Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 577/2016-T
Data da decisão: 2017-06-01  IRC  
Valor do pedido: € 838.347,44
Tema: IRC - compatibilidade do art. 51.º do CIRC com o art. 63.º do TFUE; eliminação da dupla tributação económica de dividendos; Acordo Euromediterrânico
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Decisão Arbitral[1]

 

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

I.                   Relatório

 

1.      A Requerente, A…, S.A., apresentou, em 22-09-2016, pedido de constituição do Tribunal Arbitral tendo em vista (…) acto de indeferimento da revisão oficiosa como o acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2012».

2.       O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-10-2016.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a Conselheira Maria Fernanda Maçãs, o Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e a Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues, como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.1.    Em 23-11-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

3.2.   Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 12-12-2016.

3.3.   Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

4.      A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a)      É ilegal a tributação que incidiu sobre os dividendos recebidos das participações sociais detidas na B…– sociedade com residência fiscal na Tunísia – e na E…– sociedade com residência fiscal no Líbano – no exercício de 2012, uma vez que os dividendos em apreço não puderam gozar das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na lei doméstica;

b)      A tributação em causa está desde logo a violar o Acordo Euro-Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro;

c)      É que tanto a liberdade de estabelecimento, como a liberdade de circulação de capitais consagradas naquele acordo impõem a aplicação das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na lei doméstica aos dividendos com origem em lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia;

d)      O mesmo sucedendo, para o efeito, no Acordo Euro-Mediterrânico que estabelece uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro;

e)      Tudo isto ao mesmo tempo que se está igualmente a violar, em qualquer dos casos, a liberdade de circulação de capitais prevista no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);

f)       Liberdade essa que goza aí, como se sabe, de um âmbito universal de aplicação, compreendendo, por isso, países terceiros (i.e. países não membros da União Europeia);

g)      Nessa medida, já decidiram também os Tribunais em Portugal, arbitrais e judiciais, que se pronunciaram em relação a dividendos distribuídos à Autora em outros exercícios, bem como o Advogado-Geral do TJUE no processo que se encontra pendente neste a propósito do thema decidendum;

h)      O Tribunal Arbitral pronunciou-se ainda negativamente sobre a invocação pela AT (i) das cláusulas de “Tax Carve-Out” do artigo 89.º do Acordo com a Tunísia (ii) razões de interesse geral para justificar a restrição imposta pelo actual artigo 51.º do CIRC à liberdade de circulação de capitais com base no artigo 65.º do TFUE; (iii), ausência de mecanismos de troca de informações, tendo em todos os casos considerado não ser aplicáveis quaisquer desses argumentos no caso concreto;

i)       A interpretação a que chegou esse Tribunal Arbitral foi depois secundada ao nível do TJUE nas Conclusões do Advogado-Geral Melchior Wathelet, em caso em que se discutem os dividendos distribuídos em 2009 à Autora (cf. Doc. n.º 4), que também concluiu pela total procedência dos argumentos desta;

j)       Mais recentemente, no acórdão proferido a 15 de Julho de 2016 no âmbito do processo n.º 567/2015-T (cf. Doc. n.º 5), o Tribunal Arbitral reiterou a sua jurisprudência anterior, tendo novamente concluído que «procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, por incompatibilidade do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC [actual artigo 51.º, n.º 1 do CIRC] com o artigo 63.ª do TFUE, na parte em que restringe a eliminação da dupla tributação económica através da isenções dos dividendos aos sujeitos passivos residentes em Portugal, Estados-Membros da União Europeia ou Estados do EEE, com a consequente anulação dos actos tributários objecto de pronúncia arbitral»;

k)      Também o Tribunal Tributário de Lisboa na sentença proferida em 31 de Outubro de 2015 na impugnação judicial no Proc. …/11… BEALM «sufragou na íntegra» a já citada decisão arbitral proferida no processo n.º 22/2013-T, e deu «como nossa a fundamentação da identificada decisão arbitral, tendo por base o princípio da congruência decisória da justiça» (cf. pp. 22 e 23 Doc. n.º 6);

l)       Pelo que é hoje inequívoco concluir no sentido de que, no caso em apreço, deveria ter sido aplicado à ora Autora o regime de eliminação integral – 100% – da dupla tributação económica previsto no então artigo 51.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”);

m)   Em suma, seja por via do direito convencional – os acordos Euro-Mediterrânicos celebrados com a Tunísia e com o Líbano – ou por via do direito primário europeu – o TFUE – não há razões para não aplicar aos lucros com origem na Tunísia e no Líbano o regime de eliminação da dupla tributação económica previsto na lei doméstica à data dos factos;

n)      Durante o exercício de 2012, a ora Autora detinha uma participação social na subsidiária na Tunísia – a B…– de 98,72%, conforme o atesta o Relatório do Conselho de Administração e, em particular, as Demonstrações Financeiras Consolidadas – do exercício de 2012 do Grupo C… e D…, (documentos que ora se juntam enquanto Docs. n.os 7 e 8);

o)      E que lhe rendeu, no ano de 2012, dividendos de €621.921,32, conforme o atestam a declaração periódica de rendimentos da Autora que ora se junta como Doc. n.º 2;

p)      Por sua vez, e no mesmo exercício de 2012 a Autora detinha também participações sociais significativas na sua subsidiária no Líbano – a E… – que correspondiam a um total de 50,67% do respetivo capital, sendo 28,64% detido diretamente, e 22,03% detido indiretamente, isto é, através de outras sociedades dominadas pela Autora (vide Relatório do Conselho de Administração e, em particular, as Demonstrações Financeiras Consolidadas – pp. 171 e pp-. 76– do exercício de 2012 do Grupo C… e D… já junto enquanto Doc. n.os 7 e 8);

q)      E que lhe garantiram, no ano de 2012, um dividendo de €3.300.209,37, conforme o atestam a declaração periódica de rendimentos da Autora;

r)       Ora, tanto os dividendos distribuídos pela sociedade tunisina como pela sociedade libanesa foram sujeitos, de acordo com a letra da lei doméstica, a tributação ordinária em Portugal à taxa normal de IRC, tendo por isso concorrido para a determinação do lucro tributável da Autora;

s)      Efetivamente, a Requerente recebeu no total dividendos de € 112.286.830,69 em 2012, tendo apenas beneficiado da eliminação da dupla tributação económica o montante de €108.364.700,00 (cf. Quadro 07 – Campo 771 da Mod. 22 Individual da A… do Doc. n.º 2);

t)       Ora, a diferença entre os dividendos que beneficiariam da eliminação da dupla tributação económica e os dividendos totais recebidos pela A… nesse exercício é de €3.922.130,69, ou seja, precisamente os dividendos recebidos da sociedade tunisina e libanesa;

u)      O que significa que os mesmos não beneficiaram, tout court, quer das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas no CIRC;

v)      Quer das regras sobre essa matéria previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”);

w)    Isto quando tais lucros foram efetivamente sujeitos a imposto na Tunísia, à taxa de 30%;

x)      E efetivamente sujeitos a imposto no Líbano, a uma taxa não inferior a 60% da taxa portuguesa, in casu uma taxa de imposto de 15%;

y)      Por outro lado, segundo a Requerente, o tax carve-out constante daquele artigo 89.º do Acordo com a Tunísia não é, nestes termos, suscetível de prejudicar o direito da Autora à eliminação integral da dupla tributação que incidiu sobre os dividendos que recebeu da sua subsidiária tunisina, em conformidade com a jurisprudência (acórdão arbitral, já referido, de 12 de Setembro de 2013 proferido no âmbito do processo n.º 22/2013-T, o que foi também reafirmado no acórdão do CAAD de 15 de Julho de 2016 no âmbito do processo n.º 567/2015-T e ainda na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa em 31 de Outubro de 2015 na impugnação judicial no Proc. …/11…BEALM, a qual subscreveu na íntegra a fundamentação primeiro acórdão arbitral);

z)      Também o tax carve-out constante do artigo 103.º do Acordo com o Líbano não é suscetível de prejudicar o direito da Autora à eliminação integral da dupla tributação que incidiu sobre os dividendos que recebeu da sua subsidiária no Líbano;

aa)  Em suma, o Tribunal de Justiça veio tornar inequívoco, de uma vez por todas, que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade residente num Estado‑Membro e que detenha uma participação numa sociedade residente num país terceiro que lhe confere uma influência certa nas decisões desta última sociedade e lhe permite determinar as suas atividades pode invocar o artigo 63.° TFUE para pôr em causa a conformidade com esta disposição de uma legislação do referido Estado‑Membro relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários do referido país terceiro, não exclusivamente aplicável às situações em que a sociedade‑mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos[2] (sublinhado da Autora);

bb)  Trata-se de um imperativo de boa-fé – artigo 31.º, n.º 1 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – que impede os Estados-Membros de invocar a cláusula de salvaguarda do direito primário da UE perante um incumprimento dos compromissos assumidos nos acordos Euro-Mediterrânicos[3];

cc)  Pelo que, em suma, a eficácia do controlo fiscal não pode servir aqui de causa de justificação às restrições;

dd)  Finalmente, também não se afigura razoável sustentar que a impossibilidade de deduzir os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes aos lucros distribuídos pelas subsidiárias na Tunísia e no Líbano possa constituir, nem sequer indiretamente, uma forma de prevenir a evasão, a fraude ou o abuso fiscais.

ee)  A Requerente termina pedindo: serem integralmente deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B… e pela E…, à autora no montante de €3.922.130,69, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal, com fundamento nos dois Acordos Euro-Mediterrânicos que estabelecem, cada um deles, uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados –membros, por um lado, e a República da Tunísia e o Líbano, por outro;

Subsidiariamente; i) serem integralmente deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B… e pela E…, à autora no montante de €3.922.130,69, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal, com fundamento no artigo 63.º, n.º1, do TFUE, antigo artigo 56.º, n.º1, do Tratado da Comunidade Europeia;

Subsidiariamente aos pedidos supramencionados, serem integralmente deduzidos os rendimentos distribuídos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B… e pela E…, à autora no montante de €3.922.130,69, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes nos Palop e em Timor –Leste, com fundamento no artigo 63.º, n.º1, do TUFE, antigo 56.º, n.º1, do Tratado da Comunidade Europeia, com as devidas consequências fiscais.

5.      A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

5.1.   Por exceção

A) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa

a)      Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT, à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhado nosso);

b)      Nesta circunstância, resulta que na situação sub judice, para que o presente Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT;

c)      Com efeito, a jurisprudência tem provido o entendimento, que não se questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento;

d)      Todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT;

e)      Em suma, esta interpretação, além de ser a que decorre da expressão literal “(…), o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;

f)       Pelo que, também neste termos, em face de todo o exposto, afigura-se inconstitucional o artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, na interpretação normativa segundo a qual nas «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da norma não o permitem (aquela está outrossim construída sob a necessária identidade dos mecanismos processuais aí especificamente elencados).

B) Da não sindicabilidade do pedido da Requerente em sede de procedimento gracioso de revisão oficiosa

a)      A Requerente deduziu, nos termos do artigo 78.º, n.º 2 da LGT, pedido de revisão oficiosa de ato tributário de “autoliquidação” em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2012, por erro na autoliquidação, invocando, para tanto, como único fundamento, vício de violação de lei, por alegada incompatibilidade do artigo 51.º do Código do IRC com o direito comunitário e o direito internacional público;

b)      Segundo a Requerida “não deve caber à Administração desaplicar ou recusar a aplicação de uma norma constante do ordenamento jurídico interno com mero fundamento na sua incompatibilidade com o direito comunitário”, uma vez que “a competência relativa à interpretação do direito comunitário cabe exclusivamente ao Tribunal de Justiça”;

c)      “(…) atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de revisão oficiosa e, não havendo, à data do pedido e da prolação da decisão pela AT, sequer um ato claro no sentido da interpretação do direito nacional face ao disposto no direito comunitário, não tinha a AT como desaplicar o direito interno, atenta a obediência ao princípio da legalidade (cf. artigo 266.º da CRP, artigo 3.º do CPA e artigo 55.º da LGT);

d)      Consequentemente, se não pode a AT rever oficiosamente um ato tributário com fundamento em violação do direito comunitário, obviamente que, pelo menos na ausência de norma legal que inequivocamente o licencie, não poderá igualmente fazê-lo a pedido do contribuinte, ora Requerente;

e)      Deste modo, em face da não sindicabilidade do pedido da Requerente em sede de procedimento gracioso de revisão oficiosa deve, em consequência, ser a Requerida absolvida do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

5.2.   Por impugnação

a)      “Importa atentar que “conforme se afirma naquele acórdão do TJUE, acórdão do TJUE”, proferido no processo C-446/14 “«não foi celebrada nenhuma convenção de assistência mútua entre a República Portuguesa e a República do Líbano» (cf. parágrafo 69 do acórdão no processo C-446/14, destaque nosso);

b)      Assim, como o TJUE bem concluiu, o Líbano não se encontra vinculado com o Estado Português à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade;

c)      Assim, importa que se dê como provado que, à data dos factos (bem como até à presente data), não existe entre Portugal e o Líbano, Convenção para evitar a Dupla Tributação[4], nem Acordo para Troca de Informações em Matéria Fiscal[5], nem esse País é signatário de Protocolo com Portugal em matéria de Assistência Mútua Administrativa[6];

d)      Importa ainda notar que, não se encontra provado nos autos o alegado pela Requerente nos artigos 106.º e 107.º do pedido arbitral, isto é, que os lucros distribuídos à Requerente pelas sociedades tunisina e libanesa tenham efetivamente sido sujeitos a imposto nos respetivos países de residência (nem sequer que as sociedades estejam aí sujeitas a imposto);

e)      É que, embora a Requerente alegue que os lucros a si distribuídos pelas sociedades tunisina e libanesa foram efetivamente sujeitos a imposto nestes países, a verdade é que se limita a juntar, em sede arbitral, relatórios de contas daquelas sociedades (meros documentos particulares, portanto), sem, contudo, juntar qualquer documento emitido pelas respetivas autoridades fiscais desses países;

f)       Tanto mais que, relativamente ao Líbano, mesmo que essa prova por documento particular pudesse ser, de algum modo relevada (o que se admite por mera cautela e dever de representação), a verdade é que afigura-se impossível, quer à AT, quer ao presente Tribunal, verificar do valor da prova produzida pelo Requerente para efeito de preenchimento dos requisitos relativos à sujeição a imposto e a tributação efetiva (artigo 51.º, n.º 1 e 10 do Código do IRC);

g)      Para Requerida, o ónus da prova se encontrava acometido ao contribuinte não foi cumprido (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 02-02-2010 (processo n.º 01959/07);

h)      Em suma, a Requerida louvando-se no Acórdão do TJUE no processo C-446/14 defende que “a recusa em conceder uma dedução integral dos rendimentos correspondentes a lucros distribuídos por sociedades tunisinas e libanesas (porque a parcial já não se encontra prevista em 2012), é, em princípio, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, contudo pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais”;

i)       (…) reitera-se, pois, a conclusão de que, contrariamente ao pugnado pela Requerente no pedido arbitral, concluiu já o TJUE que «a recusa em conceder uma dedução integral… pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais», por força da aplicação do disposto no artigo 65.º do TFUE;

j)       Assim sendo, cai por terra o peticionado pela Requerente relativamente à dedução integral dos rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela E…, com residência no Líbano, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal, seja qual for o fundamento invocado pela Requerente.

6.       A Requerente respondeu à matéria de exceção, invocando, em síntese, o seguinte:

Quanto à alegada incompetência material dos Tribunais Arbitrais para apreciar atos de indeferimento expresso de pedidos de revisão oficiosa, alega a Requerente que está hoje plenamente resolvido e decidido pacificamente pela jurisprudência arbitral e a sua invocação apenas ilustra um certo desespero da AT neste pleito após a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Desde cedo, contra a pretensão da AT de restringir para além do disposto na lei a competências dos Tribunais Arbitrais, a que se auto-vinculou, se firmou jurisprudência no sentido de que «o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa» (cf. Decisão Arbitral de 17.05.2013, proferida no Proc. n.º 117/2013-T pelo Juiz-Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro-Presidente), Prof. Dr. Diogo Leite Campos e o Dr. Victor Simões).

Efetivamente, é hoje jurisprudência pacífica que «A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária é duplamente limitada, quer pelo RJAT (artigo 2.º, n.º 1), quer pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Analisadas as disposições legais de ambos os diplomas não se vislumbra qualquer limitação à competência do Tribunal para “apreciar as pretensões relativas a decisões do procedimento de revisão”. Mas mais, da Lei de autorização legislativa (Lei 3-B/2010, de 28 de Abril), que subjaz ao RJAT, resulta uma equiparação de competências entre o processo de impugnação judicial e o processo arbitral. Esta equiparação é patente artigo 124.º n.º 2 da referida Lei de autorização legislativa em que se determina que “O processo arbitral tributário deve constituir um meio judicial alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”. Ora, se inexistem dúvidas que a impugnação judicial é meio processual idóneo para conhecimento da legalidade de actos de liquidação de imposto na sequência da prolação de decisão em procedimento de revisão oficiosa, também o será o pedido de pronúncia arbitral, por força da referida equiparação» (cf. Decisão Arbitral de 29.01.2016, proferida no Proc. 322/2015-T pela Juiz-Conselheira Fernanda Maças (Árbitro-Presidente), Dr. Hélder Faustino e Dr. Francisco Furtado Carvalho).

Já quanto à exceção decorrente de uma alegada «não sindicabilidade» do pedido da Autora em sede de revisão oficiosa, importa primeiro recordar que a revisão oficiosa dos atos de autoliquidação não é uma faculdade da AT pois, nas palavras do STA, estamos perante um verdadeiro «dever legal de revisão oficiosa» (cf. Acórdão do STA de 11.05.2005, Proc. n.º 0319/05, na qual foi proferido pelo Juízes Conselheiros Brandão de Pinho (relator), Vítor Meira e Jorge Lopes de Sousa).

Mais, que esse «dever legal de revisão oficiosa» inclui precisamente os casos de «erro imputável aos serviços» no qual se compreendem os casos em que «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro» (cf. Acórdão do STA de 12.12.2001, Proc. n.º 0319/05, na qual foi relator o Juíz-Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).

Efetivamente, «as possibilidades de reacção dos particulares contra actos ilegais de liquidação de tributos, quando está em causa a violação de normas de direito comunitário não se esgotam na impugnação judicial» (cf. cit. Acórdão do STA de 12.12.2001, Proc. n.º 0319/05).

 

7.      Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 12 de junho de 2017 para o efeito da prolação do acórdão.

8.      Depois de notificadas as Partes para produzir alegações, veio a Requerente formular pedido de junção de documentos aos presentes autos, tendo a Requerida se pronunciado no sentido da inadmissibilidade de tal junção. A prova documental cuja junção foi requerida tinha por objeto factos alegados pelo Sujeito Passivo no seu requerimento inicial, verificando-se que, não tendo o Sujeito Passivo anexado os documentos em causa ao seu articulado inicial, não procedeu, também, à junção dessa prova documental aos autos, nos termos do disposto no artigo 423.º do CPC, aplicável com as devidas aplicações. Por despacho, de 21 de março, que se dá por reproduzido, para os devidos efeito, o tribunal não admitiu a referida junção, devendo “os documentos indevidamente anexados, na presente instância, pelo Sujeito Passivo, ser desentranhados dos autos”.

9.      A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, tendo a primeira alegado que a contestação consubstancia, na quase totalidade, uma fundamentação a posteriori.

 

II.                Saneamento

 

1.      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

2.      O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

3.      O processo não enferma de nulidades.

4.      São suscitadas pela AT as seguintes exceções:

4.1.   Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

A AT sustenta, em suma, que o art. 2.º, al. a) da portaria 112-A/2011, de 22/3, mediante a qual ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos previstos nos art. 131.º a 133.º do CPPT. Entendimento que, para a AT, além do elemento literal, se impõe “por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cfr. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade (cfr. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT” (38.º Resposta). “Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la” (40.º Resposta). 

O Requerente, em exercício do contraditório que lhe foi concedido quanto à exceção, defendeu a improcedência da exceção invocando jurisprudência do CAAD em sentido divergente ao sustentado pela ART.

Vejamos:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 10/2011, de 20/1 (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, já que o art. 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. Ou seja, “o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º [do RJAT] que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011 (…)”, cfr. Ac. TCAS de 28/4/2016 (proc. 09286/16, relatora: Anabela Russo).

Sucede que na al. a) do art. 2.º da portaria n.º 112-A/2011 são expressamente excluídos do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ou seja, comparando a portaria de vinculação com o RJAT, aquela é mais exigente do que este, por acrescentar um requisito para delimitar abstratamente o objeto da vinculação da AT à jurisdição arbitral.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, processo n.º 143/2016-T, “A respeito da natureza da portaria, há quem entenda que aí reside fundamentalmente um acto decisório da Administração, de manifestação voluntária de consentimento à vinculação ao RJAT, e nas restrições ao objeto uma “limitação concreta”, ainda que “manifestada em termos de disposição genérica” (cfr. foi entendimento maioritário no Ac. 236/2013 de 22/4/2014, ou 364/2014 de 19/12/2014, ambos do CAAD). Há por outro lado quem deixe transparecer um entendimento mais regulamentar (normativo) da portaria (jurisprudência maioritária). “Não obstante existirem elementos sugestivos para ambos as posições, consideramos que sobressai o caráter regulamentar da portaria, sobretudo quanto ao objeto da vinculação, que se projeta em todos os litígios a dirimir por via da arbitragem tributária. E nessa medida, essa parte da portaria configura-se como um regulamento administrativo, que se integra no RJAT.

“O que antes se disse serve para parametrizar a seleção de critérios interpretativos. Dada a natureza da portaria, deverá ser adotada uma orientação subjetivista, sendo de prevalecer a aceção do texto normativo que melhor corresponda ao pensamento real do “legislador”, em que se privilegie o elemento teleológico, a finalidade da disposição estatuída.

“Ora o que carece de especial labor interpretativo é a exigência de “via administrativa” necessária (prévia), “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

“Desde logo, em obediência a esses mesmos “termos”, previstos no art. 131.º CPPT, o requisito de via administrativa prévia será apenas aplicável aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa. De facto, no caso de autoliquidações, exige-se a reclamação graciosa, mas apenas em casos de erros que não se fundem exclusivamente em matéria de direito, e em que as autoliquidações hajam sido efetuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (cfr. n.º 1 e n.º 3 do art. 131.º CPPT)[7].

“O sentido útil da portaria, face ao estabelecido no RJAT, a vontade do legislador, foi o de assegurar que o contribuinte não recorre ao Tribunal “(…) antes de qualquer tomada de posição da administração sobre a situação gerada com o ato do contribuinte (…) pois não é detetável, ainda, qualquer litígio”[8] [9]. Assim se percebe que sejam excluídos da exigência de reclamação os casos previstos no art. 131.º n.º 3 CPPT, visto que nesses a AT já se pronunciou, a priori, através de “orientações genéricas”.”

Regressando ao pedido de pronúncia arbitral, recorde-se que o mesmo surge como culminar de um processo iniciado com um pedido de revisão oficiosa, expressamente indeferido. A Requerente não recorreu, portanto, a uma “reclamação graciosa”, antes recorreu diretamente ao pedido de revisão, e fê-lo mais de dois anos após a declaração de autoliquidação.

Contudo, o que verdadeiramente importa é que, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, é igualmente proporcionada à AT, com esse pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do contribuinte, antes de este recorrer à via jurisdicional. Logo, por “coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do art. 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa[10] (…) não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa” [11].

Face ao exposto, conclui-se[12] que a portaria n.º 112-A/2011, ao referir expressamente o artigo 131.º do CPPT quanto a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disse imperfeitamente o que pretendia. Querendo impor a apreciação administrativa necessária à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabou por fazer referência expressa ao artigo 131.º, esquecendo-se que esta via não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos. A interpretação sufragada é a interpretação a que melhor traduz a vontade do “legislador” e que não colide quaisquer princípios constitucionais, nem põe em crise a “indisponibilidade dos créditos tributários”.

Aliás a invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários será possivelmente um lapso, já que ao decidir sobre a sua competência, relevante apenas enquanto pressuposto processual, o Tribunal Arbitral não está seguramente a praticar qualquer ato de disposição de um crédito tributário, no sentido do invocado art. 30.º n.º 2 LGT.

Por outro lado, excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade.

É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…” . 

Na senda do mencionado Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “o Indeferimento, tácito ou expresso, do pedido de revisão é suscetível de controlo judicial [cfr. art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT]”.

É, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação.

Pelos fundamentos expostos improcede o argumento da AT no sentido da inconstitucionalidade do art. 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 na interpretação sufragada por este tribunal.

Termos em que improcede, assim, esta exceção de incompetência.

5.      Da não sindicabilidade do pedido da Requerente em sede de procedimento gracioso de revisão.

Quanto a esta exceção, a Requerida invoca, em síntese, não caber à AT rever oficiosamente um ato tributário com fundamento em violação do direito comunitário, na ausência de norma legal que o permita. Ora, a Requerida entra em manifesta contradição porque, na verdade, em sede de indeferimento a AT apreciou verdadeiramente se existia ou não uma essa violação concluindo que essa mesma violação não existia. Ora, é essa mesma interpretação que afinal fundamenta o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a Requerente aqui impugna.

Assim sendo, a proceder a tese da Requerida, também os tribunais ficariam impedidos de reapreciar as decisões da AT com base nesse fundamento o que acarretaria ofensa do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes.

Termos em que improcede igualmente esta exceção suscitada pela Requerida.

6.      Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.             Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      A Autora era em 2012 a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo D…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto e regulado no artigo 69.º e ss. do Código do IRC;

b)      Durante o exercício de 2012, a ora Autora detinha uma participação social na subsidiária na Tunísia – a B…– de 98,72%, conforme o atesta o Relatório do Conselho de Administração e, em particular, as Demonstrações Financeiras Consolidadas – do exercício de 2012 do Grupo C… e D…, (documentos que ora se juntam enquanto Docs. n.os 7 e 8);

c)      Participação essa que detém desde 2000 (vide pp. 171 e 76 das Demonstrações Financeiras Consolidadas);

d)     E que lhe rendeu, no ano de 2012, dividendos de €621.921,32, conforme o atestam a declaração periódica de rendimentos da Autora que ora se junta como Doc. n.º 2.;

e)      Subsidiária tunisina que se dedica, tal como a Autora, à produção e comercialização de … e que no ano fiscal em apreço – 2012 – apresentou um volume de negócios de 117.391 mil dinares tunisinos (cerca de 61,9 milhões de Euros), ao mesmo tempo que contava, à data, com 290 trabalhadores nos seus quadros (conforme se poderá verificar pelo relatório e contas da sociedade em apreço e que ora se junta como Doc. n.º 9);

f)       No mesmo exercício de 2012 a Autora detinha também participações sociais significativas na sua subsidiária no Líbano – a E…– que correspondiam a um total de 50,67% do respetivo capital, sendo 28,64% detido diretamente, e 22,03% detido indiretamente, isto é, através de outras sociedades dominadas pela Autora (vide Relatório do Conselho de Administração e, em particular, as Demonstrações Financeiras Consolidadas – pp. 171 e pp-. 76– do exercício de 2012 do Grupo C… e D… já junto enquanto Doc. n.os 7 e 8);

g)      Participações que detém, sensivelmente nestas percentagens, desde 2007 (vide pp. 171 e 76 das Demonstrações Financeiras Consolidadas);

h)      E que lhe garantiram, no ano de 2012, um dividendo de €3.300.209,37, conforme o atestam a declaração periódica de rendimentos da Autora;

i)       Por sua vez, também esta subsidiária se dedica à produção e comercialização de …, tendo apresentado no ano fiscal de 2012 um volume de negócios de 160.471.843 libras libanesas (cerca de 82,9 milhões de Euros) ao mesmo tempo de que contava, à data, com 430 trabalhadores (conforme se poderá igualmente verificar pelo relatório e contas da sociedade que ora se junta como Doc. n.º 10);

j)       Os dividendos distribuídos quer pela sociedade tunisina quer pela sociedade libanesa foram sujeitos, de acordo com a letra da lei doméstica, a tributação ordinária em Portugal à taxa normal de IRC, tendo por isso concorrido para a determinação do lucro tributável da Autora;

k)      A Requerente recebeu no total dividendos de € 112.286.830,69 em 2012, tendo apenas beneficiado da eliminação da dupla tributação económica o montante de €108.364.700,00 (cf. Quadro 07 – Campo 771 da Mod. 22 Individual da A… do Doc. n.º 2);

l)       A diferença entre os dividendos que beneficiariam da eliminação da dupla tributação económica e os dividendos totais recebidos pela A… nesse exercício é de €3.922.130,69, ou seja, precisamente os dividendos recebidos da sociedade tunisina e libanesa;

m)   Aos dividendos em apreço não foi reconhecida qualquer possibilidade de beneficiar de um regime de eliminação da dupla tributação económica;

n)      A Autora entregou no dia 31 de Maio de 2013 a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação do referido imposto (incluindo a derrama consequente), sendo que em 29 de Maio de 2014 apresentou ainda modificações a essa autoliquidação mediante a submissão de declaração de substituição;

o)      O valor do IRC, incluindo tributações autónomas, e da derrama consequente, autoliquidado, encontra-se pago;

p)      Em 30-03-2016, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do ato tributário de “autoliquidação” em matéria de IRC relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2012, consubstanciado na “Liquidação” n.º 2013…, de 11-06-2013;

q)      Pelo Ofício n.º…, de 19-05-2016, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cf. fls. 126 e seguintes do processo administrativo). Na referida informação pode ler-se, desde logo, entre o mais, que «(…) a matéria em crise é de natureza exclusivamente jurídica e prende-se com o enquadramento jurídico-tributário a aplicar aos dividendos recebidos pela “A…” no exercício de 2012, relativos às suas subsidiárias com residência fiscal na Tunísia e no Líbano”». Tendo concluído que a legislação nacional se opõe, frontalmente, à aplicação do artigo 51.º do CIRC quando a entidade que distribua os lucros seja residente num Estado terceiro. Em síntese, naquele projeto de decisão, após explicitação do regime de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, e depois de enunciar os pressupostos previstos no artigo 51.º do Código do IRC, vem a concluir-se :«que não estão preenchidos os requisitos para a Requerente beneficiar da aplicação do art.º 51.º do CIRC.», pois que «ao dispor nesses termos, a legislação nacional opõe-se, frontalmente, à aplicação do mesmo regime, quando a entidade que distribui os lucros seja residente num Estado terceiro.»;

r)       Em adição e, remetendo para o Parecer n.º 79/09 de 14-10-2009, do Centro de Estudos Fiscais, cujas conclusões naquele projeto de indeferimento se transcrevem, vem concluir-se que: «Em suma, à luz do quadro factual e legal à data vigente em sede de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos decorrente dos artigos 51.º do CIRC e 42.º do EBF bem como da doutrina administrativa fixada no citado Parecer n.º 79/09, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, afigura-se que deve ser indeferido o pedido de Revisão Oficiosa do acto de autoliquidação, apresentado pelo sujeito passivo “A…” com referência ao IRC do exercício de 2012»;

s)      Tendo sido proferida decisão final de indeferimento, conforme despacho, de 23-06-2016, da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (por delegação de competências);

t)       Pelo Ofício n.º…, de 23-06-2016, a Requerente foi notificada desta decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, por não se conformar com a mesma, deduziu o presente pedido arbitral;

u)      Não existe entre Portugal e o Líbano Acordo para Troca de Informações em Matéria Fiscal (http//:info. portaldasfinanças.gov.pt/informação_fiscal/ATIF).

 

  1. Factos não provados 

Não se formula juízo probatório quanto ao facto de a Requerente não ter feito prova do pagamento de imposto sobre os dividendos recebidos na Tunísia e no Líbano, pois tal matéria não foi apreciada na decisão do pedido de revisão oficiosa que é o objeto imediato do processo e cujo conteúdo limita os poderes de cognição do Tribunal em contencioso de anulação.

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 A factualidade provada teve por base a convicção formada com base na posição assumida pelas partes e na prova documental junta aos autos pela Requerente com o pedido arbitral e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos que fazem parte do processo administrativo junto aos autos.

 

3.1.Matéria de Direito

3.1.1.      Fixação do objeto do pedido de pronúncia arbitral

 

Veio a Requerente, nas alegações, invocar, ente o mais, que “a Resposta da AT é, com todo o respeito, praticamente in totum inadmissível e irrelevante para este pleito ao consubstanciar na sua quase totalidade uma fundamentação a posteriori do acto de indeferimento impugnado pela A… .”

Nos casos em que, na sequência de uma autoliquidação, foi proferida uma decisão de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa, é esta que fica a subsistir na ordem jurídica como ato que define a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 628/2014-T, “a questão que se coloca ao Tribunal Arbitral num processo contencioso de mera anulação em que foi proferida uma decisão de reclamação graciosa, a qual apreciou a legalidade de um ato de autoliquidação, é a de saber se os fundamentos invocados nessa decisão asseguram ou não tal legalidade.  

“Com efeito, como é jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori”.

“Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são a sua alternativa (artigo 124.º, n.º2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de aferir-se da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

            Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apreciar se ela deveria ser indeferida por outras razões (), embora a Administração Tributária não fique impedida de, em novo acto, poder invocar outros fundamentos.

            Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da sua legalidade e, indirectamente, da sua autoliquidação, o que no caso em apreço se reconduz a saber se os fundamentos invocados naquela decisão justificam que a autoliquidação tivesse sido efectuada de forma que foi”.

Aplicando ao caso dos autos a jurisprudência mencionada, verifica-se que a Requerente defendeu no pedido de revisão oficiosa que os dividendos distribuídos pela sociedade tunisina como pela sociedade libanesa “não beneficiaram, tout court, quer das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas no CIRC, quer das regras sobre essa matéria previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”)”. Quando “tais lucros”, segundo a ora Requerente “foram efetivamente sujeitos a imposto na Tunísia, à taxa de 30%” e “[e]fetivamente sujeitos a imposto no Líbano, a uma taxa não inferior a 60% da taxa portuguesa, in casu uma taxa de imposto de 15%”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, como vimos, indeferiu o pedido da revisão oficiosa, no essencial, com a seguinte fundamentação: “«a matéria em crise é de natureza exclusivamente jurídica e prende-se com o enquadramento jurídico-tributário a aplicar aos dividendos recebidos pela “A…” no exercício de 2012, relativo às suas subsidiárias com residência fiscal na Tunísia e Líbano»” (cfr. pp. 4 da Informação n.º 104-AIR2/2016 que fundamenta o ato de indeferimento junto aos Autos com o Processo Administrativo).

Mais adiante, depois de enunciar os pressupostos previstos no artigo 51.º do Código do IRC, pode ler-se: «que não estão preenchidos os requisitos para a Requerente beneficiar da aplicação do art.º 51.º do CIRC.», pois que «ao dispor nesses termos, a legislação nacional opõe-se, frontalmente, à aplicação do mesmo regime, quando a entidade que distribui os lucros seja residente num Estado terceiro.»; (…) «fica mais clara a intenção do legislador [a]quando do alargamento do mesmo regime aos Estados da “EFTA”; Noruega, Islândia e Liechtenstein que teve lugar já em 2010 […] quando acrescentou ainda, que nestes casos, só se aplica se o Estado em causa estiver vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia e desde que quer a entidade participante, quer a participada reúnam condições equiparáveis às estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/43 5/CEE […] reforçando assim a ideia que o legislador quis impor cláusulas de salvaguarda de forma a restringir a aplicação deste regime mesmo a estes Estados, cuja aplicação está especificamente prevista na lei, e, incongruentemente, na perspetiva da Requerente, este mesmo regime deveria ser um regime completamente aberto a Estados terceiros, caso da Tunísia e do Libano, sem previsão nem tipificação na lei fiscal portuguesa, mas com aplicação direta sem quaisquer cláusulas de salvaguarda ou restrições.[…]; Tão pouco se verificam os pressupostos para a aplicação ao caso em apreço do artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), uma vez que nem a Tunísia nem o Líbano se incluem na estatuição da referida norma, que prevê a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por sociedades residentes nos países africanos de língua oficial portuguesa e na República Democrática de Timor-Leste.

Por esta fundamentação, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que as sociedades tunisinas e libanesas detidas pela A… são efetivamente tributadas na Tunísia e no Líbano nem a falta de prova quanto ao pagamento de imposto sobre os dividendos recebidos. Pelo contrário, realce-se a fundamentação do ato de indeferimento da revisão oficiosa no sentido de que a questão dos autos «é de natureza exclusivamente jurídica». 

Importa, aliás, notar que é expressamente referido pela Requerida nos autos (quer na Contestação quer mais desenvolvidamente nas alegações), que “tendo sido na decisão do pedido de revisão oficiosa, desde logo afastada a aplicação do regime previsto no artigo 51.º do Código do IRC, consequentemente não se procedeu à análise da aplicação em concreto deste regime, pois o conhecimento desta questão ficou, necessariamente, prejudicado pela solução dada à primeira”. “Daí, inevitavelmente, a referência de que a questão se reportava a matéria de natureza exclusivamente de direito. Pelo que, atento, (…) não se sabe como explicar melhor que a análise dos pressupostos concretos de aplicação do regime previsto no artigo 51.º do Código do IRC estava vedada, por inútil, atenta a conclusão na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de que o regime não era, desde logo, aplicável à situação em análise” (pontos 84 a 86 das alegações).

Ante o exposto, interpretando a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa conclui-se que a AT se limitou a indeferiu o pedido mediante invocação de normas em abstrato sem arguir quaisquer factos relativos ao caso concreto demonstrativos da não verificação dos requisitos constantes do art. 51.º do CIRC. Segundo aquela fundamentação, o pleito assenta no mero «enquadramento jurídico-tributário» da situação questionando-se exclusivamente se são as regras domésticas em vigor em 2012 relativas à tributação de lucros recebidos por uma sociedade portuguesa das suas subsidiárias na Tunísia e no Líbano conformes com o Direito Internacional Público e com o Direito da União Europeia ao qual Portugal se encontrava – e encontra ainda – vinculado.

É, pois, à face da fundamentação que o acompanha que se há-de apreciar a legalidade do ato tributário impugnado, o que torna irrelevantes, para este efeito, a fundamentação a posteriori que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio colocar em sede de Contestação.    

 

 

3.1.2.      Apreciação da legalidade do ato tributário impugnado

 

            Entrando na análise do mérito da causa, apreciar-se-ão, prioritariamente, os pedidos principais, só se passando a apreciar os pedidos subsidiários se improcederem aqueles. Com efeito, os pedidos subsidiários só devem ser tomados em consideração no caso de não proceder um pedido anterior [artigo 554.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

            Existe uma decisão arbitral sobre uma questão em tudo idêntica àquela sobre a qual importa decidir, constante do acórdão do CAAD proferido em 12 de setembro de 2013, no âmbito do processo n.º 22/2013-T. Atenta a inteira bondade dos fundamentos dessa decisão, este tribunal aderirá por completo a eles, transcrevendo-os, em grande medida, com pequeníssimas alterações. A adoção da fundamentação de direito do acórdão n.º 22/2013-T será pontuada por várias referências ao acórdão C-446/14 … contra a Fazenda Pública, de 24 de novembro de 2016, incluindo as conclusões de 27 de janeiro de 2016 do Advogado-Geral Melchior Wathelet (doravante Advogado-Geral), dado que nesse processo se discutem exatamente as mesmas questões sobre que este tribunal terá de proferir uma decisão, sendo a única diferença verdadeiramente relevante o ano a que dizem respeito os dividendos a considerar.

 

 

 

3.1.2.1.Questão da dedutibilidade integral dos rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B… e da  E… à Requerente

            A principal questão a decidir nos presentes autos arbitrais é a de saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

3.1.2.1.1.      Enquadramento

            De acordo com a legislação portuguesa aplicável à liquidação que se questiona, de um modo geral, sempre que uma sociedade participa no capital de outra sociedade e, nesse contexto, beneficia de uma distribuição de lucros por parte da sociedade participada, esses lucros são incluídos na sua base tributária. Isto é, são considerados como fazendo parte dos rendimentos da sociedade que deles beneficia. A incorporação desses lucros no lucro tributável da sociedade beneficiária gera uma dupla tributação económica, uma vez que o mesmo lucro é tributado na esfera de duas pessoas jurídicas distintas. No sentido de obviar a esta dupla tributação e aos efeitos negativos que tem sobre a atividade económica o legislador fiscal criou alguns mecanismos.

            O mecanismo do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, que a requerente pretende ver ser-lhe aplicado, elimina a dupla tributação económica ao permitir deduzir aos rendimentos incluídos na base tributável os lucros distribuídos, desde que sejam preenchidos vários requisitos. Exige para isso que (i) a sociedade que distribui os lucros tenha a sede e direção efetiva em Portugal ou num Estado da União Europeia (51.º, n.º 5), (ii) esteja sujeita a imposto sobre o rendimento; (iii) a sociedade beneficiária não se encontre abrangida pelo regime da transparência fiscal e (iv) detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10%, tendo esta permanecido na titularidade da beneficiária, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros, ou se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

            O mecanismo descrito e de que a requerente pretende beneficiar, tal como resulta da letra da lei, pode apenas ser aplicado a sociedades que preencham os requisitos descritos, designadamente (i) o que concerne ao montante e duração da participação detida nas sociedades que distribuem os lucros, (ii) o relativo à sujeição a tributação das sociedades: B… (doravante sociedade tunisina) e E… (doravante sociedade libanesa)] e (iii) o respeitante ao facto de a Requerente não estar sujeita a transparência fiscal ─ a sociedade tunisina e a sociedade libanesa não têm residência em Portugal ou num Estado-Membro.

 

3.1.2.1.2.      Direito da União Europeia

            Não obstante a limitação decorrente da letra da lei, é possível conceber que, por via do Direito da União Europeia, se possa alargar, no plano abstrato, sem cuidar de saber se os requisitos do 51.º do CIRC estarão ou não preenchidos, o âmbito de aplicação do mecanismo do artigo 51.º. do CIRC. Pois, como é sabido, apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia[13]. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente: (i) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE); (ii) a livre circulação de trabalhadores (artigos 45.º e seguintes do TFUE); (iii) a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º e seguintes do TFUE); (iv) a liberdade de prestação de serviços (artigo 56.º e seguintes do TFUE) e (v) a livre circulação de capital (artigo 63.º e seguintes do TFUE). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades.

 

3.1.2.1.3.       Liberdade de circulação de capitais

           

            Tendo como base o circunstancialismo da situação em análise, designadamente o recorte do mecanismo de eliminação da dupla tributação constante do artigo 51.º do CIRC, constata-se que a aplicação desse artigo, unicamente a sociedades com residência na União Europeia ou em Portugal que distribuam lucros, representa, à primeira vista, uma violação da liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE). Esta liberdade é, aliás, a única que se aplica também face a Estados terceiros, sendo neste momento pacífico que o seu conteúdo é exatamente o mesmo quando estão em causa Estados-Membros e Estados terceiros. Consequentemente, as restrições a esta liberdade são proibidas independentemente de estarem em causa Estados-membros ou Estado terceiros[14], exatamente da mesma forma, sendo as situações perfeitamente comparáveis. Dito de outro modo, todas as restrições relativas à circulação de capital e pagamentos entre os Estados-Membros e entre estes e países terceiros são proibidas[15].

            A sustentação de que, de facto, a não aplicação do regime do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC aos dividendos distribuídos pelas sociedades tunisina e libanesa corresponde a uma situação de discriminação intolerável face à livre circulação de capitais (ao dissuadir os contribuintes tributados em Portugal de investir o seu capital na Tunísia e Líbano) pressupõe, consequentemente, por um lado que o artigo 63.º do TFUE seja aplicável a essas situações e por outro que, sendo esse o caso, e havendo, portanto, discriminação, não seja aplicável a cláusula de reserva ou não haja uma justificação válida para essa discriminação.

            Para responder à primeira questão, isto é, saber se o artigo 51.º está ou não abrangido pelo âmbito da liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE) é necessário esclarecer desde logo se tanto a aquisição de partes sociais numa sociedade como o pagamento de dividendos decorrentes dessa operação quadram ou não com essa liberdade.

            Não há uma definição de «circulação de capital» no Tratado. Importa relevar, no entanto, que o TJ confirmou em vários acórdãos, ao fazer uma lista não exaustiva dos movimentos de capital, que a terminologia aplicada a esses movimentos no Anexo I da Diretiva do Conselho 88/361/ CEE, de 24 de Junho de 1988, para a implementação do antigo artigo 67.º do TCE, hoje revogado, ainda tem alguma relevância. Nesse contexto o TJ decidiu que podem ser reconduzidos aos movimentos de capitais no contexto do artigo 63.º, nomeadamente, os investimentos ditos «diretos», a saber, os investimentos sob a forma de participação numa empresa pela detenção de ações que confere a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo, assim como os investimentos ditos «de carteira», isto é, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objetivo de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa[16].

            Segundo o TJ as restrições aos movimentos de capitais aludidos abrangem «não só as medidas nacionais que, quando aplicadas a movimentos de capitais com destino a países terceiros ou deles provenientes, restringem o estabelecimento ou os investimentos mas também as que restringem os pagamentos de dividendos deles decorrentes»[17].

            Decorre, como consequência do exposto, nas palavras do próprio TJ que «uma sociedade residente num Estado-Membro e que detenha uma participação numa sociedade residente num país terceiro que lhe confere uma influência certa nas decisões desta última sociedade e lhe permite determinar as suas atividades pode invocar o artigo 63.º TFUE para pôr em causa a conformidade com esta disposição de uma legislação do referido Estado-Membro relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários do referido país terceiro, não exclusivamente aplicável às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos»[18].

            Relativamente à última parte do excerto transcrito, cumpre sublinhar que apesar de em termos históricos, até pela sua relação com a Diretiva sociedades-mãe/sociedades afiliadas, ser concebível a ideia de que o artigo 51.º, n.º 1 do CIRC teria na origem em vista situações de controlo ou influência efetiva, hoje, porém, não obstante poder haver essa preponderância, surge como claro que não se refere exclusivamente a essas situações. Desde logo porque 10% do capital, dependendo da maior ou menor dispersão deste, não garantem um controlo efetivo. Não se pode, por conseguinte, de modo algum dizer que o artigo 51.º, n.º 1 do CIRC se aplica de forma exclusiva às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos. Com efeito, o TJ já declarou que uma participação desta importância não implica necessariamente que o titular dessa participação exerça uma influência efetiva nas decisões da sociedade de que é acionista[19].  

Resulta claro, portanto, que o artigo 51.º do CIRC é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de um Estado em conceder eliminação da dupla tributação a dividendos com origem na Tunísia e no Líbano, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constitui, uma discriminação[20]. Pois, como é óbvio, essa disposição limita a aquisição de ações nas sociedades desses países, o que não pode ser permitido. Neste sentido o TJ afirmou: «Uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado‑Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos da sua base tributável quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado‑Membro, mas não pode proceder a essa dedução quando a sociedade distribuidora é residente num país terceiro, constitui uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.° TFUE»[21].

            Salienta a este propósito o Advogado-Geral que «…a legislação portuguesa em causa no processo principal não distingue os dividendos recebidos por uma sociedade residente com base numa participação que lhe confere uma influência certa sobre as decisões da sociedade que procede à distribuição desses dividendos, e que lhe permite condicionar as atividades desta, dos dividendos recebidos com base numa participação que não lhe confere tal influência»[22] e que «consequentemente, no que diz respeito ao Tratado FUE, o presente processo está abrangido pela livre circulação de capitais»[23]. Ideias corroboradas pelo TJ ao dizer:

«Uma vez que a legislação em causa no processo principal não tem por objeto aplicar‑se exclusivamente às situações em que a sociedade beneficiária exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, há que considerar que uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 63.° TFUE, relativo à livre circulação de capitais»[24].

«Por conseguinte, numa situação como a que está em causa no processo principal, uma sociedade estabelecida em Portugal que recebe dividendos de sociedade estabelecidas, respetivamente, na Tunísia e no Líbano pode invocar o artigo 63.° TFUE para impugnar o tratamento fiscal reservado a esses dividendos no referido Estado‑Membro com base numa legislação que não tem por objeto aplicar‑se exclusivamente às situações em que a sociedade beneficiária exerce uma influência decisiva sobre a sociedade distribuidora»[25].

 

3.1.2.1.4.      Cláusula de Salvaguarda

           

            Verificada a suscetibilidade de aplicação do artigo 63.º do TFUE é necessário, todavia, antes de retirar daí consequências plenas, verificar ainda se é suscetível de ser aplicada a cláusula de salvaguarda do artigo 64.º do TFUE. Este artigo permite que, existindo restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação a certos movimentos de capitais com países terceiros que envolvam, entre outras operações, o investimento direto (situação de que cuidamos), seja possível obstar à livre circulação de capitais. Isto porque «o objetivo e o contexto jurídico da liberalização dos movimentos de capitais são diferentes consoante se trate das relações entre Estados-Membros e países terceiros ou da livre circulação de capitais entre Estados-Membros, [assim] estes consideraram necessário prever cláusulas de salvaguarda e exceções que se aplicam especificamente aos movimentos de capitais com destino ou provenientes de países terceiros»[26]. A cláusula de salvaguarda tem em vista, ao cabo e ao resto, permitir algum controlo por parte dos Estados, dado que a liberdade de circulação de capitais é normalmente assegurada unilateralmente e sem reciprocidade.

Independentemente de a regra portuguesa que exclui os dividendos distribuídos por sociedades de Estados terceiros do mecanismo da dupla tributação económica configurar ou não uma disposição conforme aos requisitos do artigo 64.º do TFUE, a existência e o teor dos Acordos Euro-Mediterrânico celebrados com a Tunísia e Líbano sempre impediriam a aplicação dessa cláusula de salvaguarda às situações envolvendo sociedades tunisinas e libanesas. Convém lembrar que, o direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (artigo 8.º, n.º 2 da CRP). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais.

            Os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n.os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa.

            Aliás, os acordos celebrados com a Tunísia e o Líbano, enquanto tratados mistos, ou seja, tratados celebrados conjuntamente pela União Europeia (na altura Comunidade Europeia) e os Estados-Membros é fonte de Direito por duas vias, enquanto Direito da União Europeia[27] e enquanto Direito Internacional de incorporação automática no nosso sistema jurídico.

            Não obstante estes acordos terem essencialmente em vista a liberalização a nível das liberdades económicas fundamentais e evitar a discriminação, é-lhes ínsita, dada a abrangência dessas liberdades, a questão fiscal pelo impacto que tem sobre elas. O facto de os acordos com Tunísia e o Líbano incorporarem cláusulas que especificamente fazem referência aos impostos atesta isso mesmo. São exemplo aquelas que permitem às partes, designadamente, o direito de distinguir residentes e não residentes para efeitos de tributação. Ora, só faz obviamente sentido a inclusão de cláusulas deste tipo se os acordos como os celebrados com a Tunísia e o Líbano tiverem impacto na legislação fiscal dos Estados signatários. O facto de terem sido assinados pelos vários Estados-Membros, e, portanto, também por Portugal, assegura que lhes subjaz um exercício de uma indiscutível e plena soberania fiscal, o que reforça o seu efeito direto.

            Importa salientar que, anteriormente à assinatura destes acordos, a livre circulação de capitais da Tunísia e do Líbano para Portugal e outros Estados-Membros já estava assegurada; com a eventual aplicação da cláusula de salvaguarda, é certo, mas já existia. Pelo que somos forçados a concluir que o objetivo dos acordos com a Tunísia e o Líbano, à semelhança do que se passou com outros países relativamente aos quais se seguiu o mesmo modelo de acordo, era essencialmente assegurar a reciprocidade desta liberdade. Concretamente, no que respeitava aos investimentos diretos provenientes da União Europeia.

O artigo 34.° do acordo com a Tunísia, constante do Capítulo I, com a epígrafe «Pagamentos correntes e circulação de capitais», do respetivo Título IV, intitulado «Pagamentos, capitais, concorrência e outras disposições em matéria económica», dispõe:

«1. No que respeita às transações da balança de capitais, [a União] e a Tunísia assegurarão, a partir da entrada em vigor do presente acordo, a livre circulação de capitais respeitante aos investimentos diretos na Tunísia, efetuados em sociedades constituídas de acordo com a legislação em vigor, bem como a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos e de quaisquer lucros deles resultantes.

 

2. As partes consultar‑se‑ão a fim de facilitar a circulação de capitais entre [a União] e a Tunísia e de a liberalizarem integralmente quando estiverem reunidas as condições necessárias.»

           

O preceito transcrito não se limitou, realce-se, a referir aos investimentos diretos na Tunísia, assegurando relativamente a eles a livre circulação. Veio consagrar ainda, expressamente, que «a Comunidade e a Tunísia assegurarão…a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos [diretos] e de quaisquer lucros deles resultantes».

            Por sua vez, o artigo 31.° do acordo CE‑Líbano, constante do Capítulo 1, com a epígrafe «Pagamentos correntes e circulação de capitais», do respetivo Título IV, intitulado «Pagamentos, capitais, concorrência e outras disposições em matéria económica», dispõe:

«No âmbito do presente acordo e sob reserva do disposto nos artigos 33.° e 34.°, não serão impostas restrições à circulação de capitais entre [a União], por um lado, e o Líbano, por outro, nem efetuadas discriminações baseadas na nacionalidade ou no local de residência dos respetivos nacionais ou no local de investimento dos referidos capitais.»

 

Prevendo, por sua vez, o artigo 33.°, constante do mesmo Capítulo 1 desse acordo:

 

«1. Sob reserva de outras disposições do presente acordo e de outras obrigações internacionais da [União] e do Líbano, o disposto nos artigos 31.° e 32.° não prejudica a aplicação de qualquer restrição existente entre as partes à data de entrada em vigor do presente acordo, relativamente à circulação de capitais entre elas que envolva investimento direto, incluindo em bens imóveis, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários aos mercados de capitais.

2. Contudo, a transferência para o estrangeiro de investimentos feitos no Líbano por residentes [na União] ou na [União] por residentes libaneses ou de lucros deles decorrentes não será afetada.»

 

Não obstante haver diferenças a nível da redação dos preceitos disciplinam os investimentos diretos e repatriamento dos lucros deles resultantes, a solução que propugnam é a mesma. Isto porque, apesar o artigo 31.° do Acordo CE‑Líbano assegurar a livre circulação de capitais «sob reserva [do artigo] 33.° […]», que dispõe, no seu n.° 1, que:

 «[o artigo] 31.° […] não prejudica a aplicação de qualquer restrição existente entre as partes à data de entrada em vigor do presente acordo, relativamente à circulação de capitais entre elas que envolva investimento direto, incluindo em bens imóveis, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários aos mercados de capitais».

O n.° 2 do referido artigo acrescenta que:

 «[c]ontudo, a transferência para o estrangeiro de investimentos feitos no Líbano por residentes [na União] ou na [União] por residentes libaneses ou de lucros deles decorrentes não será afetada»[28].

 

Ora, tendo em conta que a solução que resulta das disposições transcritas já decorria, em abstrato, da liberdade de circulação de capitais assegurada a Estados terceiros (sem prejuízo da aplicação de legislação enquadrável na cláusula de salvaguarda ou outras restrições aceites) tem de se inferir desta referência, partindo do pressuposto que os acordos por regra não são redundantes, a conclusão seguinte. Pelo menos no que se refere à circulação de capitais referentes a investimentos diretos envolvendo a Tunísia e o Líbano, as disposições suscetíveis de ser validadas pela cláusula de salvaguarda, isto é, as que estivessem em vigor em 31 de Dezembro de 1993, deixam de ser aplicadas. Resulta claro que uma das implicações que decorre quer do artigo 34.º n.º 1 do acordo com a Tunísia, que entrou em vigor no dia 1 de Março de 1998, quer do artigo 31.º do acordo com o Líbano, que entrou em vigor no dia 1 de abril de 2006, tem de ser esta, representando estes artigos sugestivas clarificações a esse respeito. Enquanto normas subsequentes às normas vigentes em 1993, que revestem natureza superior e que além disso assumem natureza especial, sobrepõe-se necessariamente a elas, pelo que afastam uma eventual cláusula de salvaguarda que pudesse impedir a aplicação plena da liberdade de circulação de capitais relativos a investimentos diretos na Tunísia e Líbano.

O Advogado-Geral afirmou a este respeito que «[d]e facto, o artigo 64.° TFUE permite, mas não impõe, a aplicação entre Estados‑Membros e países terceiros de restrições aos movimentos de capitais em vigor em 31 de dezembro de 1993. Por conseguinte, nada impede que os Estados‑Membros renunciem a tais restrições unilateralmente ou … no âmbito de um acordo internacional, na totalidade (como no Acordo CE‑Tunísia) ou parcialmente (como no acordo CE‑Líbano)»[29]. Posicionamento integralmente confirmado pelo TJ na decisão do processo ao dizer que «um Estado‑Membro renuncia à faculdade prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE, quando, sem revogar ou alterar formalmente a legislação existente, celebra um acordo internacional, como um acordo de associação, que prevê, numa disposição com efeito direto, a liberalização de uma categoria de capitais referida nesse artigo 64.°, n.° 1; por conseguinte, esta alteração do quadro jurídico deve ser equiparada, quanto aos seus efeitos na possibilidade de invocar o artigo 64.°, n.° 1, TFUE, à introdução de uma legislação nova, que assenta numa lógica diferente da legislação existente»[30].

            Aliás, outra não podia ser a consequência, sob pena de os acordos com a Tunísia e o Líbano verem totalmente frustrados os objetivos que claramente pretendem atingir no que concerne à liberdade de circulação de capitais quando estejam em causa investimentos diretos. Convém não esquecer que uma das razões para a consagração da cláusula de salvaguarda contante do artigo 64.º do TFUE foi certamente a inexistência de reciprocidade por parte dos Estados terceiros no que concerne à liberdade de circulação de capitais. Ora, estando esta assegurada relativamente à Tunísia e Líbano, deixa de fazer sentido a aplicação da cláusula de salvaguarda nas relações com estes países. Esta interpretação é, além de tudo o mais, a única consentânea com a observância do princípio da boa fé[31], incontornável na interpretação dos tratados, e que certamente impede que uma das partes no acordo o ponha em causa ao manter uma disposição com ele incompatível.

A solução veiculada pressupõe, no entanto, que o artigo 34.º, n.º 1, do acordo com Tunísia, e o artigo 31.º do acordo com o Líbano, depois de tida em atenção a sua natureza, contexto, clareza e precisão da redação de cada um deles, possam ser aplicados diretamente sem necessidade da adoção de qualquer medida subsequente[32]. Considerados todos esses requisitos, com destaque para os objetivos e contexto em que os acordos foram celebrados, somos levados a concluir que os artigos em causa podem ser aplicados diretamente. Em sintonia, aliás, com o que Advogado-Geral afirmou expressamente: ─ «considero que os artigos 34.° do Acordo CE‑Tunísia e 31.° do Acordo CE‑Líbano têm um efeito direto que pode ser invocado pela A...»[33] quer com o decidido pelo TJ[34].

            Relativamente à questão de saber se a criação de um regime de benefícios fiscais específicos para os dividendos provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor-Leste, nos termos do artigo 42.º EBF, implicaria a impossibilidade de invocar a cláusula de salvaguarda constante do artigo 64.º TFUE, consideramos que não. Criar uma exceção à regra, num enquadramento específico como é o das relações entre Portugal e esses países, não implica seguramente uma alteração da regra que permanece a mesma tal como consta do artigo 46.º do CIRC. Só se este artigo passasse a assumir uma lógica distinta, instituindo procedimentos novos, rompendo com o direito anterior é que poderia ser concebível a impossibilidade de invocação da cláusula de salvaguarda[35], o que manifestamente não parece ser o caso. Em sintonia, aliás, com o Advogado-Geral que afirma que «[n]ão pode concluir‑se que, ao adotar esses regimes específicos, a República portuguesa decidiu abandonar a possibilidade de invocar a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64.° TFUE, cujo alcance pode ser limitado»[36], tendo este posicionamento sido secundado pelo TJ[37].

 

3.1.2.1.5.      Implicações do artigo 89.º do acordo celebrado com a Tunísia e do artigo 85.º do acordo celebrado com o Líbano (Carve-out clauses)

 

            Importa agora determinar se o artigo 89.º do acordo com a Tunísia e o artigo 85.º do acordo com o Líbano põe em causa o afastamento do regime discriminatório do artigo 46.º do CIRC, impedindo eventualmente que o artigo 34.º, n.º 1, do acordo com a Tunísia e o artigo 31.º do acordo com o Líbano sejam interpretados no sentido que acabámos de lhes dar.

              O artigo 89.° do acordo com a Tunísia, constante do Capítulo I do respetivo Título VIII, com a epígrafe «Disposições institucionais, gerais e finais», dispõe:

 

«Nenhuma disposição do presente acordo pode ter por efeito:

 

–  aumentar as vantagens concedidas por uma parte no domínio fiscal em qualquer acordo ou convénio internacional que vincula essa mesma parte,

– impedir a adoção ou a aplicação por uma parte de qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscal,

– impedir o direito de uma parte de aplicar as disposições relevantes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontram em situação idêntica no que respeita ao seu local de residência.»

           

O artigo 85.° do referido acordo com o Líbano, constante do Título VIII, com a epígrafe «Disposições institucionais, gerais e finais», dispõe:

«Quanto à fiscalidade direta, nada no presente acordo pode ter por efeito:

a) Aumentar as vantagens fiscais concedidas por uma das partes em qualquer acordo ou convénio internacional que a vincule;

b) Impedir a adoção ou a aplicação por uma parte de qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscais;

c) Impedir qualquer das partes de aplicar as disposições pertinentes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontrem em situação idêntica, nomeadamente no que respeita ao seu local de residência.»

 

            Atendendo à identidade das duas disposições, faremos a análise dos seus efeitos de forma conjunta.

            O primeiro efeito que os artigos transcritos querem prevenir é tão-só que através do acordo se aumentem as vantagens fiscais concedidas por qualquer uma das partes (União Europeia, Estados-Membros, Tunísia e Líbano) no âmbito de qualquer acordo ou convénio que tenham celebrado. Isto é, o que se pretende é circunscrever as vantagens fiscais que decorram dos acordos com a Tunísia e o Líbano às relações entre as partes e não estendê-lo a outros Estados com quem tenham celebrado convénio ou acordos. Pretende-se, portanto, impedir que no plano fiscal e na decorrência de um tratado seja admitida a aplicação do princípio da nação mais favorecida[38]. Esse efeito não tem, por conseguinte, tanto em vista os convénios que vinculem as partes contratantes entre si, mas convénios com Estados terceiros, pelo que não se infere daí qualquer impedimento à não aplicação da eventual cláusula de salvaguarda às situações de investimento direto na Tunísia e no Líbano.

            Neste sentido pronunciou-se o Advogado-Geral ao dizer «a propósito do artigo 89.°, primeiro travessão, do Acordo CE‑Tunísia …considero, tal como a Comissão, que o objeto dessa disposição é evitar que uma norma prevista numa convenção preventiva da dupla tributação celebrada pela República portuguesa com outro Estado que não a República da Tunísia seja extensível a um residente tunisino cujo Estado de residência não seja parte nessa convenção. Ora, a A… não visa obter uma vantagem concedida por uma convenção em matéria de dupla tributação que a República portuguesa tenha celebrado com outro Estado que não a República da Tunísia. O mesmo se aplica ao artigo 85.°, alínea a), do Acordo CE‑Líbano»[39]. Posicionamento corroborado pelo TJ[40].

            O segundo efeito que pretende impedir que os acordos com a Tunísia e com o Líbano ponham em causa a aplicação de medidas que contrariem a fraude ou evasão fiscal, não é suscetível de quadrar com a situação de que tratamos, não tendo sido sequer levantada essa questão ou verificada a existência de indícios de qualquer situação de evasão ou fraude.

Mesmo que uma eventual situação desse tipo se verificasse, os artigos em análise jamais teriam como efeito impedir que fossem tomadas medidas de reação, transcendo o sentido último e enquadramento de cada um deles qualquer entendimento com esse conteúdo. Também o Advogado-Geral, confirmou este entendimento ao dizer que: «Os artigos 89.°, segundo travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 85.°, alínea b), do Acordo CE‑Líbano permitem às partes nesses acordos adotar ou aplicar qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscal. Contudo, como não existe nenhuma alegação de fraude ou de evasão fiscal no presente processo, as referidas disposições não se aplicam»[41]. No mesmo sentido decidiu o TJ[42].

            O terceiro efeito, finalmente, também não levanta qualquer obstáculo à leitura preconizada a propósito dos efeitos do artigo 34.º, n.º 1, do acordo com a Tunísia e do artigo 31.º do acordo com Líbano. Pois, apesar de se permitir que as partes possam distinguir os contribuintes em função da condição de residente, essa distinção não pode jamais ser arbitrária ou redundar num tratamento discriminatório de situações comparáveis em termos objetivos, sob pena de, à revelia do espírito dos próprios acordos, fazer letra morta dos referidos artigos 34.º, n.º 1 e 31.º. Para não falar da violação flagrante do próprio direito da União Europeia que proíbe tanto a discriminação direta como a indireta. A primeira é feita com base na nacionalidade e a segunda assenta normalmente num critério que leva ao mesmo resultado. Curiosamente o TJ sustentou a este propósito que quando distinções com base na residência privem os não residentes de certos benefícios que são garantidos aos residentes podem constituir uma discriminação indireta com base na nacionalidade[43], o que é especialmente relevante para o caso que se julga, na medida em que um tratamento distinto das sociedades tunisinas teria precisamente esses efeitos.

            O mesmo tipo de argumentação pode ser aplicado relativamente à A…, tal como o fez o Advogado-Geral.

            «[A] A… é uma sociedade residente em Portugal e as disposições em causa não permitem que, nessa qualidade, seja vítima de discriminação com base no local da residência das suas afiliadas. A este respeito, recordo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça de acordo com a qual ‘a situação de uma sociedade acionista que recebe dividendos de origem estrangeira é comparável à de uma sociedade acionista que recebe dividendos de origem nacional, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma tributação em cadeia’[44] (44). Além disso, não há qualquer dúvida de que a A… se encontra numa situação objetivamente comparável à de um contribuinte português que receba dividendos de origem portuguesa ou de um Estado‑Membro da União ou do EEE. Consequentemente, uma diferença de tratamento como a que resulta da legislação portuguesa em questão no processo principal constitui uma restrição proibida pelos artigos 34.° do Acordo CE‑Tunísia e 31.° do Acordo CE‑Líbano»[45].

            O artigo 89.º do acordo com a Tunísia e o artigo 85.º do acordo com o Líbano não põem, portanto, em causa a liberdade de circulação de capital quando estejam em causa investimentos diretos, assegurando antes reciprocidade na proteção desta liberdade, em concordância com o espírito dos próprios acordos.

            Em concordância com este entendimento o Advogado-Geral expressou a seguinte opinião: «Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça responda … que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que não permite a dedução integral ou parcial, conforme o caso, de dividendos recebidos de sociedades cuja sede ou direção efetiva se situe fora da União ou do EEE, não pode basear‑se nem no artigo 89.° do Acordo CE‑Tunísia nem no artigo 85.° do Acordo CE‑Líbano»[46].

Opinião integralmente secundada pelo TJ na decisão do processo[47].

 

3.1.3.      Outras justificações

 

Constatado que nem a cláusula de reserva constante do artigo 64.º do TFUE nem os artigos 89.º do acordo com a Tunísia e o 85.ºdo acordo com o Líbano têm como efeito pôr em causa a liberdade de circulação de capitais relativa a investimentos diretos feitos na Tunísia e Líbano, resta determinar se a razão invocada pela Autoridade Tributária para justificar a restrição à liberdade de circulação de capitais ao abrigo de razões de interesse geral (artigo 65.º do TFUE) – concretamente, facilitar os controlos fiscais – pode ou não ser aceite. Esta justificação já foi aceite nas relações entre Estados-Membros no célebre caso Futura participations[48]. Contudo, sempre que o argumento dos controlos fiscais tem em vista essencialmente a dificuldade em obter informações e estão em causa Estados-Membros, essa justificação não tem sucesso, pois a Diretiva sobre a troca de informações 2011/16/UE[49] obriga esses Estados a cooperar uns com os outros.

Quando estão em causa Estados terceiros a situação tem uma natureza distinta, desde logo porque estes não estão vinculados por essa diretiva, pelo que, tal como já aconteceu num caso com muitas afinidades com o que se decide, a justificação foi aceite. No acórdão Skatteverket v A o TJ decidiu «que, quando a legislação de um Estado-Membro faz depender uma vantagem fiscal [isenção do imposto sobre o rendimento de dividendos distribuídos sob a forma de ações de um filial] de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado-Membro pode, em princípio, recusar-se a conceder essa vantagem se for impossível obter essas informações junto desse país terceiro, designadamente por não existir para esse país a obrigação convencional de fornecer informações»[50].

A este propósito o Advogado-Geral salienta que «[t]endo em conta que me parece altamente improvável que os redatores dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano tenham pretendido conceder liberdade total aos movimentos de capitais entre a União e esses dois países, enquanto podiam ser impostas determinadas restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros ou entre os Estados‑Membros e os países terceiros, considero que uma restrição à livre circulação de capitais não violaria os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano se fosse justificada por uma das razões imperiosas de interesse geral (54), mais precisamente aquelas a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere [eficácia dos controlos fiscais e a luta contra a fraude e a evasão fiscais]»[51]

Relativamente pelo menos à Tunísia, não se levantaria, porém, o problema da obtenção dessas informações, dado que Portugal celebrou com ela uma convenção que prevê a troca de informações[52].  O que aliás é claramente assumido pelo TJ ao dizer: «Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se as obrigações que resultam da Convenção Portugal‑Tunísia são suscetíveis de permitir às autoridades fiscais portuguesas obter junto da República da Tunísia informações que lhes permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os dividendos a imposto. Em caso afirmativo, a restrição que resulta da recusa em conceder a dedução integral ou a dedução parcial, previstas, respetivamente no n.° 1 e no n.° 8 do artigo 46.° do CIRC, não pode ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais»[53].

Relativamente ao Líbano, perante a ausência de comprovação daquele requisito[54] por parte do sujeito passivo, de facto, não seria possível obter essa informação diretamente junto das suas autoridades fiscais, dada a inexistência de um qualquer mecanismo que previsse a assistência mútua. Consequentemente, haveria, no plano puramente abstrato fundamento para recusar a dedução dos dividendos distribuídos pela filial libanesa.

            No plano concreto, porém, tal como se deu como comprovado, a AT nunca suscitou sequer a questão. Consequentemente, impõe-se que este tribunal se restrinja aos fundamentos apresentados para justificar o ato de indeferimento da revisão oficiosa, não podendo, por conseguinte, considerar fundamentação apresentada a posteriori.

Mesmo numa situação em que a questão tivesse sido levantada, teria forçosamente de se tomar em atenção, por um lado, o facto de o artigo 51.º do CIRC não fazer depender o benefício da isenção da tributação dos dividendos da satisfação de condições cuja observância só possa ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro[55] ─  o que implica, necessariamente, que a concessão desse benefício não possa ser recusada sem que seja dada ao contribuinte a oportunidade de fornecer as informações necessárias[56]. Por outro lado, e por força desse contexto, a AT teria de alegar, também, que a concessão do benefício em causa dependeria da satisfação de condições cuja observância só poderia ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro[57].

Face ao exposto, surge como evidente que, mesmo num enquadramento em que tivesse sido suscitada, em tempo devido, a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais – o que não aconteceu, repita-se ─ a recusa da eliminação da dupla tributação económica por uma legislação como a que está em causa no processo principal não poderia ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral[58].

Atento o conhecimento e a procedência dos argumentos que vêm de ser apreciados, fica prejudicado o conhecimento de todos os pedidos subsidiários formulados pela Requerente.

 

 

  1. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

 

a)      Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Requerida;

b)      Julgar procedente o pedido arbitral deduzido pela Requerente, declarando ilegal a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e, bem assim, a autoliquidação relativa ao exercício de 2012, e, consequentemente,

c)      Anular a referida decisão de indeferimento da revisão oficiosa, bem como a autoliquidação;

d)      Condenar a Requerida em custas.

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €838,347,44.

 

  1.  Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em €11. 934, 00, a cargo da Entidade Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 1 de junho de 2017

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

João Sérgio Ribeiro

 

 

 

Ana Maria Rodrigues

 

 



[1] A redação segue o novo acordo ortográfico, com exceção das transcrições relativas às peças das Partes.

[2] Caso C-35/11, FII 2 §104. No mesmo sentido se pronunciou, depois, o Tribunal de Justiça num caso que envolvia igualmente dividendos com origem em países terceiros: caso C-47/12, Kronos International, §30.

[3] Ribeiro, J. S. “The Potential Impact of Euro-Mediterranean Association Agreements on the Taxation of Inbound Dividends”, European Taxation, 2014 (Volume 54), 4.

[7] Além disso, como se afirma no Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016, “nem se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, tida como desnecessária, não ter sido efetuada”.

[8] Cfr. Lopes de Sousa, Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Ed., p.407.

[9] Adicionalmente, como se refere, no Ac. 617/2015 CAAD já citado, “além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária”.

[10] Cfr. Ac. STA de 12/6/2006 (proc. 0402/06, relator: Jorge de Sousa).

[11] Cfr. Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016.

[12] Cfr. no mesmo sentido Ac. 117/2013, 244/2013, 299/2013, 613/2014, 56/2015, 203/2015 e 617/2015, todos do CAAD.

[13] Cfr. Test Claimants in Class IV of  The ACT Group Litigation, C-374/04, de 12 de dezembro de 2006; Amurta, C-379/05, de 8 de novembro de 2007; Aberdeen Property Fininvest Alpha, C-303/07, de 18 de junho de 2009.

[14] Cfr. Skatteverket v A, C-101/05, de 18 de dezembro de 2007, n.º 31.

[15] Cfr. Centro Equestre da Lezíria Grande, C-345/04, de 15 de fevereiro de 2007; Hollman, C-443/06, de 11de outubro de 2007; Haribo, processos apensos C-436/08 e C437/08 de 10 de fevereiro de 2011, Arens-Sikken, C-43/07, de 11 de setembro de 2008; X e O, processos apensos, C-155/08 e C-157/08, de 1 de junho de 2009; Gaz de France, C-247/08, de 1 de outubro de 2009; Comissão Europeia v República Portuguesa, C-267/09, de 5 de maio de 2011.

[16] Cfr. Comissão Europeia v República Portuguesa, C‑171/08, de 8 de julho de 2010, n.º 49; Manfred Trummer and Peter Mayer, C-222/97, de 16 de março de 1999; Commission v. France, C-483/99, de 4 de junho de 2002; Commission v. United Kingdom, C-98/01, de 13 de maio de 2003; Commission v. Netherlands, casos apensos C-282/04 e C-283/04, de 28 de setembro de 2006.

[17] In Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, de 13 de novembro de 2012, n.º 103; Haribo, processo apensos C-436/08 e C-437/08, de 10 de fevereiro de 2011, n.º 33; Accor, C-310/09, de 15 de setembro de 2011, n.º 30.

[18] In Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, de 13 de novembro, de 2012, n.º 104.

[19]Neste sentido, ver Itelcar, C‑282/12, de 3 de outubro de 2013, n.° 22 e Kronos International, C‑47/12,

 de 11 de setembro de 2014, n.° 35.

[20] Ver Sanz de Lera, C-163/94, de 14 de dezembro de 1995.

[21] In Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 51.

[22] In Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral  Melchior Wathelet, de27 de janeiro de 2016, n.º 63.

[23] In Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 65.

[24] In Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 41.

[25] In Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 44.

[26]  In Skatteverket v A, C-101/05, de 18 de dezembro de 2007, n.º 32.

[27] Haegeman v Belgium, C-181/73, de 30 de abril de 1974.

[28] Cfr. Caso Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral, n.ºs 112 e 113.

[29] In Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral, n.ºs 151.

[30] In Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 92.

[31] Artigo 31.º, n. º 1 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

[32] Cfr. Simutenkov, C-265/03, de 12 de abril de 2005, n.º 21.

[33] In Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 83.

[34] Cfr. Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.ºs 92 e 169.

[35] Cfr. Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, n.° 48; ver, igualmente, neste sentido, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, n.° 192, Holböck, C‑157/05, n.° 41 e A, C‑101/05, n.° 49.

[36] In Secil, C-464/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 163.

[37] Cfr Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.ºs 83 e 84.

[38] Em sintonia, alias com que se tem no domínio da União Europeia. Ver D, C-376/03, de 5 de Julho de 2005.

[39] In Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.ºs 86, 87 e 88.

[40] Ver, no mesmo sentido, Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 144.

[41] In Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.ºs 89 e 90.

[42] Ver, no mesmo sentido, Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 119.

[43] Cfr. Schumacker, C-279/93, de 14 de Fevereiro de 1995.

[44] Cfr. Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑35/11, n.° 37. Ver, igualmente, neste sentido, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, n.° 62 e Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.° 59.

[45] In Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.ºs 94, 95, 109 e 110.

[46] In Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 96.

[47] Ver Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.ºs 121 e 152.

[48] C-250/95, de 15 de Maio de 1997.

[49] Diretiva do Conselho de 15 de Fevereiro de 2011 que veio substituir a Diretiva 77/99/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977.

[50] In Skatteverket v A, C-101/05, de 18 de Dezembro de 2007, n.º 63.

[51] In Skatteverket v A, C-101/05, de 18 de Dezembro de 2007, n.º 125.

[52] Ver artigo 25.º da convenção para eliminar a tributação celebrada entre Portugal e a Tunísia. Cfr. Skatteverket v A, C-101/05, de 18 de Dezembro de 2007, n.º 67.

[53] In Secil, C-464/14, de 24 de novembro, de 2016, n.º 68. O sublinhado é nosso.

[54] Ver sublinhado no parágrafo anterior.

[55] Cfr Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 130.

[56] Cfr Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 135.

[57] Cfr Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 132.

[58] Cfr Secil, C-446/14, opinião do Advogado-Geral, n.º 136.