DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, S.A., sociedade com o NIPC … (doravante apenas designada por Requerente), com sede na Rua …, n.º…, em Lisboa, apresentou, em 01-09-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS), sob os n.º 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, todas relativas ao ano de 2015, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-09-2016.
3.1. A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral colectivo, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.
3.2. Em 10-11-2016 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 30-11-2016.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a requerente alega, em síntese, o seguinte:
Ser uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito, fruto do que, designadamente através de processos de recuperação de crédito, adquire prédios de diferentes espécies.
É proprietária e comproprietária de quatro prédios urbanos, sendo um deles, sito no concelho de Caldas da Rainha, composto por cinco blocos, integrando oito pisos para fins habitacionais, sete para comércio e, ainda, parqueamento, outro, no concelho de Cascais, composto por um terreno para construção que integra, em parte, a área classificada como espaço verde de proteção e conservação e, no remanescente, por área classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN), permitindo construção de edificado com utilidade pública para cerca de 5% do terreno e os outros dois, sitos nos concelhos de Sintra e do Funchal – este em compropriedade – correspondentes a terrenos para construção.
Não se conforma com as liquidações em causa, porquanto:
- A verba 28.1 da TGIS prevê a tributação de prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo VPT, apurado nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000, pelo que, no que respeita a prédio com afectações múltiplas (habitacionais e não habitacionais) não poderá aquela verba ser aplicada.
- Da ratio da verba 28.1 da TGIS retira-se que não se pretende tributar a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, nem de terrenos para construção, quando afectos ao exercício de uma atividade económica.
- O IS sobre a propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS afigura-se inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, todos da C.R.P. .
- Acresce que o IS sobre a propriedade, nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS, afigura-se também inconstitucional por violação do princípio da progressividade previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, ambos da C.R.P.
Conclui, por isso, a requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral que, em qualquer caso, não poderão deixar de ser anuladas por aplicação de norma materialmente inconstitucional.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo suscitado em excepção:
- A insusceptibilidade de, quer a requerida quer o próprio tribunal, procederem à apreciação da pretensão da requerente, uma vez que da decisão do tribunal não poderá resultar a declaração de ilegalidade dos actos tributários, na medida em que o tribunal decisor não tem poderes que lhe permitam considerar ilegal ou inconstitucional a verba 28.1 da TIS.
- A incompetência material do tribunal arbitral uma vez que, por um lado, a natureza de um prédio não é passível de ser discutida em tribunal arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal e a natureza do prédio estar fixada documentalmente. E, por outro lado, por os factos que a requerente pretende questionar, não o ter feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor.
Por impugnação alega que a requerente não prova que os imóveis não têm uma afectação habitacional em exclusivo, sendo certo que as cadernetas prediais vertem sem si os resultados das avaliações que não foram colocadas em causa pela requerente e decorrem dos próprios pedidos da requerente.
No que respeita à tributação dos terrenos para construção com afectação habitacional quando afectos ao exercício de uma uma actividade económica, sustenta que quando a lei fala em proprietário não distingue se é pessoa singular ou empresa.
Acresce que, tendo em consideração as circunstâncias históricas excepcionais que presidiram à elaboração da norma em apreço, a mesma não ofende qualquer princípio constitucional quando de forma geral e abstracta faz incidir o imposto objectivamente, independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário.
Conclui, por isso, a requerida pela legalidade dos actos de liquidação de contestados pelo requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 09-05-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT.
7. As partes apresentaram alegações, tendo mantido as posições vertidas nos respectivos articulados.
II – Saneamento
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. A cumulação de pedidos é legal.
8.5. A Requerida suscitou, a título de excepção:
- a incompetência do tribunal para proceder à apreciação da pretensão da requerente, uma vez que da decisão do tribunal não poderá resultar a declaração de ilegalidade dos actos tributários, na medida em que o tribunal decisor não tem poderes que lhe permitam considerar ilegal ou inconstitucional a verba 28.1 da TIS.
- incompetência material do tribunal arbitral para apreciação do pedido, uma vez que, por um lado, a natureza de um prédio não é passível de ser discutida em tribunal arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal e a natureza do prédio estar fixada documentalmente.
Apreciando tais excepções:
A requerida alega, em primeiro lugar, que a pretensão da requerente colide com os poderes da AT (que não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos art. 266º, n.º 2 da CRP, art. 3º, n.º 1 do CPA e art. 55º da LGT), na medida em que a apreciação da ilegalidade/inconstitucionalidade, que vem invocada, implicaria a violação clara e objectiva dos preceitos legais e a violação da própria Constituição.
Daí que seja o Tribunal Constitucional o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [art. 280º, n.º 2 a) e d) e 281º, n.º 1, a) e b) e n.º 3 da CRP e art. 6º e 66º da Lei do Tribunal Constitucional].
O que implica a incompetência material do tribunal arbitral ou a excepção dilatória de impropriedade do meio, do que decorrerá a absolvição da instância da requerida.
Tenha-se presente que, como diz Rui Morais –Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina - 2012, p. 247 – o autor “… ao concretizar a sua pretensão, define o objeto do processo, as questões sobre as quais pede a pronúncia do tribunal. Pensando apenas nos processos impugnatórios, o autor identificará qual o(s) ato(s) administrativo(s) cuja legalidade põe em causa, exporá os factos consubstanciadores dos vício(s) que lhe(s) aponta e formulará o seu pedido. Temos, em primeiro lugar, que o objeto do processo é circunscrito pelo ato (ou atos) posto em crise” (pag. 247).
É certo que a requerente dedica grande parte do seu extenso articulado à invocação de inconstitucionalidade das normas subjacentes às liquidações impugnadas. Todavia, não formula, no seu pedido, qualquer pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas que fundamentaram as liquidações (pese embora se reconheça que o faz de forma tão exaustiva, como se o pretendesse efectivamente fazer).
Como se diz no Ac. do STA de 21-01-2009 – Proc. 0811/08, “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legítimos protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal … está, por outro lado, excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função politica e legislativa (al. a ) do n.º ,2 do artigo 4º do ETAF)”.
Mais dizendo que “muito embora os tribunais administrativos e fiscais possam não aplicar uma norma que considerem inconstitucional, tal só ocorre a título incidental e não a título principal, pois estes tribunais não têm competência para a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas”.
Entendimento que se acolhe sem qualquer reserva, pelo que o presente tribunal nunca seria competente para a apreciação da constitucionalidade em abstracto das normas em causa.
Não se olvida, todavia, que, como qualquer outro tribunal, tem o tribunal arbitral competência para apreciar qualquer ilegalidade dos actos tributários, designadamente por violação de normas ordinárias ou constitucionais. Aliás, decorre do próprio RJAT, mais propriamente do n.º 1 do art. 25,º que o tribunal arbitral pode/deve recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade .
Posto isto diga-se, de qualquer forma, que, face à forma como está estruturado o pedido de pronúncia arbitral, o deferimento da excepção invocada nunca poderia levar à absolvição da instância.
É que aquela só ocorre quando, verificada uma das excepções previstas na lei, o tribunal fica na impossibilidade de conhecer do mérito da causa.
Sucede que paralelamente à inconstitucionalidade material invocada, a requerente aponta outras ilegalidades aos actos tributários em causa, como a inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS a prédios com afectações múltiplas (habitacionais e não habitacionais) e que a mesma não tem aplicação a prédios urbanos afectos a uma actividade económica.
Do que resulta que, em qualquer circunstância, o processo teria de prosseguir para apreciação do mérito daqueles fundamentos.
Invoca, ainda, a requerida a incompetência material do tribunal arbitral para apreciação do pedido, uma vez que, por um lado, a natureza de um prédio não é passível de ser discutida em tribunal arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal e a natureza do prédio estar fixada documentalmente, não tendo a requerente discutido tempestivamente, em sede própria, tal questão.
Diga-se, salvo o devido respeito, não se vislumbrar o fundamento de tal arguição.
É que não se descortina onde, da análise do pedido de pronúncia (quer do pedido propriamente dito, quer dos fundamentos invocados), pode a requerida sustentar que a requerente pretende discutir a avaliação ou, sequer, a natureza dos prédios sobre o qual incidiu imposto.
Pelo contrário, o que a requerente submete à apreciação do tribunal arbitral é a legalidade da liquidação de imposto do selo relativamente a quatro prédios urbanos de que é proprietária e comproprietária, concluindo o petitório com o pedido de declaração de ilegalidade daquelas liquidações e a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
Não está, por isso, em causa qualquer pedido de alteração da avaliação efectuada aos prédios em causa.
Donde, também neste ponto, improcede a excepção dilatória arguida pela requerida.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO
III.1. Matéria de facto
9. Matéria de facto
9.1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, tendo presente que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:
a) A requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito, adquirindo, designadamente, através de processos de recuperação de crédito, prédios de diferentes espécies;
b) A requerente é proprietária dos seguintes prédios urbanos:
- Prédio 1: em compropriedade, com uma quota parte (74/100) do prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anteriores artigos matriciais n.º…, … e …), constando da respectiva caderneta predial corresponder a “terreno para construção e com Tipo de coeficiente de localização: Habitação”;
- Prédio 2: prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de …-…, … e … (extinta freguesia de …), inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anterior artigo matricial n.º…), constando da respectiva caderneta predial corresponder a “terreno para construção e com Tipo de coeficiente de localização: Habitação”;
- Prédio 3: prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de … e … (extinta freguesia do …), inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anterior artigo matricial n.º…), constando da respectiva caderneta predial corresponder a “terreno para construção e com Tipo de coeficiente de localização: Habitação”;
- Prédio 4: prédio urbano sito no concelho de Sintra, União das Freguesias de … e … (extinta freguesia de …), inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anterior artigo matricial n.º…), constando da respectiva caderneta predial corresponder a “prédio em propriedade total com três pisos sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente com afectação: habitação”;
c) O Departamento de Gestão Territorial da Câmara Municipal de Cascais, emitiu relativamente ao Prédio 3, em 09-08-2006, parecer donde resulta estimar-se para a área total do prédio de 6.120,00 m2 um índice máximo de implantação e de edificabilidade de 306,00 m2, sendo a área remanescente classificada como espaço verde de protecção e conservação e como Reserva Ecológica Nacional (REN);
d) A requerente procedeu ao pagamento das duas primeiras prestações dos impostos liquidados.
9.2. Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida.
9.3. Não se tem por provado que o Prédio 2 seja composto por cinco blocos, integrando oito pisos para fins habitacionais, sete para comércio e parqueamento, porquanto do doc. junto em 10-04-2017 não é possível fazer a correspondência com o mesmo, na medida em que nunca é ali mencionado qual o artigo matricial a que aquele alvará de obras de construção respeita, nem sequer nele é feita referência à requerente que permitisse estabelecer tal ligação.
Inexistem outros factos outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Conforme resulta do pedido arbitral, a requerente manifestou a sua inconformidade com os actos de liquidação impugnados, por discordar da aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios de que é proprietária acima descritos.
Vejamos então:
Os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que estipulava:
-
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
Entretanto, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1-01-2014, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:
-
“Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Daí que, a partir de Janeiro de 2014, os terrenos para construção “com afectação habitacional” passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, tendo o legislador pretendido excluir os imóveis com outras afectações (designadamente, com afectação comercial, industrial ou para serviços).
Do que resulta que um imóvel com afectação não habitacional, ainda que com valor patrimonial superior a 1.000.000,00 €, esteja excluído da tributação em IS pela verba 28.1 da respectiva tabela.
Acontece que o terreno acima descrito como Prédio 3 tem, como resulta do probatório, outras afectações que não apenas a habitacional, sendo que apenas uma pequena parcela da sua área total é edificável tendo a área remanescente outros fins.
Quer isso dizer que esse prédio tem uma afectação múltipla, pelo que, não incidindo IS sobre a parte não habitacional do terreno, ter-se-ia que proceder à anulação parcial do imposto liquidado sobre o mesmo.
Sucede que, como se diz na decisão arbitral proferida no proc. 478/2016-T, de 03-03-2017, que subscrevemos, “não é legalmente possível proceder à liquidação na parte relativa à afectação habitacional do prédio, sob pena de violação do artigo 7º, n.º 2, alínea b) do CIMI. Por outro lado, estar-se-ia a considerar, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, valores que não correspondem ao valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI e, logo, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS), ou seja, estar-se-ia a adoptar um valor patrimonial tributário que não encontra acolhimento na lei” (no mesmo sentido, decisão arbitral proferida no proc. n.º 522/2015-T, de 18-03-2016).
É, por isso, ilegal a liquidação do IS relativamente ao prédio sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de … e … (extinta freguesia do …), inscrito na matriz predial urbana com o n.º…, pelo que procede o pedido da impugnante neste ponto.
Alega também a requerente padecerem todas as liquidações de ilegalidade por erro dos pressupostos de facto e de direito, ao defender que da ratio do art. 28. 1 da TGIS resulta que tal preceito não se destina a tributar a propriedade quando os prédios e terrenos para construção – ambos com afectação habitacional – se encontram afectos ao exercício de uma actividade económica, como é o caso.
Mais do que isso, sustenta que a detenção e fruição de um prédio urbano com afetação habitacional tem como pressuposto que o seu proprietário desde logo o habite (de forma permanente ou meramente esporádica), pelo que não pode senão considerar-se que os prédios urbanos cuja propriedade se pretende tributar nesta sede, têm necessariamente de estar afetos a fins pessoais.
Em suma, o intuito do legislador não seria tributar em sede de IS a propriedade de prédios urbanos que se encontrem afectos ao exercício de uma actividade económica.
Será assim?
Não aceitamos que resulte directamente da letra da lei, nem da sua interpretação teleológica, o entendimento propugnado pela requerente.
Há, todavia, que apurar se, como sustenta a requerente, é inaplicável ao caso a verba 28.1 da TGIS por alegada aplicação inconstitucional da mesma.
A propósito da dúvida de constitucionalidade da norma, já se pronunciaram diversas decisões arbitrais.
Se umas vão no sentido da sua inconstitucionalidade. Veja-se, designadamente, decisão proferida no processo n.º 507/2015-T (quando considera que “a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”).
Outras pronunciam-se em sentido oposto (decisões nos proc. n.º 495/2015-T, 515/2015-T e 516/2015-T).
A questão continua, portanto, debaixo de controvérsia, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, nestes casos, não pode deixar de servir como arrimo principal, não é, ainda, decisiva para o caso em concreto. É que, tendo aquele Tribunal, ajuizado já sobre a constitucionalidade da verba da TGIS em causa, ainda não se pronunciou todavia, pelo menos que este Tribunal Arbitral tenha conhecimento, sobre o específico caso dos terrenos para construção com afectação habitacional…
Em todo o caso, não deixa de ser útil lembrar o que no proc. 543/2014 diz o Tribunal Constitucional e que rebatem os argumentos esgrimidos pela requerente:
- “… da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de factor de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...).
- “Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional”.
- “Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido princípio da equidade social na austeridade”.
- “Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão. Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador”.
Posto isto, tenha-se também presente que o princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva - no qual a requerente alicerça o essencial da sua argumentação – não é um princípio absoluto, antes estando obrigado a conviver com outros princípios e interesses que merecem também ponderação.
Com efeito, a liberdade de que goza o legislador, a quem incumbem tarefas para além das atinentes à fiscalidade, exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.
Por outro lado, o falado princípio também se respeita quando se tratam desigualmente as coisas, o que aliás se impõe quando elas são desiguais.
Tudo para concluir que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma algo diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez.
Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, tratar desigualmente “porque sim”, mas não já quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor.
Essa mesma liberdade de conformação do legislador permite também que ele tenha fixado o valor matricial dos imóveis sujeitos em um milhão ou mais de euros. E que não tenha atendido à soma do património imobiliário, até porque a soma dos valores, eventualmente não muito elevados, de vários imóveis não revela, necessariamente, a mesma capacidade contributiva. E o que vale para uma pessoa singular não deixa de valer para uma pessoa colectiva.
De resto, nada obrigava o legislador a instituir um imposto geral sobre o património, como não instituiu, podendo a sua escolha limitar-se a alguns, mas não necessariamente a todos, dos imóveis de um mesmo proprietário.
Também quando o legislador tributou só os imóveis habitacionais, abstendo-se de fazer incidir imposto do selo sobre os outros afectos a outros fins, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.
Mas, como fundamento decisivo, invoca ainda a requerente a circunstância de a propriedade dos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, não traduz, nos casos das instituições de crédito, qualquer indício de acrescida capacidade contributiva ou de riqueza que possa justificar a sujeição a IS.
Neste ponto propenderíamos a, em tese, acolher a posição defendida pela requerente.
Com a reserva de que tal entendimento não pode ser aplicado de forma indiferenciado a todas as empresas, mas apenas àquelas cujo objecto social e obtenção de proveitos depende dos imóveis.
Com efeito, estando em causa empresas que tenham por objecto a comercialização de imóveis, ofenderá o princípio da igualdade e da capacidade contributiva (com argumentos a contrario dos atrás expendidos) a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios que aquela comercializa.
Posição que, aliás, já subscrevemos na decisão do proc 458/2016-T (no caso a propósito dos Fundos de Investimento Imobiliário), tendo-se aí transcrito o que se havia dito no acórdão arbitral no proc. 507/2015-T:
- É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.
Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.
Por isso, também desta perspectiva, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade”.
E o mesmo entendimento foi já subscrito na decisão arbitral n.º 2/2016–T.
Sucede que não é este o caso da requerente.
A sua actividade nada tem a ver com a comercialização ou gestão de imóveis, pelo que não existe qualquer argumento, designadamente, de natureza constitucional, que vede a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos imóveis de que seja proprietária e relativamente aos quais se verifiquem os requisitos previstos naquele preceito.
Improcede, pois, neste ponto, a pretensão da requerente.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No caso em apreço, no que respeita à liquidação de IS sobre o terreno para construção de que a requerente é proprietária inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anterior artigo matricial n.º…), da União das Freguesias de … e … (extinta freguesia do …), ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Pelo que assiste ao requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto indevidamente pago.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de imposto do selo n.º 2016… relativa ao prédio inscrito na matriz predial urbana com o n.º … (anterior artigo matricial n.º…), da União das Freguesias de … e … (extinta freguesia do …).
b) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago relativamente à referida liquidação, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
c) Julgar improcedente o demais peticionado.
d) Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção de 72% pela requerente e 28% pela requerida.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 47.241,47 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Junho de 2017
O Árbitro
(António Alberto Franco)