Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Diogo Leite de Campos e Leonardo Marques dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na subsequente
Decisão Arbitral
I. Relatório
1. Em 23 de Outubro de 2016, A…- Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., com sede na …, … em Lisboa (doravante “Requerente”), solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) com o fim, da declaração de ilegalidade e anulação de indeferimento tácito de reclamação graciosa, bem como dos actos de liquidação do Imposto do Selo (doravante também identificado como “IS”) e juros compensatórios n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, e n.º 2015…, e, bem assim, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), ao pagamento da quantia despendida pela Requerente com a constituição e manutenção da garantia bancária n.º…, em custas e no pagamento de procuradoria condigna. Subsidiariamente, requer ainda a Requerente a anulação parcial das liquidações acima identificadas, na parte referente aos juros compensatórios.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 24 de Outubro de 2016.
3. Em face da regularidade do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados os signatários que aceitaram o cargo nos termos legais.
4. O presente tribunal foi constituído no dia 20 de Janeiro de 2017.
5. Não tendo sido invocadas excepções, não havendo necessidade de prova adicional, para além da que está presente nos autos, não havendo imperativo de as partes corrigirem as suas peças processuais; e reunindo o processo os elementos necessários ao proferimento da decisão, o Tribunal, à sombra dos princípios da sua autonomia na condução do processo, da promoção da celeridade, simplificação e informalidade, decidiu, por despacho de 23 de Fevereiro de 2017, dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Nesse mesmo despacho convidou as partes a apresentarem alegações escritas.
6. Através de despacho de 6 de Abril de 2017 e em observância do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou o dia 19 de Maio de 2017 como data para o proferimento da decisão arbitral.
II. O pedido da Requerente:
A Requerente funda o seu pedido nos seguintes termos que se enunciam de forma sintética:
Do enquadramento
a) A ora Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IS acima identificadas, presumindo o seu indeferimento nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e da alínea a) do n.º 1 artigo 10.º do RJAT;
b) Entende a Requerente que a anulação dos actos de liquidação adicional do Imposto do Selo e, em consequência, o indeferimento tácito da reclamação graciosa - estão viciados nos seguintes termos:
Do Direito:
c) O que está em causa nos presentes autos é o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos Fundos de Pensões em sede de Imposto do Selo; saber se as referidas comissões estão, ou não, isentas do pagamento de Imposto do Selo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de Fevereiro e alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante “CIS”) conjugado com a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante “TGIS”).
d) A AT considerou que as comissões de gestão dos Fundos de Pensões não estão isentas de Imposto do Selo e que, simultaneamente, respeitam a serviços financeiros, sujeitos a imposto nos termos da Verba n.º 17.3.4 da TGIS.
e) A AT remete para a informação n.º I2014…, de 10 de Novembro de 2014, da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT) e para o Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros junto ao processo Administrativo.
f) Na óptica da AT, refere a Requerente, os juros, as comissões e as garantias só estariam isentas de Imposto do Selo se fossem cobradas ou prestadas em operações de utilização de crédito concedidas por instituições de crédito.
g) Este entendimento da AT seria ilegal por violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e colide com a doutrina Administrativa vigente no seio da AT relativamente ao tema em análise, vertida no Despacho de 17 de Março de 1999, proferido pelo Senhor Subdirector Geral dos Impostos.
Da Isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º Código do Imposto do Selo:
h) O entendimento defendido pela AT, no sentido do que «(…) os juros, as comissões e as garantias só estariam isentas de Imposto do Selo se fossem cobradas ou prestadas em operações de utilização de crédito concedidas por instituições de crédito» não tem a mínima correspondência verbal com o texto da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
i) Entende a Requerente que a redacção da norma dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 29 de Dezembro, em que ficou estatuído que a isenção abrange: “os juros e comissões cobrados e, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por (…)” não permite concluir que só estão abrangidos juros, comissões e garantias ligadas à concessão de crédito.
j) A preposição “e bem assim” que liga as três primeiras operações à quarta operação tem necessariamente que ter um efeito e um sentido próprio útil.
k) As operações financeiras referidas na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS fazem parte do universo de operações financeiras referidas na verba 17. da TGIS, sendo certo que a actividade interpretativa da norma passa por comparar, a norma de incidência, com a norma de isenção.
l) Defende a Requerente que na redacção da verba 17. TGIS, na versão inicial do CIS dada pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, que se manteve quando o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, se fundiram as anteriores alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS e se suprimiu o seu n.º 2; verifica-se que a verba 17. se subdividia em das grandes áreas:
- um primeiro grupo de operações a que se referiam as verbas 17.1 a 17.1.4;
e
- outro grupo integrado nas verbas 17.2 a 17.2.4.
m) No primeiro grupo de operações (Verbas 17.1 a 17.1.4) estavam incluídas as operações de concessão de crédito a qualquer título, independentemente da modalidade, do prazo, do concedente ser ou não uma instituição de crédito, uma sociedade financeira ou outra instituição financeira e independentemente de quem fosse o beneficiário desse crédito.
n) No segundo grupo de operações (verbas 17.2 a 17.2.4) estavam incluídas operações com natureza de serviços financeiros tais como comissões e outras contraprestações, e também juros por crédito concedido.
o) Atendendo ao corpo da verba 17.2, as operações financeiras ali mencionadas eram “as realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.
p) A estrutura e redacção da verba 17. levam à conclusão que a redacção da alínea e) do n.º 1 do anterior artigo 6.º CIS foi estruturada em consonância com a dita verba 17., o que continua a verificar-se depois das alterações ao CIS, quer pela referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, quer pela própria verba 17.
q) Em relação à primeira parte da citada alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º CIS não era necessário delimitar a cobrança de juros e comissões quanto aos seus intervenientes, dado que essa delimitação já estava concretizada na norma de incidência; isto é, na citada verba 17.2 (actual verba 17.3) que determinava que essas operações eram as executadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.
r) Em relação à concessão de crédito, a segunda parte da alínea e) teve de indicar quais os agentes concedentes e beneficiários/utlizados, dado que se não o fizesse, ficaria abrangido todo o tipo de crédito a que se referem as verbas 17.1 a 17.1.4 (actual 17.1 e 17.2).
s) Na redacção que vem desde 2002, a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS beneficia as operações aí indicadas quando os respectivos autores e beneficiários são entidades jurídicas cuja actividade se situa na fase intermédia do circuito económico das operações financeiras.
t) Para conjugar a redacção da dita alínea e) com a verba 17. é suficiente fazer referência aos juros, às comissões e às garantias porque na verba 17. está consignado que se tratam de operações realizadas entre instituições, enquanto que na segunda parte da dita alínea, quanto à utilização de crédito concedido, já é necessário que a norma o assuma expressamente para que só sejam abrangidas as operações realizadas entre as instituições mencionadas na norma.
u) No caso do Imposto do Selo, na maioria das vezes o sujeito passivo de direito não é sujeito passivo de facto, ou seja, quem suporta economicamente o imposto.
v) Nas operações financeiras mais directamente relacionadas com a situação em apreço, contata-se que a Lei considera sujeitos passivos de direito as entidades concedentes de crédito e da garantia ou credores de juros, prémios, comissões ou outras contraprestações, sendo o sujeito passivo de facto, o cliente das instituições financeiras, o utilizador do crédito e quem é obrigado a prestar garantia.
w) Quando a relação não é entre o prestador de serviços ou concedente e o consumidor final, mas o consumidor final assume natureza intermédia do circuito, ou seja, quando o utilizador do serviço ou beneficiário está no meio do circuito e ele próprio vai utilizar esses serviços, o que se demonstra é que a Lei tende a desonera-lo do encargo do imposto, que não poderia recuperar imediatamente e que financeiramente iria encarecer a respectiva actividade.
x) Ao prever a isenção, o Estado não perde o imposto, uma vez que quando este operador intermediário se relacionar com os próprios clientes, consumidores finais, procederá então à sua liquidação.
y) Esta conclusão justifica diversas isenções consagradas no CIS, entre as quais a que foi prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, reforçando a interpretação no sentido de que as comissões a que se refere a sua primeira parte são as que são cobradas pelas instituições financeiras referidas na segunda parte, entre as quais estão as instituições da mesma natureza, entre as quais se encontram os fundos de pensões.
z) Quanto ao elemento histórico da interpretação das normas, verifica-se uma evolução da legislação no sentido de desagravar algumas operações contratadas entre instituições de crédito, desde logo com a entrada em vigor da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro.
aa) A redacção das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS aproximava-se já, na parte que interessa aos factos tributários isentos, à redacção da Lei n.º 30-C/2000, sendo que esta segunda lei veio alterar a parte final da redacção inicial das duas alíneas, passando a excluir as entidades domiciliadas em territórios com regime fiscal mais favorável. Com a nova redacção veio igualmente clarificar-se quais eram as operações financeiras que deveriam beneficiar da isenção.
bb) As normas em causa não ficaram estabilizadas (alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS). A redacção dada pela Lei n.º 30-C/2000, foi novamente alterada pelo artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, que deu nova redacção ao artigo 6.º do CIS, fundido as anteriores alíneas e) e f) numa única alínea identificada como alínea e).
Com a Lei n.º 32-B/2002 o texto do artigo 6.º do CIS passou a ser o seguinte:
cc) “os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco bem como a sociedade ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstas na legislação comunitária, uma e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por Portaria do Ministério das Finanças”.
dd) Com a Lei n.º 32-B/2002, o anterior n.º 2 foi suprimido do artigo 6.º, tendo o antigo n.º 3 passado para o seu lugar.
ee) Em 2003 ocorreu a reforma da tributação do património, com a publicação da Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, através do qual o CIS foi republicado. Com essa republicação, a redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º ficou igual à que foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002 à mesma alínea, que nessa versão estava integrada no artigo 6.º.
ff) Posteriormente, foi aprovada a redacção que ainda hoje se encontra em vigor, o que foi efetuado através do artigo 36.º n.º 1 da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, que veio dar nova redacção à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, passando a isenção a incluir as garantias bancárias e passando a incluir as instituições financeiras ao lado das instituições de crédito e das sociedades financeiras.
gg) Entende, assim, a Requerente que nem o parecer do CEF nem o relatório de inspeção analisaram corretamente a evolução sofrida pela redacção dos preceitos em causa, limitando-se a invocar que o espirito do citado n.º 2 do artigo 6.º continuou a ter aplicação depois de eliminado.
hh) Considera a Requerente que não cabe ao intérprete efetuar, por via interpretativa, a repristinação de uma norma revogada.
ii) A norma em causa foi eliminada há mais de 12 anos e constitui o único fundamento apresentado pela AT para lançar mão das liquidações adicionais.
jj) A redacção da Lei n.º 32-B/2002 acolheu o conteúdo das anteriores alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS, na redacção que tinha sido dada pela Lei n.º 30-C/2000, com a amplitude que estava prevista no n.º 2 desse artigo.
kk) A redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002 as operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito e, para além destas operações, inclui também logo no início da nova redacção os juros e as comissões, sem lhe opor qualquer limitação.
ll) Sublinhe-se, que a alteração da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, concretizada pelo artigo 36.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, teve como objectivo alargar a isenção às garantias bancárias e, sobretudo, estender a amplitude da isenção às instituições financeiras.
mm) A lei fiscal Portuguesa passou a não discriminar, no tocante à isenção em Imposto do Selo, as várias modalidades de instituições financeiras, incluindo os fundos de pensões e as respectivas entidades gestoras que, face à Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, passaram a ter aquela qualificação.
nn) Conforme resulta do supra exposto, os Fundos de Pensões e as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões assumem, nos termos da legislação nacional e europeia aplicável, a qualidade de instituições financeiras.
oo) A limitação invocada pela AT para fundamentar o seu entendimento, foi revogada com a redacção conferida ao artigo 6.º (actual artigo 7.º) do CIS pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
pp) Nessa medida, invoca a AT em seu benefício, legislação expressamente revogada.
qq) Assim, no âmbito das operações realizadas entre instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, a isenção abrange a concessão de crédito, os juros e as contraprestações por serviços financeiros, independentemente de tais operações se destinarem (ou não) directamente à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito ou visarem outras finalidades prosseguidas pelas instituições financeiras.
rr) A letra do actual artigo 7.º do CIS já não limita a isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.
ss) A limitação da isenção invocada pela administração fiscal deixou de estar em vigor a partir do exercício de 2003.
tt) Foi, assim reposto, o regime anterior à Lei n.º 30-C/2000.
uu) O objectivo claro do legislador foi diferir a tributação da concessão de crédito e dos serviços financeiros para o momento da sua aquisição pelos consumidores finais, que são aqui, os particulares.
vv) Neste sentido, não pode senão entender-se que se encontram abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, todas as comissões relativas a serviços financeiros, cobradas entre instituições financeiras, porquanto inexiste na lei qualquer limitação àquele escopo objectivo.
ww) Resulta claro que face à revogação do n.º 2 do artigo 37.º da Lei do Orçamento do Estado para 2001 pelo artigo 30.º da Lei do Orçamento do Estado para 2003, a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS deve ser interpretada no sentido de que todos os juros, comissões cobradas e garantias prestadas são isentos de Imposto do Selo, desde que relativos a operações realizadas entre instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.
Da não retroactividade
xx) Apenas no ano de 2016 foi aditado um novo n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, restringindo o âmbito de aplicação da isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, designada pelo legislador como norma interpretativa, o que viola o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal.
yy) As decisões tomadas pela AT violaram a orientação perfilhada no despacho do sub DG da DGI de 17 de Março de 1999, o que constitui causa autónoma da ilegalidade dos actos tributários. Tanto mais que tal orientação genérica não está sujeita a prazo de caducidade, mantendo-se até à sua revogação – referindo o n.º 5 do artigo 68.º da LGT.
zz) Despacho em que se entendia que as comissões cobras pelas sociedades gestoras dos fundos de pensões não estavam abrangidas pela incidência do Imposto do Selo.
aaa) Todas as actividades elencadas no § 2.º do artigo 199.º - A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICS”F) não são actividades financeiras propriamente ditas.
bbb) As sociedades gestoras de fundos de pensões são instituições financeiras.
ccc) Tendo a Directiva n.º 2003/41/CE, sido transposta para o Direito interno pelo Decreto-Lei n.º 12/2006, impõe-se a qualificação europeia material dos fundos de pensões como um tipo de instituições.
ddd) O princípio da neutralidade, em sede de Imposto do Selo, entre o investimento directo e o investimento através de veículos de investimento colectivo, apoiaria a posição da Requerente.
eee) As operações financeiras auxiliares, sendo operações instrumentais de serviços financeiros, têm de ser consideradas como operações financeiras, já que a sua ligação com as actividades financeiras propriamente ditas é de ordem Teleológica.
fff) Tais operações não estão incluídas no âmbito de incidência objectiva da verba 17.3.4 da TGIS.
ggg) A redacção do artigo 6.º do CIS, dada pelo n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, foi alterada pela Lei n.º 32-B/2002, dando redacção mais ampla à norma de isenção que, uma vez renumerada passou a integrar a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, passando a abranger os juros e as comissões.
hhh) As comissões de gestão pagas pelos fundos de pensões às respectivas sociedades gestoras estão abrangidas pela isenção disposta na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
III. Posição da Requerida
A AT sustenta a legalidade das liquidações, em termos que se indicam de modo sumário:
a) A AT remete a douta resposta para o relatório final da Inspecção Tributária;
b) A redacção da alínea e) foi dada pela lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o n.º 7 foi aditado pela lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março, com carácter interpretativo integrando-se assim na norma interpretada.
c) Os serviços prestados pelas Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões (doravante “SGFP”), no âmbito em causa, não podem ser qualificados como meramente auxiliares.
d) As actividades exercidas são qualificáveis apenas como materialmente financeiras.
e) A Requerente preenche os requisitos, previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICSF”), e na Directiva n.º 2003/36/EU, para ser qualificada como sociedade financeira.
f) O núcleo das suas funções assemelha-se a funções exercidas por sociedades sujeitas ao regime geral.
g) Em termos da natureza da actividade exercida – que é a relevante – as SGFP são sociedades financeiras.
h) As SGFP são subsumíveis no corpo da verba 17.3 quer como sociedades financeiras, quer como instituições.
i) Estão preenchidos os requisitos de incidência que permitem o enquadramento das comissões de gestão na sub-verba 17.3.4 na categoria de comissões e contra-prestações por serviços financeiras.
j) A AT defende a inaplicabilidade do despacho de 17 de Março por não constituir uma orientação genérica.
k) Estando os benefícios fiscais sujeitos a regime excepcional derrogando a tributação-regra, não se pode preencher uma aparente lacuna na isenção.
l) A interpretação feita pelos Tribunais Superiores – TCAS, processo n.º 02754/08, em 21/09/2010; STA, processo 0770/15, em 15.06.2016, apoiam a interpretação defendida.
m) O caracter interpretativo está subjacente à norma, directamente atribuído por lei (cit. STA, pro. 01630/15 de 06/29/2016).
n) Não existe violação do Direito da União Europeia.
o) A Requerente não demonstra ter procedido ao pagamento da quantia liquidada. Só tendo constituído garantia bancária, pelo que o pedido de juros indemnizatórios é improcedente.
p) A Requerente é uma instituição financeira que se dedica à constituição, administração, gestão e representação de Fundos de Pensões, nos termos dos artigos 32.º e seguintes do Decreto-lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e funcionamento dos fundos de pensões e sociedades gestoras dos fundos de pensões, entretanto alterado e republicado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro.
q) No âmbito da sua actividade, a Requerente cobra aos Fundos de Pensões sob a sua gestão, comissões que remuneram a prestação de serviços de gestão e administração dos Fundos de Pensões, nos termos do Capítulo I do Título IV do Decreto-Lei n.º 12/2006.
r) A Requerente foi notificada de quatro notas de liquidação de imposto.
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos e o processo Administrativo, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.
A. Factos dados como provados
a) A Requerente é uma Sociedade Gestora de Fundos de Pensões (SGFP);
b) Entre 2011 e 2014 a Requerente cobrou aos fundos de pensões sob a sua gestão e administração comissões que remuneraram os serviços prestados;
c) A Requerente entendeu que, nos termos do CIS e da respectiva TGIS não teria que liquidar Imposto do Selo sobre as referidas comissões;
d) A Requerente foi objecto de um Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Direcção de Finanças de Lisboa e credenciado pelas Ordens de Serviço n.º OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015… de 30.03.2015;
e) A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de relatório através do ofício n.º…, de 09.09.2015, tendo exercido o seu direito de audição prévia;
f) O relatório final manteve as correções propostas no projecto de relatório;
g) A Requerente procedeu à prestação de garantia bancária para, conjuntamente, com a apresentação de reclamação graciosa, obstar à cobrança coerciva do Imposto do Selo;
h) A Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo aproveitado a presunção de indeferimento tácito para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral.
i) A Requerente não pagou voluntariamente o imposto liquidado, tendo-lhe sido instauradas as execuções fiscais nºs. …2015…, …2015…, …2015… e ….2015… .
Para suspender as execuções referidas a Requerente prestou, em 23 de Dezembro de 2015, garantia bancária até ao limite de € 1.539.273,82.
B. Factos não provados
Dos factos alegados, relevantes para decidir da causa, nenhum ficou por provar.
VI. Decidindo
O problema a decidir
Os factos
1. Tal como referido, a Requerente dedica-se à constituição, administração, gestão e representação de Fundo de Pensões, nos termos dos artigos 32.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e funcionamento dos fundos de pensões e sociedades gestoras dos fundos de pensões, entretanto alterado e republicado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro.
2. No âmbito da sua actividade, a Requerente cobra aos Fundos de Pensões sob a sua gestão, comissões que remuneram a prestação de serviços de gestão e administração dos Fundos de Pensões, nos termos do Capítulo I do Título IV do Decreto-lei n.º 12/2006.
3. A Requerente foi notificada de quatro notas de liquidação de imposto (n.º 2015…; n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…), referentes aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, com o valor global de € 1.217.837,73 (um milhão duzentos e dezassete mil oitocentos e trinta e sete euros e setenta e três cêntimos).
4. O prazo de pagamento voluntário das quatro notas de liquidação terminou no dia 11 de Dezembro de 2015.
5. A Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas notas de liquidação – junto com o requerimento de pronúncia arbitral.
6. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT ocorreu o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa.
O Direito
7. A resolução do caso sub judice, assenta na interpretação dos artigos 17.3.4 da TGIS e da alínea a) do n.º 1 do 7.º do CIS - anterior artigo 6.º- com o fim de determinar se as comissões de gestão, de administração e outras comissões cobradas pelas entidades gestoras aos respectivos fundos de pensões estão sujeitas a IS, não beneficiando da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.
8. Segundo a AT, a isenção mencionada não é aplicável a todas as comissões abrangidas pela verba 17.3.4, mas só às que estejam directamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo. Assim, apenas caberiam na previsão legal daquela norma os juros, comissões e garantias que resultem da existência prévia de um crédito concedido que com estes se encontre direta e intrinsecamente relacionado.
Artigo 17.3.4 da TGIS
9. O artigo 17.3.4 sujeita a imposto, à taxa de 4%, “as comissões cobradas e contraprestações por serviços financeiros em operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.
10.É necessário que se trate de operações financeiras, dado que as operações não financeiras se encontram sujeitas e não isentas de IVA e não sujeitas a IS. O tipo de operações que em concreto são abrangidas é dado pelas normas que definem a competência e natureza das entidades referidas.
11.O legislador do RGICSF teve o cuidado de explicitar que o disposto no n.º 3 do respectivo artigo 6.º, vale exclusivamente para efeitos do diploma em causa. Não exclui, portanto, que as entidades gestoras de fundos de pensões possam ser consideradas instituições financeiras noutros contextos e para outros efeitos. Neste sentido, escreve Carlos Costa Pina (Instituições e Mercados Financeiros, Coimbra, 2005, pág. 249), que essa limitação do conceito de sociedades financeiras é meramente formal, apenas para efeito da aplicação do RGICSF: na verdade, as sociedades seguradoras e as sociedades gestoras dos fundos de pensões são materialmente instituições financeiras, compondo, enquanto tais, dois relevantes subsectores institucionais do sector financeiro: o sector segurador e o sector dos fundos de pensões, uma vez o seu objecto consistir na realização de operações material e formalmente financeiras. Na ausência da definição expressa de um conceito de instituição financeira sempre se admitiu a existência de um conceito em sentido estrito (o constante do RGICSF-instituições financeiras monetárias) a par de um conceito amplo (instituições financeiras não monetárias). Esta distinção encontra apoio, quer no entendimento do setor financeiro em sentido amplo, que compreende os subsetores bancário, dos valores mobiliários e dos seguros, quer na legislação nacional e da União Europeia.
12.Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o legislador, na esteira do que acontece ao nível do Direito da União, a enumerar entidades que qualifica casuisticamente como “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, para efeitos de aplicação de um determinado regime.
13.Nos termos e para os efeitos do ponto 26) do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Directiva n.º 2013/36/UE[1], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na acepção da Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de activos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção da alínea g) do n.º 1 do artigo 212.º da Directiva 2009/138/CE.”
14.O ponto 27, contudo, determina que uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
“uma instituição financeira; uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição; uma empresa de seguros; uma empresa de seguros de um país terceiro; uma empresa de resseguros; uma empresa de resseguros de um país terceiro; uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros; (…)”.
15.Para efeito do regime da Directiva n.º 2009/138/CE, do Parlamento e do Conselho de 25 de Novembro, relativo ao acesso à actividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), no artigo 13.º, sob a epígrafe “Definições”, ponto 25), entende-se por “Instituição financeira, qualquer das seguintes entidades:
Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na acepção, respectivamente, dos pontos 1), 5) e 21) do artigo 4.º da Directiva n.º 2006/48/CE; empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 112.º; uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na acepção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2004/39/CE:(…)”.
16.Uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros cabe, nos termos deste Regulamento, nas “entidades do setor financeiro” e, portanto, num conceito amplo de instituição financeira.
17.Na Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de Junho de 2003[2], relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, encontram-se várias referências no sentido do enquadramento destas entidades no conceito de instituição financeira em sentido amplo.
18.Esta Directiva foi transposta para o direito português através do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões. O seu artigo 32.º dispõe que “[o]s fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente decreto-lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal.”
19.No que se refere às regras prudenciais a observar, o n.º 2 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, segundo a redacção dada pelo artigo 4.º da Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro, dispõe que:
“São aplicáveis às sociedades gestoras de fundos de pensões, com as necessárias adaptações, as disposições do regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro, relativas a: controlo dos detentores de participações qualificadas; registo das pessoas que dirigem efectivamente a empresa, a fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave; requisitos de qualificação e de idoneidade das pessoas que dirigem efectivamente a empresa, a fiscalizam, são responsáveis por funções-chave ou exercem funções-chave; acumulação de cargos e incompatibilidades; registo de acordos parassociais; uso ilegal de denominação“.
20.Por força do disposto no artigo 7.º dos Estatutos da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 1/2015, de 6 de Março), são atribuições desta (designadamente) “supervisionar e regular a actividade seguradora, resseguradora, de mediação de seguros e de fundos de pensões, bem como as actividades conexas ou complementares” [n.º 1 alínea a)].
21.As SGFP não apenas se aproximam das congéneres sociedades gestoras que actuam no setor segurador e ressegurador, do ponto de vista dos requisitos formais e materiais da sua actividade, como estão igualmente sujeitas à supervisão da ASF (cfr. em especial, 17.º, 19.º, 20.º, 24.º, 30º, 32.º, e n.º 2 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, segundo a redacção introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 147/2015).
22.No direito da União Europeia, as entidades gestoras de fundos de pensões realizam operações materiais e formalmente financeiras, aproximando-se pelas características da sua actividade das empresas de seguros e de resseguros. Daqui o seu enquadramento no conceito amplo no sentido de instituição que opera no sistema financeiro resulta.
23.Passamos a determinar qual o sentido de instituição financeira recebido pelo legislador na verba 17.3.4 da TGIS.
24.O legislador, depois de se referir “a instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas”, acrescenta e “quaisquer outras instituições financeiras”, apontando para um conjunto mais vasto de instituições financeiras do que o composto pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, sob pena de tal referência se mostrar desprovida de sentido.
25.Resulta da letra do preceito que as sociedades gestoras de fundos de pensões preenchem o tipo de quaisquer outras instituições financeiras previsto na verba 17.3 da TGIS[3].
Alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS
26.Para a Requerida a isenção aqui prevista apenas tem lugar quando os juros e comissões cobrados e as garantais prestadas estiverem associados a crédito concedido.
27.A isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS assume natureza mista, em parte objectiva e noutra parte subjectiva. É objectiva na medida em que abrange todas as operações aí previstas. É, subjectiva porquanto a isenção de tais operações se restringe às realizadas entre determinadas entidades: instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.
28.Âmbito subjectivo - A aplicação desta norma ao caso “sub judice” pressupõe que as sociedades gestoras de fundos de pensões possam ser qualificadas como instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, por um lado, e que, por outro lado, os fundos de pensões possam ser qualificados como “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.”
29.Já concluímos atrás que as sociedades gestoras de fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras, pelo que este ponto não será novamente desenvolvido.
30.Em todo caso, tal como referido, a aplicação da isenção às comissões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras depende de se considerarem instituições financeiras, tanto as sociedades gestoras que cobram as comissões de gestão, como os fundos que as devem.
31.Segundo a alínea c) do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redacção dada pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro, entende-se por “Fundo de pensões”: “património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde, podendo ainda simultaneamente estar afecto ao financiamento de um mecanismo equivalente nos termos da Lei n.º 70/2013, de 30 de Agosto”.
32.A qualificação como instituições financeiras em sentido amplo, tanto dos fundos de pensões como das sociedades gestoras, assenta contudo, tanto nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários, bem como em legislação europeia, nomeadamente o n.º 2 do artigo 3.º da Directiva n.º 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, que expressamente englobam no mesmo conceito de instituição financeira os fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras. Relativamente a este ponto, é, aliás, própria AT, no parecer n.º 25/2013, de 28.06.2013 do Centro de Estudos Fiscais que no ponto 38. que parece defender que os fundos (já que se refere a Fundos de Capitais de Risco) podem caber na qualificação de instituição financeira, ao considerar que estes se incluem na lista de entidades descritas no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva n.º 2005/60/CE.
33.Dessas disposições legais resulta serem instituições financeiras sujeitas à intervenção da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 359.º do Código dos Valores Mobiliários, todos os investidores qualificados referidos nas alíneas a) a f) e entre esses investidores qualificados figurarem os fundos de pensões.
34.Tal qualificação resulta também de, nos termos do n.º 4 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Junho, a sociedade gestora actuar não apenas por conta comum mas em nome dos fundos[4], pelo que os actos praticados por aquela não podem deixar de se refletir directamente na esfera dos fundos, para efeitos da sua qualificação como instituições financeiras. Situação similar é a dos fundos de investimento, que são havidos como instituições financeiras, enquanto tais, sujeitos a IRC, como é, aliás, reconhecido pelo n.º 1 do artigo 22.º do EBF. Resulta, assim, quer da legislação da União Europeia quer da portuguesa que os fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras sendo equiparados às respectivas entidades gestoras, nos termos e para os efeitos da incidência subjectiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS.
35.Salientamos ainda que a referência a “entidade”, no contexto da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, se refere à personalidade tributária e não à personalidade jurídica. Conforme resulta, inclusivamente, do n.º 1 do artigo 16.º do EBF, os fundos de pensões são isentos de IRC (nos termos e com as limitações previstas na lei). Desta feita, sempre será de referir que a isenção pressupõe sujeição a imposto, ou seja, é a própria lei fiscal que reconhece o tratamento dos fundos como “entidade”. Este princípio decorre aliás de diversas normas da legislação fiscal, das quais salientamos, por exemplo, a alínea b), do n.º 1 do artigo 2.º.
36.Âmbito objectivo - A questão que se coloca é a de saber se o âmbito da norma de isenção se restringe a operações e serviços tipicamente bancários de onde seriam de excluir designadamente as comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respectivos fundos.
Há que interpretar a norma.
37.Interpretação – Sublinhe-se que inicialmente não estava prevista na norma inscrita na Tabela anexa ao Regulamento do Imposto do Selo relativa às “operações bancárias” qualquer isenção para as operações aí identificadas.
38.Lido o n.º 2 do artigo 120.º-A do Regulamento do Imposto do Selo, por exemplo, na redacção de 1979 em que ainda se mantinha a redacção do Decreto-Lei n.º 16732, de 13 de Abril de 1929, observa-se que as operações financeiras sujeitas a Imposto do Selo – inscritas em apenas 2 números – não beneficiavam de qualquer isenção.
39.Só mais tarde, na redacção de 1984, foram previstas isenções, mas tão só circunscritas aos juros, nos seguintes termos: “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza” (redacção do Decreto-Lei n.º 154/84, de 16 de Maio).
40.No Decreto-Lei n.º 223/91, que alterou os artigos 13.º, 15.º, 27.º-A, 94.º, 120.º-A, 120.º-B, 141.º e 145.º da TGIS, aprovada pelo Decreto n.º 21916 de 28 de Novembro de 1932, além dos juros, prevêem-se outras isenções, mas não há referência a comissões.
41.Com a aprovação do CIS e a tabela anexa pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, com a epígrafe “Outras isenções”, as alíneas e) e f) do artigo 6.º do CIS dispunha:
“e) Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por instituições de crédito …”
f) As comissões cobradas por instituições de crédito …”
42.Ou seja: nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, na numeração originária do artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, estavam isentos de IS os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.
43.A alínea f) desse n.º 1 ampliaria a isenção às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.
44.Assim, a isenção do IS, anteriormente limitada aos juros, passaria a também abranger a concessão de crédito e os juros e comissões cobradas, nos termos definidos nessas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º.
45.O enquadramento das isenções de IS das operações financeiras em que interviessem exclusivamente instituições de crédito e sociedades financeiras constaria de alíneas separadas. Pois seriam distintos os pressupostos das isenções aplicáveis respectivamente à utilização do crédito e aos juros e às comissões cobradas: no primeiro caso, a isenção aproveitava às instituições de crédito e sociedades financeiras; no segundo caso, exclusivamente às instituições de crédito.
46.A conexão entre os juros e a concessão de crédito parecia evidente; mas o mesmo não acontecia em relação às comissões, podendo entender-se que estariam abrangidas todas as comissões previstas na verba 17. Tanto assim que o legislador sentiu necessidade de em 2000 clarificar o âmbito do preceito.
47.Com efeito, o artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro - I Série A - Orçamento do Estado para o Ano 2001, veio introduzir no artigo 6.º do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, diversas alterações.
48.Com a nova redacção, dada ao n.º 2 do artigo 6.º do CIS, o legislador, fazendo uma interpretação das alíneas e) e f), esclareceu que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringem “às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito”. Repete-se, o legislador veio dizer expressamente que a aplicação da norma de isenção se limitava precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados, de tal modo que a isenção apenas seria de aplicar às comissões da verba 17 quando estivessem directamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas no artigo 6.º do CIS.
49.Fora do âmbito da isenção ficaram, assim, as comissões cobradas pelas instituições de crédito ou sociedades financeiras a outra instituições de crédito, quando apenas indirectamente estivessem relacionadas com a concessão de crédito, como é o caso das comissões cobradas pela prestação de serviços financeiros que não integrassem uma concreta operação de crédito, bem como o próprio crédito concedido por instituições de crédito e eventualmente sociedades financeiras a outras instituições de crédito, quando o crédito se destinasse a ser utilizado fora do âmbito da actividade das instituições de crédito mutuárias.
50.A isenção em causa ficaria, assim, limitada ao crédito e respectivos juros com vista ao financiamento da actividade tradicional das instituições de crédito, a concessão de crédito.
51.Entretanto, o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, veio suprimir o n.º 2 do artigo 6.º, na redacção introduzida pelo n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000. Em conformidade, os n.ºs 3 e 4 da anterior redacção passariam, na nova redacção, a ser os n.ºs 2 e 3.
52.Foi, assim, eliminada a limitação da isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade desenvolvida pelas entidades referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º.
53.A seguir, o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003, fundiu em uma só alínea [a e)], as anteriores alíneas e) e f).
54.A referida nova alínea e) passou a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco[5], bem como a sociedades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária; desde que umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
55.A primeira inovação substancial introduzida no artigo 6.º do CIS resultaria da remodelação do regime de investimento em capital de risco entretanto operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 29 de Dezembro, que este último instrumento legislativo fortemente estimularia, nomeadamente através de novos incentivos fiscais.
56.Aquela inovação consistiria na ampliação da isenção às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras. Por não serem instituições de crédito, as sociedades de capital de risco não aproveitavam dos benefícios previstos na anterior redacção dessas alíneas.
57.Por outro lado, a isenção passaria a abranger as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras, incluindo as sociedades de capital de risco.
58.O legislador harmonizaria os pressupostos da isenção da alínea e) com os da alínea f): tal como a isenção da alínea e), a isenção da alínea f) passaria a abranger as operações que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito. Uniformizando-se os regimes em um só, óbvias razões de simplicidade e clareza impunham que deixassem de constar de alíneas separadas, o que foi feito.
59.Logo, a razão de ser da fusão das alíneas não tem a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras.
60.A expressão “utilização do crédito” não limita retroactivamente o alcance da isenção os juros e comissões anteriormente referidas, no sentido de apenas abranger os juros e comissões relativas a operações de crédito.
61.O n.º 1 do artigo 36.ºda Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2004), daria nova redacção à al. e) do n.º 1 do artigo 6.º, que passaria a isentar de Imposto do Selo as garantias prestadas, os juros e comissões cobradas e, bem assim, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco a outras sociedades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
62.Com esta alteração, o âmbito objectivo da isenção seria ampliado às garantias prestadas e no plano subjectivo aos tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em que se incluem os fundos de pensões regulados na Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e não exclusivamente as instituições de crédito e sociedades financeiras reguladas no RGICSF.
63.A evolução histórica do preceito aponta de forma clara que apenas na versão originária e, posteriormente, entre o período em que vigorou a redacção dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacentes operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º.
64.A partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo.
65.Pelas razões expostas não podemos deixar de concluir que a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.
66.Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei n.º 7-A/2016.
Lei n.º 7-A/2016 e os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídicas
67.A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, isenta de imposto diversos factos.
68.O n.º 7 do mesmo preceito precisa o conteúdo da alínea e) do n.º 1.
69.A redacção da alínea e) foi dada, como vimos, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o n.º 7 foi aditado, pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016), tendo por sua vez o artigo 154.º qualificado de norma interpretativa o referido n.º 7.
70.Nos termos do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. Ao fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução que os tribunais poderiam ter adotado, não é suscetível de violar as expectativas seguras e legitimamente fundadas dos cidadãos.
71.Em todo o caso, no âmbito do Direito Fiscal, nomeadamente tendo em consideração a natureza impositiva e ablativa das suas normas, a retroactividade, inclusivamente de normas interpretativas, é especialmente tutelada pela Constituição da República Portuguesa.
72.Problemas adicionais surgem ainda quando o legislador designa uma norma como “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se, em muitas situações, de um disfarce da retroactividade da lei nova.
73.Só em casos muito restritos, e mediante uma análise casuística e mediante a aplicação de critérios de proporcionalidade não será aplicável a proibição da retroactividade às normas interpretativas.
74.Aplicando os critérios expostos ao caso em apreço, a explanação feita supra afigura-se clara quanto ao caracter incerto da solução de direito contida na norma em apreço, pelo menos no sentido que a AT lhe pretende atribuir. De igual modo, ficou também demonstrado que a lei nova veio consagrar um novo sentido. No sentido do caracter inovador do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, repete-se que, se num primeiro momento, o da Lei nº 30-C/2000, o legislador pretendeu restringir a isenção da então alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º às operações directamente destinadas à concessão de crédito, num segundo momento, o da Lei n.º 32-B/2002, o mesmo legislador quis abolir essa limitação, restabelecendo o regime anterior, através da revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º do CIS. Finalmente, num terceiro momento, através das alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o legislador ampliou ainda mais essa isenção, no sentido de abranger, entre outras operações, as comissões cobradas por instituições financeiras, ainda que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras, a instituições da mesma natureza.
75.A Lei do Orçamento para 2016 veio, assim, restringir o campo de aplicação da isenção em Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo designada pelo legislador de interpretativa, seria aplicada desde a vigência da norma interpretada. Os sujeitos passivos seriam, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas balizado pela caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.
76.E nem se argumente no sentido não inovador da Lei n.º 7-A/2016. Com efeito, de acordo com a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, iniciada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Setembro de 2010, processo 2754/08, e confirmada por Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, entre outros, o de 18 de Janeiro de 2016, processo 0835/16, de 15 de Junho de 2016, processo 770/15, de 9 de Junho de 2016, processo 01630/15, e de 3 de Novembro de 2016, processo 0976/16, estariam sujeitas e não isentas de Imposto do Selo as comissões cobradas às empresas seguradoras pelas instituições de crédito ou outras entidades financeiras, legalmente autorizadas, tais como meros particulares, a exercer a actividade de mediação de seguros, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho.
77.Mas a referida jurisprudência não abrange, ao contrário do que parece resultar da argumentação da Requerida, direta ou indirectamente, as comissões de gestão dos fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações resultantes da prestação de serviços financeiros.
78.As comissões a que se reporta essa jurisprudência são as comissões cobradas pelo exercício da actividade de mediação seguradora, tributadas pela verba 22.2, que se distingue da prestação de serviços financeiros abrangidos pela sub-verba 17.3.4, ambas da TGIS.
79.O Imposto do Selo sobre essas comissões tem natureza distinta daquele a que se refere a sub-verba 17.3.4. da Tabela Geral: na verdade, como refere o Acórdão de 15 de Junho de 2016 anteriormente citado, essas comissões não são a contraprestação de qualquer serviço financeiro mas um serviço que, embora conexo com uma actividade financeira, no caso, a actividade seguradora e, por isso, isento de IVA nos termos do n.º 29.º, actual 28.º, do Código do IVA e objecto da regulação específica no Decreto-Lei n.º 144/2006, não é materialmente um serviço financeiro, ainda quando prestado por instituição de crédito, como admite o artigo 11.º do referido Decreto-Lei.
80.Não é, desse modo, legítima a extrapolação dessa jurisprudência para o caso dos autos e em ordem a excluir da isenção do Imposto do Selo as comissões cobradas em virtude do exercício da actividade de gestão de fundos de pensões. Nem tão pouco pode ser invocada essa jurisprudência como corrente jurisprudencial consolidada consagradora de um sentido inequívoco que resultasse claramente da lei antiga e que a lei nova se tivesse limitado a acolher.
81.Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.ºdo CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redacção que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroactivos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica.
A Lei n.º 7-A/2016 e a proibição da retroactividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da CRP)
82.Mesmo que se estivesse perante uma verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016, encontraria como obstáculo o artigo 103.º, n.º 3, da CPR.
83.Desde a revisão constitucional de 1997 encontra consagração constitucional expressa o princípio da não retroactividade dos impostos, dizendo-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da legislação, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
84.Quanto ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, processo 762/98, relativo à constitucionalidade do n.º 7 do artigo 28.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, sobre a dedutibilidade da derrama enquanto custo de exercício de IRC é de referir que o sentido do Acórdão não é contrariado pelos votos de vencido, que divergem apenas sobre a fundamentação da decisão.
85.Aquele Acórdão considera as leis interpretativas que vinculem retroactivamente o intérprete, incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroactivos introduzida pela Quarta Revisão.
86.Sendo certo, para o Tribunal Constitucional, que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetactivas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroactividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.
87.A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroactividade dos impostos.
88.Nesta medida, prosseguiria o Acórdão, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroactividade.
89.Haveria, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroactividade. Desta feita, apenas em situações em que exista um bem jurídico que mereça uma tutela superior poderá a lei interpretativa retroactiva ser aceite, o que no caso concreto não existe.
90.Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º 7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica.
91.Mesmo que o fosse, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma interpretativa constante do referido artigo 154.º, por implicar imposto retroactivo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, pelo que, nos termos do seu artigo 204.º, não poderia ser aplicada no caso sub judice.
92.Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à AT ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
93.Termos em que procede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.
Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao acto tributário em causa.
Dos juros indemnizatórios
Alega a Requerente que, caso obtenha ganho de causa na presente acção e considerando-se as liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios ilegais, deverá a AT pagar juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:
[…]
b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
[…]».
No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos Administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (cfr. Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).
Com efeito, na autorização legislativa concedida ao Governo para aprovação do RJAT, constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril proclama-se, indubitavelmente, a intenção de uma verdadeira alternatividade entre o processo judicial e o processo arbitral tributários, ali se lendo que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Assim, pese embora as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, deverá entender-se, de harmonia com a autorização legislativa supra transcrita e, bem assim, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24.º do RJAT, que se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais tributários os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais judiciais tributários em relação aos actos cuja apreciação de (i)legalidade se insere nas suas competências.
Deste modo se, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT –, pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, idêntica conclusão deverá resultar no âmbito do processo arbitral tributário.
Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o n.º 1 do artigo 43.ºda LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso sub judice, a Requerente não alegou o pagamento dos impostos, pelo que não lhe são devidos juros indemnizatórios.
Aliás, tal pagamento seria incompatível com o facto, alegado e provado, de lhe terem sido instauradas execuções fiscais e de ter prestado garantia bancária para obter a sua suspensão.
Da indemnização pela garantia prestada
Conforme estabelecido em sede factual, a Requerente prestou garantia bancária para suspender as execuções ficais que lhe foram instauradas.
Tal ocorreu em 23 de Dezembro de 2015.
De acordo com o nº 1 do artigo 53º da LGT, “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso Administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida”.
No caso vertente, ainda não se passaram os referidos três anos, nem se pode estabelecer que a garantia subsistirá por tal período, o que vale por dizer que, do tempo decorrido, nenhum efeito há a retirar, por força da transcrita norma, sendo certo que o tribunal não pode proferir decisões sujeitas a condição, mas só perante factos estabelecidos. As normas jurídicas que o tribunal aplica na sentença são as que correspondem aos factos provados, e não as que corresponderão a factos de verificação futura e incerta (vd. o artigo 607º do Código de Processo Civil, anteriormente 659º).
É verdade que o nº 2 do referido artigo 53º dispõe que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Importa, pois, ver se, in casu, tal erro ocorreu.
Como flui da fundamentação do presente acórdão, a Administração incorreu, ao praticar os actos controvertidos, em erro na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, erro esse que a ninguém é imputável senão aos seus serviços.
Daí que o prazo de três anos previsto no nº 1 do artigo 53º da LGT não seja aplicável, isto é, há que chamar à liça o nº 2 do dito artigo, e a Requerente tem direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia, independentemente de tal garantia sobreviver para além daquele prazo de três anos.
Razões por que também este pedido procede.
DISPOSITIVO
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido principal, anulando os actos de liquidação impugnados;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização pela garantia bancária prestada;
c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
d) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida em procuradoria, por tal não estar previsto no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
e) Condenar a Requerente e a Autoridade Tributária nas custas, na percentagem de 3% e 97%, respectivamente, considerando os correspondentes vencimento/decaimento;
f) Fixar em € 1.217.833,73 o valor do processo, de acordo com o disposto nos artigos 305º nº 2 do Código de Processo Civil, 97º-A nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;
g) Computar em € 16.524,00 as custas do processo, atendendo ao estabelecido nos artigos 22º nº 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, 4º nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público (artigo 72º da Constituição da República Portuguesa).
Lisboa, 19 de Maio de 2017
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Leonardo Marques dos Santos)
(Diogo Leite de Campos)
2 Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 157/2014 de 24 de Outubro veio aditar o artigo 2.º-A ao RGICSF.
[2] Alterada pelas Directivas n.ºs 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho, e 2013/14/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2013. O Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de Junho, relativo às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, operou a transposição parcial para a ordem jurídica interna destas Directivas.
[3] Neste sentido, cfr. Parecer junto pela Requerente aos autos da autoria de Joaquim Silvério Mateus e outros, p.13.
[4] De acordo com o artigo 2.º da Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento e do Conselho de 3 de Junho, aplicável às instituições de realização de planos de pensões profissionais, a qual estabelece que sempre que, nos termos da legislação nacional, essas instituições não tenham personalidade jurídica, os Estados-Membros aplicarão a presente Directiva a estas instituições ou, sob reserva do n.º 2, às entidades autorizadas responsáveis pela sua gestão e que actuam em seu nome.
[5] As sociedades de capital de risco não constavam da redacção anterior.