Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 203/2013-T
Data da decisão: 2014-04-03  IMI  
Valor do pedido: € 280.564,31
Tema: Aplicabilidade do benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

       Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Suzana Fernandes da Costa e Dra. Maria Antónia Torres (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 28 de Outubro de 2013, acordam no seguinte:

 

      

1.    RELATÓRIO

 

       1.1. A…, contribuinte fiscal n.º …, doravante “Requerente”, representado por B…, pessoa colectiva n.º …, com sede na …, em …, requereu a constituição de tribunal arbitral colectivo, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).

 

       1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de IMI emitido sob n.º …, relativo ao ano 2010, no valor de € 280.546,31, e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que sobre o mesmo foi deduzida, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

       1.3.  A fundamentar o seu pedido alega o Requerente ser-lhe aplicável, com respeito ao ano 2010, a isenção de IMI aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário Fechados (“FIIF”) que estava prevista no artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”)[2], pois, estando em causa um benefício fiscal temporário, o mesmo devia, face ao disposto no artigo 3.º do EBF, vigorar pelo prazo de cinco anos (i.e. até 31 de Dezembro de 2011).

 

       Apesar de ter sido revogada a isenção em causa antes de o referido prazo de cinco anos ter decorrido pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010 (“LOE 2010”), considera o Requerente que, de acordo, quer com os artigos 3.º e 11.º, ambos do EBF, quer com o princípio constitucional da protecção da confiança que lhes está inerente, essa revogação apenas produz efeitos, no caso dos sujeitos passivos que dela (à data) beneficiavam, a partir de 1 de Janeiro de 2012, uma vez que a norma revogatória (LOE 2010) não estabeleceu qualquer regime transitório, utilizando a prerrogativa prevista na parte final do n.º 1 do artigo 11.º do EBF, que determinasse a aplicação imediata da nova redacção aos contribuintes que se encontrassem a aproveitar do benefício fiscal aplicável aos FIIF previsto no mencionado artigo 49.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (LOE 2007).

 

       Na sua resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que a interpretação oferecida pelo Requerente não tem base legal por apenas serem temporários os benefícios fiscais que com essa epígrafe – “Benefícios fiscais com carácter temporário” – integram a Parte III do EBF e não os benefícios fiscais com carácter estrutural a que se refere a Parte II do EBF, na qual se insere o referido artigo 49.º, sendo o prazo referido no artigo 3.º n.º 1 do EBF um prazo de caducidade dos benefícios fiscais que não consubstancia qualquer proibição da sua revogação nos cinco anos posteriores à sua criação.

 

       Não sendo o EBF uma lei reforçada à face do artigo 112.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) vigora o princípio de que a lei posterior derroga a anterior, pelo que o artigo 3.º, n.º 1 do EBF não tem primazia nem se impõe ao legislador fiscal ordinário.

 

       Acresce que o benefício fiscal do artigo 49.º do EBF, não sendo condicionado, não está abrangido pela salvaguarda do artigo 11.º, n.º 1 deste diploma, pelo que a sua eliminação pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010 (LOE 2010) tem efeitos imediatos. Ainda que assim não fosse, o artigo 176.º da referida Lei n.º 3-B/2010 determina a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação[3], devendo entender-se que o legislador afastou expressamente o critério do artigo 11.º, n.º 1 do EBF em matéria de sucessão de normas, sobrepondo-se o referido na segunda parte dessa norma (“salvo quando a lei dispuser em contrário”). 

 

       1.4. No dia 20 de Janeiro de 2014 realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral colectivo prevista no artigo 18.º do RJAT. Não foram identificadas excepções, prescindiu-se da realização de alegações e definiu-se o dia 4 de Abril para prolação da decisão arbitral.

 

 

2.    SANEAMENTO

      

       O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

      

       Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

3.    QUESTÕES A DECIDIR

 

       Está em causa aferir se a revogação efectuada pela Lei n.º 3-B/2010 (LOE 2010) do benefício fiscal – isenção de IMI – que constava do artigo 49.º do EBF, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007), produziu efeitos imediatos ou, diversamente, deve ter os seus efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2012, ao abrigo dos artigos 3.º e 11.º do EBF e do princípio da protecção da confiança, no caso dos sujeitos passivos que à data beneficiassem da referida isenção, como é o caso do Requerente. 

 

 

4.    FACTOS PROVADOS

 

       Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, têm-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A..., aqui Requerente, é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 18 de Outubro de 1999 e cujas unidades de participação eram, em 1 de Novembro de 2006, detidas por investidores qualificados e por investidores não qualificados – cf. Documentos 3 e 4 juntos com o pedido arbitral e processo administrativo (“PA”) 2.

     

  1. Até ao final do ano 2009, o Requerente beneficiou da isenção de IMI prevista no artigo 49.º, n.º 1 do EBF, na redacção dada pelo artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (LOE 2007) e de acordo com o regime transitório constante do artigo 88.º, alínea j) deste diploma – cf. provado por acordo.

 

  1. Na sequência das alterações introduzidas no artigo 49º do EBF pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (LOE 2010) que revogou a isenção de IMI aplicável aos FIIF, a Autoridade Tributária e Aduaneira deixou de aplicar a referida isenção aos FIIF de subscrição particular, tendo emitido ao Requerente as correspondentes liquidações de IMI respeitantes aos anos 2010 e 2011  – cf. Documento 1 junto com o pedido arbitral e PA1 (também provado por acordo).

 

  1. Foi notificada ao Requerente a liquidação de IMI n.º ..., referente ao ano 2010, no valor de € 280.546,31 – cf. Documento 1 junto com o pedido arbitral e PA-1.

 

  1. O Requerente efectuou o pagamento integral da referida liquidação, tendo pago os montantes de € 119.212,36 e € 8.849,34 em 28 de Fevereiro de 2012; o montante de € 64.251,12, em 29 de Maio de 2012; e o montante de € 88.233,49, em 17 de Julho de 2012 – cf. Documentos 1 e 5 a 7 juntos com o pedido arbitral, também provado por acordo.

 

  1. O Requerente deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação de IMI n.º ..., referente a 2010, pugnando pela anulação da mesma com os seguintes fundamentos:

 

  1.     Aproveitou, até ao ano 2009, da isenção de IMI prevista no artigo 49.º do EBF, que veio a ser revogada pela LOE 2010, sem que tivesse sido introduzida qualquer disposição transitória;
  2. Por aplicação do disposto no artigo 3º, n.º 1 do EBF (introduzido em 1 de Janeiro de 2007), a isenção prevista no artigo 49.º, n.º 1 do EBF (LOE 2007) deveria vigorar pelo prazo de cinco anos (i.e. até 31 de Dezembro de 2011);
  3. Apesar de ter sido revogada a isenção (pela LOE 2010) antes de o referido prazo de cinco anos ter decorrido, deve entender-se que de acordo, quer com os artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 e 11.º, n.º 1, ambos do EBF, quer com os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica ínsitos na Constituição da República Portuguesa (“CRP”), essa revogação apenas produz efeitos com relação aos sujeitos passivos que dela beneficiavam a partir de 1 de Janeiro de 2012.

– cf. Documento 8 junto com o pedido arbitral e PA-1.

 

  1. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 27 de Maio de 2013, o qual foi notificado ao Requerente em 30 de Maio de 2013 – cf. Documento 2 junto com o pedido arbitral e PA-2.

 

  1. Constituem fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa (cf. Documento 2 junto com o pedido arbitral e PA-2):

 

  1. O benefício fiscal em causa (i.e. o benefício previsto no artigo 49.º do EBF aplicado de acordo com o regime transitório previsto no artigo 88.º, alínea j) da LOE 2007) “deve ser qualificado como estrutural não beneficiando de qualquer prazo pré-determinado de duração / aplicação”, porquanto o mesmo se encontra incluído na Parte II do EBF sob a epígrafe “Benefícios Fiscais com Carácter Estrutural”, sem que seja feita qualquer referência expressa no artigo 49.º do EBF ao horizonte temporal de duração do benefício, pelo que “não obstante o prazo de caducidade a que está sujeito (artigo 3º do EBF)” não existe qualquer proibição da sua revogação nos cinco anos posteriores à sua criação;
  2. A norma revogatória (i.e. o artigo 109.º da LOE 2010) tem carácter reforçado, “impondo-se a quaisquer outras leis”, pelo que não sendo o EBF uma lei de valor reforçado, ao ter o artigo 176.º da LOE 2010 definido a entrada em vigor da norma revogatória para o dia seguinte ao da sua publicação, pretendeu o legislador afastar “a aplicação do critério associado à sucessão de normas sobre benefícios fiscais, definido no artigo 11.º, primeira parte, sobrepondo-se o referido na segunda parte dessa mesma norma”; e
  3. Não há lugar a qualquer violação dos princípios da confiança e da protecção de direitos adquiridos tendo em conta que o facto tributário em IMI se verifica em 31 de Dezembro de cada ano, pelo que “o direito à isenção só se pode considerar adquirido com a verificação dos pressupostos da isenção nessa data” e, à data do facto tributário, que ocorreu em 31 de Dezembro de 2010, já não estava em vigor a norma que previa a isenção.

 

  1.     Em 28 de Agosto de 2013 a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

5.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

       Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado, sendo consensual a conformação da matéria de facto por ambas as partes.

 

 

6.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

       A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, respeitando o litígio unicamente a questões de direito.  

 

 

7.    DO DIREITO

 

  1. Enquadramento da questão

 

       Considera o Requerente que a isenção de IMI prevista no artigo 49.º do EBF para os fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular, nos termos do regime transitório introduzido pelo artigo 88.º, alínea j) da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (LOE 2007), i.e., nos casos em que, cumulativamente estes:

 

  1. tivessem participantes qualificados (ainda que de modo não exclusivo);
  2. houvessem sido constituídos até 1 de Novembro de 2006; e
  3. não realizassem aumentos de capital após essa data,

 

lhe é aplicável, com respeito ao ano 2010[4], apesar de nesse ano ter sido revogada a referida isenção pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (LOE 2010). 

 

       Para tanto, invoca que está em causa um benefício fiscal temporário, devendo o mesmo, de acordo com o disposto no artigo 3,º do EBF, vigorar pelo prazo de cinco anos, contado a partir da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, ou seja, até 31 de Dezembro de 2011.

 

       A revogação desta isenção, pela Lei n.º 3-B/2010, antes do decurso do prazo de cinco anos apenas pode produzir efeitos na esfera do Requerente (e dos demais sujeitos passivos que nessa data beneficiassem da isenção) a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao abrigo dos artigos 3.º e 11.º do EBF e, ainda, de acordo com o princípio da protecção da confiança.

 

       Acrescenta que a Lei n.º 3-B/2010 não utilizou a prerrogativa prevista na parte final do n.º 1 do artigo 11.º do EBF, não tendo estabelecido qualquer norma transitória que determinasse a aplicação imediata da nova redacção da lei aos contribuintes que se encontrassem a aproveitar do mencionado benefício fiscal de IMI.

 

  1. Evolução legislativa da isenção de IMI prevista no artigo 49.º do EBF

 

       A introdução da figura dos fundos de investimento imobiliário em Portugal, por intermédio do Decreto-lei n.º 246/85, de 12 de Julho, teve por objectivo “poder contribuir para a desejada diversificação do mercado de capitais e, simultaneamente, ajudar a solucionar os problemas que o sector imobiliário atravessa”, tal como resulta do preâmbulo do mesmo diploma, em complemento à regulamentação dos fundos de investimento em geral, iniciada, em relação aos fundos de investimentos mobiliário, pelo Decreto-lei n.º 134/85, de 2 de Maio, sendo os mesmos considerados “valiosos instrumentos de canalização de poupanças” que “servem uma necessidade específica do pequeno e médio investidor, que procura rentabilidade estável para as suas economias, com um mínimo de risco e liquidez quase garantida”.

 

       É neste contexto que o artigo 56.º do EBF, introduzido pelo Decreto-lei n.º 189/90, de 8 de Junho, prevê que “Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário”, visando-se “incentivar esta forma de investimento”.

 

       Esta norma foi objecto de diversas alterações (não relevantes no caso concreto), até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007), que limitou de forma significativa os termos da isenção. Efectivamente, o artigo 49.º, n.º 1 do EBF[5], na redacção que lhe foi dada pela referida Lei n.º 53-A/2006, isentava de IMI “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

 

       O n.º 2 deste artigo referia, no entanto, que “Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.”

 

       O artigo 88.º, alínea j) da Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007), veio prever um regime transitório que determinava a aplicação do citado artigo 49.º, n.º 2 do EBF aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, constituídos após 1 de Novembro de 2006, ou que realizassem aumentos de capital após essa data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação fossem, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.

 

       Assim, de acordo com esta norma transitória, o Requerente continuou a beneficiar, na íntegra, de isenção de IMI, pois, apesar de ser um fundo fechado de subscrição particular, tinha investidores qualificados e havia sido constituído antes de 1 de Novembro de 2006 não tendo realizado aumentos de capital após essa data.

 

       Com a Lei n.º 3-B/2010 (LOE 2010) foi revogado o artigo 49.º, n.º 2 do EBF, tendo também sido alterado o n.º 1 do mesmo preceito no sentido de apenas poderem beneficiar da isenção os fundos de investimento imobiliário abertos, passando assim os FIIF de subscrição pública e de subscrição particular com investidores qualificados (como é o caso do Requerente) a estar sujeitos às taxas normais de IMI.

 

       Posteriormente, o artigo 49.º do EBF foi ainda alterado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE 2011), passando os FIIF de subscrição pública a beneficiar novamente da isenção de IMI, mantendo-se, porém, a exclusão da isenção para os FIIF de subscrição particular por investidores qualificados, ora em apreciação.

 

  1. Da natureza temporária ou estrutural do benefício fiscal do artigo 49.º do EBF

 

       Para o Requerente, a partir de 1 de Janeiro de 2007, a generalidade dos benefícios fiscais deve considerar-se temporária, já que, em face do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, introduzido pela Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007) “As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário”.

 

       Encontrando-se o artigo 49.º do EBF inserido na parte II do EBF, este deveria qualificar-se como um benefício fiscal temporário, consubstanciando o prazo previsto no artigo 3.º do EBF não só um prazo máximo de vigência dos benefícios fiscais, mas sobretudo um prazo mínimo de vigência.

 

       Segundo entendemos, estão em causa duas questões distintas. Por um lado, a qualificação da isenção de IMI prevista no artigo 49.º do EBF como benefício estrutural ou temporário e, por outro, a aplicabilidade do regime previsto no artigo 3.º, n.º 1 do EBF e a caracterização do prazo de cinco anos aí contemplado apenas como limite máximo do benefício (prazo de caducidade) ou, de igual modo e simultaneamente, como limite mínimo (garantia de estabilidade ou previsibilidade do benefício), sendo que a resposta a esta última questão não depende necessariamente da solução dada à primeira.

 

       No que se refere à qualificação do benefício como temporário ou estrutural acompanha-se a interpretação sistemática expressa no voto de vencido do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no Acórdão Arbitral n.º 150/2012-T, de 3 de Maio de 2013[6], que infra se transcreve:

 

       “O EBF qualifica como «Benefícios fiscais com carácter estrutural» os que são incluídos na sua Parte II e como «Benefícios fiscais com carácter temporário», os que constam da sua Parte III, como se conclui das respectivas epígrafes, que foram mantidas após a revisão e renumeração operada pelo do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho. Nesta revisão, para além de renumeração de artigos e supressão de referência aos já revogados, foram efectuadas alterações sistemáticas e várias alterações de epígrafes, arroladas no artigo 2.º daquele diploma, pelo que não há qualquer suporte normativo para concluir que, além das alterações de epígrafes que forma feitas devem considerar-se como efectuadas outras alterações que o não foram, designadamente as referentes às Partes II e III do EBF. Na verdade, num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa) o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

       O benefício fiscal atribuído a fundos de investimento imobiliário consta da Parte II, pelo que é legalmente qualificado como benefício fiscal com carácter estrutural e essa qualificação, perante a divisão dicotómica legislativamente adoptada entre benefícios fiscais com carácter estrutural e benefícios fiscais cm carácter temporário tem precisamente o alcance prático de afastar a aplicação das regras que se pretendeu reservar para os qualificados como temporários àqueles a que foi atribuída natureza estrutural.”

 

       Na verdade, tendo o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, efectuado a revisão e renumeração do EBF, procedendo a algumas modificações sistemáticas sem, contudo, alterar as epígrafes das Partes II e III, que se mantiveram inalteradas, afigura-se ser de respeitar a dicotomia legal que enquadra o benefício em análise (do artigo 49.º do EBF) como “estrutural”, dada a inserção sistemática do mesmo na Parte II (sob a epígrafe “Benefícios fiscais com carácter estrutural”), qualificação que, refira-se, ainda hoje (2014) se mantém.

 

       Diferentemente, os benefícios fiscais “com carácter temporário” são os que pertencem à Parte III do EBF, na qual não se inclui o artigo 49.º do EBF em apreciação, pelo que, neste ponto, não assiste razão à Requerente.

 

       Não obstante, esta conclusão não significa que o benefício estrutural (isenção de IMI) previsto no artigo 49.º do EBF, aplicado de acordo com o regime transitório do artigo 88.º, alínea j) da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não esteja sujeito a limites temporais, máximo e mínimo, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do EBF que estipula um período de vigência de cinco anos para os benefícios, quer estruturais (Parte II), quer de carácter temporário (Parte III), aspecto que se analisará de seguida.

 

       Esta transitoriedade que também caracteriza os benefícios fiscais estruturais e que, de acordo com alguma doutrina os devia incluir na categoria classificatória de temporários[7] (esvaziando de conteúdo a dicotomia estrutural/temporário), pode favorecer uma solução diversa de iure condendo. Porém, para já, e como acima se salientou, de acordo com o quadro normativo vigente resulta claro que o benefício em apreço se inclui na Parte II (“Benefícios fiscais com carácter estrutural”) e não na Parte III (“Benefícios fiscais com carácter temporário”) do EBF. Como consequência deste resultado classificatório, não é de convocar o disposto no artigo 11.º do EBF, para o que retomamos a posição do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no voto de vencido do Acórdão Arbitral n.º 150/2012-T:

 

       “não se estando perante um benefício fiscal de origem convencional ou condicionado ou temporário não é aplicável à sucessão de normas sobre este benefício fiscal o regime do artigo 11.º, n.º 1, do EBF, em que se refere que «As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário»”.

      

  1. O prazo de cinco anos estabelecido no artigo 3.º do EBF, como limite máximo e como limite mínimo

 

       O artigo 3.º do EBF tem a sua origem no artigo 14.º, n.º 1 da LGT que, sob a epígrafe “Benefícios fiscais” dispunha:

 

“1 - Sem prejuízo dos direitos adquiridos, as normas que prevêem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem carácter estrutural.”

 

       A Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007) introduziu esta norma no artigo 2.º-A do EBF (e, ao mesmo tempo, retirou-a da LGT, evitando redundâncias e duplicações), suprimindo a ressalva referente aos benefícios fiscais com carácter estrutural, que passaram a estar abrangidos pelo período de vigência de cinco anos, mantendo, no mais, o seu sentido teleológico inicial.

 

       Com a ulterior revisão e renumeração do EBF levada a efeito pelo Decreto-lei n.º 108/2008, o regime do artigo 2-º-A passou integralmente para o artigo 3.º do EBF, que infra se transcreve, exactamente com a mesma redacção, exceptuando a alteração do seu n.º 3 para actualização das referências aos artigos correspondentes à nova numeração do EBF:

 

“Artigo 3.º
Caducidade dos benefícios fiscais

1 - As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes ii e iii do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

2 - São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

3 - O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 44.º, bem como ao capítulo v da parte ii do presente Estatuto.“

 

       É consensual que esta norma consagra um limite máximo de vigência dos benefícios fiscais, findo o qual, se não forem renovados, opera a caducidade.

 

       Neste sentido e preconizando que a temporalidade se prende com a avaliação periódica da excepcionalidade à igualdade (na concepção de que os benefícios fiscais constituem uma forma derrogatória do direito comum e do princípio da igualdade tributária) cf. Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, “Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime”, Cadernos IDEFF, n.º 6, Almedina, 2006, pp. 20, 23 e 87.    

 

       Também assim o entende o Acórdão Arbitral, de 17 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 4/2013-T:

 

“O princípio subjacente a estas disposições é o da limitação temporal de vigência dos benefícios fiscais. Efectivamente, na sequência de diversas críticas efectuadas pela doutrina ao status quo anterior, o legislador optou, por via desta técnica legal, evitar aquilo que se denominava de “cristalização dos benefícios fiscais”. Este fenómeno traduzia uma tendência de permanência exagerada de determinadas normas excepcionais que, uma vez adoptadas, vigorariam indefinidamente na ordem jurídica devido à ausência de uma apreciação de manutenção da sua oportunidade. (…)

O artigo 14.º da LGT, na sua redacção originária e subsequentemente o artigo 3.º n.º 1 do EBF configuram-se, assim, enquanto sunset clauses, estabelecendo a caducidade dos benefícios abrangidos pelo seu âmbito ao fim de um período de tempo estipulado, in casu, cinco anos, o que obriga o legislador a uma periódica reconfirmação da vigência dos mesmos, ou seja, a uma apreciação da manutenção da sua justificação extra-financeira atenta a força normalizadora da tributação-regra.“

 

        Porém, ao contrário do que o Acórdão Arbitral citado conclui, não concordamos que a determinação normativa do artigo 3.º, n.º 1 do EBF se esgote no estabelecimento de um limite máximo.

 

       Com efeito, compulsando a Lei de autorização legislativa (Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto) com base na qual o Governo aprovou a Lei Geral Tributária (Decreto-lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), constata-se que o legislador pretendeu “Regular o período de vigência dos benefícios fiscais, em termos de assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica, e a avaliação periódica dos respectivos resultados” (cf. ponto 7 do artigo 2.º da Lei de autorização legislativa).

 

       Existem portanto duas dimensões. O legislador assume, em primeira linha, o plano  prioritário de assegurar a previsibilidade dos benefícios e o princípio da segurança jurídica, claramente conexo com a garantia de um limite mínimo de vigência dos benefícios instituídos. Em segundo lugar, surge a preocupação de avaliação periódica dos respectivos resultados, segmento este que se prende com a reapreciação periódica dos benefícios ligada ao limite máximo consensual acima referido.

 

       Acompanhamos (novamente) o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no voto de vencido do Acórdão Arbitral n.º 150/2012-T:

 

 “Conclui-se, assim, que a norma do actual artigo 3.º (como o anterior artigo 2.º-A do EBF e o artigo 14.º, n.º 1, da LGT, na redacção inicial) visa, primacialmente, assegurar a previsibilidade que é exigida pelo princípio da segurança jurídica, princípio de valor constitucional, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), embora também tenha em vista impor ao legislador a avaliação periódica dos resultados da aplicação dos benefícios fiscais.

 

Por isso, o prazo de cinco anos previsto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, não é apenas um prazo máximo de duração dos benefícios fiscais, mas também um prazo mínimo, que os contribuintes podem justificadamente prever que será o prazo durante o qual podem usufruir do benefício fiscal, sempre que a norma que o consagra não disponha em contrário, pois só assim se atinge o objectivo de permitir a previsibilidade da manutenção e caducidade de benefícios fiscais.”

 

       Esta conclusão está em consonância com as considerações do Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1 de Maio de 2005 do Ministro de Estado e Finanças (sobre o artigo 14.º da LGT que antecedeu o actual artigo 3.º do EBF), que refere que “a redacção do preceito não foi feliz e o seu propósito não foi verdadeiramente alcançado”, uma vez que a norma não era clara sobre o respectivo âmbito de aplicação (ou seja, a que benefícios fiscais é que se deveria aplicar e sobre o que é que se deveria considerar como benefícios fiscais de carácter estrutural) e, por outro lado, sobre se o referido prazo de cinco anos era um prazo máximo ou mínimo e ainda sobre se se poderia considerar que os benefícios fiscais abrangidos por esta norma haviam caducado em 2004 (i.e., cinco anos após a entrada em vigor da LGT) - cf. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198, Centro de Estudos Fiscais, 2005, pág. 80.

 

       Assim, como refere a Requerente, a recomendação desse Relatório, que veio a ser acolhida pelo artigo 3.º do EBF, foi no sentido de clarificar, entre outros, que a regra de caducidade se aplicasse à “generalidade dos benefícios fiscais propriamente ditos (...), ocorrendo no início do sexto ano subsequente da entrada em vigor do benefício, a menos que o legislador expressamente disponha em sentido diferente, isto é, preveja um prazo menor ou maior de vigência”.

 

       Aliás, a introdução de um limite temporal de vigência para os benefícios fiscais surgiu na sequência da recomendação do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais no sentido do “estabelecimento de um horizonte temporal bem definido para os benefícios fiscais (...) e criação de condições para que, dentro desse horizonte temporal, sejam estáveis e, desse modo, permitam a tomada de decisões económicas com alguma segurança. (…) Este horizonte temporal deve configurar um verdadeiro pacto de estabilidade para os benefícios fiscais - os agentes económicos não compreendem, e têm toda a razão, que todos os anos, e às vezes até com maior frequência, alguns benefícios fiscais sejam alterados nos seus aspectos essenciais e, por isso, não tenham um mínimo de estabilidade que lhes permita tomar decisões económicas num ambiente de certeza e segurança. (...) Este segundo aspecto da temporalidade dos benefícios fiscais permite, por um lado, delimitar com alguma precisão em que medida o benefício constitui um direito adquirido pelo respectivo beneficiário que o salvaguarda de mudanças eventuais de regime”– cf. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 180, Centro de Estudos Fiscais, 1998, pp. 25 e 30.

 

       No mesmo sentido, referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que a norma anteriormente prevista na LGT “pretende, na esteira aliás, do previsto no artigo 15.º da lei geral tributária espanhola, garantir um certo grau de estabilidade em matéria de benefícios fiscais. Sucede com bastante frequência o legislador português criar benefícios fiscais sem prever o prazo da sua duração. Benefícios que, muitas vezes, pressupõem investimentos importantes ou profundas alterações na administração das empresas e dos particulares. Mesmo antes de terminados esses investimentos ou essas alterações à gestão, ou antes de obtidos os resultados que se esperavam, os benefícios fiscais são revogados ou alterados com gravíssimos prejuízos para os contribuintes. (…) relativamente aos benefícios fiscais que constam das partes II e III do EBF, o seu art. 3.º garante a sua vigência durante um período de cinco anos, salvo quando exista disposição em contrário” - cf. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 157.

 

       Em síntese, a origem, a teleologia e a ratio da criação de um prazo de caducidade dos benefícios fiscais prende-se não somente com o estabelecimento de um limite máximo de aplicação dos benefícios, mas também, e de forma preponderante, com a garantia de um limite mínimo, devendo o benefício fiscal aqui em causa (do artigo 49.º do EBF, na aplicação decorrente da norma transitória introduzida pelo artigo 88.º, alínea j), da Lei n.º 53-A/2006), vigorar pelo período legal mínimo de cinco anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do EBF, a menos que exista disposição em contrário, o que, como se verá adiante, não se verifica na situação em análise.

 

       Acresce que a conclusão de que o prazo de vigência previsto no artigo 3.º, n.º 1 do EBF abrange o benefício fiscal do artigo 49.º do mesmo diploma é, para além da própria previsão normativa (bastante clara), reforçada pelo artigo 142.º, n.º 2 da Lei n.º 64/B/2011, de 30 de Dezembro (LOE 2012), que prorrogou por mais cinco anos determinados benefícios fiscais cuja manutenção se pretendia (já que, caso contrário, os benefícios fiscais abrangidos pelo artigo 3.º, n.º 1 do EBF caducariam em 31 de Dezembro de 2011), de entre os quais vários benefícios da Parte II do EBF e, em particular, o próprio artigo 49.º do EBF.

 

       Relativamente à interpretação do artigo 3.º do EBF, de aplicação inequívoca à situação concreta, importa ainda acrescentar, conforme salientado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no voto de vencido amplamente citado e no qual, por concordância, nos alicerçamos, que:

 

“O n.º 1 do artigo 3.º do EBF não assegura que quem se encontre numa situação em que usufrua de benefícios fiscais tenha direito a mantê-los por cinco anos, mas apenas que as normas que os criam vigorarão durante cinco anos, se não dispuserem em contrário (n.º 1). Por isso, se, por exemplo, um contribuinte adquire o direito no 3.º ano de vigência de uma norma, o que lhe assegura o n.º 1 do artigo 3.º é que, não havendo disposição em contrário, poderá usufruir do benefício fiscal nesse 3.º ano e nos dois subsequentes. Da letra do n.º 1 do artigo 3.º resulta que a disposição em contrário que permite o afastamento da vigência de um benefício fiscal durante cinco anos tem de ser a norma que o consagra: a parte final, «salvo quando disponham em contrário», reporta-se às «normas que consagram os benefícios fiscais». Assim, o n.º 1 só admite o afastamento da sua estatuição quando a própria norma que consagra o benefício fiscal dispõe em contrário, estabelecendo uma vigência diferente dos cinco anos previsíveis. Aliás, só com uma interpretação deste tipo se satisfaz o desígnio de garantir a previsibilidade quanto à duração dos benefícios fiscais, que legislativamente se pretendeu assegurar.

 

Por seu turno, o n.º 2 assegura que quem adquira um benefício fiscal durante a vigência de uma norma que o consagra mantém o direito a usufruir dele, salvo disposição em contrário.

 

Assim, no exemplo aventado, quem adquira um benefício fiscal no 3.º de vigência da norma que o consagra manterá o direito a usufruir do benefício fiscal até ao previsível termo de vigência da norma, isto é, nesse 3.º ano e nos dois anos subsequentes. Só não se manterá este benefício fiscal se existir «disposição legal em contrário», pois a parte final do n.º 2, estabelecendo que o aí estatuído é prejudicado pela existência de disposição legal em contrário, condiciona a sua estatuição.

 

No entanto, embora aparentemente não se exija no n.º 2 que a «disposição legal em contrário» que afaste o regime regra de manutenção dos direitos aos benefícios fiscais adquiridos tenha de ser concomitante da aquisição do benefício fiscal, isso está implícito na natureza da própria norma de garantia de salvaguarda de direitos adquiridos. Na verdade, ficaria anulado o efeito garantístico que se pretende atingir se se entendesse que esses direitos adquiridos poderiam ser eliminados por normas posteriores à sua aquisição.

 

Por isso, a única interpretação logicamente admissível do n.º 2 é a de que é assegurada a manutenção dos benefícios fiscais adquiridos, a não ser que norma anterior ou contemporânea da aquisição do benefício estabeleça que ele tem natureza precária ou condicionada.

 

A interpretação adoptada pela tese que fez vencimento, no sentido de que «Quanto ao disposto no art. 3º, nº 2, do EBF, parece claro que o mesmo ao prever que "são mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário", visa precisamente ressalvar os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a sua extinção retroactiva, não garantir um prazo mínimo de vigência desses benefícios que lei futura não pudesse alterar», conduz a uma conclusão que nada acrescenta em matéria de segurança jurídica à que resulta da aplicação das regras gerais de aplicação das leis no tempo, e, por isso, está ao arrepio da razão primordial da introdução legislativa do prazo de cinco anos como tempo de duração de benefícios fiscais.

 

Na verdade, é regra básica sobre a aplicação no tempo das normas jurídicas «a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil).

 

A interpretação adoptada pela tese que fez vencimento reconduz-se a que sejam ressalvados «os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a usa extinção retroactiva», mas, como consta da parte final do n.º 2, não deixa de ser admissível disposição legal em contrário. Quer dizer, o n.º 2 do artigo 3.º, nesta tese, asseguraria que os benefícios fiscais adquiridos não serão eliminados retroactivamente se não houver uma norma que diga que o são. Não se vislumbra o que é que esta norma, nesta interpretação, acrescentaria àquela regra básica do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

 

Por outro lado, a eliminação da previsibilidade da duração de benefícios fiscais declaradamente pretendida com o artigo 14.º da LGT estaria ao arrepio da linha geral de reforço das garantias dos contribuintes que foi adaptada na LGT e que, até 2006, não se vê que haja razões que justificassem que se invertesse essa opção legislativa, designadamente que se tivesse pretendido prosseguir como objectivo legislativo a reintrodução da imprevisibilidade da duração de benefícios fiscais que anteriormente subsistia, quando é facto consensual há muito reconhecido que a imprevisibilidade do sistema fiscal português é um obstáculo estrutural ao investimento internacional, de importância crucial para o desenvolvimento da economia nacional.

 

Assim, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que pressupõe que a norma do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais tenha algum alcance útil, a única interpretação aceitável é a de que se pretendeu manter o direito ao prazo de cinco anos de previsibilidade da duração de benefícios fiscais, que se tinha adoptado no artigo 14.º da LGT.”

 

       Sendo que “A «disposição em contrário» exigida pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF tem de consistir nisso mesmo, numa norma que estabeleça que, em determinada situação, não se aplica o regime do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 3.º do EBF.

 

Não pode entender-se que constitui «disposição em contrário» para este efeito, uma norma que se limita a revogar a norma que consagra um benefício fiscal e a fixar a data da revogação, mesmo dentro do período de cinco anos previsto no n.º 1.

 

Na verdade, de uma norma deste tipo apenas se pode concluir que, a partir da sua entrada em vigor, deixa de se constituir o benefício, mas não que não se mantenham os benefícios cujo direito já deve considerar-se adquirido, nos termos em que o foi, durante o período legalmente previsto para a sua duração no momento e que ele foi adquirido.

 

Uma «disposição legal em contrário» tem de ser para este efeito uma norma que estabeleça explicitamente ou, pelo menos, de forma clara, que os benefícios fiscais cujo direito anteriormente se tenha constituído não é respeitado. Na falta de um dispositivo deste tipo, é de entender que a lei só vale para o futuro, não atribuindo os benefícios a situações jurídicas que só venham a ocorrer no futuro, em sintonia com o princípio geral de aplicação da lei fiscal no tempo de que «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor» (artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que está em sintonia com o artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil).”

 

       Ou seja, mesmo admitindo que a “disposição legal em contrário” prevista no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do EBF pudesse ser posterior à aquisição do benefício, solução de validade questionável pelas razões acabadas de transcrever, ainda assim, não bastaria ao legislador revogar o benefício fiscal aqui em causa (como fez por intermédio do artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010 - LOE 2010), caso pretendesse que este não continuasse a aplicar-se a contribuintes que se encontrassem na situação do Requerente. Ser-lhe-ia (ao legislador) exigível adicionalmente a introdução de uma norma que de forma cristalina estabelecesse a inaplicabilidade do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do EBF in fine. O que claramente não aconteceu com os artigos 109.º e 176.º da referida Lei n.º 3-B/2010.

 

  1. O princípio de protecção da confiança

 

       A interpretação preconizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira que materializa a possibilidade de eliminação de benefícios fiscais antes do decurso do prazo (mínimo) de cinco anos da sua duração previsível, estabelecido pelo disposto no artigo 3.º, n.º 1 do EBF, não se afigura compatível com o parâmetro de estabilidade e previsibilidade que impregna o regime de temporalidade dos benefícios fiscais previsto para a Parte II e para a Parte III do EBF. Este parâmetro é reiteradamente manifestado pelos diversos estudos e relatórios que precederam a iniciativa legiferante, pela lei de autorização legislativa relativa à LGT, pela LOE 2007 que integrou tal norma no EBF, e constitui um alicerce válido da confiança nele depositada pelos contribuintes e investidores.

 

       Como salienta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que, de novo, sufragamos[8] “constituirá manifesta violação do princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, já que se estará perante não observância de uma norma que, precisamente, tem em vista assegurar a confiança e, por isso, é presumível que os contribuintes fiquem com reforçada convicção de que podem esperar que o que nelas se garante será mantido.

 

Por outro lado, não haverá, neste caso, razão para compressão (ou eliminação) do princípio da confiança por exigências prementes de finanças públicas que têm servido de pretexto ao desrespeito da maior parte das normas garantísticas de conteúdo económico, designadamente por considerações derivadas da «grave crise financeira» que refere a AT na sua resposta.

 

Na verdade, estão em causa tributos que são receitas específicas dos municípios em que se situam os prédios que beneficiam de isenção de IMI e não se ter alegou nem provou que algum deles se encontre em situação de crise financeira, nomeadamente de tal forma grave a não poder suportar os ónus dos benefícios em causa, o que, aliás, é confirmado pelo facto de em 2011 ter havido um novo alargamento do âmbito do benefício atribuído a fundos de investimento imobiliário em sede de IMI.”

 

       À face do exposto, concluímos que a revogação do benefício em causa pela LOE 2010 só poderá produzir efeitos na esfera da Requerente após 31 de Dezembro de 2011, pois de outra forma resultaria violado o princípio da protecção da confiança.

 

  1. A irrelevância do valor reforçado da Lei do Orçamento do Estado para 2010

 

       É irrelevante entrar em linha de conta com o valor reforçado ou não reforçado do EBF. Como refere a decisão arbitral do processo n.º 120/2012-T, de 12 de Junho de 2013, “através da Lei do Orçamento do Estado para 2010, o legislador não revogou os artigos 3.º ou 11.º do EBF; revogou sim parte do benefício fiscal contemplado no artigo 49.º do EBF”.

 

       Acresce que, como sublinhado pelo Requerente, o artigo 3.º do EBF não pretende, de resto, por qualquer forma, estabelecer que os benefícios fiscais não possam ser revogados. Resulta simplesmente daquele preceito que, sendo revogados os benefícios fiscais previstos na Parte II ou na Parte III, os mesmos continuam a ser aplicáveis até ao termo do prazo para o qual foram inicialmente previstos (no caso cinco anos), apenas e somente aos sujeitos passivos que já estivessem a beneficiar dos mesmos, pelo que o legislador ordinário pode, a todo o tempo e cumprindo os ditames constitucionais, revogar benefícios fiscais. Se assim proceder, tal revogação, contudo, não produzirá efeitos imediatos na esfera dos sujeitos passivos que já se encontrem a aproveitar de tais benefícios (no limite dos cinco anos), a não ser que assim seja expressamente previsto pelo legislador.

 

       Também no voto de vencido acima citado se considera irrelevante tal questão (a do valor reforçado da LOE 2010) de que se retiram os seguintes excertos ilustrativos:

 

“Na verdade, as normas do artigo 2.º-A, n.ºs 1 e 2, do EBF, de que os n.ºs 1 e 2 do actual artigo 3.º é mera reprodução, foram introduzidas no EBF pela Lei n.º 52-A/2006, de 29 de Dezembro, que é também uma lei orçamental, pelo que tem idêntico valor normativo.

 

Por outro lado, nem a Lei n.º 3-B/2010 nem qualquer outra lei posterior revogou aqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF.

(…)

Consequentemente, não se pode basear no valor reforçado das normas dos artigos 109.º (que alterou o artigo 49.º do EBF) e do artigo 176.º (que fixou a data de entrada em vigor) da Lei n.º 3-B/2010, nem no artigo 187.º da Lei n.º 55-B/2010, de 31 de Dezembro, nem no princípio de que a lei posterior revoga a anterior o afastamento da aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF (…).

 

Por isso, na falta de qualquer disposição da Lei n.º 3-B/2010 ou da Lei n.º 55-B/2010 que estabeleça que estas regras dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF são afastadas, é em sintonia com elas que há que interpretar o alcance da revogação do benefício fiscal previsto no artigo 49.º então vigente, quanto a fundos de investimento imobiliário.”

 

  1. Conclusões

 

  1. O Requerente beneficiava da isenção de IMI inovatoriamente atribuída pelo artigo 49.º do EBF, de acordo com o regime transitório criado pela Lei n.º 53-A/2006 (LOE 2007, artigo 88.º, alínea j)) por reunir os pressupostos cumulativos exigíveis para esse efeito, pois:
    1. Tinha participantes qualificados (ainda que de modo não exclusivo);
    2. Havia sido constituído até 1 de Novembro de 2006; e
    3. Não tinha realizado aumentos de capital após essa data;
  2. Este benefício fiscal (do artigo 49.º do EBF, com o regime transitório estabelecido pela Lei n.º 53-A/2006 (artigo 88.º, alínea j)) é qualificado como um benefício de carácter estrutural e não de carácter temporário, pois insere-se na Parte II e não na Parte III do EBF;
  3. Tal caracterização sistemática de benefício estrutural não afasta, porém, as regras de temporalidade previstas no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do EBF, que abrangem as Partes II e III do EBF (e portanto o benefício do artigo 49.º do EBF), não se enquadrando o mencionado benefício na excepção prevista no n.º 3 desta norma;
  4. O prazo de vigência de cinco anos previsto no artigo 3.º do EBF é simultaneamente um limite máximo (de caducidade) e um limite mínimo (de garantia e previsibilidade) dos benefícios, salvo disposição em contrário;
  5. Deste modo, tendo sido tal benefício criado com efeitos a 1 de Janeiro de 2007 (pela Lei n.º 53-A/2006) deveria ter a duração de cinco anos e manter-se até 31 de Dezembro 2011, para quem estivesse na situação de dele usufruir, como sucede com o Requerente, não existindo nenhuma disposição daquela Lei que dispusesse em contrário;
  6. Quer o artigo 109.º, quer o artigo 172.º da Lei n.º 3-B/2010 (LOE 2010), não revogaram o artigo 3.º do EBF, cuja introdução no EBF também foi concretizada por uma Lei Orçamental, nem consubstanciam “disposição em contrário”, pois em parte alguma estabelecem a inaplicabilidade do n.º 2 deste preceito [do artigo 3.º do EBF];
  7. Assim, o não reconhecimento do direito ao referido benefício fiscal no ano 2010 (i.e. ainda dentro do prazo de cinco anos):
    1. viola o preceituado naqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF, pois ainda se encontrava a decorrer o prazo mínimo (de garantia) de cinco anos que assistia ao Requerente, e, bem assim,
    2. infringe o princípio da protecção da confiança, pilar do Estado de Direito;
  8. Consequentemente, a liquidação de IMI referente ao ano 2010 colocada em crise é inválida por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e deve, por isso, ser anulada, com a restituição ao Requerente do correspondente imposto pago na importância de € 280.546,31.

 


  1. Dos Juros Indemnizatórios

 

       O Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral pagamento.

 

       Conforme já decidido no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012, compreendem-se nas competências dos tribunais arbitrais tributários as pronúncias condenatórias que em processo de impugnação judicial são admitidas aos tribunais tributários estaduais, sendo de igual forma admissível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

       Em consequência da ilegalidade substantiva da liquidação de IMI objecto da presente acção, o Requerente pagou imposto que não era devido (em excesso), impondo-se não só o respectivo reembolso, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, como o pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem reunidas as respectivas condições constitutivas, de acordo com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga em excesso e contados desde as datas dos pagamentos parcelares efectuados até integral restituição.

 

* * *

      

       Atento o exposto, acorda o colectivo de árbitros em julgar procedentes:

 

  1. O pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto de liquidação de IMI, no montante global peticionado de € 280.546,31, tudo com as legais consequências, incluindo a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

 

  1. O pedido de devolução do valor de imposto pago pelo Requerente de € 280.546,31; e

 

  1. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia de € 280.546,31 à taxa legal, até integral pagamento.

 

* * *

      

       Fixa-se o valor do processo em € 280.546,31, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

       O montante das custas é fixado em € 5.202,00 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 3 de Abril de 2014

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.

 

A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Martins

 

 

Suzana Fernandes da Costa

 

 

Maria Antónia Torres

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Aplicada de acordo com a norma transitória introduzida pelo artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007 (“LOE 2007”).

[3] A LOE 2010 foi publicada em 28 de Abril de 2010.

[4] E também 2011, embora este ano não seja objecto da presente acção arbitral, pelo que nesta matéria não se fará referência adicional.

[5] À data artigo 46.º do EBF. Foi ao abrigo da autorização legislativa constante do artigo 86.º da LOE 2007 que o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, procedeu à republicação e renumeração do EBF, tendo o artigo 46.º passado a corresponder ao actual artigo 49.º que vem referido nesta decisão.

[6] Disponível no site do CAAD.

[7] Veja-se, a este respeito, Nuno Sá Gomes, “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 165, Centro de Estudos Fiscais, 1991: “Os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício” – p. 145. Em moldes idênticos, Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos referem que “os benefícios fiscais temporários caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos, ao contrário dos permanentes, de natureza estrutural, que se destinam a vigorar indefinidamente” – cf. Estatuto dos Benefícios Fiscais Anotado e Comentado, Lisboa, Rei dos Livros, 1993, pág. 42.

[8] Não se perfilha, por conseguinte, a posição com vencimento no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 150/2012-T, de 3 de Maio de 2013 (no qual foi proferido o voto de vencido) e as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 107/2012-T, de 5 de Março de 2013;  n.º 2/2013-T, de 20 de Junho de 2013 e n.º 4/2013-T, de 17 de Junho de 2013.