Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz, António Alberto Franco e Fernando de Jesus Amado dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…– SGPS, SA, pessoa colectiva n.º…, com sede no lugar do …–…, …-… …, apresentou, em 16-09-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (abreviadamente, CPPT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao exercício de 2013 com o n.º 2014… bem como do indeferimento da reclamação graciosa que relativamente a ele apresentou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-09-2016.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 16-11-2016 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 02-12-2016.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
Reage contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, com referência à autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2013.
Sustenta que a medida da limitação da dedução de imposto consagrada nas Convenções sobre Dupla Tributação (CDT) – e, no caso em concreto, da Argélia, Brasil, Grécia, Paquistão e Polónia – é mais larga do que aquela que resulta aplicável por força do artigo 91º, n.º 1, b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
Daí que uma vez que o imposto sobre o rendimento pago na Grécia, Brasil, Argélia, Paquistão e Polónia, através de retenção na fonte, ultrapassava a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado, será esta a importância a deduzir ao imposto pago no Estado da residência (Portugal), de modo a atenuar a dupla tributação.
Donde resulta que as importâncias do imposto retido naqueles Estados a deduzir, não deverão ser as que constam das declarações que apresentou, mas ser acrescidas em € 279.372,69.
Entende que assim deverá ser na medida em que o cálculo da fracção de imposto ao abrigo das disposições aplicáveis das CDT atrás identificadas deverá ter por referência o rendimento bruto, e não o líquido (dos gastos e perdas incorridos para a sua obtenção), sendo que aquelas prevalecem sobre todas as normas de direito interno infraconstitucional português e em caso de conflito entre umas e outras, as normas internas devem ceder face aos preceitos naquelas constantes.
Defende, aliás, que a razão última das CDT é eliminar/atenuar a dupla tributação jurídica internacional, pelo que as soluções interpretativas que mais se aproximam de tal objectivo devem ser preferidas face às restantes. Se se permitisse que o Estado da fonte tributasse os rendimentos pelo seu valor bruto e o Estado da residência calculasse a fracção de imposto sobre o seu montante líquido iria agravar a dupla tributação – se compararmos com a situação alternativa, em que quer a tributação quer o cálculo da fracção de imposto têm por referência o montante bruto dos rendimentos – pois alarga a base de incidência do imposto a lançar pelo Estado da fonte, visto que o valor bruto é amiúde superior – e nunca, por definição, inferior – ao valor líquido do rendimento, ao mesmo tempo que reduz o montante do crédito por dupla tributação.
Entende, por outro lado, que sendo as tributações autónomas IRC, liquidado com base no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC, os benefícios fiscais SIFIDE e RFAI, podem naturalmente ser deduzidos às mesmas com base na alínea b) do n.º 2 do referido preceito.
Com efeito, a liquidação final de IRC inclui não só a colecta de IRC stricto sensu, mas também as tributações autónomas, pelo que nessa conformidade, a tal montante de imposto liquidado se permite que os benefícios fiscais que operem por dedução à colecta, sejam deduzidos à totalidade do IRC a pagar pelo sujeito passivo e, portanto, também às tributações autónomas uma vez que estas são consideradas componentes do IRC.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
Afirmar que a expressão “calculado antes da dedução” permite inferir que o rendimento em causa corresponde ao valor antes de retirados os custos da sua obtenção, não pode ter qualquer acolhimento, pois, como Informado, e bem, na decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, é contrário às normas internacionais de contabilidade (“IASB”), que servem de base às normas em vigor na União Europeia.
Acresce que servindo as CDT para dirimir conflitos de natureza fiscal num contexto de internacionalização, é expectável que as suas normas visem harmonizar as diferentes legislações, adoptando os mesmos princípios orientadores: o IRC deverá ter em conta apenas o rendimento líquido.
Por outro lado, sustenta que, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes, dois apuramentos, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC.
A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.
Daí que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tenha um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.
As deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas, só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC, sob pena de uma incongruência resultante da subversão da necessária interligação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro.
Relativamente aos benefícios ao investimento – como é o caso do RFAI e SIFIDE -verifica-se, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da colecta do IRC calculada sobre a matéria colectável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria colectável e da colecta - o lucro.
Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação de imposto do selo contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 20-01-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT.
7. As Partes apresentaram alegações, tendo mantido as posições vertidas nos respectivos articulados.
II – Saneamento
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO
III.1. Matéria de facto
9. Matéria de facto
9.1. Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) No período de tributação de 2013, a Requerente era a sociedade dominante – e responsável pela autoliquidação do IRC – do Grupo composto pelas sociedades seguidamente identificadas, ao qual foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”):
-B…, S.A., com o NIPC…;
-C…, S.A. (à data dos factos D… S.A.), com o NIPC … (“D…”);
-E…, S.A., com o NIPC…;
-F…, S.A., com o NIPC…;
-G…, S.A., com o NIPC…;
-H…, SGPS, S.A. (à data dos factos I… SGPS, S.A.), com o NIPC…;
- J… S.A., com o NIPC … (“J…”);
-K…, S.A., com o NIPC… .
b) A Requerente entregou, em 31-05-2014, Declaração de Rendimentos de IRC (Modelo 2), com referência ao período de tributação de 2013 do grupo de sociedades por si encabeçado (Declaração Modelo 22 a que foi atribuído o código …-… -…), com a respectiva autoliquidação de IRC.
c) Em 28-05-2015, entregou, relativamente ao mesmo período de tributação, Declaração Modelo 22 de substituição (Declaração Modelo 22 a que foi atribuído o código …-… -…), com a respectiva autoliquidação de IRC.
d) Naquela declaração de IRC a Requerente deduziu o montante de crédito de imposto por dupla tributação internacional, tendo por referência, para cálculo da fracção do IRC, os rendimentos líquidos obtidos na Argélia, Brasil, Grécia, Paquistão e Polónia.
e) Pela mesma declaração, a Requerente procedeu à autoliquidação das tributações autónomas devidas por cada uma das sociedades do Grupo que encabeça, tendo deduzido apenas uma parte do montante dos benefícios fiscais - SIFIDE - que permaneciam dedutíveis.
f) A Requerente deduziu, em 30-03-2016, reclamação graciosa, a qual foi indeferida, tendo a respectiva decisão sido remetida por correio registado em 17-06-2016.
g) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto impugnado, fruto da autoliquidação que efectuou.
9.2. Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada teve em consideração as posições assumidas pelas partes nos articulados e assentou no exame crítico da prova documental, bem como do processo administrativo junto aos autos.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
A questão a apreciar no presente pedido de pronúncia arbitral desdobra-se, por um lado, no tratamento a conferir ao crédito por dupla tributação internacional, face à existência de convenções sobre dupla tributação internacional e, por outro, na possibilidade de serem deduzidos montantes de benefícios fiscais disponíveis à colecta por tributação autónoma.
A – CRÉDITO POR DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
Entende a Requerente ter inscrito de forma indevida, nas declarações de IRC que apresentou, os montantes de imposto retido nos Estados em que obteve rendimentos e com os quais Portugal celebrou Convenções sobre Dupla Tributação Internacional (CDT), no caso na Argélia, Brasil, Grécia, Paquistão e Polónia.
Com efeito, conforme sustentou na reclamação graciosa que apresentou, defende que as importâncias do imposto retido naqueles Estados, para efeitos de determinação da fracção de imposto a deduzir, deverá ter por referência os rendimentos brutos que naqueles obteve e não os rendimentos líquidos (deduzidos das quantias a título de gastos incorridos com a respectiva obtenção).
Por seu turno, entende a Requerida que tal entendimento não pode ter acolhimento por ser contrário às normas internacionais de contabilidade (“IASB”) que servem de base às normas em vigor na União Europeia.
Num ponto estão as partes de acordo: a prevalência, face ao disposto no n.º 2 do 1rt. 8º da CRP, das CDT relativamente à legislação ordinária interna. Ou seja, é consensual, no que ao caso interessa, que as regras previstas nas CDT em causa, se sobrepõem ao que dispõe o CIRC.
Em defesa deste mesmo entendimento, a Requerida faz, aliás, apelo ao Ofício-Circulado 31501, de 28-05-1998, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais o qual conclui no sentido de “nos casos em que Portugal, de acordo com o estabelecido na CDT, tenha competência cumulativa de tributar, a eliminação da dupla tributação internacional far-se-á exclusivamente pelas regras da Convenção aplicável”, e assim é de facto.
À data dos factos a que respeita o presente pedido de pronúncia arbitral, estavam em vigor CDT celebradas por Portugal com a Argélia (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/2006), Brasil (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001), Grécia (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 25/2002), Paquistão (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 66/2003) e Polónia (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 57/1997).
Desse modo, a questão em apreço deve ser feita à luz do clausulado contido naquelas CDT, face à superioridade das suas normas relativamente às de origem interna e, designadamente, ao CIRC, não sendo, por isso, o artigo 91º deste código a dar solução à questão.
As CDT em causa contêm cláusulas substancialmente idênticas para a apreciação do caso em análise:
ARGÉLIA
CAPÍTULO IV
Eliminação da dupla tributação
Artigo 23.º
Métodos
1—a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na Argélia, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Argélia. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Argélia.
BRASIL
CAPÍTULO IV
Disposições para eliminar as duplas tributações
Artigo 23.º
Método
1 — Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado mencionado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre os rendimentos, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.
GRÉCIA
CAPÍTULO IV
Métodos para eliminar a dupla tributação
Artigo 22.º
1 — Com ressalva do disposto na legislação de Portugal relativamente à imputação no imposto português do imposto pago num território fora de Portugal (que não afecte o seu princípio geral):
a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na República Helénica, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República Helénica. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República Helénica;
PAQUISTÃO
Artigo 23.º
Métodos para eliminar as duplas tributações
1 — A legislação em vigor em ambos os Estados Contratantes continuará a regular a tributação do rendimento no Estado Contratante respectivo, salvo quando disposto de forma diferente pelas disposições da presente Convenção.
2 — Relativamente a Portugal, a dupla tributação será eliminada do seguinte modo:
Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no Paquistão, a República Portuguesa deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago no Paquistão.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados no Paquistão.
Protocolo
Ad Artigo 23.º
A expressão «imposto sobre o rendimento» não compreende qualquer importância exigível relativamente a uma falta ou omissão em conexão com os impostos a que a presente Convenção se aplica ou que represente uma penalização imposta em relação a esses impostos.
POLÓNIA
CAPÍTULO IV
Eliminação da dupla tributação
Artigo 23.o
Métodos para eliminar as duplas tributações
A dupla tributação será eliminada do seguinte modo:
b) No caso de um residente de Portugal:
i) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na Polónia, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Polónia. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Polónia;
Estas CDT adoptaram, assim, o designado “método de imputação”, como forma de eliminar a dupla tributação decorrente das situações de cumulação de tributações como é o caso.
Daí resulta que o Estado da residência calcula o imposto com base no montante global dos rendimentos do contribuinte, incluindo os rendimentos obtidos no outro Estado – da fonte - que, nos termos da CDT, podem aí ser tributados e, de seguida, deduz ao imposto que lhe é devido o imposto pago nesse Estado da fonte, assim se conseguindo a possível compatibilização entre o direito à tributação pelo Estado da fonte do rendimento e pelo Estado de residência.
A dúvida interpretativa residirá na parte final das aludidas cláusulas quando referem que “a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado”. Como se diz no Acórdão Arbitral 369/2015_T de 25-01-2016, “apenas terá aplicação no caso, improvável, de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos ficam sujeitos no estado da fonte”, acrescentando – citando Maria Margarida C. Mesquita, As Convenções sobre Dupla Tributação (Lisboa 1998), pag. 290 – “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado”.
O objectivo primacial das CDT é eliminar ou, pelo menos, atenuar, a tributação decorrente da cumulação de competência internacional.
Ora, para cálculo do imposto do Estado da residência, no caso o IRC - com um base de incidência mundial - é considerada a matéria colectável que tem em consideração a totalidade dos rendimentos e, por isso, também os obtidos no estrangeiro, bem como os gastos suportados para a sua obtenção.
Daí que só a dedução integral do imposto pago no Estado da fonte (com os limites contidos na CDT), determinado a partir dos rendimentos brutos aí obtidos, permite alcançar o objectivo da total eliminação da dupla tributação.
Como se diz na decisão arbitral mencionada “o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem (fonte) no estado da residência”.
A aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 91º do CIRC frustraria, pelo menos em parte, o objectivo de eliminação da dupla tributação pretendido pelas CDT em causa.
É, por isso, de acolher a posição da Requerente plasmada na reclamação graciosa que apresentou e que não foi atendida pela Requerida.
B – DAS CORRECÇÕES AO RENDIMENTO COLECTÁVEL
Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que “nos nº 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC não há qualquer referência a tributações autónomas” para logo concluir que existindo uma qualquer colecta que não fosse de matéria colectável, qualquer dedução à referida colecta, seria contrária ao espírito do sistema do IRC nomeadamente por dedução dos benefícios fiscais do SIFIDE. Daí que tenha concluído não ser admissível a dedução destes benefícios á colecta.
Todavia, na resposta que apresentou a Requerida sustenta que:
- “a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código;
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”.
Para concluir que “(…) o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto”.
A divergência residirá, em suma e apenas, no entendimento quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que sendo apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma, as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 do art. 90º do CIRC só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.
Não nos parece, contudo, assistir razão à Requerida, sendo hoje, aliás, mais ou menos pacifico, no âmbito da jurisprudência arbitral, que o imposto liquidado através das tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC (ver, entre outras, decisões arbitrais com os n.ºs 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T; 95/2014-T e 602/2015-T e 31/2016-T).
Com efeito, e como se decidiu naqueles arestos, o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC refere-se à liquidação final de IRC, da qual consta o total do montante de imposto a pagar a este título e que inclui não só a coleta de IRC stricto sensu, mas também as tributações autónomas. Aliás, a liquidação do IRC que se processa com base na declaração de rendimentos apresentada pelos sujeitos passivos ao abrigo do artigo 120.º daquele Código, da qual consta não apenas a matéria coletável que servirá de base ao cálculo da coleta de IRC stricto sensu, bem como os eventuais gastos aos quais serão aplicáveis as tributações autónomas.
Não existem, por isso, razões para nos afastarmos daquele entendimento, pelo que se tem por assente que as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável se restringem à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Daí que, sejam quais forem os cálculos a realizar, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, todos do CIRC, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Diga-se, aliás, que não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º do CIRC que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º
B.1 Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomaS
Em 2013, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:
Artigo 4.º
Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
(…)
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.
(…)
Artigo 5.º
Condições
Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.
E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.
O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».
O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é o montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.
Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ([1]) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.
Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ([2]) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ([3]).
Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:
3.2.1-Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)
Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilita a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento). Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.
A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC (resultado da liquidação).
Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.
Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.
Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2013 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).
Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por outro lado, como se referiu, não se pode ignorar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC.
Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma, entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.
E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre é prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.
Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois ela tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.
Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como o SIFIDE II.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ([4])
Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se, hipoteticamente, a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, das tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
juros indemnizatórios
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da Lei Geral Tributária, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24º, n.º 5 do RJAT.
No caso em apreço, ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise, ao indeferir a reclamação graciosa (prévia) apresentada pela Requerente.
Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se acorda neste Tribunal Arbitral em julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência,
1) declarar a ilegalidade do acto que decidiu a reclamação graciosa deduzida pela Requerente;
2) anular o acto de autoliquidação impugnado;
3) condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados sobre € 501.759,05, desde um ano após apresentação do pedido de reclamação graciosa até ao reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da Lei Geral Tributária, 24.º, n.º 1, do RJAT, 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal);
4) condenar a AT nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 501.759,0, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 7 956,00.
Notifique-se.
Lisboa, 1 de Junho de 2017.
O Árbitro Presidente
(José Baeta de Queiroz)
O Árbitro Vogal
(António Alberto Franco)
O Árbitro Vogal
(Fernando de Jesus Amado dos Santos)
(1) Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».
([2])Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
([3])BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.
(4) OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.