Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 A… SA, com o NIPC[1]…, com sede na Rua … …, …-… Lisboa, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2015, incidentes sobre a propriedade de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, área do Serviço de Finanças do concelho de …, conforme documentos de cobrança 2016…, no montante de € 3 880,30, 2016…, no montante de € 3 880,30 e 2016… no montante de € 3 880,30, respetivamente, tudo no valor global de € 11 640,90.
2 Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à ATA em 18/01/2017.
3 Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 13/03/2017, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
4 O tribunal foi constituído em 28/03/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 Com o seu pedido, visa a requerente, a anulação de imposto do selo, referente ao ano de 2015, conforme notas de cobrança já referidas, respeitante ao imóvel também já identificado cujo VPT[5] é superior a € 1 000 000,00, previsto na verba 28.1 da TGIS[6].
6 Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que a liquidação enferma de erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28 da TGIS, ao mesmo tempo que viola o artigo 13º da CRP[7].
7 Afirma que para o terreno em questão não está autorizada nem prevista qualquer edificação destinada a habitação, que no mesmo, desde 2011, está prevista a construção de uma unidade hoteleira e 7 moradias unifamiliares com projeto já aprovado pelo IGESPAR[8] e submetido à Câmara Municipal de … .
8 Segundo o parecer técnico da Câmara o terreno tem potencialidade para ser classificado como espaço urbano ou cultural, ficando assim afastada a possibilidade de edificação para habitação e consequentemente afastada a tributação do IS[9] previsto na verba 28.1 da TGIS.
9 Por outro lado, a norma da verba 28.1 da TGIS viola o princípio da igualdade, da capacidade contributiva e o da coerência do sistema fiscal.
10 Por sua vez, e também em síntese, a ATA entende não assistir razão à requerente, na medida em que ao terreno em causa lhe foi atribuída afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações e que apesar da requerente alegar que o mesmo se destina à construção de um hotel, isso não passa de mera intenção e uma vez que o seu VPT é superior a € 1 000 000,00, preenche a previsão da norma (verba 28.1 da TGIS) para a tributação em IS.
11 Quanto à alegada violação dos princípios constitucionais invocados, considera que também não assiste razão à requerente, na medida em que a verba 28.1 da TGIS surgiu num contexto excecional de dificuldades nas contas públicas, inserida nas medidas extraordinárias de arrecadação de receitas que visaram reforçar o princípio da equidade social na austeridade e garantir uma efetiva repartição de sacrifícios.
12 Considera ainda que o legislador pretendeu tributar prédios com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 que por si só revelam uma especial capacidade contributiva e não o conjunto do património de cada contribuinte, concluindo que o TC[10], na sua jurisprudência mais recente, vem proclamando a constitucionalidade da referida verba 28.1 da TGIS, por não se verificarem violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na resposta a ATA declarou não verificar qualquer interesse na realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e da desnecessidade da produção de alegações orais ou escritas.
Em 05/05/2017, o tribunal proferiu o seguinte despacho: “Na resposta é suscitada a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como da produção de alegações, assim, notifique-se a requerente, para em 10 dias, querendo, pronunciar-se quanto às pretensões aduzidas pela requerida.”
Em 26/05/2017, foi proferido o seguinte despacho: “Face ao silêncio da requerente, o tribunal considera desnecessária a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como da produção de alegações quer orais quer escritas e reunidas as condições para a prolação da decisão, fixando o dia 27 de Junho próximo para o efeito, devendo, até esta data, a requerente fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente. Notifique.”
Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Apreciar se o ato de liquidação do IS aqui em causa é ilegal por violação da lei ordinária.
b) Apreciar ainda se o mesmo ato é violador da CRP.
2- Matéria de Facto
a) A requerente, em 31/12/2015 era proprietária do prédio urbano “terreno para construção”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia e concelho de … .
b) O VPT do imóvel em questão é de € 1 164 090,00, sobre o qual recaiu o IS no montante global de € 11 640,90, divido em três prestações, conforme notas de cobrança 2016… de € 3 880,30, 2016… de € 3 880,30 e 2016… de € 3 880,30.
c) Na caderneta predial no item “descrição do prédio” consta: Tipo de prédio terreno para construção; Descrição lote de terreno para construção. No item Dados da Avaliação consta: Percentagem para cálculo da área de implantação 24,00% tipo de coeficiente de localização habitação. Em 28 de Abril de 2014 foi a requerente notificada pelo IGESPAR da aprovação do projeto de hotel de 4 estrelas.
d) Em 25/06/2014 foi emitido parecer favorável à construção do hotel pelo Turismo de Portugal, conforme despacho da mesma data da Senhora Diretora Coordenadora Desenvolvimento e Valorização da Oferta.
e) Segundo o parecer técnico da Câmara Municipal de … o terreno em questão tem potencialidade para ser classificado como Espaço Urbano ou como Espaço Cultural, não estando no mesmo autorizada ou prevista qualquer edificação para habitação.
Os factos descritos estão provados por documentos juntos aos autos e consideramos serem os relevantes para apreciação do mérito da causa.
3 – Matéria de Direito
3.1 – Apreciação se o ato de liquidação do IS aqui em causa é ilegal por violação da lei ordinária.
Vejamos o que nos diz a verba 28 da TGIS na redação que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro: “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00- sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…1% …”
Para o tribunal é patente que a lei exige que haja propriedade, usufruto ou direito de superfície, que o VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00 e, no caso dos terrenos para construção haja edificação autorizada ou prevista e a mesma se destine a habitação.
Dos documentos juntos pela requerente, verifica-se que no terreno para construção não está autorizada, nem prevista qualquer edificação cujo destino seja a habitação. Há parecer favorável do IGESPAR e do Turismo de Portugal para a construção de uma unidade hoteleira de 4 estrelas. A Câmara Municipal de …, em seu parecer técnico, comunicado à requerente, considera que o terreno em questão tem potencialidade para ser classificado como Espaço Urbano ou como Espaço Cultural.
Na perspetiva da requerente a verba 28 da TGIS só terá aplicação aos terrenos para construção, quando a edificação neles a implantar esteja autorizada ou prevista e se destine à habitação.
Já a requerida entende que a mesma se aplica aos terrenos para construção que na respetiva avaliação se tenha atribuído a afetação habitacional.
Para o tribunal é patente que para o terreno em causa nos presentes autos, não está autorizada nem prevista qualquer edificação com afetação habitacional, conforme se conclui dos documentos emitidos pelas entidades oficiais intervenientes no processo. Na própria caderneta predial a sua descrição resume-se “a terreno para construção” sem especificar o seu destino, apenas lhe foi atribuído o coeficiente de afetação habitacional na respetiva avaliação, que, no entender deste tribunal, é contrariado pelas entidades oficiais que têm a seu cargo a decisão sobre as edificações nele a levar a efeito.
Deste modo consideramos que não estão verificados os pressupostos de tributação constantes na previsão da norma da verba 28 da TGIS pela que a tributação aqui posta em crise é ilegal e como tal deverá ser anulada, mostrando-se procedente o entendimento da requerente quanto à violação da lei ordinária.
3.2 – Apreciação se o ato de liquidação de IS aqui em causa é violador da CRP
Tendo em conta o entendimento exposto no ponto 3.1, consideramos desnecessário o conhecimento das alegações da requerente, relativamente a esta matéria.
IV DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação do ato de liquidação do IS respeitante ao ano de 2015 no montante global de € 11 640,90.
b) Fixar o valor do processo € 11 640,90,84 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[11], artigo 97º-A do CPPT[12], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[13].
c) Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 918,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerida.
Notifique.
Lisboa, 29 de Junho de 2017
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O árbitro
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Número de identificação fiscal de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Valor Patrimonial tributário
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[8] Acrónimo de Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arquiológico
[9] Acrónimo de Imposto do Selo
[10] Acrónimo de Tribunal Constitucional
[11] Acrónimo de Código de Processo Civil
[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária