DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 A…, SA NIPC[1]…, com sede em Lisboa na Rua … nº…, …-…, área do … Serviço de Finanças, apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IS[4], referente aos anos de 2012, 2013 e 2014, incidentes sobre a propriedade de imóvel, prédio urbano, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … freguesia da …, área do … serviço de finanças do concelho de Lisboa, no montante global de € 43 846,71.
2 Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 28/12/2016.
3 Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 03/02/2017, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
4 O tribunal foi constituído em 07/03/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 Com o seu pedido, visa o requerente, a anulação do IS previsto na verba 28.1 da TGIS[6], referente aos anos de 2012,2013 e 2014, respeitante ao imóvel já identificado e conforme se referiu.
6 Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no facto das liquidações serem ilegais, uma vez que incidiram sobre um VPT[7] que não corresponde ao legalmente devido, que enfermava de erros no seu cálculo, como aliás a AT veio a concordar e a corrigir o seu montante de € 1 408 730,00 para € 426 850,00.
7 Sendo o VPT do imóvel corretamente apurado de apenas € 426 850,00 afastaria a tributação em IS, uma vez que é bastante inferior à previsão da norma do artigo 28º da TGIS, o que não aconteceu, uma vez que incidiu sobre o VPT incorreto.
8 Na sua resposta a AT, também síntese, vem dizer que, que as liquidações de IS aqui postas em crise resultam da aplicação direta da norma legal que faz incidir o IS sobre o VPT constante na matriz para efeito de IMI[8] e que vinha sendo aceite pela requerente que não pediu segunda avaliação, ao abrigo do artigo 76º do CIMI[9], nem a impugnou ao abrigo do artigo 97º nº 1 al f) e artigo 134º ambos do CPPT[10].
9 Só em29 de Dezembro de 2015 a requerente reclamou ao abrigo do artigo 130º do CIMI cujas correções só produzem efeitos relativamente ao respetivo ano da apresentação, não produzindo efeitos relativamente às liquidações de anos anteriores.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na resposta a AT suscitou a dispensa de reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo, em 20/04/2017, o tribunal proferido o seguinte despacho: “Notifique-se o requerente, para em 10 dias se pronunciar, querendo, quanto à proposta da requerida de dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
Notifique-se ainda as partes para no mesmo prazo se pronunciarem, querendo, sobre a desnecessidade da produção de alegações orais ou escritas, uma vez que as suas posições se encontram perfeitamente definidas”.
Em 03/05/2017 veio o requerente anuir ao proposto nas condições constantes do seu requerimento junto aos autos, vindo o tribunal, em despacho de 03/05/2017, considerar reunidas as condições para proferir decisão.
Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – A questão a dirimir, com interesse para os autos, é apreciar o seguinte:
a) Se as liquidações do IS, aqui postas em crise, sofrem de ilegalidade por terem recaído sobre um VPT incorretamente apurado, havendo falta de objeto de aplicação da verba 28.1 da TGIS.
b) Procedendo o pedido, se haverá ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pela da AT.
2- Matéria de Facto
a) A requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua … nº … da cidade de Lisboa inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da … .
b) Em resultado da intervenção de conservação e beneficiação do imóvel levada a cabo em 2008, foi apresentada a competente modelo I de IMI em 26/09/2008, na qual consta que o prédio tinha então 88 anos.
c) Em consequência houve lugar a avaliação do imóvel, tendo sido atribuído o VPT de € 1 408 730,00, determinado nos termos do artigo 38º do CIMI, contribuindo para o seu apuramento, entre outros, o coeficiente de vetustez 1.
d) Do resultado da avaliação não foi deduzida qualquer reclamação ou impugnação, nem pedido de 2ª avaliação, nos termos legalmente previstos.
e) Em Dezembro de 2015 a requerente apresentou uma reclamação da matriz, ao abrigo do artigo 130º do CIMI, sem especificar nenhuma das alíneas do nº 3 do referido normativo, mas que, do seu teor, se infere que estava em causa o VPT.
f) A AT considerou a reclamação procedente, conforme PA[11] respetivo junto, vindo, em consequência, o VPT do imóvel em causa a ser reduzido para 426 850,00.
g) O IS previsto na verba 28º da TGIS, nela introduzida pela Lei 55º- A/2012 de 29 de Outubro e alterada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, veio a recair sobre o VPT de € 1 408 730,00, em vigor, ao tempo das liquidações aqui em causa.
h) Da procedência da reclamação matricial a AT, anulou o IS apurado quanto ao ano de 2015, uma vez que o VPT apurado é bem inferior à previsão constante da verba 28 da TGIS, mantendo as liquidações dos anos de 2012,2013 e 2014.
i) Contra este procedimento apresentou a requerente junto da AT pedido de revisão oficiosa, nos termos do nº 1 do artigo 78º da LGT[12], das liquidações do IS dos anos de 2012, 2013 e 2014, por entender que, face à procedência da reclamação matricial por erros, ab initio, na determinação do VPT de € 1 408 730,00, não haveria lugar às tributações aqui postas em crise, uma vez que o VPT ficou reduzido a € 426 850,00, inferior, como já se disse, à previsão constante da verba 28 da TGIS.
j) No entanto a AT, não apreciou o pedido de revisão oficiosa, por o considerar extemporâneo.
k) As liquidações de IS dos anos de 2012, 2013 e 2014 foram pagas atempadamente.
A matéria aqui dada como provada resulta de documentos e processos juntos aos autos que não foram impugnados pelas partes e que o tribunal considera relevantes para apreciação do mérito da causa.
3 – Matéria de Direito
3.1 – Da legalidade das liquidações do IS
As liquidações aqui postas em crise resultam da aplicação das normas constantes no artigo 1º do CIS[13] e da verba 28.1 à TGIS com a redação da Lei 55-A/2012 de 29 Outubro. Assim, no caso concreto, o prédio urbano aqui em questão tinha um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 e por isso abrangido pela previsão das referidas normas e consequente tributação em IS.
O VPT em causa tinha sido apurado com base nas regras previstas no CMI que não foi objeto de qualquer reclamação ou impugnação, nem pedido de 2ª avaliação, nos termos legalmente previstos, aquando da sua determinação.
Apercebendo-se, a requerente que o VPT apurado e que serviu de base às liquidações sofria de erros no seu apuramento, apresentou reclamação, ao abrigo do artigo 130º do CIMI, em Dezembro de 2015, que veio a ser aceite pela AT que corrigiu o VPT até então inscrito na matriz fixando-o em € 426 850,00 e de imediato anulou a liquidação do IS respeitante ao ano de 2015, uma vez que o VPT então corrigido era bem inferior ao previsto na verba 28 da TGIS e como tal não passível de tributação, procedendo à correção da liquidação do ano de 2015 de acordo com o disposto no nº 8 do artigo 130º do CIMI.
Face ao novo VPT e uma vez que a AT se limitou a anular apenas o IS do ano de 2015, a requerente apresentou em 17 de Agosto de 2016 um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo da do nº 1 do artigo 78º da LGT, das liquidações da verba 28.1 da TGIS dos anos de 2012, 2013 e 2014, por entender que as mesmas estavam feridas de ilegalidade uma vez que incidiram sobre um VPT erradamente determinado ab initio, aliás como a AT assim entendeu, ao reduzi-lo de € 1 408 730,00 para € 426 850,00, após a reclamação da matriz e também porque o erro de determinação do VPT inicial era imputável aos serviços, dado que na avaliação ter sido desprezada a idade do imóvel declarada pela requerente e sem qualquer justificação para tal procedimento.
A requerente viu o se pedido de revisão oficiosa indeferido pelo chefe do … SF[14] de Lisboa, conforme notificação de 22 de Setembro de 2016, que considerou que as liquidações tiveram por base o VPT apurado de acordo coma a avaliação efetuada, que não foi impugnada, decorrendo as liquidações da aplicação da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, não existindo por isso qualquer erro imputável aos serviços, sendo o pedido de revisão apresentado fora do prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.
A AT sustenta que, o nº 8 do artigo 130º do CIMI, determina que as reclamações da matriz só produzem efeitos relativamente ao ano em que são apresentadas, não produzindo efeitos para os anos anteriores.
Da matéria de facto provada resulta que a requerente na declaração modelo 1 de IMI apresentada em resultado das obras realizadas em 2008, consta a idade do prédio (88 anos então) e que o coeficiente vetustez utilizado na avaliação foi de 1, bem superior ao previsto na tabela constante do nº 1 do artigo 44º do CIMI (0,4). Desta constatação o tribunal entende que a avaliação levada a efeito pela AT, ao não ter em conta a idade do prédio declarado nem justificado a atribuição do coeficiente 1, chegou a um VPT errado, como aliás a própria AT concluiu ao deferir a reclamação apresentada em Dezembro de 2015, reduzindo o VPT inicial de € 1408 730,00 para € 426 850,00 e que esse erro só pode ser imputado aos serviços de avaliação da AT e forçosamente cair no âmbito da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.
Nestas circunstâncias a AT deveria ter procedido à revisão oficiosa das liquidações, dado que o erro no apuramento do VPT lhe é imputável e não se escudar na extemporaneidade do pedido nem da impossibilidade das reclamações da matriz produzirem efeitos relativamente aos anos anteriores à sua apresentação e também por o contribuinte não ter usado os meios de que dispunha para atacar quer a determinação do VPT quer as liquidações em causas.
Mas o que está aqui em causa é a ilegalidade das liquidações de IS que incidiram sobre um VPT erradamente determinado por erro imputável aos serviços da AT, como já se disse e que o artigo 78º da LGT acolhe a possibilidade dessa revisão. E não se diga que o contribuinte não apresentou o seu pedido no prazo de reclamação administrativa, conforme estipula a 1º parte do nº 1 do citado artigo 78º da LGT.
Na verdade, basta tem sido a jurisprudência do STA a considerar que o sujeito passivo, em caso de erro imputável aos serviços, como é o caso, pode no prazo de 4 anos solicitar a revisão do ato tributário. A título de exemplo, transcreve-se na parte que interessa, extrato do acórdão do STA de 29 de Maio de 2013 – Pº 140/13: “A jurisprudência deste STA tem-se pronunciado no sentido de que o sujeito passivo pode pedir a revisão do acto tributário, também no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços. É neste sentido que se pronuncia o acórdão do STA de 29 de Maio de 2013, proferido no Proc. nº 140/13, onde o ora relator interveio como 1º Juiz Adjunto no qual se pode ler: “ (…) Deste modo, tal como sucede relativamente a qualquer ato tributário, independentemente de poder usar os meios de defesa normais (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), o contribuinte pode também pedir a revisão do ato tributário no prazo de reclamação administrativa com fundamento em qualquer ilegalidade; e pode ainda solicitar à administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, que esta revogue o ato com fundamento em erro imputável aos serviços.” E mais adiante, “Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa.”
Ora, não tendo decorrido o prazo de 4 anos, nem para a liquidação de 2012, muito menos para as dos anos seguintes, e havendo erro imputável aos serviços, a AT só podia rever as liquidações conforme requerido e não indeferir o pedido como fez.
Face a esta conclusão o tribunal entende desnecessário apreciar as consequências da falta de audição prévia invocada pela requerente.
3.2 – Do pedido de juros indemnizatórios
Verificando-se a ilegalidade das liquidações por terem incidido sobre um VPT erradamente apurado, por erro imputável aos serviços, ao não ter em conta os elementos declarados pelo sujeito passivo nem justificando o procedimento e tendo em vista o disposto no artigo 46º do CIMT[15], nº 3, aplicável ex vi artigo 49 º nº 2 do CIS, são devidos juros indemnizatórios, previstos no artigo 43º da LGT, ficando assim a AT obrigada a reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, conforme artigo 100º da LGT.
Comprovado o pagamento do IS em causa pela requerente tem a mesma direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos precisos termos do citado artigo 43, nº 1 da LGT e artigo 61º do CPPT.
IV DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia dada a verificada ilegalidade das liquidações de IS dos anos de 2012, 2013 e 2014, no valor global de € 43 846,71 (€ 14 615,57 por cada ano), com a consequente anulação e devolução do montante indevidamente pago.
b) Declarar que o reembolso do indevidamente pago deverá ser acompanhado de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, desde a data em que tenha ocorrido o pagamento e a data em que ocorra o reembolso.
c) Fixar o valor do processo € 43 846,71 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[16], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[17].
d) Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 2 142,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerida.
Notifique.
Lisboa, 23 de Maio de 2017
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O árbitro,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Número de identificação fiscal de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[8] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[9] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[11] Acrónimo de Processo Administrativo
[12] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[13] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[14] Acrónimo de Serviço de Finanças
[15] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
[16] Acrónimo de Código de Processo Civil
[17] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária