Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 189/2013-T
Data da decisão: 2014-03-20  Selo  
Valor do pedido: € 11.307,80
Tema: Verbas 28 e 28-1 da TGIS. Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

 

AS PARTES

 

Requerente: A.... NIPC …, com sede na….

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

DECISÃO

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 28.07.2013, a sociedade por quotas “A....” NIPC ..... (a seguir designada por Requerente) entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular.
  2. O pedido está assinado por advogado cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

  1. A Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) nº … (1ª prestação) e nº … (2ª prestação), no valor total de 11.307,80 €, relativas ao ano de 2012 e ao prédio urbano da espécie "terreno para construção" inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho da …, sob o artigo ….
  2. Com o fundamento em “errónea qualificação do facto tributário” na leitura que a AT levou à prática quanto à verba 28 e 28-1 da TGIS;
  3. Ou quando assim não se entender deve ser anulado o acto tributário uma vez que a leitura que a AT levou à prática das normas das verbas 28 e 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro, no sentido de que o imposto do selo ali previsto incide sobre “terrenos para construção”, na medida em que nos mesmos não exista qualquer construção susceptível de efectiva utilização habitacional, viola os princípios da legalidade e da tipicidade consagrados nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da CRP e o princípio constitucional ínsito no nº 2 do artigo 104º da CRP.
  4. Rematando “em qualquer das situações, deve ser ordenada a restituição de todas as importâncias pagas a este propósito, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 29.07.2013.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 11.09.2013.
  3. Pelo que o Tribunal Arbitral Singular se encontra, desde 26.09.2013, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.
  4. Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 26.09.2013 que aqui se dá por reproduzida.
  5. Em 09.12.2013 realizou-se a primeira reunião de partes prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo o Tribunal decidido prescindir da realização de alegações orais, ouvidos os ilustres representantes da Requerente e da Requerida e com as suas anuências.
  6. A AT juntou ao processo, em 30.10.2013, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente.
  7. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária e são legítimas.
  8. O processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

 

Quanto à “errónea qualificação do facto tributário”

 

  • Entende a Requerente que o enquadramento do terreno para construção nas verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo é errada e injustificada uma vez que não tem a alegada "afectação habitacional".
  • Considera que o prédio em causa embora estando classificado como “terreno para construção” e que “em abstracto, permitiria a construção de edifícios com fracções de destinos vários (fossem eles habitacionais, para comércio ou para serviços), nunca poderá ser qualificado como um prédio para habitação, nem poderá ser incluído no conceito de prédio "com afectação habitacional" porque  “a generalidade dos terrenos não é vocacionada para que as pessoas neles possam habitar, salvo nos casos em que efectivamente tenham sido neles construídas habitações”.
  • Propugna que na realidade e em concreto, o terreno não tem capacidade construtiva de edifícios destinados ou com afectação habitacional porque está classificado como "Solo Rural", na categoria de "Espaços Florestais", subcategoria de "Área Florestal de Protecção.
  • Por outro lado refere que a intenção do legislador, no aditamento das verbas 28, 28-1 e 28-2 à Tabela Geral de Imposto de Selo, foi clara e evidente no sentido de que tal tributação se dirigia a "habitações de luxo", ou seja, daquelas cujo Valor Patrimonial Tributário (VPT) excedesse €1.000.000,00 (um milhão de euros) socorrendo-se das palavras proferidas pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no debate parlamentar que se encontra documentado no Diário da Assembleia da Republica (DAR) nº 31, Iª Série nº 0092 de 11.10.2012, de onde retira os fundamentos da intenção legislativa: “Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013”.
  • Conclui que esta norma não visa a tributação de terrenos sem construções edificadas, muito menos sendo estes classificados pela entidade competente para autorizações urbanísticas como solo rural em área florestal de protecção de espaços florestais, como é o caso vertente.
  • Nem tão-pouco se destinará tal norma à tributação de prédios de que sejam titulares sociedades imobiliárias, como é o caso da Requerente, que utilizam os terrenos como matérias-primas e não como património de elevado valor destinado a habitação.
  • Defende que mesmo que o terreno tivesse capacidades construtivas, os prédios a construir em tal parcela não seriam garantida e integralmente destinados a habitação, podendo ter outros destinos, tais como lojas comerciais e escritórios.

 

Quanto à falta de fundamentação do acto tributário

 

  1. E em última instância carece de fundamentação a qualificação do “terreno para construção” como prédio "com afectação habitacional" e a consequente sujeição a tributação por enquadramento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
  2. Não bastando alegar que “na avaliação de prédios classificados matricialmente como terrenos para construção, os mesmos sejam avaliados com base na introdução de um critério de ponderação, que se traduz no coeficiente de afectação previsto no artigo 41º-2 do Código do IMI”.

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma ínsita nas verbas 28 e 28.1 da TGIS se interpretadas no sentido de que o imposto do selo ali previsto pode incidir sobre terrenos para construção

 

  1. Alega ainda a Requerente que seria inconstitucional uma leitura da norma ínsita nas verbas 28 e 28.1 da TGIS se interpretadas no sentido de que o imposto do selo ali previsto poderia incidir sobre terrenos para construção, na medida em que nos mesmos não exista qualquer construção susceptível de efectiva utilização habitacional, e sobretudo, quando o mesmo terreno está classificado urbanisticamente como "solo rural".
  2. Tal leitura constituiria uma clara violação do princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, estatuído nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da CRP.
  3. Igualmente, porque a detenção de um terreno no âmbito de uma actividade de natureza empresarial, como "matéria prima" destinada a indústria imobiliária, se insere, inequivocamente no âmbito de uma actividade empresarial, por força do nº 2 do artigo 104º da CRP que refere que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, a interpretação da norma com o sentido levado à prática pela AT será desconforme à lei fundamental.

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto à “errónea qualificação do facto tributário” e falta de fundamentação

 

  1. A AT propugna no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.
  2. “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.
  3. E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.
  4.  Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.
  5. Resumindo o seu raciocínio acaba por expressar: “ que própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI.”
  6. Contesta a AT o alegado pela Requerente (quando alega que o prédio urbano é "Solo Rural", na categoria de "Espaços Florestais", subcategoria de "Área Florestal de Protecção) e por isso não tem capacidade construtiva de imóveis para habitação, uma vez a circunstância de se ter oportunamente conformado com a aplicação do coeficiente de afectação, revela a aceitação dos termos e valor da avaliação efectuada pela Autoridade Tributária e, nessa medida, aceitou que o prédio fosse qualificado como sendo de afectação habitacional, e prescindindo, inclusivé, dos específicos mecanismos de defesa que teve ao seu dispor.
  7. E pela razão de que “na caderneta predial do imóvel, e de acordo com as declarações oportunamente formuladas pela própria Recorrente, o tipo de prédio é um "terreno para construção", e a sua descrição é a de "lote de terreno destinado a construção urbana””.
  8. Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.
  9. Conclui pela “inexistência de uma errónea qualificação do facto tributário, pelo que se devem manter na ordem jurídica as liquidações impugnadas, por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos”.

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma ínsita nas verbas 28 e 28.1 da TGIS se interpretadas no sentido de que o imposto do selo ali previsto pode incidir sobre os terrenos para construção

 

  1. A AT defende que não ocorre qualquer desconformidade com os princípios constitucionais na leitura da lei que levou à prática no acto impugnado, uma vez que a verba 28 da TGIS foi determinada por lei da (artigos 4.° e 6° da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), que contém todos os elementos relevantes exigidos pelo artigo 103.°- 2, da CRP, não estando assim minimamente em causa o estatuído no nº 3 desta norma.
  2. Ou seja, defende que a previsão da norma ínsita nas verbas 28 e 28-1 da TGIS abrange os prédios urbanos habitacionais edificados, mas também os imóveis com "afectação habitacional", uma vez que é inquestionável que os terrenos para construção, pela sua natureza, pela sua finalidade, têm na maioria das situações o destino de construção de imóveis para habitação, pelo que em nada viola a CRP.
  3. Termina expressando que “de igual modo não se vislumbra qualquer potencial de inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do disposto no artigo 104.°-2 da CRP, quando refere que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real", pois estamos perante activos patrimoniais da empresa de elevado valor e sem esquecer todos os benefícios fiscais de as empresas de investimento imobiliário têm no nosso sistema fiscal.
  4.  E refere ainda “tanto mais que esta norma deve necessariamente ser interpretada de acordo com outros princípios e normas constitucionais, como sejam a da capacidade contributiva e da tributação real do rendimento”.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão e uma estatuição, a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

 

A questão da constitucionalidade levantada pela Requerente é um corolário da resposta que se der à questão anterior (caso se conclua ainda que é colocado nas mãos da AT um poder arbitrário de concretização), uma vez que, pelo menos na parte em que se invoca a desconformidade com o artigo 103º-2 da CRP, o que está em causa é apurar se esta norma de incidência respeita o princípio da tipicidade tributária, concretizada no princípio da determinabilidade, o qual, no entanto, não inviabiliza que o legislador (citando Saldanha Sanches in a “Segurança Jurídica do Estado Social de Direito”, CTF 310/312): “… se sirva de uma formulação suficientemente ampla para abranger factos da mesma natureza e igualmente indicadores de capacidade tributária, ainda que com características que entre si os diferenciem”.

 

Afigura-se ao Tribunal Arbitral que as questões que deve solucionar são as seguintes:

 

  1. As verbas 28 e 28-1 da TGIS quando expressam: “prédios urbanos … com afectação habitacional” criaram uma classificação de prédios que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI?
  2. A previsão da norma de incidência plasmada nas verbas 28 e 28-1da TGIS com a seguinte literalidade: “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação ou apenas os prédios urbanos edificados destinados a fins habitacionais?
  3. Caso se conclua que a norma de incidência abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, esta leitura colide com o princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, estatuídos nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP)?
  4. E é susceptível de beliscar o disposto no artigo 104.°-2 da CRP quando se trate de terreno detido por sociedades imobiliárias no âmbito de uma actividade de natureza empresarial, como "matéria prima" destinada à indústria imobiliária?
  5. O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece do vício de falta de fundamentação ou de outra desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

A AT apenas manifesta dissonância quanto à valoração atribuída pela Requerente à certidão emitida pela edilidade da .... Quanto aos restantes factos carreados pelas partes para o processo não manifestam discordância. Têm apenas leituras diferentes da previsão norma de incidência fiscal das verbas 28 e 28-1 da TGIS para depois concluírem pela conformidade com a lei do acto tributário ou pela sua desconformidade com a mesma.

 

III.       MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

  1. A Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano identificado como artigo …, localizado no lugar …, freguesia da ..., concelho da ... e distrito do ... – Documento nº 1 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia e artigos 1º do pedido de pronúncia e de resposta da AT;
  2. A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção; Descrição: lote de terreno destinado a construção urbana” - Documento nº 1 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia;
  3. O Documento nº 1 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia em “dados da avaliação” refere “tipo de coeficiente de localização: habitação" e contém uma quadrícula indicando “Ca – 1,00”;
  4. O prédio tem um valor patrimonial actual (CIMI): 1 130 780,00 euros determinado em 2012 - Documento nº 1 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia;
  5. E tal valor patrimonial resultou do “Modelo 1 do IMI nº … entregue em 2012.11.08, ficha de avaliação …, avaliada em 2012.11.20” - Documento nº 1 (caderneta predial urbana) junto com o pedido de pronúncia;
  6. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo de 2012 no montante de € 11.307,30 ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, através do documento ... que determinou o pagamento da 1ª prestação e do documento ...que determinou o pagamento da 2ª prestação desse imposto, sobre o prédio a que se alude em 1 a 4 - artigos 1º do pedido de pronúncia e de resposta da AT
  7. Imposto este liquidado com fundamento na verba 28.1 da TGIS, com a redaccão que lhe foi introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - artigo 2º do pedido de pronúncia e artigo 1º de resposta da AT;
  8. E cujo prazo para pagamento voluntário foi fixado com data limite até final de Abril de 2013 (quanto a 1ª prestação) e até final de Julho de 2013 (quanto a 2ªprestação) – artigo 3º do pedido de pronúncia.

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

Não se deu como provado que o prédio em causa neste processo não tenha capacidade construtiva de edifícios destinados a afectação habitacional porque estaria classificado como "Solo Rural", na categoria de "Espaços Florestais", subcategoria de "Área Florestal de Protecção, segundo a indicação da edilidade local, pela razão de que o documento foi contestado pela AT quanto ao efeito que se pretendia atingir com a sua junção e porque do mesmo não resulta claro que se trate exactamente do mesmo terreno. Determinante para esta decisão é o facto da Requerente ter pedido a inscrição do bem imóvel com a classificação jurídico-fiscal que resulta do inciso 5) da matéria dada como assente.

 

IV.  APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

  • As verbas 28 e 28.1 da TGIS quando expressam: “prédios urbanos … com afectação habitacional” apelam a uma classificação de prédios que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI?

 

Na parte final do artigo 16º da resposta da AT suscita-se esta questão que tem alguma consistência face à formulação da norma de incidência escolhida pelo legislador, posto que o intérprete “presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº 3 do artigo 9º do Código Civil), quer siga a corrente doutrinária denominada subjectiva que sustenta a prevalência da vontade do legislador (voluntas legislatoris) quer siga a denominada corrente doutrinária objectiva que sustenta a prevalência da vontade da lei (voluntas legis).

 

Na verdade, com a criação de uma nova verba na TGIS, a verba 28, no fundo criando-se um novo “facto ou situação jurídica” sujeito a tributação fiscal, apenas se pretendeu ampliar a incidência do imposto do selo a uma nova realidade jurídico-factual, mas não alterando a divisão das diversas espécies de prédios urbanos existentes.

 

Isso configura-se ser claro face ao texto da verba 28 da TGIS que fala em “prédios urbanos”.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Só que depois, a lei, o seu elemento literal que é sempre o limite de qualquer interpretação, na verba 28-1 TGIS, vem acrescentar “… por prédio com afectação habitacional”.

 

Ou seja, esta concreta norma de incidência do imposto, não deve depois ser interpretada, delimitada, como se tivesse a literalidade de “prédios urbanos habitacionais”, isto porque o intérprete, em respeito pelo comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não poderá partir do pressuposto que o legislador não conhecia os exactos termos do nº 1 do artigo 6º do CIMI que faz a divisão das diversas espécies de prédios urbanos.

 

Mas também não parece que possa entender-se que na norma de incidência caiba automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie  “terrenos para construção”.

 

Parece-nos, pois, que face ao elemento literal da norma de incidência (reveladora da voluntas legis) escolhido pelo legislador: “prédios urbanos … com afectação habitacional” se pretendeu atingir outras espécies de prédios urbanos, para além dos “prédios urbanos …habitacionais” segundo a divisão do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

Não queremos, no entanto, com isto significar que a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção” (ou outra espécie de prédios urbanos) esteja claramente e sem mais (ou seja, “ope legis”), comportada na norma de incidência da verba 28-1 da TGIS.

 

  • A previsão da norma de incidência que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS com a seguinte literalidade: “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação ou apenas os prédios urbanos edificados destinados a fins habitacionais?

 

 A este propósito transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T, na parte a que aderimos:

***

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

 

O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

 

Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.

 

Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.

 

A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

 

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

 

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

 

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

 

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

 

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

 

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

 

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

 

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

 

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.”

 

***

 

Em primeiro lugar, há que constatar que não há dúvidas de que a espécie de prédios urbanos considerados “habitacionais” (alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI) que são “… os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”, cabem automáticamente na previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Mas da simples consideração do elemento literal da lei resultará que se pretendeu abranger mais do que esta realidade jurídico-fiscal abrange.

 

Posto que, como se referiu no ponto anterior, por força do comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não parece possível ao intérprete entender que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional” tenha o mesmo alcance prático (âmbito de aplicação) como se dissesse “prédios urbanos habitacionais”, partindo do princípio que se pretendeu abranger mais do que se abrangeria através do uso do primeiro elemento literal.

 

No caso dos autos a AT defende que se deve recorrer ao artigo 41º (coeficiente de afectação) do Código do IMI: “O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados” e pela razão de que, no caso dos autos, o prédio urbano em causa foi avaliado tendo em conta um Ca de 1,00 – habitação, em consequência do estipulado no nº 2 do artigo 45º do Código do IMI: “O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

 

Ou seja, entende que a “afectação habitacional” do prédio urbano em causa é clara face ao que consta na caderneta predial que resultou de uma declaração do contribuinte (declaração modelo 1 do IMI) – matéria que acima se levou aos factos provados.

 

O que aqui está em causa é a adopção de uma interpretação restrita ou lata da norma de incidência.

 

“O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo”, se chegar “à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer”; “o intérprete limita a norma aparente, por entender que o texto vai além do sentido” (Parecer da PGR DR II Série, 26-11-1993, pág. 11227).

 

Ao nível da interpretação das normas tributárias existe uma regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

 

Há uma situação em que o legislador fiscal parece ter aumentado, na prática, o conceito jurídico de “prédios urbanos habitacionais”, tendo em conta a utilidade económica, como será o caso do nº 2 do artigo 46º do EBF que versa sobre a isenção de IMI dos prédios urbanos – edificações - destinados a habitação: “A isenção … abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta”.

 

Ou seja, verifica-se que o único caso conhecido em que a lei fiscal estendeu o conceito jurídico de prédio urbano habitacional para realidades de utilidade económica, faz apelo a edificações (prédios urbanos edificados ou conjuntos habitacionais) e não a prédios urbanos que não contenham ou não sejam edificações.

 

Mas então a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Ora, apenas com os elementos constantes da matriz predial, como é o caso, em que se demonstra uma mera potencialidade construtiva ou edificativa, afigura-se-nos que sem uma fundamentação adicional do acto tributário, sem a demonstração de que a espécie de prédio urbano “terreno para construção” tem desde já uma qualquer utilidade económica ao nível da afectação habitacional, não será possível considerá-lo abrangido na norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Em primeiro lugar, parece-nos inadequado, face aos princípios gerais de direito, partir-se da consideração que o prédio urbano espécie “terreno para construção” com potencial de construção de imóveis para habitação deva ser considerado ter “afectação habitacional”, relevando-se o coeficiente de afectação (CA)  porque o contribuinte fez uma declaração nesse sentido, pela razão de que a mesma foi feita em momento em que este imposto não existia.

 

Em segundo lugar, mesmo que essa declaração tenha sido feita referindo que só se iam construir edifícios habitacionais, tal poderá ser alterado de acordo com os planos urbanísticos da edilidade local, no sentido de também virem a ser construídos prédios para fins comerciais ou outros.

 

Em terceiro lugar podem ocorrer discrepâncias entre o que na realidade se possa vir a construir (edificações para fins habitacionais e para fins não habitacionais) segundo os planos urbanísticos e o que possa constar da matriz na data da inscrição do prédio, pelo que falta um grau de segurança jurídica consistente.

 

Quer isto significar que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, não pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Afigura-se-nos que podem ocorrer na imensa complexidade da economia, da utilidade económica, até informal, situações de sujeição, face aos comandos que se colocam ao intérprete constantes do nº 3 do artigo 9º do Código Civil e do nº 3 do artigo 11º da LGT.

 

Só que quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, afigura-se-nos que não é suficiente para demonstrar a “afectação habitacional” os elementos que constam da matriz. Será necessário uma fundamentação, outra matéria factual para além do que consta da matriz que evidencie a utilidade económica com essa finalidade em concreto.

 

Um exemplo seria o caso de habitações construídas, ainda que não licenciadas, em lotes de terreno para construção em que o proprietário não fez a correspondente alteração na matriz das edificações destinadas ou usadas para habitação. Nesta situação de economia informal, aliás pela própria definição de prédio urbano habitacional, seria indiscutível a afectação habitacional.

 

Não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

 

Por último, afigura-se-nos que a expressão utilizada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da discussão no Parlamento da Proposta de Lei de onde veio a resultar este novo tributo, a saber: “esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”; não será por si só suficiente para se aferir a “mens legislatoris” (e de que a lei diz mais do que o legislador pretendia), até porque se trata de um membro do Poder Executivo e não da Assembleia da República, ainda que se tratasse de uma proposta que teve origem no Governo.

 

  • Caso se conclua que a norma de incidência abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, esta leitura colide com o princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, estatuídos nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP)?

 

No fundo invoca-se a desconformidade da norma de incidência deste imposto face ao comando do nº 2 do artigo 103º da CRP que refere o seguinte: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, caso se conclua que abrange a tributação dos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação.

 

Ou seja, parece defender-se uma visão do princípio da tipicidade (ou melhor da determinabilidade) de que os conceitos tributários devem estar totalmente descritos na lei.

 

A este propósito parece-nos relevante o que se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional, Processo: n.º 134/94, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996, a propósito do então artigo 106º-2 da CRP que tinha a mesma literalidade do actual artigo 103º-2 da CRP:

 

É a esta formulação (mais precisamente ao que dela decorre) que a recorrente reporta os argumentos de inconstitucionalidade … A tal formulação, com efeito — no reservar da incidência, taxa, etc., na sua determinação à lei — subjaz, tal como já acontecia na Constituição de 1933 (artigo 70.º, § 1.º), integrando a essência das garantias dos contribuintes, o que se qualifica como «princípio da tipicidade tributária».

 

“Será a norma de incidência … tão ampla e vaga na sua formulação, que ponha em causa esse mínimo de precisão exigível às normas fiscais? A resposta a esta interrogação pressupõe o caracterizar da articulação — constitucionalmente viável — entre o emprego, neste tipo de normas, de conceitos indeterminados e aquilo que a jurisprudência constitucional alemã definiu como «princípio da determinabilidade» (Bestimmenheitsgrundsatz), referindo-se à exigência destas normas construírem a respectiva previsão «assegurando um mínimo de clareza e de transparência do tipo» e que «permita a calculabilidade e a previsibilidade da obrigação fiscal» (Saldanha Sanches, A Segurança Jurídica no Estado Social de Direito, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 310/312, página 299). 

 

A justificação de qualquer destas realidades (conceitos amplos/exigências de determinabilidade) não deixa de ser possível face a regras ou princípios constitucionalmente relevantes: se a determinabilidade se acolhe na defesa dos contribuintes contra o arbítrio da Administração Fiscal, que subjaz aos artigos nºs 2 e 3 do artigo 106.º, o emprego de conceitos amplos e por vezes indeterminados — os únicos que garantem a plasticidade que possibilite a adaptação ao constante aparecimento de novas situações que, substancialmente iguais a outras já tributadas, não estejam ainda formalmente descritas com precisão — não deixa, o emprego desse tipo de conceitos, de se poder louvar no cumprimento do mandato de igualdade em sentido material, não permitindo o aparecimento constante de refúgios de evitação fiscal. Só a harmonização entre estas duas realidades, potencialmente conflituantes, é susceptível de fornecer soluções equilibradas que, sacrificando o menos possível dos valores subjacentes a cada uma, garanta o essencial desses valores. Esta harmonização vem sendo prosseguida, nomeadamente no plano das jurisdições constitucionais, excluindo as cláusulas gerais que operem como que uma transferência da «criação da obrigação fiscal» para a «discricionariedade da administração», mas não inviabilizando liminarmente certas «cláusulas gerais», «conceitos jurídicos indeterminados», «conceitos tipológicos» (Typusbegriffe), «tipos discricionários» (Ermessentatbestände), e certos conceitos que atribuem à administração uma margem de valoração, os chamados «preceitos poder» (Kaan-Vorschrift). Todas estas figuras, guardadas certas margens de segurança, flexibilizam o sistema tornando-o apto a abranger, através da interpretação, «circunstâncias novas, porventura imprevisíveis ao tempo da formulação da lei» (Saldanha Sanches, ob. cit., pp. 297 e 299-300).

 

Ganha, assim, a tipicidade tributária, concretizada no princípio da determinabilidade, um valor específico, aquele que (e citamos de novo Saldanha Sanches) «tem o seu núcleo essencial na reserva da competência da lei para a selecção dos factos da vida social que devem ser objecto de tributação, na manutenção do dictum do legislador ordinário quanto à determinação dos factos tributáveis», mas que não inviabiliza «que este se sirva de uma formulação suficientemente ampla para abranger factos da mesma natureza e igualmente indicadores de capacidade tributária, ainda que com características que entre si os diferenciem» (ob. cit., p. 299).”

 

Ora, à guisa de conclusão (e utilizando as palavras do acórdão do TC parcialmente citado) na norma aqui constitucionalmente questionada, o legislador define com suficiente precisão as realidades jurídico-fiscais e factuais (prédios urbanos … com afectação habitacional), que pretende tributar, factos estes a concretizar de acordo com as regras interpretativas possíveis relativamente a normas de incidência fiscal, pelo que está muito longe de colocar nas mãos da AT um poder arbitrário de concretização, resultando que uma norma com estas características, interpretada da forma como se defende nesta decisão, não pode à partida ser tida como constitucionalmente indeterminada.

 

Não procede, pois, a invocada desconformidade da norma em causa, face aos princípios da legalidade e da tipicidade/determinabilidade consagrados no artigo 103º nºs 2 e 3 da CRP.

 

  • E é susceptível de beliscar o disposto no artigo 104.°-2 da CRP quando se trate de terreno detido por sociedades imobiliárias no âmbito de uma actividade de natureza empresarial, como "matéria prima" destinada à indústria imobiliária?

 

Nesta parte afigura-se-nos ser relevante o recurso à exposição de motivos que constam da Proposta de Lei de onde resulta a norma em causa e que acima se expuseram, nomeadamente:

  • Que se trata de medida fundamental para reforçar o princípio da equidade social na austeridade.
  • Garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.
  • Visando a repartição desses sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.
  • Visando o alargamento da tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

 

Por outro lado, é do conhecimento comum que as sociedades comerciais, como é a Requerente, enquanto pessoas morais, são detidas pelos seus accionistas ou quotistas sendo estes, na prática, os proprietários indirectos dos activos da empresa, não fazendo sentido tributar, numa circunstância destas, uma pessoa singular e não tributar uma pessoa colectiva, mesmo que o bem que é sujeito a tributação seja considerado um activo circulante da empresa, na medida em que o sistema fiscal pretende tributar o rendimento real em função da capacidade contributiva.

 

Aliás, as sociedades comerciais cujo objecto é a compra para revenda de bens imóveis têm, inclusivé, um conjunto de benefícios fiscais com alguma relevância ao nível do IMT e IMI.

 

Pelo que não vemos como a tributação de um terreno para construção – de que se faça a demonstração em concreto da sua afectação habitacional - detido por uma sociedade imobiliária no âmbito de uma actividade de natureza empresarial, como "matéria prima", ou seja, activo circulante, destinada à indústria imobiliária, possa colidir com o comando do artigo 104º-2 da CRP.

 

Não procede, pois, a invocada desconformidade da norma de incidência, na leitura aqui expressa, face ao princípio da lei fundamental, ínsito no artigo104º-2 da CRP.

 

  • O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece do vício de ausência de fundamentação ou de outra desconformidade com a lei, nomeadamente “errónea qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

A Requerente aduz dois tipos de desconformidades do acto tributário com a lei, a saber:

 

  • errónea qualificação do facto tributário;
  • falta de fundamentação quanto á qualificação do “terreno para construção” como prédio "com afectação habitacional";

 

no fundo invocando os fundamentos das alíneas a) e c) do artigo 99º do CPPT.

 

De facto, mesmo que se entenda, como nos parece ser de entender, em termos gerais e abstractos, que um “terreno para construção” como aliás qualquer outro prédio urbano para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais” (porque estes têm sempre afectação habitacional por definição) pode ter, em termos de utilidade prática, económica e funcional uma “afectação habitacional” em concreto (até na economia informal), a verdade é que a sua consideração “ope legis” como tendo “afectação habitacional” partindo apenas dos elementos da matriz e do facto da sua avaliação ser feita com referência aos coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos habitacionais, constitui desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT e a prevista na alínea c) do artigo 99º do CPPT por ocorrer uma ausência de fundamentação que a lei, na leitura que acima se expressou, exige.

 

O acto impugnado não contém qualquer fundamentação no sentido que acima se referiu, para além da consideração que se trata de um prédio urbano da espécie “terreno para construção” “com capacidade construtiva de imóveis para habitação” em termos hipotéticos, o que se configura ser insuficiente.

 

***

  • Pedido de juros

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, refere-se que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

Pelo que pode ser aqui proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão (…)” – Acórdão do STA de 2-11-2006, processo 604/06, disponível in www.dgsi.pt

 

No caso em apreço, a Requerente pagou pelo menos as duas primeiras prestações de IS, com datas limite até 30.04.2013 e até 31.07.2013, no valor de 3 769,26 euros e de 3 769,28 euros respectivamente (não resultando dos autos que tenha sido paga a 3ª prestação), pelo que tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto ora anuladas até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

***

 

            Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedentes os pedidos formulados pela entidade requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que a liquidação de IS levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei.

 

 

V.               DECISÃO

 

 

            Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) constante dos documentos nº ... (1ª prestação) e nº ...(2ª prestação), no valor total de 11.307,80 €, relativas ao ano de 2012 e ao prédio urbano da espécie "terreno para construção" inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho da ..., sob o artigo ..., anulando-se o acto tribuário expresso nos documentos acima indicados, por estar em desconformidade com norma de incidência de IS constante das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Julga-se ainda procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das prestações de IS, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 11.307,80 €.

 

 

 

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918.00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Março de 2014

O Árbitro,

 

 

Augusto Vieira

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.