DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 – A…, SA com sede na Avenida … nº …-… - …- … Lisboa com o NIPC[1] …, na qualidade de gestora do fundo de investimento imobiliário –B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, registado na CMVM[2] com o NIF[3]…, apresentou em 09/01/2017 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[4], sendo requerida a ATA[5], com vista a aferir se o artigo 236º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro viola ou não o princípio da retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103º da CRP[6] e consequentemente a nulidade das liquidações de IMT[7] e IS[8] … e …, ambas de 2016, no valor global de € 36 924,75, respeitantes ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, fração ED da freguesia de … e …, concelho de CASCAIS, ou caso assim não se entenda, a sua anulação e consequentemente seja reembolsada do seu montante acompanhada de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º da LGT[9].
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[10] e automaticamente notificado à ATA em 09/01/2017.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 21/03/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visa a requerente, a declaração de nulidade das liquidações já referidas, com base na sua inconstitucionalidade ou subsidiariamente a sua anulação.
6- Como já se viu, em síntese, fundamenta o seu ponto de vista no facto das referidas liquidações terem suporte no artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro, norma que considera violadora do nº 3 do artigo 103º da CRP.
7 – Considera ainda que as liquidações impugnadas são nulas ao abrigo do número 1 e 2 do artigo 133º do CPA[11], norma em vigor à data das aludidas liquidações, dado que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo por isso impugnáveis a todo o tempo.
8 – Na resposta a ATA, em síntese, sustenta que o legislador com a formulação contida no artigo 236º da Lei 83-C/2013 não estabeleceu nenhum novo requisito que determine a caducidade do direito à isenção, mas tão só concedeu um prazo para o seu cumprimento.
9 – Considera ainda que a alteração legislativa introduzida pela Lei 83-C/2013 ao regime tributário do FIIAH[12] não modificou a aplicação dos benefícios fiscais concedidos que sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação, não havendo aqui qualquer retroatividade.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Junta aos autos a resposta da ATA, O tribunal proferiu em 04/05/2017 o seguinte despacho:
“Junta a resposta da AT e após análise dos autos, o tribunal considera desnecessária a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e também desnecessária a produção de alegações orais ou escritas.
Assim, notifique-se as partes, para em 10 dias, querendo, dizerem o que se lhes oferecer sobre este entendimento”.
Em 12/05/2017 foi junto requerimento do autor, vindo o tribunal, em 26/05/2017, a proferir novo despacho:
“Face à concordância do requerente quanto à desnecessidade da reunião do artigo 18º do RJAT, bem como da produção de alegações quer orais quer escritas, o silêncio da requerida e mostrando-se paga a taxa de justiça subsequente, o tribunal considera reunidas as condições para a prolação da decisão, fixando o dia 23 de Junho próximo para o efeito”.
Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Declarar ou não a nulidade das liquidações aqui postas em crise com base na sua inconstitucionalidade ou subsidiariamente a sua anulação, conforme pedido.
b) Caso venha a declarar a sua nulidade ou anulação, declarar se o seu reembolso deverá ser acompanhado de juros compensatórios nos termos do artigo 43º da LGT.
2 – Matéria de Facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) O Fundo Imobiliário era, à data das liquidações em causa, proprietário do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, fração ED da freguesia de … e …, concelho de CASCAIS.
b) O referido imóvel, na sua aquisição, beneficiou de isenção de IMT e de IS, ao abrigo do nº 7 alínea a) e do nº 8 do artigo 8º do regime jurídico dos FIIAH.
c) As liquidações em questão concretizaram-se, a pedido do requerente, invocando o artigo 236º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro e foram pagas em 21 de Outubro de 2016.
d) A ATA fundamentou-as no facto de ter sido dado ao imóvel destino diferente daquele que originou o benefício fiscal, havendo extinção dos benefícios fiscais.
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
3 – Matéria de Direito
3.1 Da legalidade ou não das liquidações do IMT e do IS efetuadas na vigência das alterações introduzidas pelo artigo 236º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, ao regime jurídico dos FIIAH
Na petição estão incorporadas as conclusões de um parecer jurídico dos Exmos Senhores Professores Doutor Guilherme Xavier de Basto e Doutor Paulo da Mota Pinto que entendem que o nº 2 do artigo 236º da Lei 83-C/2013 é inconstitucional. Apesar do tribunal arbitral não ter competência para declarar ou não a inconstitucionalidade da norma, competência exclusiva do TC[13], cabe-lhe apreciar a aplicação das normas aos factos concretos que sustentam as liquidações postas em crise, é o que procurará fazer.
A lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro estabeleceu um regime especial de benefícios fiscais aplicáveis aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, no nº 7 do seu artigo 8º consagra, a isenção de IMT nos seguintes termos:
a) “ As aquisições de prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o nº 3 do artigo 5º, pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimentos referidos no nº 1”.
Por sua vez a Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro veio alterar o artigo 8º da Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro nos termos seguintes:
“14 – Para efeitos do disposto nos nº.s 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integram o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
a) 15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos números 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso, o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
b) 16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5º ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº. 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.
Tendo em conta a matéria de facto assente, o imóvel em questão, foi adquirido pela requerente beneficiando de isenção de IMT e IS, ao abrigo do nº 7 alínea a) e do nº 8 do artigo 8º do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, da Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro.
Por esta norma ficou a requerente obrigada a destinar, em exclusividade, a arrendamento o imóvel adquirido, sob pena de perder o benefício fiscal concedido. Pode-se, desde já, concluir que o requisito de destino exclusivo ao arrendamento decorre da Lei 64-A/2008 e não das alterações introduzidas ao regime pela Lei 83-C/2013 que se limitou a estabelecer o prazo de 3 anos para a concretização do arrendamento que, não se verificando no referido prazo, o Fundo fica obrigado a solicitar as liquidações cuja isenção beneficiou na aquisição, mas no futuro e não para as liquidações posta aqui em crise.
Ora, tendo o requerente vendido o imóvel, forçoso é concluir que não lhe deu o destino a arrendamento que, em exclusividade, a Lei lhe impunha para poder beneficiar dos benefícios fiscais concedidos na aquisição.
O fundamento das liquidações aqui em questão está suportado pelo destino diferente daquele em que assentou o benefício fiscal concedido e não outro, ora se o imóvel foi vendido, deixou de cumprir o destino que havia sido declarado no título aquisitivo, perdendo, deste modo, os benefícios fiscais concedidos na aquisição.
As alterações introduzidas pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro ao regime tributário dos FIIAH não são a causa das liquidações apesar de invocadas pelo requerente no seu pedido à ATA para a elas proceder, esta, está obrigada, nos termos do artigo 7 do EBF[14], a fazer a fiscalização, independentemente do pedido do requerente e, ao verificar que havia sido dado destino diferente ao imóvel teria de operar às respetivas liquidações de IMT e IS como legalmente lhe compete.
Quanto à aplicação retroativa da norma do artigo 236º da Lei 83-C/2013, não vislumbramos, no caso concreto, o motivo para que se evoque tal fundamento, na medida em que as liquidações em causa, do ponto de vista do tribunal, nada tiveram a ver com a referida norma, mas apenas com o facto de na aquisição se ter declarado que o mesmo se destinava ao arrendamento habitacional permanente o que não sucedeu, não cumprindo assim os pressupostos da isenção concedida, é que não basta a intenção declarada no título aquisitivo, mas sim a sua efetiva concretização, o que não se verificou.
Do exposto considera o tribunal que as liquidações de IMT e do IS em causa, resultam do facto do requerente não ter observado o preceituado na alínea a) do nº 7 do artigo 8º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dezembro e não das alterações introduzidas pela Lei 83-C/2013, como pretende.
É patente para o tribunal que caso não tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa à Lei 64-A/2008, sempre haveria lugar à liquidação de IMT e IS, a partir do momento em que deixassem de se verificar os pressupostos que suportaram as respetivas isenções, sendo a questão colocada pelo requerente quanto à retroatividade ou não da norma do artigo 236º da Lei 83-C/2013 irrelevante para aferir da legalidade das liquidações postas em crise, que ocorreriam independentemente das alterações por ela introduzidas, uma vez que as isenções concedidas caducaram com o destino diferente dado ao imóvel, sendo por isso legais as liquidações levadas a efeito pela ATA.
3.2 Pedido de Pagamento de Juros Indemnizatórios
Tendo em conta o referido e concluído no ponto 3.1, fica sem interesse a apreciação da questão dos juros indemnizatórios pedidos.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.
b) Fixar o valor do processo em € 36 924,75 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[15], artigo 97º-A do CPPT[16], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[17].
c) Custas a cargo do requerente, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respetivo montante em € 1 836,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 23 de Junho de 2017
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O árbitro singular,
Arlindo Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
[3] Acrónimo de Número de Identificação Fiscal
[4] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[5] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[6] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[7]Acrónimo de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
[8] Acrónimo de Imposto do Selo
[9] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[10] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[11] Acrónimo de Código do Procedimento Administrativo
[12] Acrónimo de Fundos de Investimento Imobiliário para arrendamento habitacional
[13] Acrónimo de Tribunal Constitucional
[14] Acrónimo de Estatuto dos Benefícios Fiscais
[15] Acrónimo de Código de Processo Civil
[16] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[17] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária