Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paula Pereira e Carlos Lobo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A… (de ora em diante o “Requerente”), contribuinte n.º …, residente na …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tendo por objeto a anulação da liquidação de Imposto do Selo, consubstanciada em ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo sob o número … e ilegalidade da liquidação de juros compensatórios sob o número … mediante a qual lhes foi fixado o dever de pagar a importância de 129.490,56€ (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de imposto e de juros compensatórios, bem como indemnização por prestação da garantia.
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É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por AT ou Requerida), que sucedeu à Direção–Geral dos Impostos.
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O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 15 de outubro de 2013 pelo Exm.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a AT notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 13 de dezembro de 2013 para apreciar e decidir o objeto do presente processo.
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Em síntese, o Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:
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A liquidação impugnada, que tributa o imposto do selo devido por transmissão de suprimentos a título gratuito deve ser anulada por inexistência de acto tributário,
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De acordo com Relatório de Inspeção Tributária, o Requerente, que é sócio da sociedade B…, adquiriu a outros sócios da referida sociedade um total de 2.506.150 acções, passando a participação no capital social da referida sociedade de 19,33% para 41,02%,
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No contrato de compra e venda das acções em causa, os cedentes (…, … e ...) eram credores da sociedade B…, em razão dos suprimentos por eles efectuados,
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O Requerente alega que, conjuntamente com a aquisição de acções se transferiram igualmente os créditos em suprimentos no valor de 1.073.796,62 euros (um milhão, setenta e três mil, setecentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos),
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Face às referidas circunstâncias, entende o Requerente que não existiu qualquer transmissão gratuita (doação) de suprimentos, dado que a vontade real das partes, ao celebrarem o contrato de compra e venda de ações foi o de incluir no seu objecto a transmissão dos suprimentos de que eram titulares os cedentes, abrangendo o preço convencionado tal cedência, e que essa interpretação do contrato seria efectuada, mesmo não existindo qualquer cláusula expressa nesse sentido, por um “normal declaratário”,
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Para suportar a sua tese, o Requerente refere que na cláusula 9.ª do “contrato de compra e venda de acções” consta que satisfeitas as prestações convencionadas, os alienantes das acções dão plena e integral quitação a todas as sociedades do Grupo B... e aos adquirentes das acções,
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Por fim, e no caso do Tribunal considerar que o contrato em apreço não comprova a onerosidade da operação controvertida, entende o Requerente que o negócio jurídico subjacente à transmissão gratuita intervivos é a doação, e que a AT, não tendo comprovado a verificação desse requisito jurídico-civilistico, teria sempre a liquidação controvertida de ser considerada ilegal
Por sua vez, a AT considera o seguinte:
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Nos termos da legislação em vigor, o legislador tributário pretendeu abranger no âmbito da incidência do Imposto do Selo todas as situações em que existe um enriquecimento patrimonial, ainda que não correspondam a um tipo formal de transmissão de bens, considerando gratuitas as transmissões que não impliquem contrapartida económica da parte do adquirentes,
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Sendo que a AT não tem de fazer prova relativa a qualquer forma jurídico-civilistica que possa estar subjacente à transmissão dos aludidos suprimentos, bastando-lhe comprovar que houve um enriquecimento efectivo sem qualquer contrapartida patrimonial,
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Pelo que a AT cumpriu com o ónus probatório que lhe competia ao demonstrar um enriquecimento efectivo do Requerente,
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E que, quanto à relação entre o crédito de suprimento e a participação social, esta é cindível, podendo o sócio credor ceder a sua participação sem necessariamente transmitir o seu crédito de suprimentos,
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Pelo que, sendo a escritura omissa quanto aos créditos de suprimentos e, na falta de outros elementos, nada permite afirmar que tivesse havido vontade das partes (cedente e cessionário) de transmitir simultaneamente a participação e os créditos,
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E que, ainda que o Tribunal venha julgar provada a matéria de facto que o Requerente invoca, essa prova compreende apenas os suprimentos até ao montante de € 879.838,04, devendo o remanescente de € 193.954,58, considerar-se sempre adquirido a título gratuito, por falta de contra prova quanto à sua onerosidade.
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Realizou-se no dia 5 de fevereiro de 2013, pelas 15.00 horas, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respetiva ata que se encontra junta aos autos. Em tal reunião foram inquiradas as testemunhas …e ….
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O Requerente apresentou alegações escritas no dia 12 de Fevereiro de 2014, e a AT apresentou a suas alegações no dia 21 de Fevereiro de 2014.
Tudo visto, cumpre proferir
DECISÃO
II. MATÉRIA DE FACTO
II.1. FACTOS PROVADOS
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A B... foi constituída em 2002-01-09, resultando da incorporação das participações financeiras detidas pelas seguintes sociedades:
NOME
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Investimentos Financeiros
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…
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€ 4.799.700
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…
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€ 7.118.700
|
…
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€ 2.080.700
|
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O capital social inicial da B... foi inicialmente de € 50.000,00 realizado em dinheiro, tendo sido, posteriormente aumentado em €10.000.000,00 realizados em espécie pela entrada das participações detidas pelas sociedades anteriormente apresentadas.
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As participações dos acionistas no capital da B… ficaram assim distribuídas:
Titular
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Participação
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... - NIF …
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30,13%
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...- NIF …
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19,74%
|
... - NIF …
|
19,74%
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… - NIF …
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16,56%
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A… - NIF…
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13,83%
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Total
|
100%
|
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Estas percentagens mantiveram-se inalteradas até 2007-10-26, data em que … adquiriu a totalidade da participação de …, vendendo, posteriormente parte desta a A…, passando a estrutura acionista a ser a seguinte:
Titular
|
Participação
|
...
|
30,13%
|
...
|
19,74%
|
…
|
30,80%
|
A…
|
19,33%
|
Total
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100%
|
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A conta de suprimentos apresentava, em 2008-01-01, os seguintes saldos:
Acionista
|
Suprimentos
|
...
|
€ 1.063.145,75
|
…
|
€ 696.530,33
|
…
|
€ 696.530,33
|
…
|
€ 584.240,92
|
A…
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€ 487.814,99
|
Total
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€ 3.528.262,32
|
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Em 2008-04-17, através de contrato de compra e venda de ações, … e A… (este último, o Requerente) adquiriram, em partes iguais, a... e... as respectivas participações sociais na sociedade, passando a estrutura acionista a ser a seguinte:
Titular
|
Participação
|
…
|
55,735%
|
A…
|
44,265%
|
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Em 2008-04-21, quatro dias após a última alteração da estrutura acionista, descrita no ponto anterior, foram efetuados lançamentos nas contas correntes 1 dos acionistas (2641), que consistiram na transferência das dívidas aos antigos acionistas (..., ...e ...) para os acionistas … e A…, ficando esta conta com os seguintes saldos:
Acionista
|
Suprimentos
|
%
|
Aumento
|
…
|
€ 1.966.654,71
|
55,74%
|
€ 1.382.413,79
|
A…
|
€ 1.561.607,61
|
44,26%
|
€ 1.073.792,62
|
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Pelas 2.506.150 ações que o Requerente adquiriu, pagou o preço de € 4.987.363.
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O pagamento foi realizado faseadamente, vencendo-se a última prestação a 28 de novembro de 2008.
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O contrato de compra e venda de ações de 17 de abril de 2008 é totalmente omisso em relação à transferência da titularidade dos suprimentos detidos pelos cedentes das ações.
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O contrato de compra e venda de ações foi celebrado com reserva de sigilo e para pôr termo a litígios entre os outorgantes, o que é indicado no mesmo.
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A vontade real das partes, ao celebrarem o contrato de compra e venda de ações referido em 1, foi incluir no seu objeto a transmissão dos suprimentos de que eram titulares os cedentes, abrangendo o preço convencionado tal cedência.
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Em Julho de 2013, o Requerente foi notificado das liquidações n.º … (Imposto) e a liquidação n.º … (juros compensatórios), relativas a Imposto do Selo, ambas de 23/07/2013 e com data limite de pagamento a 19-09-2013, no valor de €129.490,56.
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O Requerente solicitou a apresentação de garantia, para lograr a suspensão do processo executivo correspondente às liquidações referidas no ponto anterior.
II. 2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
II.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Sendo a generalidade dos factos documentalmente suportados e consensualmente aceites pelas partes, foi particularmente relevante na fixação dos factos controversos, descritos nos pontos 6 e 13 supra, o depoimento das testemunhas … e ….
Estas testemunhas, revelaram um conhecimento direto e em primeira mão dos factos em litígio, e depuseram de forma clara, serena e inequívoca no sentido de que a transmissão de suprimentos sob tributação nos autos foi contrapartida directa do preço pago pelas participações sociais, sendo transmitidas com estas.
Deste modo, a testemunha …, sócio do requerente e co-adquirente no contrato em questão nos autos, declarou ter acompanhado de perto as negociações (até por fazer parte do negócio), mais declarando que nunca esteve em causa a aquisição parcial da posição dos anteriores sócios na B..., e que “ninguém deu nada a ninguém”.
Esclareceu ainda esta testemunha, dentro do que se recordava, que a titularidade dos suprimentos terá sido registada na proporção das respectivas partes sociais, entre o Requerente e a testemunha.
Esclareceu por fim que a operação que dá causa à tributação contestada nos autos, ocorreu na sequência de uma outra em que tinha sido adquirida por si a posição anteriormente detida por …, incluindo os suprimentos titulados por este, no total de 19% do capital social da B..., sendo que, posteriormente, cerca de 5% daqueles 19% ter-lhe-ão sido adquiridos pelo Requerente.
Já a testemunha …, transmitente dos suprimentos, afirmou inequivocamente que nunca esteve em causa dar o que quer que fosse, designadamente, ao Requerente, e que no preço acordado para as participações sociais foi abrangido o valor dos suprimentos por si detidos na B..., bem como todos os seus direitos sobre esta sociedade, incluindo, por exemplo, o direito a lucros pendentes.
Não se pode subscrever, deste modo, o juízo feito pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas suas alegações escritas, onde refere que as testemunhas em causa depuseram de “forma vaga e meramente conclusiva”. Efetivamente, no facto essencial – o caráter oneroso ou gratuito da transmissão dos suprimentos – as testemunhas depuseram de forma precisa e totalmente inequívoca no sentido da onerosidade.
É certo que, quanto à matéria (acessória) relativa à explicação do teor da formalização por escrito do negócio celebrado, as testemunhas declaram que não foi alvo de grande preocupação, no que aos suprimentos dizia respeito, resultando contudo de ambos os depoimentos que, para as testemunhas, nunca esteve em causa outra coisa.
A falta de apresentação de um explicação mais específica para a questão em apreço, contudo, não retira qualquer credibilidade ao depoimento das testemunhas, pelo contrário, já que, caso as mesmas se apresentassem com o propósito de faltar à verdade, o natural seria serem inconclusivos no que respeita ao facto essencial – o caráter oneroso ou gratuito da transmissão dos suprimentos – e apresentarem uma explicação detalhada para o acessório.
Inexistem factos não provados porquanto todos os factos alegados com interesse para a boa decisão da causa, foram dados como provados, ou são com estes incompatíveis.
III. DIREITO
Em causa nos autos está a tributação do Requerente, em sede de imposto do selo (IS), relativo à aquisição gratuita de créditos (suprimentos) sobre a sociedade B....
A primeira questão que se coloca, nesta matéria, por controvertida, é relativa ao ónus da prova, sendo que o Requerente alega que à Autoridade Tributária e Aduaneira incumbiria o ónus de demonstrar que a transmissão de suprimentos em questão foi gratuita, enquanto que a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que ao Requerente é que incumbiria demonstrar que a transmissão em questão foi onerosa.
Nesta matéria dispõe o artigo 74.º/1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.
No caso, a gratuitidade do negócio é pressuposto do direito arrogado pela Administração Tributária, de tributar o Requerente. Com efeito, está em causa nos autos a aplicação da al. f) do n.º 3 do artigo 1.º do CIS, do n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Código, e da verba 1.2 da TGIS, que tem subjacente a ocorrência de transmissões gratuitas.
Deste modo, para que se legitime o direito a tributar nos termos expostos, é necessário que os respectivos pressupostos sejam demonstrados, sendo que o ónus de tal demonstração, de acordo com o referido artigo 74.º/1 da LGT, incumbirá à Administração Tributária.
***
Assente o que vem de se expor, cabe agora verificar se o ónus que se identificou como pendente sobre a Administração Tributária, foi ou não cumprido.
Dos factos dados como provados nos autos, resulta, em suma e com relevância para a questão, que:
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Houve uma transferência de créditos por suprimentos a favor do Requerente;
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Que a mesma ocorreu no quadro de uma aquisição de participações sociais em que o Requerente foi um dos adquirentes;
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Que no contrato celebrado entre transmitente e adquirentes, não foi feita nenhuma referência aos suprimentos;
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Que o valor do crédito por suprimentos transferido para o Requerente foi de € 1.073.796,62.
Nada mais se provou de relevante, a não ser que a vontade real das partes, ao celebrarem o contrato de compra e venda de ações referido em 1 dos fatos dados como provados, foi incluir no seu objeto a transmissão dos suprimentos de que eram titulares os cedentes, abrangendo o preço convencionado tal cedência.
Abstraindo deste último fato, dir-se-á que aqueles factos acima elencados sempre seriam insuficientes para considerar cumprido o ónus de demonstração da gratuitidade da cedência de suprimentos, pressuposto da tributação.
Com efeito, apreciados aqueles fatos, constata-se que nenhum deles se reporta, diretamente, ao caráter gratuito ou oneroso da transação. Daí que a questão se coloque, ao nível do juízo que, à luz da normalidade das coisas, é possível fazer a respeito da gratuitidade ou onerosidade, a partir de tais factos.
Ora, em tal contexto a pergunta a fazer será: num contexto em que é efetuada uma venda de participações sociais, num valor da ordem dos cinco milhões de euros, e ocorre uma transmissão do vendedor das participações para o adquirente das mesmas, de um crédito de suprimentos na ordem de um milhão de euros, sobre a sociedade participada, e nada mais se apura, o normal é:
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tal transmissão ter sido uma liberalidade?
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ou tal transmissão ter feito parte do acordo de venda das participações sociais?
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que, efetivamente, o normal será que a transmissão dos suprimentos tenha ocorrido no quadro da venda de participações sociais, estando aqueles incluídos nos preços pagos por aquelas.
E mesmo que se discorde do juízo que vem de se fazer, pelo menos, sempre se haveria de concluir estar verificada uma situação em que da prova produzida resulta a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, a resolver no sentido da anulação do fato tributário, nos termos do artigo 100.º/1 do CPPT.
Daí que, sempre se concluiria que o ónus probatório que, nos termos legais e atrás expostos assistia à Administração Tributária, estava, in casu, incumprido.
No entanto, e face à circunstância, já acima aludida, de se ter provado nos autos que a vontade real das partes, ao celebrarem o contrato de compra e venda de ações referido em 1 dos fatos dados como provados, foi incluir no seu objeto a transmissão dos suprimentos de que eram titulares os cedentes, abrangendo o preço convencionado tal cedência, tal juízo acaba por ser irrelevante, uma vez que, mais do que uma falta de prova, a ser resolvida por regras processuais, o que se verifica é que foi efetivamente feita prova no sentido da não verificação dos pressupostos fato do ato tributário impugnado.
Assim, e atento tal erro nos pressupostos, e a ilegalidade daí decorrente, por violação do n.º 2 do artigo 2.º CIS, e da verba 1.2 da TGIS, deverá o ato tributário em questão ser anulado.
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Antevendo tal possibilidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, veio pedir que uma “vez que à participação social adquirida corresponde um crédito por suprimentos no montante de €879.838,04 (metade dos suprimentos adquiridos a ... [1.063.145,75] e a ... [696.530,33], conforme relatório da inspecção que o Requerente não impugnou), fica forçosamente por justificar a pretendida onerosidade do remanescente dos suprimentos controvertidos no montante de € 193.954,58”.
Vejamos.
De acordo com os fatos dados como provados, em 21 de abril de 2008 foram efetuados lançamentos na conta de suprimentos da B..., os quais consistiram na transferência das dívidas por suprimentos dos antigos acionistas para os acionistas … e A… (este último, o Requerente), verificando-se o aumento do crédito por suprimentos do Requerente em €1.073.796,62.
Contudo, e como aponta o Requerente nas suas alegações:
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Antes da cessão de ações, o Requerente era detentor de 19,33 % do capital social da B...;
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O Requerente adquiriu 50 % das ações de que eram titulares ... e ...;
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As participações cedidas representavam, respetivamente, 30,13% e 19,74% do capital social da B... , ou seja, um total de 49,87 %;
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Assim, o Requerente adquiriu 24,935% (49,87:2) do capital social da B...;
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A referida percentagem 24,935%, somada com a percentagem correspondente às ações de que o Requerente já era titular (19,33%), perfaz um total de 44,265% (e não 41,02% como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira e consta do quadro 2 , da p. 3, do Relatório de Inspecção Tributária);
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Os suprimentos de que o Requerente passou a ser titular correspondem a 44,26 %.
Daí que, ao contrário do que argumenta a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se encontra por justificar nenhuma parte dos suprimentos registados a favor do Requerente, no dia 21-04-2008, não devendo por isso qualquer parte dos mesmos ser sujeita a Imposto do Selo, relativo a transmissões gratuitas.
***
Pede, por fim, o Requerente a condenação da Administração Tributária ao pagamento de indemnização, a fixar em execução de sentença.
Esta matéria foi objecto já de decisão, entre outros, no âmbito do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T, nos termos que ora se transcrevem
“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação, decorrente de se ter tributado como gratuita uma operação que foi onerosa, é imputável à Administração Tributária, pois a liquidação foi da sua iniciativa e o Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Por isso, o Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
No entanto, não foram alegados e provados os encargos que o Requerente suportou para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.
IV. Dispositivo
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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declarar ilegais os seguintes actos tributários, anulando-os:
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liquidação de Imposto do Selo sob o número ...;
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liquidação de juros compensatórios sob o número ...;
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Condenar a Administração Tributária no pagamento de indemnização pela garantia prestada, no valor em que for liquidada em execução do presente acórdão; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €3.060.00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €129.490,56 (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa euros e cinquenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 21 de março de 2014.
Os Árbitros
(José Pedro Carvalho - Presidente/Relator)
(Paula Rosado Pereira)
(Carlos Baptista Lobo)
A decisão arbitral foi redigida em conformidade com as regras do Acordo Ortográfico de 1990.
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo
Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.