DECISÃO ARBITRAL
Em cumprimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31 de Outubro de 2019, que declarou a nulidade da Decisão Arbitral de 30 de Maio de 2017, vem o árbitro ora signatário designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa apresentar nova
I. Relatório
1. No dia 14-12-2016, a sociedade A..., S. A., NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade de 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a 44 (quarenta e quatro) veículos automóveis e referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante de € 9.205,32, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 712,79 e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 Todos os actos de liquidação oficiosa de imposto assentam nos mesmos factos e, bem assim, nos mesmos fundamentos de direito – tal como os actos de indeferimento cuja apreciação da legalidade aqui se requer.
4.2 Considerando esta identidade de factos tributários, de fundamentos de facto e de direito e, bem assim, do tribunal competente para a decisão, e atendendo ainda ao elevado número de viaturas e ao volume de documentação necessária para comprovar os factos infra alegados, optou a Requerente por, ao abrigo dos artigos 3.º do RJAT e 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, agregar as liquidações adicionais cuja legalidade se contesta num único pedido de pronúncia arbitral.
4.3 Os veículos automóveis em causa foram dados em locação financeira, Locação essa que se encontrava em vigor no ano (ou, mais concretamente, do mês relevante do ano) em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo.
4.4 Nessa data e, de resto, durante todo o período em que os sobreditos Contratos estiveram em vigor – tal como ocorre em qualquer contrato desta natureza –, a utilização dos respectivos veículos automóveis esteve sempre exclusivamente a cargo do locatário.
4.5 A sua propriedade (jurídica) pertencia, é certo, à Requerente, enquanto entidade locadora; porém, esta jamais usufruiu dos veículos, que estiveram, desde o momento da sua aquisição, a ser utilizado (apenas e só) pelos locatários.
4.6 A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento do IUC, o que veio a fazer.
4.7 Através dos sobreditos actos de liquidação adicional, veio a AT exigir o pagamento dos IUC em falta à aqui Requerente, mesmo sabendo – ou devendo saber, porquanto a locação financeira é objecto de registo junto da Conservatória do Registo Comercial – que, sobre estes veículos automóveis em particular, incidiam contratos de locação financeira, e conhecendo inclusive a identidade dos locatários.
4.8 Em todos os casos, sem excepção, encontrava-se em vigor um contrato de locação financeira no momento em que se tornaram exigíveis os IUC aqui em apreço, ou que terminou o termo do prazo para proceder ao seu pagamento.
4.9 O IUC é o tributo que visa onerar os contribuintes pelo custo ambiental e viário que lhes está associado, numa lógica de equivalência e igualdade tributária (cfr. artigo 1.º do Código do IUC).
4.10 Assim, quanto a este imposto, o legislador optou por onerar o sujeito passivo não de acordo com (e na medida da) sua riqueza – afastando o princípio da capacidade contributiva –, mas sim na justa medida do custo para o ambiente e para as infra estruturas viárias que aquele sujeito passivo, através da utilização de veículos automóveis, pode gerar.
4.11 Subjacente a esta regra de incidência está, claro está, o pressuposto do potencial de utilização de veículos automóveis: é precisamente porque tem à sua disposição o direito de utilizar um veículo – gerador de determinado nível de poluição, desgaste das vias, etc. –, que aquele sujeito passivo tem um potencial acrescido de provocar danos ao ambiente e às infra estruturas, danos esses que justificam, do ponto de vista económico-jurídico, a sua tributação em sede de IUC.
4.12 No que respeita desde às regras de determinação da base tributável, até à taxa aplicável, passando mesmo pelas isenções consagradas, é reconhecido ao longo do Código do IUC um vector comum: a intenção de tributar o veículo na justa medida do seu potencial polutivo.
4.13 Daí que o encargo correspondente compita, em primeira linha, à pessoa ou entidade que tem o potencial de utilização do referido automóvel; i.e., que tenha o potencial de produção da poluição que se pretende, justamente, desincentivar.
4.14 O proprietário não teve, não tem, e jamais terá – enquanto o contrato vigorar – o potencial de utilização daquele veículo, que cabe, assim, exclusivamente, a um terceiro.
4.15 Terceiro esse que, de resto, está perfeitamente identificado perante a AT e demais entidades públicas – não apenas por força do registo, junto da Conservatória do Registo Automóvel, da existência de um contrato de locação financeira, mas também em virtude do dever que recai sobre as entidades locadoras, nos termos do artigo 19.º do Código do IUC, de “fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados” (cfr. artigo 19.º do Código do IUC) –, de tal modo que não se afigura de qualquer complexidade a tarefa de, cumprindo o desígnio com que foi introduzido no ordenamento jurídico nacional, imputar-lhe a responsabilidade pela capacidade poluente do automóvel e, subsequentemente, pela sua tributação.
4.16 Não surpreende, por isso, que, em tais casos, o legislador se tenha afastado da regra geral da propriedade – i.e., da regra que faz coincidir o obrigado ao imposto com o proprietário da viatura –, em prol de uma maior aderência à substancialidade económica da situação.
4.17 Nestes casos – de locação financeira, aquisição com reserva de propriedade, etc. –, o legislador optou, pois, e (na opinião da Requerente) bem, por onerar com a obrigação de imposto não os proprietários, mas os indivíduos a quem cabe o gozo (potencial de utilização) exclusivo dos automóveis: os locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade ou locatário com opção de compra.
4.18 Ora, num contrato de locação financeira, dúvidas não restam de que o direito de utilizar o bem é subtraído ao respectivo proprietário – que, nesta sede, se assume como locador – para integrar na esfera do locatário.
4.19 Aliás, a própria noção de “locação financeira”, consagrada no diploma legal que regula esta espécie contratual no nosso ordenamento jurídico, pressupõe esse gozo exclusivo; dito de outro modo, a própria espécie contratual é construída em torno da ideia da atribuição de um bem ao locatário para que este último dele usufrua na pendência do contrato.
4.20 Veja-se que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho (alterado pelos Decretos-Leis n.os 265/97, de 2 de Outubro, e 30/2008, de 25 de Fevereiro) define locação financeira como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
4.21 Assim, estipula-se como obrigação do locador “conceder o gozo do bem para os fins a que se destina” (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 149/95, na redacção do Decreto-Lei n.º 30/2008), enquanto que, no n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma, se atribui ao locatário o direito de “usar e fruir o bem locado”.
4.22 Por outro lado, a este é igualmente reconhecido o direito de defender “a integridade do bem e o seu gozo”; já ao locador, atribui-se apenas a obrigação de defender a “integridade do bem”, e já não o seu gozo – pois que este, evidentemente, não lhe pertence.
4.23 Não apenas o locador se torna proprietário com o fito, assumido ab initio, de ceder o gozo do bem, como é o locatário, e não o locador que exerce os poderes típicos da propriedade.
4.24 Este detém a propriedade económica do bem, por assim dizer, não competindo ao locador mais do que a sua propriedade jurídica.
4.25 E não só: o risco de perecimento e destruição do bem locado corre por conta do locatário, e não do proprietário (cfr. artigo 15.º do n.º Decreto-Lei 30/2008).
4.26 O locatário pode exercer directamente, contra o vendedor, os direitos resultantes do contrato de compra e venda celebrados pelo locador, sem que este tenha sequer que ser chamado à acção (cfr. artigo 13.º do mesmo diploma).
4.27 Assim, nestes casos, a qualificação jurídica de locador – engloba, é certo, mas – ultrapassa claramente a qualificação de proprietário: o locador é um proprietário meramente instrumental, e cujos direitos e deveres muito se distinguem daqueles tipicamente associados à figura jurídica da propriedade.
4.28 Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC – em vigor à data dos factos –, a regra é muito simples: cabendo aos locatários o gozo exclusivo do veículo automóvel sobre o qual recai o contrato, cabe-lhes também a obrigação de pagar o imposto.
4.29 No que respeita à locação financeira, é então evidente: reconhecendo-o o próprio legislador fiscal como “utilizador do veículo locado” (cfr. artigo 19.º), não restam dúvidas que deve pertencer ao locatário a responsabilidade por indemnizar os custos (ambientais e viários) associados ao potencial de utilização do respectivo veículo.
4.30 Sabendo-se de antemão que o IUC visa imputar aos contribuintes a responsabilidade que lhes é assacada pelo potencial de utilização de veículos automóveis – no que respeita aos custos ambientais e viários que tal utilização acarreta – não pode o mesmo deixar de consistir encargo de quem efectivamente causa tais custos, que não há-de deixar de ser a pessoa a quem pertence o direito de utilizar o veículo em questão.
4.31 Tal como, de resto, parece ser assumido pela própria AT.
4.32 Considerando que, quanto a todos e a cada um dos casos – os veículos automóveis já se encontravam na posse dos respectivos locatários no termo do mês da matrícula ou, tratando-se do ano de registo do veículo, noventa dias após a data da matrícula –, sem excepção, dever-se-á necessariamente concluir que a responsabilidade pela liquidação do imposto pertencia não à entidade locadora, aqui Requerente, mas aos locatários.
4.33 Locatários esse cuja identidade, de resto, é do pleno conhecimento da AT; com efeito, em cumprimento do disposto no artigo 19.º do Código do IUC, aquela é oportuna e atempadamente informada da existência do referido contrato de locação, assim como da identidade (mormente, número de identificação fiscal) do “utilizador do veículo locado” (cfr. artigo 19.º), e, ainda que assim não fosse, a verdade é que o referido locatário encontra-se igualmente, de resto, perfeitamente identificado junto da Conservatória do Registo Automóvel.
4.34 Vigorando um contrato de locação financeira no momento em que se torna exigível o IUC, é ao locatário, e não ao locador (ainda que seja este que detém a propriedade do veículo), que compete liquidá-lo.
4.35 E nem se diga que o referido imposto consiste responsabilidade de ambas as entidades – locatário e locador.
4.36 Ou seja, que o primeiro consiste no obrigado principal, pertencendo ao segundo a responsabilidade de, em segunda linha, proceder ao pagamento do imposto em falta.
4.37 Isto porque, analisadas as normas legais acima invocadas, não se vislumbra qualquer indício de que o legislador pretendeu onerar a entidade locadora com a responsabilidade – subsidiária, conjunta, solidária ou qualquer outra – de pagamento do imposto, sempre que exista um locatário.
4.38 Caso fosse essa a intenção legislativa, teria que ter sido inserida no texto legal alguma expressão que o indiciasse.
4.39 Atento o exposto, e tudo sopesado, resulta por demais evidente que a Requerente não é sujeito passivo de IUC relativamente aos contratos de locação financeira de que é parte, sendo, por isso, absolutamente ilegais os actos de liquidação adicional de que foi alvo.
4.40 Com efeito, esta é a conclusão alcançada nas inúmeras decisões arbitrais proferidas até à data, sobre esta temática, no âmbito da arbitragem tributária.
4.41 Em processos análogos ao presente, que opuseram a Requerente à AT e Aduaneira, foi por esta última solicitado que as custas arbitrais recaíssem sobre a Requerente, e que não se considerassem devidos juros indemnizatórios, atento o facto de a Requerente ter, alegadamente, sido “responsável” pelas liquidações de IUC que ora se contestam.
4.42 Sucede que, e com o devido respeito, não assiste razão à AT neste raciocínio, pelos motivos que, antecipadamente e por cautela, se deixam já discriminados.
4.43 Em primeiro lugar porque a AT já teve a possibilidade de revogar os actos de liquidação em apreço tanto em sede de Revisão Oficiosa, bem como de Recurso Hierárquico, algo que, caso tivesse vindo a ocorrer, evitaria a necessidade da apresentação do presente pedido de constituição do tribunal arbitral.
4.44 E porque, nos termos do artigo 13.º do RJAT, a AT tem a possibilidade de, recebida a petição arbitral, e analisados os argumentos e documentos coligidos pela Requerente, revogar os actos de liquidação de imposto.
4.45 Não o fazendo, a AT está a assumir expressamente que, mesmo na posse de toda a informação, continuaria a emitir as liquidações de IUC nos precisos termos em que as mesmas foram notificadas à Requerente.
4.46 As mencionadas liquidações são da exclusiva e única responsabilidade da AT, que, assim, não poderá deixar de ser responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios e pela assunção das custas arbitrais.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 A jurisprudência constitui um precedente meramente persuasivo (cfr. artigos 1.º e 8.º, n.º 3 do Código Civil), aquele será tanto mais forte quanto mais elevado for o grau hierárquico do tribunal que ditou a decisão e quanto mais repetitiva for a orientação seguida.
5.2 Ora, salvo o devido respeito, o elenco de decisões arbitrais organizado pela Requerente não constitui um conjunto de decisões proferidas por um tribunal de hierarquia superior.
5.3 O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.4 Note-se que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.5 Se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas precisamente porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar tais regras contabilísticas.
5.6 Nestes termos, é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.
5.7 Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem.
5.8 Trata-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.
5.9 É este, aliás, o entendimento já adotado pela jurisprudência dos nossos tribunais.
5.10 Estabelece o artigo 6.º do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador e Exigibilidade”, no seu n.º 1, que: «O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.».
5.11 Da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objeto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.º) geram o nascimento da obrigação de imposto.
5.12 Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que «o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º».
5.13 Ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (Cfr. artigos 4.º/2 e 6.º/3 do CIUC, artigo 10.º/1 do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis).
5.14 No mesmo sentido milita a solução legislativa adotada pelo legislador fiscal no artigo 3.º/2 do CIUC ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respetivo registo.
5.15 Tal posição está ainda patente na circunstância de o registo automóvel a que a Requerida tem ou pode ter acesso e o certificado no qual devem constar os atos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Requerida ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo deste Imposto.
5.16 Na falta de tal registo, naturalmente, será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida, tendo em conta a atual configuração do sistema jurídico, não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos.
5.17 Nestes termos, a não atualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto.
5.18 Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afeta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
5.19 Note-se a este propósito desde logo que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.º do CIUC, tanto no seu n.º 1, como no n.º 2, correspondem exatamente aos casos de registo automóvel obrigatório nos termos do Código do Registo Automóvel.
5.20 Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.
5.21 À luz de tudo quanto até se expôs e por força do disposto no artigo 3.º do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC.
5.22 Todavia, ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão.
5.23 Tendo em vista tal ilisão veio a Requerente instruir o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção de cópias dos contratos de locação financeira.
5.24 Face ao alegado pela Requerente decorre naturalmente a seguinte questão: constituirão os contratos de locação financeira prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC?
5.25 Dito de outra forma: demonstrarão tais contratos que, à data dos factos geradores de IUC, os veículos em causa eram (ainda) objeto de locações financeiras celebradas pela Requerente?
5.26 Tal como resulta clara e inequivocamente dos Documentos juntos, à data dos factos geradores do IUC aqui em causa já tinham findado os contratos de locação financeira.
5.27 Acresce ainda que se concluísse estarmos perante um contrato de locação financeira outorgado pela Requerente, sempre cabia a esta última demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC.
5.28 Efectivamente, importa recordar que a aplicação do artigo 3.º do CIUC deve ser conjugada com o disposto no artigo 19.º do mesmo código, no qual se estabelece que «para efeitos do artigo 3.º do presente código (…), ficam as entidades que procedam à locação financeira, locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados.»
5.29 Deste modo, a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira o seu elemento literal («para efeitos do artigo 3.º do presente código (…)».
5.30 Por palavras mais simples, em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.
5.31 Ora, nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação, como aliás lhe competia, pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3.º aqui em causa.
5.32 De facto, em matéria de locação financeira a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do CIUC.
5.33 Como se sabe, a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova, consagrando o artigo 423.º do novo CPC que aqueles deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes.
5.34 Assim sendo, após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental.
5.35 Efectivamente, o fornecimento de dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados não carece de qualquer formalidade legal, bastando para o seu cumprimento uma mera comunicação dirigida à Requerida.
5.36 Assim, não tendo a Requerente cumprido o ónus probatório que se lhe impunha e constatando-se agora o incumprimento da obrigação declarativa exigida pelo artigo 19.º do CIUC, duas consequências (intra e extraprocessuais) necessariamente se haverão de extrair do seu comportamento omisso.
5.37 Em primeiro lugar, a sua responsabilidade pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral, dado que a falta do fornecimento dos dados deu inexoravelmente azo à emissão a parte das liquidações sub judice, nos termos melhor explanados em capítulo próprio.
5.38 E em segundo lugar, ao apuramento da sua responsabilidade em termos contra-ordenacionais à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º/4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, punível com coima de € 300,00 a 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira.
5.39 A acrescer a tudo quanto acima foi exposto, cabe ainda referir que a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade.
5.40 Efectivamente, a interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma realidade informal e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.
5.41 Paralelamente, a interpretação dada pela Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.
5.42 Ora, a posição defendida pela Requerente é um entendimento que está nas antípodas daquele princípio e da própria reforma da tributação automóvel na medida em que, ao pretender desconsiderar a realidade registral, uma realidade que constitui a pedra angular na qual assenta todo o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registral.
5.43 Finalmente, a argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel, pedido de apreensão de documentos e pedido de cancelamento de matrículas), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.
5.44 A competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores, designadamente ao Instituto dos Registos e do Notariado a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis.
5.45 Portanto, o registo da propriedade constitui um elemento essencial no sistema de informação entre a Requerida e demais entidades públicas, conforme se retira do artigo 5.º da Lei 22-A/2007, de 29 de junho (diploma que operou a reforma global da tributação automóvel).
5.46 Por outro lado, a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida, pois inexiste qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria, contrariamente ao controlo que é passível de ser realizado, por exemplo, por via do prévio pagamento de Imposto Municipal Sobre Transmissão de Imóveis em matéria de transmissão de prédios.
5.47 Significa isto, portanto, que o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado.
5.48 Ora, não tendo a Requerente cuidado da atualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5.º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 118.º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível.
5.49 E ao não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito.
5.50 Consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem.
5.51 O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.
5.52 Com efeito, à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) estar pago o imposto; (ii) ter a respetiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial; (iii) determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.
5.53 De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
5.54 Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios.
6. No dia 31/03/2017, foi proferido despacho arbitral, nos seguintes termos:
"Ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, tendo em conta que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, constam dos autos os documentos pertinentes, e mostra-se junto o processo administrativo, o Tribunal considera que:
1) não se mostra necessário promover a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, dado não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1 desta disposição;
2) não se mostra necessário proceder à inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, uma vez que os factos relevantes são objecto de prova documental;
3) não se mostra necessária, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, a produção de alegações orais, dado estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na al. f) do art. 16.º do RJAT, convidam-se as partes para, em cinco (5) dias, comunicarem nos autos se, não obstante o acima referido, pretendem, mesmo assim, a realização da reunião a que alude o art. 18.º, fundamentando essa pretensão.
Caso as partes nada requeiram no mencionado prazo, considera-se que nada têm a obstar a que o Tribunal, sem mais diligências, profira a decisão final, cuja data fica fixada, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do RJAT, até ao dia 31 de Maio de 2017".
7. Através de requerimento datado de 6 de Abril de 2017, veio a Requerente expor e requerer, em súmula, o seguinte:
7.1 Uma das matérias controvertidas nos presentes autos é o cumprimento, por parte da Requerente, da obrigação acessória prevista no artigo 19.º do Código do IUC.
7.2 Ora, no que respeita ao cumprimento de tal obrigação, o mesmo não pode ser susceptível de prova documental, isto na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento.
7.3 Com efeito, a obrigação de comunicação em causa é cumprida electronicamente, através do Portal das Finanças, não permitindo extrair do dito portal qualquer comprovativo de cumprimento da mesma.
7.4 É verdade que a jurisprudência do CAAD já se tem vindo a pronunciar inúmeras vezes sobre a natureza de tal obrigação (acessória), sendo praticamente unânime que o seu cumprimento (ou falta dele) nunca poderia ter consequências em sede de incidência subjectiva do imposto.
7.5 Chegados a este ponto, no entendimento da Requerente, a necessidade de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para a inquirição das testemunhas arroladas estará assim dependente de o Tribunal considerar que a prova do cumprimento de tal obrigação (prevista no artigo 19.º do Código do IUC) é, ou não, determinante para a decisão dos presentes autos:
a) ou o Tribunal considera que o cumprimento da obrigação estipulada no artigo 19.º do Código do IUC poderá eventualmente ter consequências no que diz respeito à incidência subjectiva do imposto – o que, com o devido respeito, não cremos –;
b) ou, ao invés, considera que tal obrigação, sendo de natureza meramente acessória nunca terá consequências em sede de incidência do tributo, como considera a Requerente e tem sido o entendimento do CAAD.
7.6 No primeiro caso, tratando-se de matéria determinante para a decisão dos presentes autos, relativamente à qual não é possível a produção de prova documental, será imprescindível a inquirição das testemunhas arroladas com vista a aferir do cumprimento da mesma, motivo pelo qual deverá ser realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
7.7 Porém, caso o Douto Tribunal conclua, na linha da jurisprudência já firmada nesse Centro de Arbitragem, que o cumprimento de tal obrigação acessória não releva para a boa decisão da matéria em causa (incidência subjectiva do IUC na vigência de contratos de locação financeira), na medida em que não se afigurará necessário efectuar prova testemunhal do seu cumprimento, poderá então, dispensar-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
8. A Requerida respondeu, através de requerimento datado de 10 de Abril de 2017, expondo, em súmula, o seguinte:
8.1 Antes de mais, a Requerente não demonstra minimamente aquilo que alega, ou seja, que a Requerida não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento daquela obrigação.
8.2 Também nada impediria a Requerente de solicitar à Requerida, logo após o cumprimento da obrigação aqui em causa, a emissão a posteriori de um documento ou comprovativo atinente àquele cumprimento.
8.3 Portanto, é manifestamente falsa a impossibilidade de a Requerente obter prova documental atinente ao cumprimento do artigo 19.º do CIUC.
8.4 Por último, mas não menos importante, impõe-se recordar que a prova testemunhal não é apta a demonstrar o cumprimento daquela obrigação declarativa.
8.5 Aliás, seria, no mínimo, insólito que uma testemunha (ou mesmo duas) conseguisse recordar-se de cada um dos contratos das 44 (quarenta e quatro) viaturas aqui em causa e, por conseguinte, das datas em que os mesmos foram supostamente comunicados à Requerida.
8.6 A não ser, claro está, que por “prova testemunhal” se entenda a diligência de uma testemunha elencar oralmente os seus apontamentos escritos ou, em alternativa, realizar afirmações gerais e abstractas.
9. No dia 11/04/2017, foi proferido despacho arbitral, nos seguintes termos:
"Notificadas ambas as partes da dispensa da reunião prevista no art. 18º RJAT, veio a requerente justificar a inquirição das testemunhas que arrolou com o fim de comprovar o cumprimento da obrigação prevista no (anteriormente vigente) art. 19º do CIUC. Em resposta veio a requerida invocar que o cumprimento dessa obrigação não pode ser objecto de prova testemunhal.
Tem razão a requerida. As regras gerais sobre provas constam do Código Civil e o art. 395º desse Código é expresso no sentido de que as causas de extinção das obrigações não podem ser objecto de prova testemunhal. Assim sendo, e uma vez que o único objectivo alegado para a inquirição das testemunhas era a prova do cumprimento dessa obrigação, mantém-se a dispensa das mesmas, pelo que irá ser elaborada decisão final no prazo indicado".
10. Está assim o Tribunal em condições de proferir sentença sobre a questão discutida nos presentes autos.
II. Factos provados
11. Com interesse para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos:
11.1. Os actos de liquidação ora impugnados correspondem aos veículos automóveis com as seguintes matrículas:
Veículo automóvel (matrícula) Mês matrícula Nº de liquidação adicional Ano Valor IUC Juros Valor Global
... Abril 2010... 2010 32,80 4,61 37,41
... Abril 2011... 2011 33,83 3,39 37,22
... Abril 2012... 2012 34,61 2,09 36,70
... Junho 2010... 2010 33,10 4,43 37,53
... Junho 2011... 2011 33,83 3,17 37,00
... Junho 2012... 2012 34,61 1,85 36,46
... Julho 2010... 2010 29,00 3,78 32,78
... Julho 2011... 2011 30,00 2,71 32,71
... Julho 2012... 2012 31,00 1,56 32,56
... Setembro 2010... 2010 29,00 3,59 32,59
... Setembro 2011... 2011 30,00 2,51 32,51
... Setembro 2012... 2012 31,00 1,35 32,35
... Outubro 2010... 2010 184,60 22,17 206,77
... Outubro 2011... 2011 188,73 15,16 203,89
... Outubro 2012... 2012 194,93 7,80 202,73
... Março 2010... 2010 48,00 6,90 54,90
... Março 2011... 2011 49,00 5,09 54,09
... Março 2012... 2012 50,00 3,17 53,17
... Janeiro 2010... 2010 32,80 4,92 37,72
... Janeiro 2011... 2011 33,83 3,73 37,56
... Janeiro 2012... 2012 34,61 2,43 37,04
... Outubro 2010... 2010 29,00 3,48 32,48
... Outubro 2011... 2011 30,00 2,41 32,41
... Outubro 2010... 2010 29,00 3,48 32,48
... Outubro 2011... 2011 30,00 2,41 32,41
... Agosto 2010... 2010 138,50 17,59 156,09
... Agosto 2011... 2011 141,59 12,32 153,91
... Agosto 2012... 2012 146,80 6,89 153,69
... Junho 2010... 2010 138,50 18,53 157,03
... Junho 2012... 2012 146,80 7,85 154,65
... Maio 2010... 2010 110,67 15,17 125,84
... Maio 2011... 2011 113,15 10,95 124,10
... Setembro 2010... 2010 105,40 13,04 118,44
... Setembro 2011... 2011 107,76 9,02 116,78
... Setembro 2012... 2012 112,10 4,88 116,98
... Novembro 2010... 2010 105,60 12,36 117,96
... Novembro 2011... 2011 107,96 8,32 116,28
... Novembro 2012... 2012 111,68 4,12 115,80
... Fevereiro 2010... 2010 109,83 16,15 125,98
... Fevereiro 2011... 2011 113,15 12,13 125,28
... Janeiro 2010... 2010 137,45 20,64 158,09
... Janeiro 2011... 2011 141,59 15,61 157,20
... Janeiro 2012... 2012 146,80 10,31 157,11
... Novembro 2010... 2010 193,83 22,69 216,52
... Novembro 2011... 2011 198,17 15,27 213,44
... Novembro 2012... 2012 204,68 7,56 212,24
... Abril 2010... 2010 29,00 4,07 33,07
... Abril 2012... 2012 31,00 1,87 32,87
... Julho 2011... 2011 49,00 4,46 53,46
... Julho 2012... 2012 50,00 2,55 52,55
... Maio 2011... 2011 49,00 4,78 53,78
... Maio 2012... 2012 50,00 2,89 52,89
... Outubro 2011... 2011 49,00 3,97 52,97
... Outubro 2012... 2012 50,00 2,04 52,04
... Novembro 2011... 2011 141,59 11,02 152,61
... Novembro 2012... 2012 146,80 5,53 152,33
... Junho 2011... 2011 134,09 12,68 146,77
... Junho 2012... 2012 137,17 7,44 144,61
... Outubro 2011... 2011 117,00 9,49 126,49
... Outubro 2012... 2012 120,00 4,89 124,89
... Outubro 2011... 2011 30,00 2,43 32,43
... Outubro 2012... 2012 31,00 1,26 32,26
... Março 2011... 2011 118,76 12,42 131,18
... Março 2012... 2012 122,85 7,89 130,74
... Agosto 2011... 2011 134,85 11,84 146,69
... Agosto 2012... 2012 139,81 6,66 146,47
... Dezembro 2011... 2011 49,00 3,64 52,64
... Dezembro 2012... 2012 50,00 1,70 51,70
... Outubro 2011... 2011 49,00 3,97 52,97
... Outubro 2012... 2012 50,00 2,04 52,04
... Abril 2011... 2011 49,00 4,95 53,95
... Abril 2012... 2012 50,00 3,06 53,06
... Julho 2011... 2011 134,85 12,28 147,13
... Julho 2012... 2012 139,81 7,14 146,95
... Outubro 2011... 2011 283,08 22,96 306,04
... Outubro 2012... 2012 293,50 11,97 305,47
... Novembro 2011... 2011 30,00 2,33 32,33
... Novembro 2012... 2012 31,00 1,17 32,17
... Dezembro 2011... 2011 49,00 3,64 52,64
... Dezembro 2012... 2012 50,00 1,70 51,70
... Maio 2011... 2011 16,86 1,64 18,50
... Maio 2012... 2012 17,25 1,00 18,25
... Junho 2011... 2011 33,83 3,20 37,03
... Junho 2012... 2012 34,61 1,88 36,49
... Dezembro 2011... 2011 117,00 8,68 125,68
... Dezembro 2012... 2012 120,00 4,09 124,09
... Agosto 2011... 2011 30,00 2,63 32,63
... Agosto 2012... 2012 31,00 1,48 32,48
... Outubro 2011... 2011 198,17 16,07 214,24
... Outubro 2012... 2012 204,68 8,34 213,02
... Agosto 2011... 2011 49,00 4,30 53,30
... Agosto 2012... 2012 50,00 2,38 52,38
... Agosto 2011... 2011 198,17 17,40 215,57
... Agosto 2012... 2012 204,68 9,76 214,44
... Agosto 2011... 2011 198,17 17,40 215,57
... Agosto 2012... 2012 204,68 9,76 214,44
... Agosto 2011... 2011 134,85 11,84 146,69
... Agosto 2012... 2012 139,81 6,66 146,47
... Novembro 2011... 2011 16,86 1,31 18,17
... Novembro 2012... 2012 17,25 0,65 17,90
11.2. Foram celebrados os seguintes contratos de locação financeira e contratos-promessa de compra e venda:
Veículo automóvel (matrícula) Contrato de Locação Financeira e Contrato PCV Data
... B... 226-10-2005
... C... LDA 16-06-2005
... D... LDA 31-07-2007
... E... UNIPESSOAL LDA 20-09-2007
... F... UNIPESSOAL LDA 26-10-2007
... G... 18-04-2008
... H... 31-01-2005
... I... LDA 31-10-2008
... J... 13-08-2008
... K... 03-09-2008
... L... 20-05-2008
... M... 30-10-2007
... N... UNIPESSOAL LDA 29-11-2007
... O... 11-02-2008
... P... 01-10-2008
... Q... LDA 13-11-2008
... R... 10-04-2008
... S... UNIPESSOAL LDA 30-06-2009
... T... LDA 13-05-2009
... U... LDA 03-10-2008
... V... 27-11-2008
... W... 10-05-2007
... X... LDA 15-10-2007
... Y... LDA 29-10-2008
... Z... LDA 24-03-2009
... AA... LDA 10-08-2007
... BB... LDA 11-12-2007
... CC... UNIPESSOAL LDA 10-10-2008
... DD... LDA 21-04-2006
... EE... LDA 24-07-2007
... FF... LDA 01-10-2008
... GG... LDA 20-11-2007
... HH... UNIPESSOAL LDA 11-12-2007
... II... 07-11-2008
... JJ... SA 27-07-2007
... KK... 06-01-2011
... LL... 03-06-2009
... MM... LDA 29-10-2008
... NN... UNIPESSOAL LDA 10-09-2007
... OO... LDA 28-07-2008
... PP... 10-08-2007
... QQ... 10-12-2007
11.3. À data em que venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo, os veículos referidos supra não se encontravam na posse da Requerente.
III. Factos não provados
12. Não se provou que a Requerente tenha fornecido à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.
IV – Do Direito
13. São as seguintes as questões a apreciar:
a) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios
b) Da alegada inconstitucionalidade da interpretação do artigo 3º do CIUC
c) Do direito a juros indemnizatórios
Examinemos assim estas questões:
14. DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IUC E JUROS COMPENSATÓRIOS
O artigo 6º, nº 1 do CIUC estabelece que “O facto gerador do imposto é constituído peia propriedade do veículo”.
Refere o artigo 3º do mesmo Código:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”
A questão que aqui se coloca em causa é aferir se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção.
Nos termos do artigo 349º do Código Civil, “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”
De acordo com o artigo 73º da Lei Geral Tributária, “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
Entende a Autoridade Tributária que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
A argumentação da Autoridade Tributária prende-se, antes de mais, com a utilização do vocábulo “considerando-se” e não “presume-se” no artigo 3º do CIUC, afirmando que, através de uma interpretação sistemática da norma, se poderá entender que não se trata de uma presunção.
Não existe, contudo, na legislação portuguesa, qualquer norma que defina expressamente que uma presunção legal terá de conter o vocábulo “presume-se”, tratando-se aqui de uma mera questão de utilização de sinónimos.
Como refere, a este respeito, o Acórdão do CAAD nº 26/2013, estamos “perante uma mera questão semântica”, não se podendo considerar que o conceito de presunção se entenda como “as normas que contêm o vocábulo “presume-se””.
Afirma-se ainda, no mesmo acórdão, “É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no n.º 1 do art. 3.º do CIUC. Assim, não poderá deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal, e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
Conforme o Acórdão do CAAD nº 289/2013, “A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se”, o que suscita a questão de saber se pode ser atribuído, a tal expressão, um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações do ordenamento jurídico português. Na verdade, são imensas as normas que consagram presunções, conjugando, para o efeito, aliás, o verbo considerar de diversas formas. Não é, pois, difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”, expressões a que, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, é conferido, imensas vezes, um significado equivalente (…) Nestas circunstâncias, sendo as mencionadas expressões recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, pode concluir-se não ser apenas o uso do verbo “presumir” que nos coloca perante uma presunção, mas também o uso de outros termos podem servir de base a presunções, como, designadamente, ocorre com a expressão “considerando-se”, o que, em nosso entender, será justamente o que verifica no nº 1 do art.º 3.º do CIUC. Trata-se, assim, de um entendimento que, não se afigurando corresponder a uma leitura enviesada da lei como considera a AT, se revela em sintonia com o disposto no nº 2 do art.º 9.º do CC, na medida em que assegura ao pensamento legislativo o mínimo de correspondência verbal aí exigido. Na perspectiva literal, face ao que se deixa exposto, dúvidas não há de que a interpretação que considera estabelecida uma presunção ilidível no nº 1 do art.º 3.º tem total respaldo na formulação aí consagrada, face à mencionada equivalência entre a expressão “considerando-se como tais” e a expressão “presumindo-se como tais”. O elemento linguístico, como atrás se referiu, sendo o primeiro que deve ser utilizado em busca do pensamento legislativo, deve, porém, a fim de se encontrar o verdadeiro sentido da norma, ser submetido ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam tais elementos de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica).”
Refere-se ainda, no Acórdão do CAAD nº 14/2013, “Abordando de novo a questão de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção, face a todo o exposto, não podemos deixar de nos pronunciar pela afirmativa pelos fundamentos que antecedem (…).Assim, se o comprador, novo proprietário do veículo, não providenciar o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário, ou seja, prova por qualquer meio da respectiva venda (Cfr. arts. 1º do DL nº 54/75, 7º do CRP e 350º, nº 2, do CC). Nestes termos, somos de parecer que a AT não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda.”
Do mesmo modo, o nº 2 do artigo 3º do CIUC equipara aos proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, dado que são estes e não os proprietários quem utiliza os veículos, sendo portanto onerados “os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam” (vide artigo 1º do CIUC).
Afirma-se ainda no já citado Acórdão do CAAD nº 289/2013: “No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em assentam em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida (…). O elemento sistemático de interpretação e a interação entre os diversos artigos e princípios que integram o sistema inscrito do CIUC, apela também ao entendimento de que o estabelecido no nº 1 do art.º 3.º do CIUC não pode deixar de consubstanciar uma presunção. Dispõe o nº 1 do art.º 9º do CC que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade ambiental e de respeito pelas questões que com o ambiente se relacionam. Neste contexto, as considerações formuladas sobre os mencionados elementos de interpretação, sejam de carácter literal ou de pendor histórico, sejam de natureza racional ou sistemática, apontam no sentido de que o artigo 3.º do CIUC, estabelece uma presunção, ou seja, a ratio legis dessa norma, enquanto razão ou fim que razoavelmente lhe deve ser atribuído, não pode deixar de perspectivar a expressão “considerando-se como tais”,utilizada no referido artigo, como reveladora do estabelecimento de uma presunção ilidível, o que significa que os sujeitos passivos do IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se, como tais, as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, a final, ser outros.”
Conforme afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 217-2013: “A lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito do art.º 1º do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. Por isso, a presunção inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. A não ser assim, estar-se-ia a aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.”
Estando, portanto, conforme o artigo 73º da LGT, uma presunção ilidível, caberá à Requerente apresentar prova de que não era esta quem utilizava os veículos referidos supra.
Ocorre, contudo, que, à data das liquidações de IUC em causa, estava em vigor o artigo 19º do IUC (posteriormente revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), onde se dispunha o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”
Não logrou a Requerente provar que tinha cumprido a obrigação em causa, desconhecendo-se se o terá efectivamente feito. Não negou a Autoridade Tributária, todavia, que esta tenha cumprido a referida obrigação, mas apenas que não tinha apresentado qualquer prova documental de que o tivesse feito.
Será, portanto, necessário aferir se o incumprimento desta obrigação, per se, terá influência na incidência subjectiva do imposto.
Como bem refere o Acórdão do CAAD nº 655/2015, “Até à sua revogação pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 19.º do CIUC fazia impender sobre o locador financeiro de veículos a obrigação de fornecer à Direcção-Geral dos Impostos (hoje, à AT – Autoridade Tributária e Aduaneira) os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Nos casos vertentes, a Demandada contra-alega que o Demandante sujeito passivo não cumpriu esta obrigação, o que a impediria de invocar o n.º 2 do artigo 3.º do CIUC. Por seu turno, o Demandante sustenta que fez esta comunicação através da plataforma eletrónica da Demandada, não obtendo qualquer comprovativo. Mesmo antes de tratarmos a questão – que seria prejudicial em relação a esta primeira - de saber se essa comunicação era efetivamente uma condição legal para se verificar a translação da incidência subjetiva do imposto para a esfera do locatário, consideramos conveniente fundamentar a nossa posição quanto à questão de facto enunciada. Trata-se de uma regra geral e de uma garantia dos administrados que quem cumpre uma obrigação, no âmbito do procedimento administrativo, tem o direito de receber um comprovativo desse cumprimento. No novo modelo de interação entre os contribuintes e a Administração Tributária, baseado na comunicação eletrónica, essa não poderá deixar de ser também a regra. No entanto, é do conhecimento geral que efetivamente, muitas vezes, isso não acontece. Ora, tendo tido a Administração Tributária a possibilidade de contradizer o Demandado no que toca ao facto, alegado por este, de não poder obter um comprovativo da comunicação prevista no entretanto revogado artigo 19.º, não o fez. Ao abrigo do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, e baseando-nos no facto, de conhecimento geral, de ser frequente a não disponibilização de comprovativos dos atos que os contribuintes praticam através da plataforma de comunicação eletrónica da AT – Administração Tributária e Aduaneira, entendemos dever dar como provado que o Demandante efetivamente cumpriu o dever que lhe incumbia por força do artigo 19.º do CIUC. Mas ainda que assim não fosse, consideramos que, sendo a incidência subjetiva um elemento da obrigação tributária que não pode deixar de ser perfeitamente delimitado pela lei (princípio da legalidade tributária, de acordo com o artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), e não se encontrando na lei qualquer elemento que inequivocamente nos leve a concluir que o legislador quis fazer depender do cumprimento da obrigação prevista no entretanto revogado artigo 19.º a translação da incidência subjetiva do proprietário para o locatário, e configurando-se esta obrigação como uma obrigação acessória, não é legítimo considerar que o cumprimento ou incumprimento desta obrigação acessória era determinante da incidência subjetiva do imposto.”
Afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 191/2015: “Perguntar-se-á ainda: e quanto à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC? O seu incumprimento contende com a conclusão constante do parágrafo anterior quanto ao responsável pelo pagamento do imposto? A resposta é, em nosso entender, negativa. Efetivamente, a consequência que decorre do incumprimento dessa obrigação acessória é aquela a que assistimos: a AT emite as notas de liquidação em nome do proprietário do veículo, por desconhecer que foi celebrado o contrato de locação financeira. Contudo, isso não impede esse mesmo proprietário / locador de fazer prova da celebração do contrato e do prazo pelo qual o mesmo foi celebrado e, assim, obstar ao pagamento do imposto. E o certo é que, no presente processo, a Requerente juntou prova documental que comprova a existência de contratos de locação financeira que estavam em vigor na data em que ocorreram os factos tributários relativos às viaturas referidas no ponto 11 dos factos provados. A este propósito, a AT vem dizer que, em função do incumprimento do artigo 19.º do CIUC, “não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” e que, “consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”. Entende este tribunal que não lhe assiste razão. Por um lado, o presente pedido de pronúncia arbitral não diz respeito apenas às liquidações em que estava em causa a celebração de contratos de locação financeira cujo prazo compreende as datas em que ocorreram os factos geradores do imposto liquidado. Portanto, ainda que a AT tivesse razão, essa razão seria sempre parcial, não podendo aplicar-se a todos os casos a que se refere o pedido de pronúncia arbitral. Em segundo lugar, a lógica da AT não leva em linha de conta que houve um processo administrativo prévio ao presente processo arbitral no âmbito do qual a AT poderia ter anulado as liquidações em questão. Importa ainda não esquecer que a falta da Requerente é passível de responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Essa é a forma encontrada pelo legislador para penalizar quem incumpre com o dever informativo para com a AT.”
Igual posição podemos ver ainda no Acórdão do CAAD nº 232/2014: “Não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância de a Requerente poder não ter dado o devido cumprimento ao disposto no atrás referido artigo 19.º do CIUC. Com efeito – e como é bom de ver – a sanção pelo incumprimento de qualquer obrigação que a esse respeito caiba ou coubesse à requerente, ter-se-ia sempre que procurar em sede do Regime das Infracções Tributárias, e não, naturalmente, na sujeição a um imposto.”
Teremos de entender, portanto, que, não obstante a eventual responsabilidade contra-ordenacional da Requerente, nos termos do RGIT, o não cumprimento da obrigação acessória referida no artigo 19º do CIUC não tem qualquer influência na incidência subjectiva do imposto.
Ainda que não se possa aferir do cumprimento do dever de informação à AT disposto no artigo 19º do CIUC, o certo é que a Requerente veio apresentar essa prova posteriormente.
Conforme já decidido no Acórdão 27/2013, “A AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários”.
Ao não aceitar a prova de que a Requerente celebrou, em relação a todos os veículos supra referidos, contratos de locação financeira e de promessa de compra e venda, a Requerida subsiste na prática de um acto ilícito.
15. DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 3º DO CIUC
Invoca a Requerida que a interpretação do artigo 3º do CIUC, no sentido de considerar que a referida norma contém uma presunção ilidível, é inconstitucional, por constituir uma violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade.
Considere-se, a propósito do princípio da confiança e do princípio da segurança jurídica, o referido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 2003, Proc. Nº 01188/02:
“Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da protecção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança. Vide, Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, in “Constituição da República Portuguesa Comentada”, a págs. 396, Margarida Olazabal Cabral, in “O concurso público nos contratos administrativos”, a págs.92, Jesus Gonzalez Perez, in “El principio general de la buena fe en el derecho administrativo”, 2ª edição, a págs. 52, Frederico Castilho Blanco, in “La protección de confianza en el derecho administrativo,”, a págs. 77 e seguintes e Sainz Moreno, in “La buena fe en las relaciones de la Administración con los administrados”, in Revista de Administración pública”, nº 89, a págs. 314. Pode dizer-se, numa formulação sintética, que a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num Particular ao actuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas” – apud M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, a págs. 108 -, apresentando-se como vocacionado para, designadamente, impedir o verificação de comportamentos desleais e incorrectos (obrigação de lealdade). Aliás, a exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito. Contudo, a aplicação do princípio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do princípio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio. Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança. Vide, neste sentido, Jesus Gonzalez Perez, in “Comentarios a la ley de procedimiento administrativo”, a págs. 982-983. Acresce que um outro pressuposto a atender relaciona-se com a necessidade de o Particular ter razões sérias para acreditar na validade dos actos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua actuação.” (sublinhados nossos).
No caso em concreto, não se afigura possível que tal interpretação coloque em causa a protecção da confiança e a segurança jurídica. Efectivamente, decorre de forma bastante clara do artigo 3º do CIUC que o legislador pretendia consagrar uma presunção, sendo essa a jurisprudência dominante. Quanto ao facto de se tratar de uma presunção ilidível, tal deriva do expressamente disposto no art. 73.º da LGT.
Ora, os princípios da confiança e da segurança jurídica derivam da necessidade de existir um mínimo de certeza e de segurança nos direitos dos particulares, bem como nas expectativas juridicamente criadas pelos mesmos. A razão da existência destes princípios prende-se com a tutela da confiança dos particulares na actuação do Estado.
No caso concreto, não existe qualquer possibilidade de criação de uma expectativa de confiança criada pelo particular no sentido de o artigo 3º do CIUC não consagrar uma presunção. Muito pelo contrário, poderia até defender-se que o princípio da confiança e da segurança jurídica legitimariam a expectativa do particular que considera que o artigo 3º do CIUC configura uma presunção ilidível, como assim sempre tem vindo a ser interpretado.
Não se acompanha o raciocínio da Requerida, que afirma que tal interpretação desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma realidade informal e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida.
O facto de estarmos perante uma presunção ilidível significa, como se referiu supra, que a mesma permite prova em contrário.
Não deixa de caber ao sujeito passivo, como neste caso coube à Requerente, o ónus de provar o contrário do que resulta da presunção.
Não está aqui em causa o controlo da informação por parte da Autoridade Tributária, que terá sempre acesso à prova apresentada pelo sujeito passivo.
Não pode, contudo, a Autoridade Tributária, posteriormente, vir a ignorar completamente as provas apresentadas pelo sujeito passivo.
Veja-se ainda o referido pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14 de Novembro de 2013, Proc. Nº 06971/13:
“O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.). De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes”
Invoca a Requerida que tal interpretação do artigo 3º do CIUC desconsidera totalmente o princípio da proporcionalidade no confronto com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a Requerente dispõe de mecanismos legais necessários para proceder à alteração do registo.
No caso concreto, não se compreende porque é que a Requerida entende que estamos perante uma violação do princípio da proporcionalidade.
Efectivamente, nada existe de desadequado a nível procedimental, na hipótese que se concede ao sujeito passivo de, querendo, provar que não deverá ser sujeito ao imposto, por exemplo, por ter procedido entretanto à venda dos referidos veículos ou, como ocorre no presente caso, por os mesmos veículos estarem onerados por contratos de locação financeira.
Como tal, não se verifica aqui existir uma violação do princípio da proporcionalidade.
Invoca ainda a Requerida a violação do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduziria num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, e que tal iria prejudicar os interesses do Estado.
Ora, a Requerida não explica como e em que termos a interpretação do artigo 3º do CIUC como uma presunção ilidível iria encarecer ou entorpecer a acção da Autoridade Tributária, pelo que estaremos a laborar numa hipótese meramente académica.
Hipoteticamente, ainda que se admitisse que o procedimento poderia ter um custo mais elevado: a notificação a um sujeito passivo para o pagamento do imposto, a subsequente prova de que o imposto deveria ser pago por outro sujeito passivo e a consequente notificação do sujeito passivo responsável pelo pagamento do imposto; tal custo seria residual, face a toda a actuação da Autoridade Tributária.
E ainda que o custo fosse minimamente relevante, nunca se poderia sobrepor o princípio da eficiência do sistema tributário ao princípio da igualdade tributária e ao princípio da capacidade tributária, que estariam manifestamente em causa, caso o artigo 3º do CIUC não se pudesse considerar como presunção.
Considera-se, portanto, que não existe qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 3º do CIUC como uma presunção ilidível, pelo que agiu incorrectamente a Requerida, ao ignorar a prova produzida pela Requerente.
16. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como refere o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Como decorre ainda do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.
Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Efectivamente, não é possível aferir se a Requerente cumpriu o dever de informação e, portanto, se a Autoridade Tributária tinha conhecimento da existência dos contratos de locação financeira em causa.
No entanto, tendo a Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa, não considerou a Requerida a prova documental junta, e indeferiu totalmente o pedido, não obstante lhe ter sido dado conhecimento da existência dos contratos de locação financeira.
Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º/1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 9.918,11, que serão contados desde 14-12-2016, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
V – Decisão
Julga-se procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação acima identificados, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a 44 (quarenta e quatro) veículos automóveis e referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante de € 9.205,32, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 712,79 e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado, condenando-se a Requerida a devolver essas quantias.
Fixa-se ao processo o valor de € 9.918,11 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas pela entidade requerida.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2020
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)
Decisão Arbitral
I. Relatório
1. No dia 14-12-2016, a sociedade A…, S. A., NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade de 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a 44 (quarenta e quatro) veículos automóveis e referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante de € 9.205,32, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 712,79 e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 Todos os actos de liquidação oficiosa de imposto assentam nos mesmos factos e, bem assim, nos mesmos fundamentos de direito – tal como os actos de indeferimento cuja apreciação da legalidade aqui se requer.
4.2 Considerando esta identidade de factos tributários, de fundamentos de facto e de direito e, bem assim, do tribunal competente para a decisão, e atendendo ainda ao elevado número de viaturas e ao volume de documentação necessária para comprovar os factos infra alegados, optou a Requerente por, ao abrigo dos artigos 3.º do RJAT e 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, agregar as liquidações adicionais cuja legalidade se contesta num único pedido de pronúncia arbitral.
4.3 Os veículos automóveis em causa foram dados em locação financeira, Locação essa que se encontrava em vigor no ano (ou, mais concretamente, do mês relevante do ano) em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo.
4.4 Nessa data e, de resto, durante todo o período em que os sobreditos Contratos estiveram em vigor – tal como ocorre em qualquer contrato desta natureza –, a utilização dos respectivos veículos automóveis esteve sempre exclusivamente a cargo do locatário.
4.5 A sua propriedade (jurídica) pertencia, é certo, à Requerente, enquanto entidade locadora; porém, esta jamais usufruiu dos veículos, que estiveram, desde o momento da sua aquisição, a ser utilizado (apenas e só) pelos locatários.
4.6 A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento do IUC, o que veio a fazer.
4.7 Através dos sobreditos actos de liquidação adicional, veio a AT exigir o pagamento dos IUC em falta à aqui Requerente, mesmo sabendo – ou devendo saber, porquanto a locação financeira é objecto de registo junto da Conservatória do Registo Comercial – que, sobre estes veículos automóveis em particular, incidiam contratos de locação financeira, e conhecendo inclusive a identidade dos locatários.
4.8 Em todos os casos, sem excepção, encontrava-se em vigor um contrato de locação financeira no momento em que se tornaram exigíveis os IUC aqui em apreço, ou que terminou o termo do prazo para proceder ao seu pagamento.
4.9 O IUC é o tributo que visa onerar os contribuintes pelo custo ambiental e viário que lhes está associado, numa lógica de equivalência e igualdade tributária (cfr. artigo 1.º do Código do IUC).
4.10 Assim, quanto a este imposto, o legislador optou por onerar o sujeito passivo não de acordo com (e na medida da) sua riqueza – afastando o princípio da capacidade contributiva –, mas sim na justa medida do custo para o ambiente e para as infra estruturas viárias que aquele sujeito passivo, através da utilização de veículos automóveis, pode gerar.
4.11 Subjacente a esta regra de incidência está, claro está, o pressuposto do potencial de utilização de veículos automóveis: é precisamente porque tem à sua disposição o direito de utilizar um veículo – gerador de determinado nível de poluição, desgaste das vias, etc. –, que aquele sujeito passivo tem um potencial acrescido de provocar danos ao ambiente e às infra estruturas, danos esses que justificam, do ponto de vista económico-jurídico, a sua tributação em sede de IUC.
4.12 No que respeita desde às regras de determinação da base tributável, até à taxa aplicável, passando mesmo pelas isenções consagradas, é reconhecido ao longo do Código do IUC um vector comum: a intenção de tributar o veículo na justa medida do seu potencial polutivo.
4.13 Daí que o encargo correspondente compita, em primeira linha, à pessoa ou entidade que tem o potencial de utilização do referido automóvel; i.e., que tenha o potencial de produção da poluição que se pretende, justamente, desincentivar.
4.14 O proprietário não teve, não tem, e jamais terá – enquanto o contrato vigorar – o potencial de utilização daquele veículo, que cabe, assim, exclusivamente, a um terceiro.
4.15 Terceiro esse que, de resto, está perfeitamente identificado perante a AT e demais entidades públicas – não apenas por força do registo, junto da Conservatória do Registo Automóvel, da existência de um contrato de locação financeira, mas também em virtude do dever que recai sobre as entidades locadoras, nos termos do artigo 19.º do Código do IUC, de “fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados” (cfr. artigo 19.º do Código do IUC) –, de tal modo que não se afigura de qualquer complexidade a tarefa de, cumprindo o desígnio com que foi introduzido no ordenamento jurídico nacional, imputar-lhe a responsabilidade pela capacidade poluente do automóvel e, subsequentemente, pela sua tributação.
4.16 Não surpreende, por isso, que, em tais casos, o legislador se tenha afastado da regra geral da propriedade – i.e., da regra que faz coincidir o obrigado ao imposto com o proprietário da viatura –, em prol de uma maior aderência à substancialidade económica da situação.
4.17 Nestes casos – de locação financeira, aquisição com reserva de propriedade, etc. –, o legislador optou, pois, e (na opinião da Requerente) bem, por onerar com a obrigação de imposto não os proprietários, mas os indivíduos a quem cabe o gozo (potencial de utilização) exclusivo dos automóveis: os locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade ou locatário com opção de compra.
4.18 Ora, num contrato de locação financeira, dúvidas não restam de que o direito de utilizar o bem é subtraído ao respectivo proprietário – que, nesta sede, se assume como locador – para integrar na esfera do locatário.
4.19 Aliás, a própria noção de “locação financeira”, consagrada no diploma legal que regula esta espécie contratual no nosso ordenamento jurídico, pressupõe esse gozo exclusivo; dito de outro modo, a própria espécie contratual é construída em torno da ideia da atribuição de um bem ao locatário para que este último dele usufrua na pendência do contrato.
4.20 Veja-se que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho (alterado pelos Decretos-Leis n.os 265/97, de 2 de Outubro, e 30/2008, de 25 de Fevereiro) define locação financeira como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
4.21 Assim, estipula-se como obrigação do locador “conceder o gozo do bem para os fins a que se destina” (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 149/95, na redacção do Decreto-Lei n.º 30/2008), enquanto que, no n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma, se atribui ao locatário o direito de “usar e fruir o bem locado”.
4.22 Por outro lado, a este é igualmente reconhecido o direito de defender “a integridade do bem e o seu gozo”; já ao locador, atribui-se apenas a obrigação de defender a “integridade do bem”, e já não o seu gozo – pois que este, evidentemente, não lhe pertence.
4.23 Não apenas o locador se torna proprietário com o fito, assumido ab initio, de ceder o gozo do bem, como é o locatário, e não o locador que exerce os poderes típicos da propriedade.
4.24 Este detém a propriedade económica do bem, por assim dizer, não competindo ao locador mais do que a sua propriedade jurídica.
4.25 E não só: o risco de perecimento e destruição do bem locado corre por conta do locatário, e não do proprietário (cfr. artigo 15.º do n.º Decreto-Lei 30/2008).
4.26 O locatário pode exercer directamente, contra o vendedor, os direitos resultantes do contrato de compra e venda celebrados pelo locador, sem que este tenha sequer que ser chamado à acção (cfr. artigo 13.º do mesmo diploma).
4.27 Assim, nestes casos, a qualificação jurídica de locador – engloba, é certo, mas – ultrapassa claramente a qualificação de proprietário: o locador é um proprietário meramente instrumental, e cujos direitos e deveres muito se distinguem daqueles tipicamente associados à figura jurídica da propriedade.
4.28 Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC – em vigor à data dos factos –, a regra é muito simples: cabendo aos locatários o gozo exclusivo do veículo automóvel sobre o qual recai o contrato, cabe-lhes também a obrigação de pagar o imposto.
4.29 No que respeita à locação financeira, é então evidente: reconhecendo-o o próprio legislador fiscal como “utilizador do veículo locado” (cfr. artigo 19.º), não restam dúvidas que deve pertencer ao locatário a responsabilidade por indemnizar os custos (ambientais e viários) associados ao potencial de utilização do respectivo veículo.
4.30 Sabendo-se de antemão que o IUC visa imputar aos contribuintes a responsabilidade que lhes é assacada pelo potencial de utilização de veículos automóveis – no que respeita aos custos ambientais e viários que tal utilização acarreta – não pode o mesmo deixar de consistir encargo de quem efectivamente causa tais custos, que não há-de deixar de ser a pessoa a quem pertence o direito de utilizar o veículo em questão.
4.31 Tal como, de resto, parece ser assumido pela própria AT.
4.32 Considerando que, quanto a todos e a cada um dos casos – os veículos automóveis já se encontravam na posse dos respectivos locatários no termo do mês da matrícula ou, tratando-se do ano de registo do veículo, noventa dias após a data da matrícula –, sem excepção, dever-se-á necessariamente concluir que a responsabilidade pela liquidação do imposto pertencia não à entidade locadora, aqui Requerente, mas aos locatários.
4.33 Locatários esse cuja identidade, de resto, é do pleno conhecimento da AT; com efeito, em cumprimento do disposto no artigo 19.º do Código do IUC, aquela é oportuna e atempadamente informada da existência do referido contrato de locação, assim como da identidade (mormente, número de identificação fiscal) do “utilizador do veículo locado” (cfr. artigo 19.º), e, ainda que assim não fosse, a verdade é que o referido locatário encontra-se igualmente, de resto, perfeitamente identificado junto da Conservatória do Registo Automóvel.
4.34 Vigorando um contrato de locação financeira no momento em que se torna exigível o IUC, é ao locatário, e não ao locador (ainda que seja este que detém a propriedade do veículo), que compete liquidá-lo.
4.35 E nem se diga que o referido imposto consiste responsabilidade de ambas as entidades – locatário e locador.
4.36 Ou seja, que o primeiro consiste no obrigado principal, pertencendo ao segundo a responsabilidade de, em segunda linha, proceder ao pagamento do imposto em falta.
4.37 Isto porque, analisadas as normas legais acima invocadas, não se vislumbra qualquer indício de que o legislador pretendeu onerar a entidade locadora com a responsabilidade – subsidiária, conjunta, solidária ou qualquer outra – de pagamento do imposto, sempre que exista um locatário.
4.38 Caso fosse essa a intenção legislativa, teria que ter sido inserida no texto legal alguma expressão que o indiciasse.
4.39 Atento o exposto, e tudo sopesado, resulta por demais evidente que a Requerente não é sujeito passivo de IUC relativamente aos contratos de locação financeira de que é parte, sendo, por isso, absolutamente ilegais os actos de liquidação adicional de que foi alvo.
4.40 Com efeito, esta é a conclusão alcançada nas inúmeras decisões arbitrais proferidas até à data, sobre esta temática, no âmbito da arbitragem tributária.
4.41 Em processos análogos ao presente, que opuseram a Requerente à AT e Aduaneira, foi por esta última solicitado que as custas arbitrais recaíssem sobre a Requerente, e que não se considerassem devidos juros indemnizatórios, atento o facto de a Requerente ter, alegadamente, sido “responsável” pelas liquidações de IUC que ora se contestam.
4.42 Sucede que, e com o devido respeito, não assiste razão à AT neste raciocínio, pelos motivos que, antecipadamente e por cautela, se deixam já discriminados.
4.43 Em primeiro lugar porque a AT já teve a possibilidade de revogar os actos de liquidação em apreço tanto em sede de Revisão Oficiosa, bem como de Recurso Hierárquico, algo que, caso tivesse vindo a ocorrer, evitaria a necessidade da apresentação do presente pedido de constituição do tribunal arbitral.
4.44 E porque, nos termos do artigo 13.º do RJAT, a AT tem a possibilidade de, recebida a petição arbitral, e analisados os argumentos e documentos coligidos pela Requerente, revogar os actos de liquidação de imposto.
4.45 Não o fazendo, a AT está a assumir expressamente que, mesmo na posse de toda a informação, continuaria a emitir as liquidações de IUC nos precisos termos em que as mesmas foram notificadas à Requerente.
4.46 As mencionadas liquidações são da exclusiva e única responsabilidade da AT, que, assim, não poderá deixar de ser responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios e pela assunção das custas arbitrais.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 A jurisprudência constitui um precedente meramente persuasivo (cfr. artigos 1.º e 8.º, n.º 3 do Código Civil), aquele será tanto mais forte quanto mais elevado for o grau hierárquico do tribunal que ditou a decisão e quanto mais repetitiva for a orientação seguida.
5.2 Ora, salvo o devido respeito, o elenco de decisões arbitrais organizado pela Requerente não constitui um conjunto de decisões proferidas por um tribunal de hierarquia superior.
5.3 O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.4 Note-se que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.5 Se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas precisamente porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar tais regras contabilísticas.
5.6 Nestes termos, é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.
5.7 Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem.
5.8 Trata-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.
5.9 É este, aliás, o entendimento já adotado pela jurisprudência dos nossos tribunais.
5.10 Estabelece o artigo 6.º do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador e Exigibilidade”, no seu n.º 1, que: «O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.».
5.11 Da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objeto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.º) geram o nascimento da obrigação de imposto.
5.12 Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que «o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º».
5.13 Ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (Cfr. artigos 4.º/2 e 6.º/3 do CIUC, artigo 10.º/1 do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis).
5.14 No mesmo sentido milita a solução legislativa adotada pelo legislador fiscal no artigo 3.º/2 do CIUC ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respetivo registo.
5.15 Tal posição está ainda patente na circunstância de o registo automóvel a que a Requerida tem ou pode ter acesso e o certificado no qual devem constar os atos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Requerida ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo deste Imposto.
5.16 Na falta de tal registo, naturalmente, será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida, tendo em conta a atual configuração do sistema jurídico, não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos.
5.17 Nestes termos, a não atualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto.
5.18 Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afeta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
5.19 Note-se a este propósito desde logo que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.º do CIUC, tanto no seu n.º 1, como no n.º 2, correspondem exatamente aos casos de registo automóvel obrigatório nos termos do Código do Registo Automóvel.
5.20 Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.
5.21 À luz de tudo quanto até se expôs e por força do disposto no artigo 3.º do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC.
5.22 Todavia, ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão.
5.23 Tendo em vista tal ilisão veio a Requerente instruir o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção de cópias dos contratos de locação financeira.
5.24 Face ao alegado pela Requerente decorre naturalmente a seguinte questão: constituirão os contratos de locação financeira prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC?
5.25 Dito de outra forma: demonstrarão tais contratos que, à data dos factos geradores de IUC, os veículos em causa eram (ainda) objeto de locações financeiras celebradas pela Requerente?
5.26 Tal como resulta clara e inequivocamente dos Documentos juntos, à data dos factos geradores do IUC aqui em causa já tinham findado os contratos de locação financeira.
5.27 Acresce ainda que se concluísse estarmos perante um contrato de locação financeira outorgado pela Requerente, sempre cabia a esta última demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC.
5.28 Efectivamente, importa recordar que a aplicação do artigo 3.º do CIUC deve ser conjugada com o disposto no artigo 19.º do mesmo código, no qual se estabelece que «para efeitos do artigo 3.º do presente código (…), ficam as entidades que procedam à locação financeira, locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados.»
5.29 Deste modo, a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira o seu elemento literal («para efeitos do artigo 3.º do presente código (…)».
5.30 Por palavras mais simples, em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.
5.31 Ora, nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação, como aliás lhe competia, pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3.º aqui em causa.
5.32 De facto, em matéria de locação financeira a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do CIUC.
5.33 Como se sabe, a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova, consagrando o artigo 423.º do novo CPC que aqueles deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes.
5.34 Assim sendo, após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental.
5.35 Efectivamente, o fornecimento de dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados não carece de qualquer formalidade legal, bastando para o seu cumprimento uma mera comunicação dirigida à Requerida.
5.36 Assim, não tendo a Requerente cumprido o ónus probatório que se lhe impunha e constatando-se agora o incumprimento da obrigação declarativa exigida pelo artigo 19.º do CIUC, duas consequências (intra e extraprocessuais) necessariamente se haverão de extrair do seu comportamento omisso.
5.37 Em primeiro lugar, a sua responsabilidade pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral, dado que a falta do fornecimento dos dados deu inexoravelmente azo à emissão a parte das liquidações sub judice, nos termos melhor explanados em capítulo próprio.
5.38 E em segundo lugar, ao apuramento da sua responsabilidade em termos contra-ordenacionais à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º/4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, punível com coima de € 300,00 a 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira.
5.39 A acrescer a tudo quanto acima foi exposto, cabe ainda referir que a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade.
5.40 Efectivamente, a interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma realidade informal e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.
5.41 Paralelamente, a interpretação dada pela Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.
5.42 Ora, a posição defendida pela Requerente é um entendimento que está nas antípodas daquele princípio e da própria reforma da tributação automóvel na medida em que, ao pretender desconsiderar a realidade registral, uma realidade que constitui a pedra angular na qual assenta todo o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registral.
5.43 Finalmente, a argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel, pedido de apreensão de documentos e pedido de cancelamento de matrículas), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.
5.44 A competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores, designadamente ao Instituto dos Registos e do Notariado a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis.
5.45 Portanto, o registo da propriedade constitui um elemento essencial no sistema de informação entre a Requerida e demais entidades públicas, conforme se retira do artigo 5.º da Lei 22-A/2007, de 29 de junho (diploma que operou a reforma global da tributação automóvel).
5.46 Por outro lado, a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida, pois inexiste qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria, contrariamente ao controlo que é passível de ser realizado, por exemplo, por via do prévio pagamento de Imposto Municipal Sobre Transmissão de Imóveis em matéria de transmissão de prédios.
5.47 Significa isto, portanto, que o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado.
5.48 Ora, não tendo a Requerente cuidado da atualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5.º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 118.º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível.
5.49 E ao não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito.
5.50 Consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem.
5.51 O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.
5.52 Com efeito, à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) estar pago o imposto; (ii) ter a respetiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial; (iii) determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.
5.53 De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
5.54 Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios.
6. No dia 31/03/2017, foi proferido despacho arbitral, nos seguintes termos:
"Ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, tendo em conta que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, constam dos autos os documentos pertinentes, e mostra-se junto o processo administrativo, o Tribunal considera que:
1) não se mostra necessário promover a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, dado não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1 desta disposição;
2) não se mostra necessário proceder à inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, uma vez que os factos relevantes são objecto de prova documental;
3) não se mostra necessária, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, a produção de alegações orais, dado estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na al. f) do art. 16.º do RJAT, convidam-se as partes para, em cinco (5) dias, comunicarem nos autos se, não obstante o acima referido, pretendem, mesmo assim, a realização da reunião a que alude o art. 18.º, fundamentando essa pretensão.
Caso as partes nada requeiram no mencionado prazo, considera-se que nada têm a obstar a que o Tribunal, sem mais diligências, profira a decisão final, cuja data fica fixada, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do RJAT, até ao dia 31 de Maio de 2017".
7. Através de requerimento datado de 6 de Abril de 2017, veio a Requerente expor e requerer, em súmula, o seguinte:
7.1 Uma das matérias controvertidas nos presentes autos é o cumprimento, por parte da Requerente, da obrigação acessória prevista no artigo 19.º do Código do IUC.
7.2 Ora, no que respeita ao cumprimento de tal obrigação, o mesmo não pode ser susceptível de prova documental, isto na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento.
7.3 Com efeito, a obrigação de comunicação em causa é cumprida electronicamente, através do Portal das Finanças, não permitindo extrair do dito portal qualquer comprovativo de cumprimento da mesma.
7.4 É verdade que a jurisprudência do CAAD já se tem vindo a pronunciar inúmeras vezes sobre a natureza de tal obrigação (acessória), sendo praticamente unânime que o seu cumprimento (ou falta dele) nunca poderia ter consequências em sede de incidência subjectiva do imposto.
7.5 Chegados a este ponto, no entendimento da Requerente, a necessidade de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para a inquirição das testemunhas arroladas estará assim dependente de o Tribunal considerar que a prova do cumprimento de tal obrigação (prevista no artigo 19.º do Código do IUC) é, ou não, determinante para a decisão dos presentes autos:
a) ou o Tribunal considera que o cumprimento da obrigação estipulada no artigo 19.º do Código do IUC poderá eventualmente ter consequências no que diz respeito à incidência subjectiva do imposto – o que, com o devido respeito, não cremos –;
b) ou, ao invés, considera que tal obrigação, sendo de natureza meramente acessória nunca terá consequências em sede de incidência do tributo, como considera a Requerente e tem sido o entendimento do CAAD.
7.6 No primeiro caso, tratando-se de matéria determinante para a decisão dos presentes autos, relativamente à qual não é possível a produção de prova documental, será imprescindível a inquirição das testemunhas arroladas com vista a aferir do cumprimento da mesma, motivo pelo qual deverá ser realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
7.7 Porém, caso o Douto Tribunal conclua, na linha da jurisprudência já firmada nesse Centro de Arbitragem, que o cumprimento de tal obrigação acessória não releva para a boa decisão da matéria em causa (incidência subjectiva do IUC na vigência de contratos de locação financeira), na medida em que não se afigurará necessário efectuar prova testemunhal do seu cumprimento, poderá então, dispensar-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
8. A Requerida respondeu, através de requerimento datado de 10 de Abril de 2017, expondo, em súmula, o seguinte:
8.1 Antes de mais, a Requerente não demonstra minimamente aquilo que alega, ou seja, que a Requerida não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento daquela obrigação.
8.2 Também nada impediria a Requerente de solicitar à Requerida, logo após o cumprimento da obrigação aqui em causa, a emissão a posteriori de um documento ou comprovativo atinente àquele cumprimento.
8.3 Portanto, é manifestamente falsa a impossibilidade de a Requerente obter prova documental atinente ao cumprimento do artigo 19.º do CIUC.
8.4 Por último, mas não menos importante, impõe-se recordar que a prova testemunhal não é apta a demonstrar o cumprimento daquela obrigação declarativa.
8.5 Aliás, seria, no mínimo, insólito que uma testemunha (ou mesmo duas) conseguisse recordar-se de cada um dos contratos das 44 (quarenta e quatro) viaturas aqui em causa e, por conseguinte, das datas em que os mesmos foram supostamente comunicados à Requerida.
8.6 A não ser, claro está, que por “prova testemunhal” se entenda a diligência de uma testemunha elencar oralmente os seus apontamentos escritos ou, em alternativa, realizar afirmações gerais e abstractas.
9. No dia 11/04/2017, foi proferido despacho arbitral, nos seguintes termos:
"Notificadas ambas as partes da dispensa da reunião prevista no art. 18º RJAT, veio a requerente justificar a inquirição das testemunhas que arrolou com o fim de comprovar o cumprimento da obrigação prevista no (anteriormente vigente) art. 19º do CIUC. Em resposta veio a requerida invocar que o cumprimento dessa obrigação não pode ser objecto de prova testemunhal.
Tem razão a requerida. As regras gerais sobre provas constam do Código Civil e o art. 395º desse Código é expresso no sentido de que as causas de extinção das obrigações não podem ser objecto de prova testemunhal. Assim sendo, e uma vez que o único objectivo alegado para a inquirição das testemunhas era a prova do cumprimento dessa obrigação, mantém-se a dispensa das mesmas, pelo que irá ser elaborada decisão final no prazo indicado".
10. Está assim o Tribunal em condições de proferir sentença sobre a questão discutida nos presentes autos.
II. Factos provados
11. Com interesse para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos:
11.1. Os actos de liquidação ora impugnados correspondem aos veículos automóveis com as seguintes matrículas:
Veículo automóvel (matrícula) Mês matrícula Nº de liquidação adicional Ano Valor IUC Juros Valor Global
… Abril 2010… 2010 32,80 4,61 37,41
… Abril 2011… 2011 33,83 3,39 37,22
… Abril 2012… 2012 34,61 2,09 36,70
… Junho 2010… 2010 33,10 4,43 37,53
… Junho 2011… 2011 33,83 3,17 37,00
… Junho 2012… 2012 34,61 1,85 36,46
… Julho 2010… 2010 29,00 3,78 32,78
…. Julho 20116… 2011 30,00 2,71 32,71
… Julho 2012… 2012 31,00 1,56 32,56
… Setembro 2010… 2010 29,00 3,59 32,59
… Setembro 2011… 2011 30,00 2,51 32,51
… Setembro 2012… 2012 31,00 1,35 32,35
… Outubro 2010… 2010 184,60 22,17 206,77
… Outubro 2011… 2011 188,73 15,16 203,89
… Outubro 2012… 2012 194,93 7,80 202,73
… Março 2010… 2010 48,00 6,90 54,90
… Março 2011… 2011 49,00 5,09 54,09
… Março 2012… 2012 50,00 3,17 53,17
… Janeiro 2010… 2010 32,80 4,92 37,72
… Janeiro 2011… 2011 33,83 3,73 37,56
… Janeiro 2012… 2012 34,61 2,43 37,04
… Outubro 2010… 2010 29,00 3,48 32,48
… Outubro 2011… 2011 30,00 2,41 32,41
… Outubro 2010… 2010 29,00 3,48 32,48
… Outubro 2011… 2011 30,00 2,41 32,41
… Agosto 2010… 2010 138,50 17,59 156,09
… Agosto 2011… 2011 141,59 12,32 153,91
… Agosto 2012… 2012 146,80 6,89 153,69
… Junho 2010… 2010 138,50 18,53 157,03
… Junho 2012… 2012 146,80 7,85 154,65
… Maio 2010… 2010 110,67 15,17 125,84
… Maio 2011… 2011 113,15 10,95 124,10
… Setembro 2010… 2010 105,40 13,04 118,44
… Setembro 2011… 2011 107,76 9,02 116,78
… Setembro 2012… 2012 112,10 4,88 116,98
… Novembro 2010… 2010 105,60 12,36 117,96
… Novembro 2011… 2011 107,96 8,32 116,28
… Novembro 2012… 2012 111,68 4,12 115,80
… Fevereiro 2010… 2010 109,83 16,15 125,98
… Fevereiro 2011… 2011 113,15 12,13 125,28
… Janeiro 2010… 2010 137,45 20,64 158,09
… Janeiro 2011… 2011 141,59 15,61 157,20
… Janeiro 2012… 2012 146,80 10,31 157,11
… Novembro 2010… 2010 193,83 22,69 216,52
… Novembro 2011… 2011 198,17 15,27 213,44
… Novembro 2012… 2012 204,68 7,56 212,24
… Abril 2010… 2010 29,00 4,07 33,07
… Abril 2012… 2012 31,00 1,87 32,87
… Julho 2011… 2011 49,00 4,46 53,46
… Julho 2012… 2012 50,00 2,55 52,55
… Maio 2011… 2011 49,00 4,78 53,78
… Maio 2012… 2012 50,00 2,89 52,89
… Outubro 2011… 2011 49,00 3,97 52,97
… Outubro 2012… 2012 50,00 2,04 52,04
… Novembro 2011… 2011 141,59 11,02 152,61
… Novembro 2012… 2012 146,80 5,53 152,33
… Junho 2011… 2011 134,09 12,68 146,77
… Junho 2012… 2012 137,17 7,44 144,61
… Outubro 2011… 2011 117,00 9,49 126,49
… Outubro 2012… 2012 120,00 4,89 124,89
… Outubro 2011… 2011 30,00 2,43 32,43
… Outubro 2012… 2012 31,00 1,26 32,26
… Março 2011… 2011 118,76 12,42 131,18
… Março 2012… 2012 122,85 7,89 130,74
… Agosto 2011… 2011 134,85 11,84 146,69
… Agosto 2012… 2012 139,81 6,66 146,47
… Dezembro 2011… 2011 49,00 3,64 52,64
… Dezembro 2012… 2012 50,00 1,70 51,70
… Outubro 2011… 2011 49,00 3,97 52,97
… Outubro 2012… 2012 50,00 2,04 52,04
… Abril 2011… 2011 49,00 4,95 53,95
… Abril 2012… 2012 50,00 3,06 53,06
… Julho 2011… 2011 134,85 12,28 147,13
… Julho 2012… 2012 139,81 7,14 146,95
… Outubro 2011… 2011 283,08 22,96 306,04
… Outubro 2012… 2012 293,50 11,97 305,47
… Novembro 2011… 2011 30,00 2,33 32,33
… Novembro 2012… 2012 31,00 1,17 32,17
… Dezembro 2011… 2011 49,00 3,64 52,64
… Dezembro 2012… 2012 50,00 1,70 51,70
… Maio 2011… 2011 16,86 1,64 18,50
… Maio 2012… 2012 17,25 1,00 18,25
… Junho 2011… 2011 33,83 3,20 37,03
… Junho 2012… 2012 34,61 1,88 36,49
… Dezembro 2011… 2011 117,00 8,68 125,68
… Dezembro 2012… 2012 120,00 4,09 124,09
… Agosto 2011… 2011 30,00 2,63 32,63
… Agosto 2012… 2012 31,00 1,48 32,48
… Outubro 2011… 2011 198,17 16,07 214,24
… Outubro 2012… 2012 204,68 8,34 213,02
… Agosto 2011… 2011 49,00 4,30 53,30
… Agosto 2012… 2012 50,00 2,38 52,38
… Agosto 2011… 2011 198,17 17,40 215,57
… Agosto 2012… 2012 204,68 9,76 214,44
… Agosto 2011… 2011 198,17 17,40 215,57
… Agosto 2012… 2012 204,68 9,76 214,44
… Agosto 2011… 2011 134,85 11,84 146,69
… Agosto 2012… 2012 139,81 6,66 146,47
… Novembro 2011… 2011 16,86 1,31 18,17
… Novembro 2012… 2012 17,25 0,65 17,90
11.2. Foram celebrados os seguintes contratos de locação financeira e contratos-promessa de compra e venda:
Veículo automóvel (matrícula) Contrato de Locação Financeira e Contrato PCV Data
… B… 26-10-2005
… C… LDA 16-06-2005
… D… LDA 31-07-2007
… E… UNIPESSOAL LDA 20-09-2007
… F… UNIPESSOAL LDA 26-10-2007
… G… 18-04-2008
… H… 31-01-2005
… I… UNIPESSOAL LDA 31-10-2008
… J… 13-08-2008
… K… 03-09-2008
… L… 20-05-2008
… M… 30-10-2007
… F… UNIPESSOAL LDA 29-11-2007
… N… 11-02-2008
… O… 01-10-2008
… P… LDA 13-11-2008
… Q… 10-04-2008
… R… UNIPESSOAL LDA 30-06-2009
… S… LDA 13-05-2009
… T… LDA 03-10-2008
… U… 27-11-2008
… V… 10-05-2007
… W… LDA 15-10-2007
… X… UNIPESSOAL LDA 29-10-2008
… Y… LDA 24-03-2009
… Z… LDA 10-08-2007
… AA… LDA 11-12-2007
… BB… UNIPESSOAL LDA 10-10-2008
… CC… LDA 21-04-2006
… DD… LDA 24-07-2007
… EE… LDA 01-10-2008
… FF… LDA 20-11-2007
… GG… UNIPESSOAL LDA 11-12-2007
… HH… 07-11-2008
… II… SA 27-07-2007
… JJ… 06-01-2011
… KK… 03-06-2009
… LL… LDA 29-10-2008
… MM… UNIPESSOAL LDA 10-09-2007
… NN… LDA 28-07-2008
… OO… 10-08-2007
… PP… 10-12-2007
11.3. À data em que venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo, os veículos referidos supra não se encontravam na posse da Requerente.
III. Factos não provados
12. Não se provou que a Requerente tenha fornecido à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.
IV – Do Direito
13. São as seguintes as questões a apreciar:
a) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios
b) Do direito a juros indemnizatórios
Examinemos assim estas questões:
14. DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IUC E JUROS COMPENSATÓRIOS
O artigo 6º, nº 1 do CIUC estabelece que “O facto gerador do imposto é constituído peia propriedade do veículo”.
Refere o artigo 3º do mesmo Código:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”
A questão que aqui se coloca em causa é aferir se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção.
Nos termos do artigo 349º do Código Civil, “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”
De acordo com o artigo 73º da Lei Geral Tributária, “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
Entende a Autoridade Tributária que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
A argumentação da Autoridade Tributária prende-se, antes de mais, com a utilização do vocábulo “considerando-se” e não “presume-se” no artigo 3º do CIUC, afirmando que, através de uma interpretação sistemática da norma, se poderá entender que não se trata de uma presunção.
Não existe, contudo, na legislação portuguesa, qualquer norma que defina expressamente que uma presunção legal terá de conter o vocábulo “presume-se”, tratando-se aqui de uma mera questão de utilização de sinónimos.
Como refere, a este respeito, o Acórdão do CAAD nº 26/2013, estamos “perante uma mera questão semântica”, não se podendo considerar que o conceito de presunção se entenda como “as normas que contêm o vocábulo “presume-se””.
Afirma-se ainda, no mesmo acórdão, “É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no n.º 1 do art. 3.º do CIUC. Assim, não poderá deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal, e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”
Conforme o Acórdão do CAAD nº 289/2013, “A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se”, o que suscita a questão de saber se pode ser atribuído, a tal expressão, um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações do ordenamento jurídico português. Na verdade, são imensas as normas que consagram presunções, conjugando, para o efeito, aliás, o verbo considerar de diversas formas. Não é, pois, difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”, expressões a que, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, é conferido, imensas vezes, um significado equivalente (…) Nestas circunstâncias, sendo as mencionadas expressões recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, pode concluir-se não ser apenas o uso do verbo “presumir” que nos coloca perante uma presunção, mas também o uso de outros termos podem servir de base a presunções, como, designadamente, ocorre com a expressão “considerando-se”, o que, em nosso entender, será justamente o que verifica no nº 1 do art.º 3.º do CIUC. Trata-se, assim, de um entendimento que, não se afigurando corresponder a uma leitura enviesada da lei como considera a AT, se revela em sintonia com o disposto no nº 2 do art.º 9.º do CC, na medida em que assegura ao pensamento legislativo o mínimo de correspondência verbal aí exigido. Na perspectiva literal, face ao que se deixa exposto, dúvidas não há de que a interpretação que considera estabelecida uma presunção ilidível no nº 1 do art.º 3.º tem total respaldo na formulação aí consagrada, face à mencionada equivalência entre a expressão “considerando-se como tais” e a expressão “presumindo-se como tais”. O elemento linguístico, como atrás se referiu, sendo o primeiro que deve ser utilizado em busca do pensamento legislativo, deve, porém, a fim de se encontrar o verdadeiro sentido da norma, ser submetido ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam tais elementos de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica).”
Refere-se ainda, no Acórdão do CAAD nº 14/2013, “Abordando de novo a questão de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção, face a todo o exposto, não podemos deixar de nos pronunciar pela afirmativa pelos fundamentos que antecedem (…).Assim, se o comprador, novo proprietário do veículo, não providenciar o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário, ou seja, prova por qualquer meio da respectiva venda (Cfr. arts. 1º do DL nº 54/75, 7º do CRP e 350º, nº 2, do CC). Nestes termos, somos de parecer que a AT não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda.”
Do mesmo modo, o nº 2 do artigo 3º do CIUC equipara aos proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, dado que são estes e não os proprietários quem utiliza os veículos, sendo, portanto, onerados “os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam” (vide artigo 1º do CIUC).
Afirma-se ainda no já citado Acórdão do CAAD nº 289/2013: “No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em assentam em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida (…). O elemento sistemático de interpretação e a interação entre os diversos artigos e princípios que integram o sistema inscrito do CIUC, apela também ao entendimento de que o estabelecido no nº 1 do art.º 3.º do CIUC não pode deixar de consubstanciar uma presunção. Dispõe o nº 1 do art.º 9º do CC que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade ambiental e de respeito pelas questões que com o ambiente se relacionam. Neste contexto, as considerações formuladas sobre os mencionados elementos de interpretação, sejam de carácter literal ou de pendor histórico, sejam de natureza racional ou sistemática, apontam no sentido de que o artigo 3.º do CIUC, estabelece uma presunção, ou seja, a ratio legis dessa norma, enquanto razão ou fim que razoavelmente lhe deve ser atribuído, não pode deixar de perspectivar a expressão “considerando-se como tais”, utilizada no referido artigo, como reveladora do estabelecimento de uma presunção ilidível, o que significa que os sujeitos passivos do IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se, como tais, as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, a final, ser outros.”
Conforme afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 217-2013: “A lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito do art.º 1º do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. Por isso, a presunção inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. A não ser assim, estar-se-ia a aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.”
Estando, portanto, conforme o artigo 73º da LGT, uma presunção ilidível, caberá à Requerente apresentar prova de que não era esta quem utilizava os veículos referidos supra.
Ocorre, contudo, que, à data das liquidações de IUC em causa, estava em vigor o artigo 19º do IUC (posteriormente revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), onde se dispunha o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”
Não logrou a Requerente provar que tinha cumprido a obrigação em causa, desconhecendo-se se o terá efectivamente feito. Não negou a Autoridade Tributária, todavia, que esta tenha cumprido a referida obrigação, mas apenas que não tinha apresentado qualquer prova documental de que o tivesse feito.
Será, portanto, necessário aferir se o incumprimento desta obrigação, per se, terá influência na incidência subjectiva do imposto.
Como bem refere o Acórdão do CAAD nº 655/2015, “Até à sua revogação pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 19.º do CIUC fazia impender sobre o locador financeiro de veículos a obrigação de fornecer à Direcção-Geral dos Impostos (hoje, à AT – Autoridade Tributária e Aduaneira) os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Nos casos vertentes, a Demandada contra-alega que o Demandante sujeito passivo não cumpriu esta obrigação, o que a impediria de invocar o n.º 2 do artigo 3.º do CIUC. Por seu turno, o Demandante sustenta que fez esta comunicação através da plataforma eletrónica da Demandada, não obtendo qualquer comprovativo. Mesmo antes de tratarmos a questão – que seria prejudicial em relação a esta primeira - de saber se essa comunicação era efetivamente uma condição legal para se verificar a translação da incidência subjetiva do imposto para a esfera do locatário, consideramos conveniente fundamentar a nossa posição quanto à questão de facto enunciada. Trata-se de uma regra geral e de uma garantia dos administrados que quem cumpre uma obrigação, no âmbito do procedimento administrativo, tem o direito de receber um comprovativo desse cumprimento. No novo modelo de interação entre os contribuintes e a Administração Tributária, baseado na comunicação eletrónica, essa não poderá deixar de ser também a regra. No entanto, é do conhecimento geral que efetivamente, muitas vezes, isso não acontece. Ora, tendo tido a Administração Tributária a possibilidade de contradizer o Demandado no que toca ao facto, alegado por este, de não poder obter um comprovativo da comunicação prevista no entretanto revogado artigo 19.º, não o fez. Ao abrigo do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, e baseando-nos no facto, de conhecimento geral, de ser frequente a não disponibilização de comprovativos dos atos que os contribuintes praticam através da plataforma de comunicação eletrónica da AT – Administração Tributária e Aduaneira, entendemos dever dar como provado que o Demandante efetivamente cumpriu o dever que lhe incumbia por força do artigo 19.º do CIUC. Mas ainda que assim não fosse, consideramos que, sendo a incidência subjetiva um elemento da obrigação tributária que não pode deixar de ser perfeitamente delimitado pela lei (princípio da legalidade tributária, de acordo com o artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), e não se encontrando na lei qualquer elemento que inequivocamente nos leve a concluir que o legislador quis fazer depender do cumprimento da obrigação prevista no entretanto revogado artigo 19.º a translação da incidência subjetiva do proprietário para o locatário, e configurando-se esta obrigação como uma obrigação acessória, não é legítimo considerar que o cumprimento ou incumprimento desta obrigação acessória era determinante da incidência subjetiva do imposto.”
Afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 191/2015: “Perguntar-se-á ainda: e quanto à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC? O seu incumprimento contende com a conclusão constante do parágrafo anterior quanto ao responsável pelo pagamento do imposto? A resposta é, em nosso entender, negativa. Efetivamente, a consequência que decorre do incumprimento dessa obrigação acessória é aquela a que assistimos: a AT emite as notas de liquidação em nome do proprietário do veículo, por desconhecer que foi celebrado o contrato de locação financeira. Contudo, isso não impede esse mesmo proprietário / locador de fazer prova da celebração do contrato e do prazo pelo qual o mesmo foi celebrado e, assim, obstar ao pagamento do imposto. E o certo é que, no presente processo, a Requerente juntou prova documental que comprova a existência de contratos de locação financeira que estavam em vigor na data em que ocorreram os factos tributários relativos às viaturas referidas no ponto 11 dos factos provados. A este propósito, a AT vem dizer que, em função do incumprimento do artigo 19.º do CIUC, “não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” e que, “consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”. Entende este tribunal que não lhe assiste razão. Por um lado, o presente pedido de pronúncia arbitral não diz respeito apenas às liquidações em que estava em causa a celebração de contratos de locação financeira cujo prazo compreende as datas em que ocorreram os factos geradores do imposto liquidado. Portanto, ainda que a AT tivesse razão, essa razão seria sempre parcial, não podendo aplicar-se a todos os casos a que se refere o pedido de pronúncia arbitral. Em segundo lugar, a lógica da AT não leva em linha de conta que houve um processo administrativo prévio ao presente processo arbitral no âmbito do qual a AT poderia ter anulado as liquidações em questão. Importa ainda não esquecer que a falta da Requerente é passível de responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Essa é a forma encontrada pelo legislador para penalizar quem incumpre com o dever informativo para com a AT.”
Igual posição podemos ver ainda no Acórdão do CAAD nº 232/2014: “Não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância de a Requerente poder não ter dado o devido cumprimento ao disposto no atrás referido artigo 19.º do CIUC. Com efeito – e como é bom de ver – a sanção pelo incumprimento de qualquer obrigação que a esse respeito caiba ou coubesse à requerente, ter-se-ia sempre que procurar em sede do Regime das Infracções Tributárias, e não, naturalmente, na sujeição a um imposto.”
Teremos de entender, portanto, que, não obstante a eventual responsabilidade contra-ordenacional da Requerente, nos termos do RGIT, o não cumprimento da obrigação acessória referida no artigo 19º do CIUC não tem qualquer influência na incidência subjectiva do imposto.
Ainda que não se possa aferir do cumprimento do dever de informação à AT disposto no artigo 19º do CIUC, o certo é que a Requerente veio apresentar essa prova posteriormente.
Conforme já decidido no Acórdão 27/2013, “A AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários”.
Ao não aceitar a prova de que a Requerente celebrou, em relação a todos os veículos supra referidos, contratos de locação financeira e de promessa de compra e venda, a Requerida subsiste na prática de um acto ilícito.
15. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como refere o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Como decorre ainda do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.
Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Efectivamente, não é possível aferir se a Requerente cumpriu o dever de informação e, portanto, se a Autoridade Tributária tinha conhecimento da existência dos contratos de locação financeira em causa.
No entanto, tendo a Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa, não considerou a Requerida a prova documental junta, e indeferiu totalmente o pedido, não obstante lhe ter sido dado conhecimento da existência dos contratos de locação financeira.
Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º/1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 9.918,11, que serão contados desde 14-12-2016, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
V – Decisão
Julga-se procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação acima identificados, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a 44 (quarenta e quatro) veículos automóveis e referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante de € 9.205,32, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 712,79 e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado, condenando-se a Requerida a devolver essas quantias.
Fixa-se ao processo o valor de € 9.918,11 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas pela entidade requerida.
Lisboa, 30 de Maio de 2017
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)