Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. A…, S.A., (doravante designada por “Requerente”), pessoa coletiva n.º…, com sede em …–…, …-… Maia, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao período de tributação de 2012, apresentado em 29 de março de 2016;
2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou por “Requerida”)
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-10-2016.
4. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
5. Em 23-11-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 12-12-2016.
7. A Requerente, no pedido de constituição do tribunal arbitral por si apresentado, invocou, em síntese, o seguinte:
a) É hoje pacificamente reconhecido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que apesar de conterem algumas especificidades face ao regime geral, as tributações autónomas são componentes do IRC;
b) O mecanismo da tributação autónoma apenas deixa transparecer uma taxa agravada no âmbito da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pelo IRC, sem que daí decorram as consequências que a AT pretende retirar;
c) O artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas;
d) Sendo as tributações autónomas IRC – liquidado com base no n.º 1 do artigo 90.º do CIRC –, os montantes correspondentes a SIFIDE podem ser deduzidos às mesmas, com base na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo do CIRC;
e) Termos em que a Requerente pede a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e, bem assim, a declaração de ilegalidade integral do ato tributário de autoliquidação de IRC ora em questão;
f) Pede ainda a Requerente o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
8. A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação.
9. A exceção suscitada pela Requerida é a de “incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa”, a qual é alicerçada, em síntese, nos seguintes fundamentos:
a) O pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativo ao ano de 2012, formulado, em 29.03.2016, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT;
b) Atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a exceção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra, circunstância que impõe se determine a absolvição da Entidade Demandada da Instância [cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].
10. Na defesa por impugnação, a Requerida sustenta, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
a) A figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objetivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito);
b) O caráter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC;
c) A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes;
d) E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC;
e) Ou seja, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes, dois apuramentos;
f) O montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto;
g) Ou seja, em termos globais, a coleta do IRC apurada nos termos do art.º 89.ºe do n.º 1 do art.º 90.º tem natureza compósita, cindível, por um lado entre a coleta de imposto propriamente dita, resultante da estrutura geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (Art.º 103.º, n.º 1 da CRP), a que se deduzem as importâncias referidas no n.º 2 do art.º 90.º, nos termos e modos ali referenciados e, por outro, o somatório das coletas das tributações autónomas que incorporam um sentido e fundamentos próprios e que, por isso, não devem ser objeto de confusão;
h) Do mesmo modo que se encontra apoio na letra e na ratio da lei para concluir coerentemente que o SIFIDE não deve ser deduzido aos montantes das coletas das tributações autónomas, também em substância se detetam razões para concluir que não podem ser deduzidos às mesmas coletas os benefícios fiscais, entre eles, o SIFIDE;
i) O traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas;
j) No que tange à dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º), quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso do SIFIDE –, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com a rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução;
k) Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta – o lucro;
l) Qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, e que, por conseguinte, permita a dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de benefícios fiscais – in casu, SIFIDE –, é materialmente inconstitucional, por: i) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP; ii) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP; iii) violação do princípio da proteção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP; iv) violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º 2 e do 103.º, n.º 2 ambos da CRP;
m) Ainda que o art.º 10.º do EBF admita interpretação extensiva e proíba a analogia na interpretação das normas sobre benefícios fiscais, não proíbe o recurso à interpretação restritiva e, por isso mesmo, em situações objetivamente fundamentadas não está afastada a sua utilização;
n) Não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
11. A Requerente pronunciou-se por escrito, no exercício do direito ao contraditório, sobre a exceção invocada pela Requerida, sustentando, em síntese, o seguinte:
a) A Requerente solicitou à AT o reembolso do imposto (IRC) pago em excesso, correspondente ao valor da tributação autónoma do período em apreço e que não foi abatido por via da compensação com montantes relativos a benefícios fiscais disponíveis para dedução, bem como o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal. Fê-lo ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, através de um pedido de revisão oficiosa;
b) Subsequentemente, através da Informação n.º …-AIR …/2016, a AT veio expressamente indeferir a pretensão formulada pela Requerente, o que fez por adesão integral ao conteúdo que entretanto vertera no projeto de decisão, notificado à segunda através do Ofício n.º … 16.06.16;
c) Pelo exposto, é inquestionável que, subjacente ao pedido de pronúncia arbitral, temos:
i) Um ato expresso de indeferimento em matéria tributária, pois nele é feita a aplicação de normas de direito fiscal;
ii) Que tal ato expresso de indeferimento implicou uma apreciação da legalidade do ato de autoliquidação subjacente, e uma concomitante decisão de mérito sobre o mesmo; e
iii) Que aquele mesmo ato expresso de indeferimento corporiza um ato administrativo à luz da definição avançada pelo artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo, porquanto se afirma como uma decisão, proferida no exercício de poderes jurídico-administrativos, destinada a produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
d) Dúvidas não se oferecem quanto à competência material do Tribunal Arbitral para conhecer do mérito do presente pedido, desde logo à luz da própria jurisprudência firmada no âmbito do CAAD;
e) Como bem nota a doutrina mais avisada, sempre que o pedido de revisão do ato tributário tenha por objeto um ato de liquidação – como acontece na presente situação –, aquele se trata, à imagem da reclamação graciosa, de um meio de impugnação administrativa de um ato daquele tipo, podendo naturalmente estribar-se em fundamentos idênticos aos que podem basear a mencionada reclamação graciosa;
f) Uma vez que, na presente situação, o ato de revisão tem por objeto um ato de liquidação, deve concluir-se que aquele [ato de revisão] cai inevitavelmente no âmbito da reclamação graciosa; precisamente aquela a que a AT alude na sua contestação.
12. Por despacho de 13-02-2017, atendendo a que, tendo sido suscitadas exceções, a Requerente já se havia pronunciado por escrito sobre as mesmas, e a que apenas há controvérsia sobre matéria de direito, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais, e decidiu ainda:
a) não admitir a produção de prova testemunhal, atendendo a que não se identificam factos controvertidos suscetíveis de prova testemunhal, daí resultando a sua inutilidade para o objeto do processo [cfr. artigos 16.º, alíneas c) e e) e artigo19.º/1, do RJAT e 6.º e 130.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, do RJAT];
b) Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
13. A Requerente apresentou alegações finais, com as seguintes conclusões:
a) O thema decidenduum relaciona-se com a possibilidade de a Requerente poder utilizar valores referentes ao SIFIDE, que deixaram de ser deduzidos por alegada insuficiência de coleta IRC, contra a parcela da colcta que inclui as tributações autónomas, na medida em que estas são, também, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;
b) A Requerente entende assim, nos termos mais bem detalhados no PPA, dever ser-lhe restituído o montante € 35.336,16, correspondente à tributação autónoma por aquela liquidada no exercício em apreço e que deve ser consumido pela quantia de SIFIDE disponível e não utilizada;
c) É hoje pacificamente reconhecido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que apesar de conterem algumas especificidades face ao regime geral, as tributações autónomas são componentes do IRC;
d) De facto, o mecanismo da tributação autónoma apenas deixa transparecer uma taxa agravada no âmbito da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pelo IRC, sem que daí decorram as consequências que a AT pretende retirar;
e) Acerca da presente matéria, tem sido profícua a jurisprudência que vem sendo produzida, de que são exemplo, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 775/2015-T, n.º 744/2015-T, n.º 784/2015-T, e n.º 740/2015-T, todos proferidos por Tribunais Arbitrais promovidos no âmbito do CAAD;
f) No último dos arestos atrás citados, o Tribunal inicia o seu excurso dirimindo uma questão essencial, relacionada com a aplicabilidade do artigo 90.º do Código do IRC à liquidação de tributações autónomas, esclarecendo que “Estes artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas. Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.”, acrescentando que aquele artigo 90.º se aplica “também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição vigente em 2012 que previsse termos diferentes para a sua liquidação”;
g) Para o Tribunal, “as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.”;
h) Como resulta da decisão que vimos citando, “a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).”;
i) E note-se que, “a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».”
j) É pois evidente que o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se aplica à liquidação de tributações autónomas;
k) Quanto à questão da dedutibilidade de montantes relativos a SIFIDE às quantias devidas a título de tributação autónoma, diz o Tribunal que “O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele proveniente são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência»”, acrescentando que, “por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.”;
l) Mais a mais, “não pode ver-se, na eventual natureza de normas anti abuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente anti abuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.”;
m) O Tribunal prossegue dizendo que, “apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas e apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas. A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. (No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, em uma interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.”;
n) No que concerne ao atual n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, o Tribunal refere que, “Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída. Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como e o SIFIDE II. E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial».”;
o) Ora, “convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.” (destaque nosso);
p) Assim, sendo as tributações autónomas IRC – liquidado com base no n.º 1 do artigo 90.º do CIRC –, os montantes correspondentes a SIFIDE podem ser deduzidos ao montante daquelas, com base na alínea b) do n.º 2 do referido preceito;
q) Reitera-se, assim, que a autoliquidação de IRC do período de tributação de 2011 se encontra integralmente paga, estando igualmente paga, por inerência, a parte da mesma que é objeto da presente ação;
r) O direito ao pagamento de juros indemnizatórios corresponde à concretização do comando constitucional previsto no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que “o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”;
s) Declarada a ilegalidade da autoliquidação nos moldes peticionados, a Requerente tem direito não só ao respetivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, até ao integral reembolso do mesmo, após um ano da data da apresentação deste pedido de revisão oficiosa do imposto;
t) Termos em que se conclui, como no requerimento inicial, pedindo a declaração de ilegalidade do ato tributário de autoliquidação de IRC em apreço e, bem assim, do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado que visara a anulação daquele ato de autoliquidação.
14. A Requerida apresentou alegações finais, nas quais manteve, integralmente, o teor da sua Resposta, sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do Pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
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II. SANEADOR
15. A Requerida suscitou a exceção de “incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa”, com o fundamento de o pedido arbitral ser formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação de imposto, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT;
16. Cumpre, então, ao Tribunal, previamente à apreciação do mérito, decidir a exceção invocada;
17. O artigo 131.º, n.º 1, do CPPT prevê que “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração”;
18. O artigo 131.º, n.º 3, do CPPT por seu lado, prevê que “[q]uando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1”;
19. Sucede que, no caso em apreço, a autoliquidação não foi feita de acordo com qualquer orientação genérica, pelo que o n.º 3 do artigo 131.º não lhe é aplicável;
20. O artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, aplicável por força no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, exceciona da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º e 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário”;
21. Questão fundamental é, então, no caso sub judice, a que se prende com saber se a exigência legal de reclamação graciosa prévia poderá ser satisfeita mediante a apresentação de pedido de revisão do ato tributário, previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT);
22. Sobre esta matéria pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no seu Acórdão de 12 de julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06, nos seguintes termos, que subscrevemos:
« A revisão do acto tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.
No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa).
[…]
Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.
Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».
É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da L.G.T. refere os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).
Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta.
[…]
Exposto este regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, chega-se à conclusão que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 152.º do C.P.T.
Na verdade, essa reclamação era necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios.
A sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).
Assim, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 152.º do CPT, a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.»
23. Assim, e conforme sustenta Carla Castelo Trindade, “é de acompanhar esta jurisprudência do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário – meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado do que os restantes – um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária”[1].
24. Acompanhamos, ainda, a Autora citada quando afirma o seguinte:
« Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º e 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.
E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa»[2].
25. No mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa defende que a fórmula utilizada pelo legislador na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT – “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” –, numa “mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, pois a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando, com essa confirmação, a sua ilegalidade”[3]. E conclui que se “a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir […]”[4].
26. Sublinhe-se que é a norma regulamentar que deve ser interpretada em conformidade com a lei, e não o inverso, pelo que não é de admitir uma interpretação das normas constantes da Portaria que conduza a uma restrição do sentido da lei. Para além disso, esta deve ser interpretada em conformidade com a Constituição, designadamente com os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
27. Assim sendo, o presente tribunal considera ter competência material para conhecer do pedido, pelo que improcede a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, suscitada pela Requerida.
28. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, nº 1, alínea a), 5.º e 6.º, nº 1, do RJAT;
29. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
30. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.
***
III. MÉRITO
III. 1. MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
31. Julgam-se provados os seguintes factos:
a) No dia 31 de Maio de 2013, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do período de tributação de 2012, na qual apurou prejuízos ficais no montante de € 330.550,61 e uma coleta de € 0,00;
b) Paralelamente, a Requerente autoliquidou um montante de € 33.508,09, relativo a tributação autónoma;
c) Não foi utilizado qualquer montante relativo aos benefícios fiscais que permaneciam dedutíveis no período de tributação de 2012, cujo valor ascende a € 595.801,76, referente a SIFIDE;
d) No âmbito da ação inspetiva levada a cabo ao período de tributação de 2012, a AT veio a promover em correções à coleta daquele período, tendo sido o ato de liquidação adicional dali resultante objeto de impugnação judicial pela ora Requerente, que aguarda a decisão do competente Tribunal Administrativo e Fiscal;
e) Não obstante a impugnação judicial apresentada, a Requerente pagou a liquidação adicional no montante de € 1.828,07, referente a tributações autónomas;
f) O valor das tributações autónomas pago referente ao período de tributação de 2012 ascende, assim, ao total de € 35.336,16;
g) Em 29/03/2016, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, o qual foi autuado com o número …2016…, que culminou com despacho de indeferimento, datado de 06/07/2016, tendo sido notificado à ora Requerente através do Ofício n.º … de 07/07/2016;
h) Não concordando com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Requerente deduziu o pedido de pronúncia arbitral ora em apreciação.
§2. Factos não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no processo administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Questão decidenda
Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2012 padece do vício material de violação de lei, em virtude da não dedução de montantes relativos a SIFIDE à coleta de IRC. Segundo a argumentação da Requerente, a coleta do IRC abrange também o resultado da aplicação das taxas de tributação autónomas. Assim sendo, a decisão desta questão requer a análise da natureza das taxas de tributação autónoma.
III.2.2. A natureza das tributações autónomas
Sobre a problemática da natureza das tributações autónomas seguimos de perto o teor e o sentido do Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Processo n.º 5/2016-T, no qual se afirma o seguinte:
« As tributações autónomas foram criadas pelo artigo 4.º do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho, que teve por objeto a introdução de alterações ao CIRC, conforme resulta do respetivo preâmbulo. Este Decreto-Lei concretizou a autorização legislativa conferida ao Governo pelo n.º 3 do artigo 25.º da Lei n.º 101/89, de 29 de dezembro, cuja epígrafe é “Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)”.
Dos diplomas referidos, em particular da lei de autorização, não resulta qualquer indício de que o legislador pretendesse criar um novo imposto. Pelo contrário o que é evidenciado é a intenção de o legislador introduzir ajustamentos à tributação do rendimento das empresas.
Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, que teve por objeto a “reforma da tributação do rendimento”, foi revogado o Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho, tendo sido aditado ao CIRC o artigo 69.º-A, sob a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, a qual indicia que estamos perante a aplicação de uma taxa, em sede de IRC, distinta das taxas gerais previstas no artigo 69.º. Note-se que a epígrafe refere “taxa de tributação autónoma”[5] e não “tributações autónomas”, o que evidencia que o que o legislador pretendeu foi prever um taxa distinta das taxas gerais, para determinadas situações, aí descritas.
Daqui resulta que a expressa consagração das “taxas de tributação autónoma” foi feita em sede de reforma da tributação do rendimento, pelo que surgiria absolutamente descontextualizado e incoerente com o propósito do legislador criar um imposto sobre a despesa e, para cúmulo, não o identificar como tal e incluí-lo no CIRC. Mais, a inserção sistemática do novo preceito normativo é feita imediatamente a seguir ao preceito que prevê as taxas gerais, e não nos artigos finais do CIRC, o que seria lógico se se tratasse de um outro imposto conexo com o IRC, nem tampouco em sede de definição das regras de incidência.
Não existe assim qualquer indício que nos leve a admitir que no caso das “taxas de tributação autónoma” estamos perante um imposto (sobre a despesa?) distinto do IRC.
A norma contida no artigo 69.º-A introduzido pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, tal como sucede com a norma contida no artigo 88.º do CIRC em vigor à data dos factos no processo sub judice, não contém regras de incidência subjetiva, nem sobre liquidação e pagamento das tributações autónomas. Pense-se, a título de exemplo, na atual alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, que estabelece o seguinte: “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º”. Se entendêssemos que estamos perante um preceito que cria um novo imposto, sempre teríamos que perguntar: quem é o sujeito passivo?; como é feita a liquidação?; quais são as regras de pagamento? Isto sem falar na questão que se prende com saber qual seria o pressuposto material de tributação que legitimaria um tal imposto.
As respostas hão de ser encontradas em sede de IRC. Note-se, em coerência com o que acabou de se dizer, que as “taxas de tributação autónoma” não originam sequer uma prestação de imposto que deva ser paga ao Estado. A aplicação das taxas de tributação autónoma reflete-se na coleta de IRC e é a prestação de IRC que, nos termos da lei, tem que ser paga pelo sujeito passivo. Tanto assim é que os pagamentos por conta a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 104º do CIRC também são dedutíveis ao valor apurado em sede de tributação autónoma, ou seja, são deduzidos no pagamento final do imposto ou descontados para efeitos de reembolso.
[…]
A aplicação das taxas de tributação autónoma é feita no âmbito da liquidação do IRC, e o respetivo resultado reflete-se na coleta de IRC. A prestação fiscal a pagar ao Estado é a referente ao IRC.
De acordo com o artigo 104.º do CIRC, o pagamento deste imposto, faz-se por via dos pagamentos por conta, que em geral são três, não se destacando o pagamento das “tributações autónomas” relativamente ao pagamento do IRC. Para efeito de pagamento do IRC, é irrelevante se foram ou não aplicadas taxas de tributação autónoma.
Verifica-se que existe lugar a reembolso de IRC nos termos do número 2 do mesmo artigo 104.º do CIRC quando o «valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90.º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta» ou «o valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90.º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença». Ou seja, no caso de haver liquidação de IRC por tributação autónoma, o pagamento por conta de IRC, efectuado nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 104º do CIRC, também é dedutível neste apuramento.
Deste modo, também as regras de pagamento do IRC apontam para que as “tributações autónomas” integrem o IRC.
Mas se dúvida ainda houvesse, é o próprio legislador a reconhecer que as “tributações autónomas” são IRC quando, no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC se refere ao «IRC, incluindo as tributações autónomas, …». Note-se que esta alínea refere-se à não dedutibilidade de encargos com impostos que incidam sobre o rendimento (e não sobre a despesa).
Não se compreende, pelas razões expostas, que a tributação autónoma possa ser perspetivada como um imposto distinto do IRC. Simplesmente, não existe qualquer fundamento legal ou sequer qualquer indício que permita sustentar essa tese.
Tal como é referido no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 79/2014-T, «ontologicamente, as tributações autónomas não se configuram como um tipo de imposto distinto do IRC».
Subscreve-se, também, o Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 95/2014-T, quando aí se afirma que «não compete ao julgador alterar por sua iniciativa a opção política e técnica do legislador em configurar este tipo de tributo como IRC, ainda que possa não concordar tecnicamente com a solução encontrada pelo legislador. Tal constituiria uma interpretação corretiva, consabidamente vedada pelo imperativo de obediência à lei».
Não sufragamos, por outro lado, a tese expressa nos recentes acórdãos do Tribunal Constitucional, a qual radica fundamentalmente na seguinte ideia: o IRC tributa rendimentos; as “taxas de tributação autónoma” traduzem-se na aplicação de taxas a certas despesas; logo, a tributação autónoma é um imposto distinto do IRC (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 310/2012 e 465/2015)[6].
Com efeito, não basta que um preceito normativo preveja a aplicação de uma taxa a um determinado facto para concluirmos que estamos na presença de um imposto. Tal representaria um esvaziamento do conceito de imposto. Se aplicássemos esta conceção minimalista da figura do “imposto” à tributação do rendimento das pessoas singulares, que a Constituição impõe que seja una (artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), conseguiríamos identificar 5 “impostos” distintos sobre o rendimento das pessoas singulares, embora formalmente incluídos no CIRS, tantos quantos os tipos de taxas aí previstas: (i) o próprio IRS, mediante a aplicação das taxas gerais do artigo 68.º, e ainda os “impostos” que corresponderiam à aplicação da taxa adicional de solidariedade (artigo 68.º-A do CIRS), das taxas liberatórias (artigo 71.º do CIRS), das taxas especiais (artigo 72.º do CIRS) e das taxas de tributação autónoma (artigo 73.º do CIRS). Isto para não falarmos do caso da sobretaxa (prevista na Lei do Orçamento, à margem do CIRS, portanto).
Um aspeto que parece causar algumas dificuldades no recorte da natureza das “taxas de tributação autónoma” é o facto de as mesmas incidirem sobre despesas, o que representaria um fator anómalo num quadro de tributação do rendimento. Nas palavras de Rui Duarte Morais, «[nas tributações autónomas] está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários»[7]. Naturalmente, partindo deste pressuposto, o Autor reconhece a dificuldade em «descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento»[8].
Entendemos, em sentido contrário, que as taxas de tributação autónoma não representam um imposto sobre a despesa, e, por essa razão, não se nos afigura de difícil compreensão a previsão da figura das “taxas de tributação autónoma” nos códigos de IRC e de IRS.
Vejamos.
O relevo da consideração das despesas em sede de IRC (e de IRS) resulta do princípio constitucional da tributação do rendimento real, o qual é um rendimento líquido. É essa a razão pela qual os gastos e perdas são considerados na determinação do lucro tributável em IRC (artigo 23.º do CIRC). Todavia, o legislador afasta expressamente a dedutibilidade de certos gastos, designadamente por razões que se prendem com a prevenção da evasão fiscal (artigo 23.º-A). Mas nalguns casos o legislador, tendo em vista desincentivar a realização de certos gastos, designadamente como meio de prevenção da evasão fiscal, vai ainda mais longe do que a previsão da mera não dedutibilidade, ao prever o agravamento da coleta de IRC mediante a aplicação de taxas que penalizam os sujeitos passivos que realizem certas despesas. É isto que sucede com as taxas de tributação autónoma, previstas no artigo 88.º do CIRC.
[…]
Do que fica dito conclui-se que a previsão da aplicação de taxas de tributação autónoma surge como uma técnica legislativa em matéria fiscal que se traduz numa operação de sentido inverso ao da dedução, e que podemos designar por acréscimo fiscal.
Ou seja, a despesa constitui um elemento decisivo no apuramento do lucro tributável em IRC, e o legislador prevê expressamente três formas de tratamento diferenciado das mesmas: i) a dedução, da qual irá resultar uma diminuição da coleta de IRC; ii) a não dedutibilidade, em que as despesas em causa têm um efeito nulo sobre a coleta de IRC; iii) o acréscimo, por via da aplicação de taxas sobre certas despesas, donde resultará um agravamento da coleta de IRC do sujeito passivo.
Assim, ao invés da qualificação dificilmente explicável, e de sentido contrário aos diversos indícios já explicitados, das “tributações autónomas” como imposto sobre a despesa enxertado num imposto sobre o rendimento, entende-se que a figura das “taxas de tributação autónoma” consiste numa técnica de agravamento da coleta de IRC, que atua sobre as despesas – elemento fundamental na determinação do lucro tributável –, e que configura um acréscimo fiscal (ou seja, uma operação de sentido inverso ao da dedução fiscal).»
Mantemos, no caso sub judice, o entendimento expresso no Acórdão citado, pelo que entende este Tribunal que a coleta de IRC integra o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma.
III.2.3. As deduções previstas no regime jurídico do SIFIDE
Vejamos agora em que termos estão previstas as deduções no âmbito do SIFIDE.
O regime jurídico do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), nas suas diversas versões, prevê a dedução «…ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC…»[9].
Como se disse supra, as tributações autónomas são liquidadas de acordo com as regras previstas no artigo 90.º do CIRC.
Acerca desta liquidação, subscrevemos a fundamentação contida no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, expressa nos seguintes termos:
«Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
[…]
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente».
Na interpretação da lei, e sem prejuízo da consideração dos diversos elementos interpretativos, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei. Se o legislador prevê expressamente, no regime jurídico do SIFIDE que a dedução é feita “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, não pode o intérprete concluir que a ratio legis aponta para uma dedução à matéria coletável de IRC e não à coleta deste imposto. Acresce que estamos perante termos técnicos, com um significado jurídico-fiscal preciso, presumindo-se que os mesmos foram empregados pelo legislador intencionalmente, até porque desde a aprovação do regime jurídico do SIFIDE já várias alterações foram introduzidas, mas nunca foi alterada a referência à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”.
Portanto, as deduções previstas no SIFIDE devem ser feitas após o apuramento do montante global de IRC, que inclui o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC. E o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira deveria refletir fielmente as opções do legislador nesta matéria, permitindo que as deduções do SIFIDE sejam feitas à coleta de IRC, globalmente considerada (isto é, após a aplicação das taxas de tributação autónoma).
III.2.4. A “norma interpretativa” aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março
A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento para 2016), aditou ao CIRC os n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º, tendo sido reconhecida pelo legislador natureza interpretativa às normas aí contidas.
O n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, prevê o seguinte:
«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».
Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:
i) Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE;
ii) Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE;
iii) Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;
iv) Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;
v) Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;
vi) Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE.
Conforme é afirmado no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, a propósito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI):
«[p]ela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída».
Ainda segundo este Acórdão:
«não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «colecta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores».
Esta fundamentação é transponível, com as devidas adaptações, para o caso sub judice.
Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE.
Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no SIFIDE à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador.
Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão»[10].
Deste modo, para que as deduções previstas no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar o regime jurídico especial que as prevê.
Face ao exposto, revela-se desnecessária qualquer consideração acerca da natureza interpretativa ou não interpretativa da norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC e da sua admissibilidade ou não à luz do princípio constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal.
Termos em que assiste razão à Requerente, pelas razões e com os fundamentos invocados, no que respeita à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais relativos ao SIFIDE à coleta do IRC, determinada após a aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos do artigo 90.º do CIRC.
III. 2.5. Os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda o reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, a qual ascende a € 35.336,16, a qual corresponde aos montantes de SIFIDE que não foram deduzidos à coleta de IRC (a qual inclui o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma), referentes ao exercício de 2012, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 24 de junho de 2013, até integral reembolso.
O n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê que:
«[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Conforme escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).
A lei determina ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que:
«A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08,
«Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória».
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), «[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos».
No presente processo, a requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade da (auto)liquidação de IRC em crise, a requerente tem direito não só ao respetivo reembolso mas, também, a juros indemnizatórios. Juros estes calculados sobre o valor de € 35 336,16, indevidamente pago, contados desde esta data, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido arbitral de declaração da ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012, objeto de impugnação, com a sua consequente anulação;
b) Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, com a sua consequente anulação;
c) Julgar procedente o pedido de reembolso do montante de € 35 336,16, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do respetivo pagamento, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa--se ao processo o valor de € 35 336,16.
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de maio de 2017
O Árbitro
Paulo Nogueira da Costa
[1] Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra. Almedina, 2016, p. 97.
[3] “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra, Almedina, p. 121.
[6] No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2015 pode ler-se o seguinte:
«a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas).
[…]
Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas.»
[7] Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 202-203.
[9] À data dos factos, artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (cfr. o seu artigo 133.º) para vigorar até 2015 como SIFIDE II, por sua vez alterado já pela Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (cfr. os seus artigos 163.º e 164.º) vertido entretanto para os artigos 33.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, e alterado pela Lei n.º 83-C/2013 de (cfr. os seus artigo 211.º e 212.º) que, entre outras alterações, prorrogou a vigência do SIFIDE II até 2020.
[10] O Direito. Introdução e teoria geral, 13.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009.