito útil que a Requerente pretende obter é o de anulação da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013, pelo que a utilidade consiste no valor do imposto que corresponde à alteração da matéria tributável que pretende.

Sendo assim, o valor da causa deve ser o do imposto correspondente a alteração da matéria tributável pretendida.

No caso em apreço, não se demonstrou que o valor do imposto seja diferente do que a Requerente indica como valor da causa, sendo claro que a utilidade não corresponde ao valor de € 6.674.653,65, proposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.501.797,12.

 

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 14-06-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

 

 

(Ricardo Gomes Pedro)

 

 

 



( [1] )         No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [2] )         Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.

( [3] )         Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos.

( [4] )         Essencialmente neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-2005, processo n.º 1171/04; de 8-7-2009, processo n.º 306/09; de 23-9-2009, processo n.º 420/09; e de 12-11-2009, recurso n.º 681/09.

( [5] )         Esta norma foi introduzida na LGT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

No entanto, anteriormente previa-se idêntica vinculação na alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º da LGT.