Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. João Pedro Dâmaso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de dezembro de 2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…-SGPS, S.A. (adiante designada por A… ou “Requerente”), titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC) n.º…, com sede na…, nº…, Lugar …, …-… …, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B…, nos exercícios de 2013 e 2014, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pretende:
– a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa n…. 2016…;
– a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo aos exercícios de 2013 e 2014;
– a adição ao imposto apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, do montante de tributações autónomas apuradas nos termos do artigo 88.º do Código do IRC e, consequentemente, a dedução integral dos benefícios fiscais, neste caso, créditos fiscais detidos a título de SIFIDE, RFAI e CFEI, por referência aos exercícios de 2013 e de 2014 (limitados, em cada um dos exercícios a que respeitam, a um máximo de 25% da colecta de IRC apurada), nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC; e
ii) o reembolso do montante de imposto pago em excesso pela ora Requerente, no montante total de € 104 334,39.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26 de setembro de 2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 23 de novembro de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12 de dezembro de 2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 16 de fevereiro de 2017, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As partes apresentaram alegações.
O Tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente era, a 31 de dezembro de 2013 e 31 de dezembro de 2014, a sociedade dominante do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (doravante RETGS) do Grupo B…, o qual era formado pelas seguintes sociedades:
–C…, SA.
–D…, SA.
–E…, SA.
–F…, Lda.
–G…, Lda.
–H…, SA.
–I…, SA.
–J…, SA.
–K…, Lda.
–L…, SA.
–M…, SA.
b) A Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS, procedeu à entrega das Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo, respeitantes aos exercícios de 2013 e de 2014, e, posteriormente, de uma Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, por referência ao exercício de 2013;
c) O grupo tributado pelo RETGS, então dominado pela Requerente, detinha diversos benefícios fiscais disponíveis para dedução nos exercícios fiscais de 2013 e 2014, sendo que se mantiveram disponíveis para dedução:
– créditos fiscais decorrentes do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), no montante de € 1 354 749,49, em relação ao exercício de 2013, e € 1 453 806,92, relativamente ao exercício fiscal de 2014;
– créditos fiscais decorrentes do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), no montante de € 1 075 777,26, referente ao exercício de 2013, e € 1 392 605,40, relativamente ao exercício de 2014; e
– O Crédito fiscal decorrente do apuramento do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) no exercício de 2013, no montante de € 341 938,00;
d) Por insuficiência de colecta, tais benefícios não foram deduzidos nos exercícios de 2013 e 2014;
e) O sistema informático da AT não permite deduzir à coleta do IRC resultante das tributações autónomas o SIFIDE, o RFAI e o CFEI;
f) Em 29 de março de 2016, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa das liquidações referidas, que constitui o documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
g) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22 de junho de 2016, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária, em regime de substituição, por subdelegação da Diretora de Finanças Adjunta de Aveiro;
h) As empresas integrantes do grupo da Requerente não eram e não são atualmente devedoras de quaisquer impostos ou contribuições à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de direito
A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se, relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, as quantias referentes aos benefícios fiscais do SIFIDE, do RFAI e do CFEI podem ser deduzidos à colecta de IRC produzida por tributações autónomas, inclusivamente à face da redacção do CIRC resultante da Lei nº 7-A/2016, de 30 de março.
Existe abundante jurisprudência arbitral sobre esta matéria, nomeadamente o acórdão nº 456/2016T, que seguiremos de muito perto.
3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que «a tributação autónoma não é mais do que um conjunto de taxas que incide sobre factos autónomos e ainda que inserida nos Códigos do Imposto sobre o Rendimento o resultado da sua aplicação é um puro adicional a liquidar e a pagar pelos sujeitos passivos, não sendo passível de ser confrontada com deduções à coleta, concretamente com as previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC».
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, a diferença entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringe-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria coletável que delas conste», seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes, seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º.
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. ( [2] )
Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas, o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º, e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas
Em 2013, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:
Artigo 4.º
Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.
5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.
6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Artigo 5.º
Condições
Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.
E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.
O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC e até à sua concorrência».
O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1 do SIFIDE, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.
O facto de o artigo 5.º do SIFIDE afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros, designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos suscetíveis de os reduzirem, não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT, para além de normas especiais, reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.
Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.
Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ([3]) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.
Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ([4]) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva, artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ([5]).
Como fundamento para uma interpretação restritiva pode aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:
II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)
Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).
Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.
É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.
Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.
A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.
Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.
Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.
Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2013 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ([6]).
Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.
E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.
Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.
Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [7] )
Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão. ([8])
3.3. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no RFAI às quantias devidas a título de tributações autónomas
O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009), foi aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março.
Foi mantido em vigor no ano de 2013 pelo artigo 232.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013).
No que concerne ao IRC, o referido regime traduziu-se num benefício fiscal previsto no artigo 3.º daquela Lei, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade:
a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;
b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.
2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:
a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;
vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;
b) Investimento em ativo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;
b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;
d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;
e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de outubro de 2004;
f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º
4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.
5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.
6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.
Artigo 3.º
Incentivos fiscais
1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;
ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;
(...)
2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.
(...)
5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º
Como se vê pela alínea a) do n.º 1 deste artigo 3.º o benefício fiscal concretiza-se através de «dedução à colecta de IRC».
Esta expressão não tem alcance substancialmente diferente da que é utilizada no SIFIDE que é «montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC».
Pelo que já atrás se referiu, a coleta derivada de tributações autónomas previstas no CIRC é «coleta de IRC», pelo que a expressão utilizada no RFAI não exclui a dedução dos investimentos elegíveis à coleta proporcionada por aquelas tributações.
Também em relação a este benefício fiscal vale o que atrás se referiu sobre:
– a natureza excepcional das normas que prevêem este benefício fiscal;
– a prevalência dos interesses que o benefício fiscal visa atingir sobre o interesse na obtenção de receitas fiscais;
– a relevância da colecta derivada das tributações autónomas para dar ao benefício fiscal uma dimensão considerável, atenta a diminuta colecta de IRC que provém da liquidação com base no lucro tributável;
– a inadmissibilidade, à face do princípio constitucional da confiança, de uma hipotética interpretação restritiva a posteriori do alcance de um diploma que criou um benefício fiscal concretizado através de uma vantagem fiscal que é uma contrapartida de um determinado comportamento do contribuinte;
– o não afastamento da aplicação de uma norma especial sobre a dedução à colecta de IRC por uma norma geral posterior, mesmo com natureza pretensamente interpretativa.
Por isso, também quanto a esta questão, procede o pedido de pronúncia arbitral.
3.4. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no CFEI às quantias devidas a título de tributações autónomas
O CFEI de 2013 foi aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação subjetivo
Podem beneficiar do CFEI os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade;
b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
c) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
Artigo 3.º
Incentivo fiscal
1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.
2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.
3 - A dedução prevista nos números anteriores é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.
4 - No caso de sujeitos passivos que adotem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em ativos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.
5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:
a) Efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo;
b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.
6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Artigo 4.º
Despesas de investimento elegíveis
1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.
2 - São ainda elegíveis as despesas de investimento em ativos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo
3.º, designadamente:
a) As despesas com projetos de desenvolvimento;
b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
3 - Consideram-se despesas de investimento elegíveis as correspondentes às adições de ativos verificadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º e, bem assim, as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos.
4 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.
5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em ativos suscetíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:
a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, exceto quando tais bens estejam afetos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respetivo uso ou fruição no exercício da atividade normal do sujeito passivo;
b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afetos à atividade produtiva ou administrativa;
c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas.
6 - São igualmente excluídas do presente regime as despesas efetuadas em ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do sector público.
7 - Considera-se que os terrenos não são ativos adquiridos em estado de novo, para efeitos do n.º 1.
8 - Adicionalmente, não se consideram despesas elegíveis as relativas a ativos intangíveis, sempre que sejam adquiridos em resultado de atos ou negócios jurídicos do sujeito passivo beneficiário com entidades com as quais se encontre numa situação de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.
9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjetivos e objetivos para poder beneficiar do CFEI em relação às despesas de investimento que refere, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efetuada à «coleta de IRC», nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 e essa coleta, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, não ser integrada pelas quantias devidas a título de tributações autónomas, mas apenas pela quantia resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, está assente no presente processo, inclusivamente por acordo das Partes, que o artigo 90.º do CIRC se reporta também à liquidação das tributações autónomas.
E, como se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efetuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja realizada mais que uma autoliquidação.
Por isso, a expressão «quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste», que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria coletável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, do próprio modelo 22 de declaração.
A coleta obtém-se aplicando a taxa à respetiva matéria coletável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias coletáveis, a coleta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.
Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 se faz à «dedução à coleta de IRC» como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a coleta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a coleta única de IRC.
Sendo esta a interpretação que resulta do teor literal, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à coleta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excecionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ([9]) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
De qualquer modo, seguindo Batista Machado, em Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, Almedina, Coimbra, «uma interpretação restritiva apenas se justifica quando o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)».
Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 3.º, n.º 1, com a ratio legis daquele benefício fiscal.
A razão de ser da criação do referido benefício fiscal é evidente e foi expressamente referida na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 148/XII, que veio a dar origem à Lei n.º 49/2013:
Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objetivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento direto em Portugal, já em 2013.
Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objetivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial.
O CFEI corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento realizadas, até à concorrência de 70% daquela coleta. O investimento elegível para este crédito fiscal terá que ser realizado entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013 e poderá ascender a 5 000 000,00 EUR, sendo dedutível à coleta de IRC do exercício, e por um período adicional de até cinco anos, sempre que aquela seja insuficiente.
São elegíveis para este benefício os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, disponham de contabilidade regularmente organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, o respetivo lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos e tenham a sua situação fiscal e contributiva regularizada.
Como é óbvio, a concretização deste objetivo legislativo «estimular fortemente o investimento direto em Portugal» e de «produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial» aponta manifestamente no sentido de se ter pretendido maximizar e não limitar o alcance do benefício fiscal.
A eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que não apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, em 2012, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2012 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Lei n.º 148/XII e, por isso, é de supor que tenha sido considerado), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e apenas 28% dos sujeitos passivos apresentaram «IRC liquidado», sendo que «cerca de 70% dos sujeitos passivos efetuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores».
Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente à Lei n.º 49/2013, do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A discussão da iniciativa legislativa na Assembleia da República confirma que não estava em causa aprovar um benefício fiscal de que apenas poderiam aproveitar a minoria de empresas que pagava IRC com base no lucro tributável do exercício de 2013.
Na verdade, os termos em que foi anunciada a medida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apontam para uma medida inédita, de enorme impacto e dimensão:
«(...) esta medida dirige-se prioritariamente, como tive aliás oportunidade de dizer, ao investimento das pequenas e médias empresas. Se não fosse assim, o limite do investimento não tinha sido fixado em 5 milhões de euros. O limite de 5 milhões de euros corresponde ao valor médio do investimento anual de cerca de 97% das empresas portuguesas. E é, exatamente, para essas empresas, para as pequenas e médias empresas, que esta medida de estímulo ao investimento se dirige;
«não é a primeira vez que é criado um crédito fiscal ao investimento em Portugal, existiram outros créditos fiscais, no passado, mas nenhum com o impacto e a dimensão deste».
A pretendida maximização do incentivo fiscal, perspetivado como potencialmente incentivador de cerca de 97% das empresas, apontava claramente para a sua aplicação a qualquer coleta de IRC e não apenas à reduzida minoria que pagava IRC liquidado com base no lucro tributável de cada exercício, pelo que a solução de o aplicar aos créditos de IRC derivados de tributações autónomas, para além de ser a que resulta linearmente do teor literal da Lei n.º 49/2013, é a que se sintoniza com a razão de ser.
Por outro lado, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à coleta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efetuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.
E, no caso do benefício fiscal do CFEI, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de primacial importância, como se afirma na referida Exposição de Motivos e se confirma na apresentação da proposta na Assembleia da República.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, inclusivamente as resultantes de tributação autónomas.
Neste contexto, as questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas à compatibilidade da solução adotada pela Lei n.º 49/2013 com outras soluções legislativas (designadamente, as adotadas em matéria de regime da transparência fiscal ou grupos de sociedades, que em nada têm aplicação no caso dos autos), não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance da Lei n.º 49/2013, que é um diploma de natureza excecional, à face do seu texto e dos interesses que visou prosseguir, que não teve em vista decidir qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da Lei, quer nos respetivos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.
Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à coleta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial».
Para além disso, a referida regra do artigo 3.º, n.º 1, teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efetuarem investimentos, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adoção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que a Lei n.º 49/2013 estabelecia para os contribuintes que adotassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «coleta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira refere na sua Resposta o seguinte:
Sempre se diga que qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, que aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que
«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»
e que, por conseguinte, permita a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais efectuados em sede de IRC, in casu, SIFIDE/CFEI/RFAI, essa decisão é materialmente inconstitucional, por
a) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP,
b) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP,
c) violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP,
d) violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º 2 ambos da CRP».
Constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica qual a razão ou razões pelas quais entende que são violados esses princípios, limitando-se a aludir a eles, pelo que não cumpriu, quanto a estas hipotéticas questões, ónus de alegar indispensável para ser assegurado o direito de contraditório.
De qualquer forma, com a brevidade que a insuficiência de alegação justifica, pode dizer-se que não se vê como possa ser violado o princípio da legalidade, pois a legalidade tem precisamente o alcance que atrás se referiu e, designadamente, a norma geral do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, mesmo aplicada a situações anteriores não tem potencialidade, para revogar normas especiais, como são as do SIFIDE, do RFAI e do CFEI que prevêem a dedução à colecta de IRC, que inclui a das tributações autónomas. Sendo esta a interpretação adequada das referidas normas, o que seria incompaginável com o princípio da legalidade seria aplicá-las com alcance diferente do que resulta das regras interpretativas adequadas.
Quanto ao princípio da separação dos poderes, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do poder jurisdicional cabe aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis e, no caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não, com outro.
No que concerne ao princípio da protecção da confiança, mesmo que se entenda que o seu âmbito de protecção se estende à Administração Estadual, não abrange, decerto, a confiança em que os tribunais adoptarão uma determinada interpretação, quando a jurisprudência não é pacífica.
No que respeita ao princípio da igualdade, não é identificada qualquer situação equiparável a que tenha sido dado um tratamento distinto. Para além disso, as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.
Pelo exposto, não ocorre violação dos princípios invocados.
4. Reembolso do montante pago em excesso e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso do montante de imposto pago em excesso, no montante de € 104.334,39, acrescido de juros indemnizatórios, «em observância do disposto no artigo 43.º da LGT».
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade dos actos de autoliquidação nas partes relativas à não dedução do SIFIDE e RFAI, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgado.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, o imposto indevidamente pago foi autoliquidado, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não teve qualquer intervenção na prática do acto de pagamento, sendo à própria Requerente que é imputável a sua prática.
Por outro lado, a Requerente que não alegou ter seguido influenciada por qualquer actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, dizendo que «a Requerente tem vindo a adotar, por prudência, como procedimento a dedução de benefícios fiscais à coleta de IRC, não considerando como tal a coleta de tributação autónoma, na medida em que, até à introdução da Reforma do IRC do exercício de 2014, existia a incerteza de que a tributação autónoma possuía caráter de IRC, tendo vindo esta esclarecer a sua natureza, corroborando, aliás, o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.° do mesmo Código».
Por isso, quanto à autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, na medida em que é aqui julgada procedente e o não acolhimento da pretensão é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à ação.
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 29 de março de 2016 e foi decidida em 08 de julho de 2016, dentro do prazo legal previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.
Por isso, a partir de 30 de março de 2016, começam a contar-se juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 e 35.º, n.º 10 da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e anular esta decisão;
– declarar a ilegalidade das autoliquidações relativas aos exercícios de 2013 e 2014, na parte relativa aos montantes disponíveis do SIFIDE, RFAI e CFEI que não foram deduzidos ao montante da colecta de IRC resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação na parte respetiva;
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou em excesso, no montante de € 104.334,39 e a pagar juros indemnizatórios à Requerente, relativamente este montante, desde 30 de março de 2016 até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 104.334,39
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 10 de maio de 2017
Os Árbitros
Paulo Lourenço
(Árbitro Adjunto)
João Pedro Dâmaso
(Árbitro Adjunto)
José Poças Falcão,
(Árbitro Presidente do Tribunal)
Vota vencido conforme declaração que segue
Declaração de voto:
Não acompanho, com o devido respeito, a decisão que fez vencimento e, ao contrário, julgaria improcedente o pedido, manteria na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa, declararia a legalidade das autoliquidações e absolveria a Autoridade Tributária e Aduaneira.
As razões transparecem, no essencial, das decisões arbitrais proferidas pelos Tribunais Coletivos a que presidi constituídos no âmbito do CAAD, designadamente nos processos nºs 697/2014-T, 727/2015-T, 752-2015-T, 785/2015-T, todas publicadas no site do CAAD [www.caad.org.pt] e, mais recentemente, no processo nº 638/2016-T, ainda não publicada, bem como do voto de vencido da Senhora Doutora Carla Castelo Trindade, no acórdão que a decisão que ora fez vencimento seguiu muito de perto, proferida no processo arbitral nº 456/2016-T.
Assim é que à questão de saber se os benefícios fiscais, na modalidade de dedução à coleta em sede de IRC, usufruídos ao abrigo dos regimes conhecidos pelas siglas “SIFIDE II” RFAI e CFEI, podem ser ainda imputados na parte da coleta de IRC apurada com base nas regras da denominada “tributação autónoma” ou, por outras palavras, se o crédito fiscal em que se traduzem esses benefícios pode ser deduzido ainda a essa parte da coleta de IRC, respondo negativamente.
Como ficou assinalado nos acórdãos proferidos nos citados processos nºs 727/2015-T e 785/2015-T, das normas que consagram os benefícios em causa se extrai, sem mais, que estes só podem referir-se à coleta imputável ao lucro tributável [cita-se, quanto ao SIFIDE, a alínea a), do artigo 5º do diploma que criou esse regime, correspondente hoje à alínea a) do artigo 37º. Do CFI, e, quanto ao CFEI, em particular, a norma do artigo 3º-5, do mesmo diploma, respeitante aos grupos de sociedades], concluindo-se que existe assim impedimento legal expresso no CIRC para que os créditos [deles] decorrentes sejam deduzidos às tributações autónomas.
Reitero que não deixo igualmente de aceitar e subscrever inteiramente o que foi também argumentado no acórdão arbitral proferido no processo nº 722/2015-T relativamente à natureza das “tributações autónomas” como normas anti-abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto e a falta de lógica que seria, a esta luz, permitir a dedução de encargos, com a inerente destruição do citado sentido anti-abusivo que impregna aquelas normas.
Relativamente ao novo nº 21, do artigo 88º, do CIRC e ao seu caráter interpretativo, será também de trazer à colação o disposto no artigo 13º, do Código Civil quando estatui que a lei interpretativa se integra na lei interpretada e, nessa medida, ressalvadas as especificidades (v.g., as decisões judiciais transitadas), a eficácia retroativa não pode ser posta em causa, ainda que, em matéria de impostos, exista a regra de proibição destes com natureza retroativa (Cfr artigo 103º-3, da Constituição e ainda o artigo 12º, da LGT).
Ou seja: para um juízo de (in)constitucionalidade haverá que distinguir entre retroatividade autêntica – vedada pela Constituição – e a mera retrospetividade – não abrangida pela proibição, salvo violação intolerável do princípio da confiança.
No caso, existia, antes da introdução do novo nº 21, ao artigo 88º, do CIRC, controvérsia interpretativa entre AT e contribuintes, transposta para a Jurisprudência Arbitral, relativamente ao artigo 90º, do CIRC, quanto à questão de saber se os benefícios fiscais [mormente os incentivos ao investimento em causa neste processo] eram dedutíveis à parte da coleta de IRC emergentes das tributações autónomas.
E foi a esta controvérsia que aquele nº 21 veio pôr termo através da consagração legal de uma das interpretações possíveis das que vinham sendo seguidas pela Jurisprudência, da alínea c), do nº2 do artigo 90º, do CIRC (e dos específicos preceitos legais que estabelecem os benefícios SIFIDE, RFAI e CFAI).
Aplicação portanto retrospetiva que não retroativa da Lei fiscal e, consequentemente, de segura constitucionalidade.
10-5-2017
(José Poças Falcão)
[1] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
[2] É, aliás, neste sentido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que refere que há «dois cálculos distintos que, embora processados, de acordo com a mesma base jurídica – a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC - e nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias» (artigo 27.º da Resposta).
[3] Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrara natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».
[4] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
[5] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.
[6] Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.
De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:
– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.
[7] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.
[8] Registe-se que não releva para a apreciação das questões suscitadas nestes autos o que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere a propósito do regime do crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI), criado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, por não estar em causa na autoliquidação efectuada qualquer crédito abrangido por tal regime e ser manifesto que as normas especiais para aplicação deste benefício fiscal aos grupos de sociedades, que constam do n.º 5 do artigo 3.º daquela Lei, não têm qualquer correspondência no SIFIDE II ou no RFAI.
Não havendo no SIFIDE II e no RFAI normas especiais sobre a aplicação dos benefícios fiscais aos grupos de sociedades, é aplicável o regime geral previsto no n.º 6 do artigo 90º do CIRC, que estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1».
[9] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em: http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf