Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, NIF…, residente na Rua…, … –..., em Lisboa, (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 21-10-2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
O Requerente vem requerer a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), do ano de 2015, com referência ao prédio urbano sito na Rua …, n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo … .
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 24-10-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-12-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20-01-2017.
Notificada para se pronunciar, a Requerida apresentou a competente resposta, suscitando a excepção de inimpugnabilidade do objecto do pedido de pronúncia arbitral, e concluindo pela total improcedência do pedido deduzido pela Requerente.
Para exercício do direito ao contraditório, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada pela Requerida e confirmar o objecto do pedido de pronúncia arbitral e o valor económico do mesmo, tendo apresentado articulado para o efeito.
Por despacho de 21-03-2017, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas, o que nenhuma das partes veio a fazer.
II. OBJECTO DO PEDIDO
A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS do ano de 2015, no valor total de € 3.823,75, relativamente ao prédio sito na Rua …, n.º…, em Lisboa, em regime de propriedade vertical. Como fundamento, alega erro de facto e de direito uma vez que a Requerida tomou como pressuposto de incidência do imposto o valor total agregado das partes de utilização independente afectas a habitação que compõem o prédio identificado e não o valor individual de cada uma dessas mesmas partes. Estando em causa um prédio em propriedade vertical composto por unidades susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de liquidação do Imposto do Selo será o de cada uma delas individualmente considerada e não o seu somatório, à semelhança do que se verifica no IMI. Uma vez que nenhuma das áreas de utilização independente tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, não se verifica um dos elementos de incidência razão pela qual as liquidações efectuadas são ilegais e deverão, em consequência, ser anuladas.
Em resposta, a Requerida invoca a excepção de inimpugnabilidade das prestações dos actos de liquidação da verba 28.1 da TGIS. Com efeito, defende a Requerida que o acto de liquidação da verba 28 do Imposto do Selo é único e o facto de o imposto poder ser pago em prestações não significa que tenham ocorrido várias liquidações. A natureza das prestações de uma liquidação de imposto é a de divisão da liquidação global, efectuada anualmente, não podendo cada prestação per se ser impugnada autonomamente, pois o objecto da impugnação judicial e do processo arbitral é o acto tributário de liquidação. Conclui, por isso, pela impossibilidade de apreciação da legalidade dos actos de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS, objecto do pedido de pronúncia arbitral, com consequente absolvição da Requerida da instância.
Sem prejuízo, e no que se refere à questão de fundo, a Requerida sustenta, sucintamente, que nos prédios não sujeitos a propriedade horizontal, as unidades susceptíveis de utilização independente não têm qualquer autonomia; a autonomização para efeitos de inscrição matricial e avaliação não contende com a respectiva natureza jurídico-tributária, determinando a lei que o valor do prédio corresponderá, necessariamente, à soma do valor das diversas unidades independentes. As unidades de utilização independente não podem ser consideradas como “prédios” de acordo com a definição legal pelo que não podem relevar para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS. Para efeitos desta norma, haverá, pois, que ter em conta o valor patrimonial do prédio em propriedade vertical que corresponderá, nos termos da lei, ao somatório dos valores de cada unidade susceptível de utilização independente. Conclui, assim, pela legalidade das liquidações contestadas que, por isso mesmo, deverão ser mantidas.
Pronunciando-se sobre a excepção invocada, a Requerente reiterou que o objecto dos presentes autos são as liquidações da segunda prestação do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS. Em seu entender, é possível e legalmente admissível impugnar “autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto do selo, quanto ao mesmo imóvel e quanto ao mesmo imposto de selo, em três processos arbitrais distintos” pelo que a excepção invocada não procederá. E esta impugnabilidade deriva do facto de, no entender da Requerente, a notificação para pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo consubstanciar um acto tributário. Com efeito “Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de actos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos”. Conclui, por isso, pela improcedência da excepção invocada.
III. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na …, n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo … (anterior artigo…, da freguesia da …).
2. À data das liquidações, o prédio identificado tinha o valor patrimonial tributário de € 1.147.130,00.
3. O prédio identificado é composto por 7 unidades susceptíveis de utilização independente afectas a habitação.
4. Nenhuma das unidades susceptíveis de utilização independente tem valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000.
5. A Requerente foi notificada para, durante o mês de Julho de 2016, proceder ao pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2015, com referência ao prédio identificado, num total de € 3.823,75.
6. A 21-10-2016, a Requerente deu entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.
B. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
C. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental invocada e não contestada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
A primeira questão a decidir nos presentes autos prende-se com a alegada excepção de inimpugnabilidade dos actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral. Impõe-se, assim, antes de mais, determinar e delimitar em concreto o objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Da petição inicial submetida pela Requerente, resulta que o presente processo arbitral tem por objecto os actos de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS do ano de 2015, tendo, por isso, sido declarado como valor económico do pedido o valor total das correspondentes notas de cobrança (€ 3.823,75).
Após o pedido de esclarecimento apresentado pelo Tribunal para que clarificasse o objecto do pedido de pronúncia arbitral e confirmasse o valor económico do pedido, a Requerente reiterou que o seu pedido visava os actos de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS. Para justificar a legitimidade e admissibilidade do pedido – e, assim, obstar à verificação da excepção invocada pela Requerida - alegou que o contribuinte pode “impugnar autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto do selo, quanto ao mesmo imóvel e quanto ao mesmo imposto de selo, em três processos arbitrais distintos”. Com efeito “Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de actos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos”. Esta posição e entendimento da Requerente não deixam qualquer margem para dúvidas interpretativas, sendo muito claro para este tribunal que o pretendido pela Requerente é a anulação da liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo.
Fixado, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral, entende este Tribunal assistir razão à Requerida quanto à excepção invocada.
Com efeito, contrariamente ao que a Requerente alega, o Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS é liquidado anualmente, de uma única vez, podendo o seu pagamento ser repartido em duas ou três prestações. Isso mesmo resulta do disposto no n.º 7 do art. 23.º do Código do Imposto do Selo, conjugado com o art. 120.º do Código do IMI por remissão do n.º 2 do art 67.º do Código do Imposto do Selo.
As notas de cobrança da segunda prestação do imposto remetidas à Requerente para pagamento durante o mês de Julho não consubstanciam actos tributários de liquidação autónomos, impugnáveis isoladamente.
Como bem refere a Requerida, o acto de liquidação da verba 28.1 da TGIS é único e o facto de poder ser pago em diversas prestações não implica que tenham ocorrido várias liquidações. Cada prestação representa apenas uma parte da liquidação global única, efectuada anualmente e num só momento, não podendo cada prestação ser impugnada autonomamente pois o objecto da impugnação judicial ou do processo arbitral tributário é o acto tributário de liquidação.
Isso mesmo veio já a ser reconhecido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 27-10-2016, proferido no proc. n.º 09711/2016 (disponível em www.dgsi.pt), em que se concluiu que “No caso concreto, desde logo, se dirá que as prestações de pagamento (duas ou três, consoante o montante total do imposto a pagar anualmente) de uma liquidação de Imposto de Selo, efectuada ao abrigo do artº.28, da T.G.I.S., não são autonomamente sindicáveis por terem origem numa única obrigação anual (cfr.artº.23, nº.7, do C.I.Selo), sendo que a divisão de uma liquidação anual em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas (cfr.artº.120, nº.1, do C.I.M.I., "ex vi" do artº.67, nº.2, do C.I.Selo; A. Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, I volume, 3ª. edição, Almedina, 1995, pág.243 e seg.)”.
Posto isto, sendo objecto dos presentes autos actos que não correspondem a actos de liquidação de tributos, susceptíveis como tal de impugnação judicial, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 95.º da LGT e alínea a) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, procede a excepção dilatória invocada pela Requerida pelo que esta deverá ser absolvida da instância, nos termos do art. 89.º, n.º 2, alínea i), do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, ficando prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
V. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral pelo que se absolve a Requerida da instância, nos termos do art. 89.º, n.º 2, alínea i), do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.823,75 correspondente ao valor total da segunda prestação do Imposto do Selo liquidado.
Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, 14-05-2017
O Árbitro Singular
(Maria Forte Vaz)