Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 23/2017-T
Data da decisão: 2017-06-20  IMT  
Valor do pedido: € 1.135,93
Tema: IMT – Artigo 270.º, n.º 2 do CIRE
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.    A…, S.A., NIPC…, com sede na Praça …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto, veio, no dia 05-01-2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular e pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração da nulidade ou a anulação da liquidação de IMT melhor descrita infra.

2.    É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).

3.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 20-01-2017.

4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

5.    Em 06-03-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21-03-2017.

7.    Alega a Requerente, em síntese, que:

a.        Em sede de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do art.º 270 do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento”, pelo que deverá ser anulado o ato de liquidação ora impugnado, com todas as consequências legais, incluindo a restituição do valor indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efetiva devolução;

b.      Não foi provada pela AT, no caso vertente, a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto em análise, sendo manifesto que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que o pagamento exigido ao Requerente é ilegal e inexigível;

c.       O ato de liquidação sub judice configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei, peço que o mesmo é nulo e de nenhum efeito por falta de atribuições e por resultar da criação de imposto ou contribuição especial não permitida por lei (art. 133º/2/a) e d) do CPA e arts. 103º/2 e 165º/1/i) da CRP);

d.      O ato impugnado enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268º/3 da CRP, os arts. 124º e 125º do CPA e o art. 77º da LGT;

e.       A Administração Tributária violou as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º n.º 3 da CRP;

f.        A interpretação da Administração Tributária aplicada a um facto tributário passado, inteiramente decorrido ao abrigo de lei antiga, constitui uma violação do princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica;

g.      Verifica-se um erro de direito por parte da Autoridade Tributária, visto que induziu em erro o Requerente quando reconheceu a isenção do IMT a liquidar previamente à celebração da escritura pública;

h.      A liquidação em apreço ser anulada por preterição de formalidade legal, violação dos princípios da colaboração e boa fé nos termos supra referidos (art. 59.º da LGT, e art. 99.º/d do CPPT; cfr. art. 7.º do CPA e n.º 2 do art. 266.º da C.R.P);

i.        Acresce que a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um ato constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141º, nº 1, do CPA e 58.º do CPTA;

j.        Assim, a revogação de tal ato administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea c), da LGT e art. 2.º, alínea d), do CPPT.

 

8.    A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

a.       No âmbito da interpretação da redação anterior do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência;

b.      A liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Requerente se limitou a invocar na douta Petição Arbitral, sem que, contudo, tivesse logrado demonstrar qualquer inconstitucionalidade;

c.       No caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação, pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para a isenção de IMT em razão da sua transmissão ter sido efetuada num processo de insolvência de pessoa singular;

d.      Não se verificando os pressupostos legais para o Requerente poder beneficiar da isenção de IMT, nos termos do nº 2 do art. 270º do CIRE, a administração tributária não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitado o prazo de caducidade, que, nos termos do art. 35.º do CIMT, conjugado com o art. 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito;

e.       Contrariamente ao invocado pelo Requerente, não existiu nenhum ato constitutivo de direitos, porque o benefício em causa é um benefício automático, nos termos do artigo 5º do EBF;

f.        O reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo, e após esse controlo é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção, pelo que, em rigor, não houve a constituição de um direito ao benefício fiscal;

g.      Assim, a liquidação de imposto controvertida no caso sub judice não pode ser considerada uma revogação de isenção.

 

 

 

 

9.    Por despacho de 28-04-2017, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar a produção de alegações escritas, salvo se a isso se opusesse, fundamentadamente, alguma das Partes, o que não sucedeu.

 

II – SANEADOR     

10.    Não foram invocadas exceções.

11.    As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

12.    Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.       Factos provados

 

13.    O Tribunal considera provados os seguintes factos:

a)      Em 18 de Outubro de 2013, a Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em…, …, Rua …, n.º…, freguesia de União das Freguesias de … e … e Município de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo…, no âmbito do processo de insolvência de B…, que correu termos no … Juízo do Tribunal Judicial de ..., sob o n.º…/12… TJ…;

b)      O imóvel em questão foi arrolado e apreendido para a massa insolvente e o Demandante comprou-o pelo preço de € 103.000,00;

c)      Previamente à referida aquisição, a Requerente apresentou perante o competente Serviço de Finanças a declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo (IS), tendo nesse momento beneficiado da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;

d)      Através do Ofício n.º …/…, de 10-09-2015, foi a Requerente notificada, em ordem a poder exercer o direito de audição prévia, de que, na sequência de ação de fiscalização, realizada pela AT ao abrigo do artigo 7.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, se conclui que não poderia beneficiar das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas, respetivamente, no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e na alínea e) do artigo 269.º do CIRE, com fundamento no facto de a aquisição do imóvel em causa ter sido feita no âmbito do processo de liquidação de uma pessoa singular, e não de uma empresa;

e)      A Requerente foi notificada pelo Ofício n.º …/…, de 04-02-2016, remetido pelo Serviço de Finanças de ... -…, da liquidação de IMT n.º…, no valor de € 1.135,93, relativo à aquisição da fração autónoma descrita supra;

f)       Em 15-04-2016 a Requerente procedeu ao pagamento do referido imposto, no montante de € 1.135,93;

g)      Em 15-07-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada supra, requerendo a sua anulação;

h)      Através do Ofício n.º…, de 20-10-2016, da Direção de Finanças de ... –…, foi a Requerente notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão referente à Reclamação Graciosa por si apresentada, identificada pelo n.º …2016… – IMT, e que foi no sentido do respetivo indeferimento;

i)       Através do Ofício n.º…, de 24-11-2016, da Direção de Finanças de ... –…, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, o qual foi proferido pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de delegação de competências;

j)       Não se conformando com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a ora Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e respetivo pedido de pronúncia arbitral.

 

§2. Factos não provados

14.    Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

15.    No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no Processo Administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questão decidenda

16.    No presente processo, está em causa a interpretação e aplicação do preceito contido no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresa, aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004 e sucessivas alterações), importando saber se a isenção de IMT aí prevista se aplica nos casos de aquisição de bens imóveis no âmbito de processo de liquidação da massa insolvente de pessoa singular.

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

17.    O artigo 270.º, n.º 2, do CIRE dispõe o seguinte:

«Estão igualmente isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».

18.    O elemento literal do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE determina que apenas podem beneficiar da isenção de IMT aí prevista os adquirentes de imóveis de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

19.    Dito de outro modo, a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE pressupõe que as transmissões ocorram no âmbito de um processo de insolvência e incidam sobre os imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta.

20.    Conforme é afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0765/13, “terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”, pelo que, conforme é referido no sumário do mesmo acórdão, “a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)”.

21.    No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do CAAD, designadamente nas decisões proferidas no âmbito dos processos n.ºs 649/2015, 558/2015, 136/2016, 106/2016, 368/2016, 512/2016, 514/2016 e 518/2016.

22.    A interpretação defendida pela Requerente não tem, pois, o mínimo de sustentação no teor literal do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

23.    Também não se identifica qualquer violação dos princípios constitucionais invocados pela Requerente.

24.    Com efeito, não há qualquer “criação de imposto ou contribuição especial não permitido por lei”, nem se identifica qualquer insuficiência de fundamentação ao ato praticado pela AT.

25.    Também não se vislumbra em que medida possam ter sido violados os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, não se verificando qualquer aplicação retroativa de norma fiscal, nem tampouco qualquer ofensa do dever dos princípios da colaboração e da boa fé.

26.    Na verdade, a AT limitou-se a interpretar e a aplicar a norma contida no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, e fê-lo corretamente, sem ter incorrido em qualquer erro.

27.    Também não procede o argumento invocado pela Requerente segundo o qual a AT praticou um ato revogatório da isenção que havia anteriormente concedido, o que só poderia acontecer no prazo de 1 ano após a concessão do benefício fiscal em causa.

28.    Sucede que, como bem assinala a Requerida, não existiu nenhum ato constitutivo de direitos, porque o benefício previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é um benefício automático, nos termos definidos no artigo 5.º do EBF.

29.    Conforme resulta do disposto no artigo 7.º do EBF, todas as pessoas, singulares ou coletivas, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da AT e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.

30.    Foi na sequência dessa fiscalização que a AT conclui não esse encontrarem verificados os pressupostos para que a Requerente pudesse beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, sujeitando a aquisição do imóvel em causa à tributação em sede de IMT, de acordo com as regras gerais aplicáveis.

31.    A AT, no cumprimento da lei fiscal, não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitasse, como respeitou, o prazo de caducidade, o qual, nos termos do artigo 35.º do CIMT, conjugado com o artigo 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

 

V – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.

 

VI- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.135,93.

 

VII – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 20/06/2017

 

     O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)