Acordam os Árbitros José Poças Falcão, António Alberto Franco e Nuno de Oliveira Garcia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, NIF…, residente na Rua…, …, …-… …, apresentou, em 14-06-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS com os n.º 2016… e respectivas demonstrações de acerto de contas e juros compensatórios, relativa ao ano 2011, e n.º 2016 … e respectivas demonstrações de acerto de contas e juros compensatórios, relativa ao ano 2012.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-07-2016.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 16-08-2016 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 02-09-2016.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
Foi-lhe aberto pela Autoridade Tributária um procedimento inspectivo externo, realizado ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2015…e OI2015… da Direcção de Finanças de Santarém, visando os exercícios de 2011 e 2012.
Na sequência de tal procedimento foram-lhe efectuadas liquidações de IVA e de IRS, sendo que as relativas a 2011 foram objecto de notificação pessoal.
A natureza receptícia do ato tributário, enquanto ato administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
Nos termos dos nºs 2 e 3 do Art.º 149º do CIRS as notificações a que se refere o Art. 66º daquele código (os actos de fixação ou alteração previstos no Art.º 65º), quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção e as restantes devem ser feitas por carta registada, e nos termos do nº 3 do art.º 38º do CPPT, as notificações não abrangidas pelo nº 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.
Conclui-se pois que, tratando-se de liquidações oficiosas relativas ao ano 2011, que “decorre de correcções resultantes de procedimentos inspectivo externos” a forma válida de notificação, tendo sido instruído o respectivo procedimento de audição prévia, será a carta registada. O legislador elegeu três formas distintas de notificação : i) notificação por carta registada com aviso de recepção (n.º 1 do Art.º 38.º CPPT); ii) notificação por carta registada (nas situações previstas no n.º 3 do Art.º 38.º CPPT); iii) e a notificação por simples via postal (nas situações do n.º 4 do Art.º 38.º CPPT). A utilização destas formas de notificação é obrigatória para a AT, não podendo esta optar por outras modalidades de notificação, excepto em casos devidamente justificados, que garantam a fiabilidade e a segurança da notificação (como seja, por exemplo, a notificação pessoal do interessado no Serviço de Finanças).
Considerando que a Impugnante foi notificada através de carta registada com aviso de receção para exercer o seu direito de audição prévia quanto ao projeto de decisão da AT no sentido de proceder à fixação do seu rendimento líquido global, motivada por correcções decorrentes de acção de fiscalização externa, deveriam o relatório final e as liquidações adicionais em causa ter sido notificadas à Impugnante através de carta registada (cf. n.º 2 do artigo 38.º do CPPT). O que não sucedeu.
A AT optou antes pela notificação através de contacto pessoal com a Impugnante, in casu, a notificação com hora certa. Ora a notificação através de contacto pessoal com a Impugnante apenas seria admissível se a AT o entendesse necessário (cf. n.º 5 do artigo 38.º do CPPT), de modo a assegurar a efetiva notificação do Impugnante. Contudo, não resulta dos motivos alegados no mandado para notificação qual a concreta razão pela qual a AT entendeu necessário efetuar a notificação pessoal da impugnante nos termos em que foi realizada.
Conclui, por isso, que as notificações, quer do relatório final dos serviços de fiscalização, quer das liquidações manuais adicionais, realizadas é ilegal, por violação do disposto, designadamente no artigo 38.º do CPPT.
Sustenta que a falta de notificação da liquidação antes de terminado o prazo de caducidade constitui também fundamento de impugnação judicial por implicar ilegalidade superveniente do ato de liquidação, havendo, por isso, uma dupla possibilidade de invocação da falta da notificação à face do artigo 45.º , n.º 1 da LGT.
Acresce que o relatório notificado ao sujeito passivo, não cumpre na totalidade o disposto no n.º 3 do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, incorrendo inclusive, em vícios formais que, na óptica da Impugnante, colocam em causa todo o procedimento.
No que respeita às correcções resultantes do procedimento de inspecção, afirma que o subsídio relativo ao Projecto nº 2002…, que se iniciou em 2002, e decorria pelo período de 10 anos, com a mudança de regime do sujeito passivo do regime geral (2009) para o regime simplificado (2010) deveria, no limite, ter sido tributado em 2009 ou 2010 (Cfr. Art.º 36.º-A do CIRS.); não o foram nesses exercícios, mas foram-no posteriormente, nas declarações de IRS dos anos 2012 e 2013. Por outro lado, os exercícios de 2009 e 2010 estavam fora da alçada da acção inspectiva, porquanto se encontrava inclusivamente ultrapassado o prazo de caducidade da respectiva liquidação (Cfr. Art.º 45.º LGT).
No que tange aos subsídios relativos ao exercício de 2012, refere o relatório final Ponto III.3.1 – Doc. 14 que “Em 31/12/2012, a conta 59.3 – Outras variações de capital próprio – subsídios e doações, apresentava um saldo credor de € 224.016,96. Deste valor o sujeito passivo considerou para efeitos de apuramento do resultado do exercício, na conta 78.8.3 – imputação de subsídios para investimentos - o montante de € 44.803,35”. Este montante apurado pelo sujeito passivo, resulta do somatório de € 10,928,11 do projecto 2002… IFAP, € 3.125,70 da Operação …, € 632,40 da Operação …, € 2.901,67 da Operação…, € 27.161,47 da Operação…, de onde se obtém o total de € 44.749,35, desprezando o erro de contabilização de € 54,00 em desfavor da Impugnante.
Ora o valor declarado pelo Impugnante corresponde efectivamente a 1/5 (Art.º 31.º, n.º 7 CIRS) de € 164.145,40 (sendo € 73.438,44 de recebimentos de subsídio ao investimento no ano 2011, e € 90,706,99 de recebimentos de subsídios ao investimento no ano 2012). Acresce que o valor dos subsídios ao investimento no ano 2012 (Quadro XIX, fls. 33 relatório final) lavra em erro, porquanto o somatório daquele Quadro XIX deveria ser € 90.706,99, e não € 90.074,60.
É falso que o sujeito passivo tenho referido que em 2012 apenas foram tributados os subsídios ao investimento e à exploração constante da informação do IFAP, bem assim é falso que o sujeito passivo tenha omitido em direito de audição a quota-parte da amortização que foi objecto de tributação, até porque os respectivos valores constam de documentos oficiais do IFAP entregues os serviços de fiscalização, e bem assim estavam à disposição da AT junto daquela entidade.
O sujeito passivo, no total, declarou rendimentos e pagou IRS, relativamente aos projectos em causa, no exercício de 2013 (não objecto de fiscalização), sobre um rendimento € 232.526,50 (sendo a matéria tributável 75% deste valor), sendo que os subsídios ao investimento recebidos foram inclusivamente inferiores a esse valor : € 219.873,00. Por tal motivo, a correcção efectuada quanto a este exercício de 2012 gera, por esta via, duplicação de colecta.
A Impugnante esteve enquadrada em IRS, no regime geral (Organizada), por opção, de 2007 a 2009 e no ano de 2011 e no regime simplificado no ano de 2010 e 2012, como resulta dos n.º 2 e 4 do art. 28º do CIRS.
Ora, os subsídios ao investimento foram corretamente tributados em virtude de os projetos de investimento ainda se encontrarem em fase de execução, e segundo as normas do SNC, só existe lugar a tributação dos subsídios ao investimento após existir a segurança que os projectos de investimento se encontram em perfeitas condições de elegibilidade. Os subsídios à exploração existentes, e relativamente aos projectos que os tiveram – que não os mencionados no projecto de relatório - nos anos de 2011 e 2012, foram contabilizados e declarados. Os rendimentos provenientes de subsídios ao investimento jamais poderão ser considerados com auferidos no exercício de 2011, porquanto os projectos estavam em curso, e só vieram a ser finalizados nos exercícios de 2012 e 2013, tendo sido nesses exercícios que foram declarados e tributados.
Por outro lado, mesmo que não houvessem sido declarados e tributados tais rendimentos, é notório que a AT considerou, como se infere do relatório final que baseou a liquidação, apenas o rendimento auferido, tendo havido desconsideração do balanceamento deste com os custos incorridos.
A imputar-se a parte de tais subsídios ao último exercício de aplicação da regime de contabilidade organizada, tal imputação, quanto ao subsídio ao investimento do projecto 2002…, haveria de ser feita ao exercício de 2009 (contabilidade organizada) e não ao ano 2011; quanto aos restantes subsídios, a imputação foi correctamente efectuada no exercício de 2012, momento em que foram concluídos.
A proceder de acordo com a liquidação e respectivas bases preconizadas pela AT – aliás contrárias às normas do At.º 36-ºA CIRS e 22.º CIRC, e por isso ilegais – o sujeito passivo jamais pode efectuar o balanceamento faseado das despesas.
O financiamento a que recorreu foi, sem dúvida alguma, obtido a título empresarial, e por sinal a uma taxa de juro e spread bastante favoráveis, numa altura em que poucos ou nenhuns bancos efectuavam financiamentos, tendo um spread anual, de 2% no ano 2011 (1% após aplicações), em que os bancos não financiavam as empresas, por falta de liquidez, e as aplicações conexas exigidas serviram de garantia para o aludido spread muito abaixo dos valores de mercado desse ano. O contrato de financiamento no montante de € 500.000,00 euros, tem como condição bancária, a subscrição de uma aplicação de € 150.000,00, como vem descrito na primeira página do contrato.
A propósito da imputação que é feita à Impugnante de não ter uma conta afecta aos movimentos da actividade, em suposta violação do Art.º 63.º-C LGT, cumpre esclarecer que nenhum dos subsídios foi recebido através da conta do B…, da mesma forma que nenhum dos pagamentos das despesas de investimento foi efectuado através daquela conta, apenas porque tais pagamentos tinham, forçosamente, que possuir uma conta bancária afecta, por exigência do IFAP – in casu a conta do C… PT50 …– sendo a única conta que podia ser movimentada entre o sujeito passivo e os seus fornecedores. Note-se que o sujeito passivo da conta nº …, afecta à actividade, no ano de 2011, efectuou a débito movimentos empresariais de € 650.818,27, os quais superam, e em muito, os € 500.000,00 mutuados.
O sujeito passivo, além de um tractor agrícola, tem, no exercício de 2011, uma única viatura afecta à actividade – o …-… -… . Ora, sendo o tractor impedido pelo direito estradal de circular na autoestada, não se vislumbra por que motivo não são considerados os gastos com portagens efectivamente incorridos pelo sujeito passivo na circulação com o …-… -…. O facto de os talões não possuírem matrícula do veículo tem uma explicação lógica e que decorre desde logo do senso comum: os sistemas de identificação de via verde pura e simplesmente têm avarias, motivo pelo qual, pode, na pendência de tal avaria, o sujeito passivo utilizar a portagem manual, sendo certo que os talões emitidos não contemplam o averbamento da matrícula do veículo, como aliás é consabido por qualquer utilizador. A tudo isto acresce que no exercício do ano 2011, o sujeito passivo tinha domicílio fiscal em Lisboa, pelo que, nenhuma estranheza se encontra no facto de as portagens terem como origem e destino diversos pontos do território nacional.
Quanto às refeições, não conhece o sujeito passivo qual o estabelecimento de restauração que emita facturas individuais a todos e cada um dos intervenientes em refeições, nem que discrimine os seus nomes, identificação fiscal e menu escolhido.
Entende a Impugnante que a indispensabilidade dos custos incorridos ficou mais do que demonstrada, pois que em parte alguma a AT logrou demonstrar que os mesmos não de destinam ou destinaram à obtenção de rendimento.
A zona de caça turística faz parte da atividade do sujeito passivo; uma vez obtida a concessão – pelo período de 10 anos - e paga a respectiva taxa, é a única forma que o sujeito passivo tem de poder efectivamente exercer a actividade. Saber se a exerceu ou não, ou quais os motivos que justificam uma ou outra situação, já será uma questão do domínio da futurologia, pois não foi possível vender caça no ano de 2011, o que não significa a sua inutilidade da concessão e respectiva taxa para a atividade.
Os fundamentos para a desconsideração dos encargos, suporta-os a AT na circunstância de as respetivas faturas de suporte não conterem a identificação da matrícula da viatura. Ora, o Código do IRC não tem qualquer disposição legal que obrigue a esta indicação (cfr a contrario, n.º 4 do Art.º 23.CIRC). Mais há mais; com efeito, para sustentar a correção a AT procede à aplicação da alínea j) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, sendo de notar que, desta forma, a AT aplica a rendimentos dos exercícios de 2011 e 2012, uma norma que só entrou em vigor em 2014.
O sujeito passivo, aquando da resposta aos esclarecimentos que efectuou, utilizou a expressão “despesas não documentadas” em sentido comum e não em sentido técnico, como aliás se alcança com uma interpretação distraída do que ficou escrito. O sentido da expressão pretendeu ilustrar a inexistência de documentos para os aludidos movimentos bancários, ora porque se trataram de despesas pessoais do sujeito passivo, ora porque se trataram de despesas da vida corrente e não da vida empresarial.
De uma coisa não tem o sujeito passivo dúvidas: os movimentos bancários efectuados foram-no a título pessoal, no já longínquo ano de 2011, e tais movimentos não foram levados a custos da actividade empresarial. Não sendo custos e não tendo qualquer interferência na determinação do lucro tributável, os mesmos não têm sequer que ser justificados, nem à Administração Tributária, nem a ninguém. As despesas particulares do empresário suportadas pela empresa não estão afectas ao processo produtivo desta, pelo que não são gastos dedutíveis para efeitos de IRC. Não se tratando de um encargo contabilizado como gasto do período de tributação (ver ponto 2, 3 e 5), não está em causa a sua dedução para efeitos de determinação do lucro tributável da empresa, nem, obviamente, a sua tributação autónoma (artigo 23.º-A e 88.º do CIRC).
Esses movimentos não podem ser considerados despesas não documentadas e/ou confidenciais e sujeitos a tributação autónoma - mesmo se a tributação for pelo no regime simplificado – porquanto embora a conta bancária da empresa apenas dever registar pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial (n.º 1 do art.º 63º-C da LGT), a situação em apreço em nada interfere na estrutura de gastos da empresa e, como tal, nunca estaremos perante despesas não documentadas.
Conclui, assim, a Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
Por excepção, alegou a existência de erro na forma de processo e/ou da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da falta da notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação. Com efeito, sustenta que, contrariamente ao que a requerente defende, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é unicamente fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
Donde, no caso, invocando a requerente que não houve qualquer notificação das liquidações e “como decorreu já o prazo de caducidade do direito de liquidação em que a notificação tem de ser efectuada”, quando foram instaurados os processos de execução fiscal, o acto de liquidação era ineficaz, logo, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal que, nos termos da jurisprudência citada, se não for enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT será seguramente enquadrável na alínea i) do mesmo n.º 1. Pelo que, sendo certo que a requerente devia ter recorrido ao processo de oposição à execução fiscal para invocar a falta de notificação das liquidações que deram origem ao processo de execução fiscal, não lhe era legítimo recorrer à presente jurisdição arbitral, por não se inserir competências deste a apreciação do pedido de declaração de ineficácia da liquidação, por a liquidação enfermar do vício de caducidade do direito de liquidação.
Por impugnação, defendeu-se nos seguintes termos:
A opção pela notificação pessoal foi feita ao abrigo do nº 5 do art. 38º do CPPT pela entidade responsável pelo procedimento e dentro do seu poder discricionário atenta a consideração de que tal forma de notificação seria a que melhores garantias oferecia para que a ora requerente tomasse conhecimento do Relatório e das liquidações de imposto.
No caso concreto, a AT respeitou todas as formalidades prescritas na lei.
No decurso do procedimento inspectivo, apuraram os serviços que em 31-12-2011, a conta 59.3 – Outras Variações no capital próprio – Subsídios e doações, apresentava um saldo credor de €128.375,97, sendo que na sub-conta 59.3.01 – Subsídio Projecto nº 2002… encontra-se incluído o valor de € 54.910,53, respeitante a um projecto que o sujeito passivo nunca chegou a identificar e que nunca foi tributado nos termos do artigo 22º do CIRC por remissão do artigo 32º do CIRS.
O artigo 36º-A do CIRS estipula que, cessando a determinação do rendimento tributável com base na contabilidade, no decurso do período estabelecido no artigo 22º do CIRC (subsídios relacionados com activos não correntes), a parte dos subsídios ainda não tributada será imputada, ao último exercício de aplicação daquele regime.
Por ter a requerente incorrido em infracção ao artigo 36º - A do CIRS procedeu-se à tributação do montante de € 128.375,97, que corresponde aos subsídios ao investimento recebidos até 31-12-2011, evidenciados na conta 59.3.
No que diz respeito ao ano de 2012, em que a Requerente se encontrava enquadrada no regime simplificado, apuraram os SIT que em 31-12-2012 a conta 59.3 – Outras Variações no capital próprio – Subsídios e doações, apresentava um saldo credor de € 224.016,96. Durante esse exercício foram recebidos diversos apoios financeiros a título de subsídios ao investimento, cuja tributação obedece às regras do nº 7 do artigo 31º do CIRS.
Da conjugação dos artigos 31º, n.º 7 do CIRS e 22º do CIRC, resulta, sem margem para dúvidas que a tributação não está dependente da entrada em funcionamento do equipamento financiado, a ocorrer à saída do regime de contabilidade organizada para outro regime de tributação. Estipula o artigo 37.º do CIRS que, os subsídios ou subvenções não destinados à exploração serão considerados, para efeitos da determinação do rendimento tributável no regime simplificado, em fracções iguais, durante cinco anos, sendo o primeiro o do recebimento do subsídio.
Contrariamente ao invocado pela requerente, está bem patente no RIT a razão e a fundamentação da não consideração do custo com juros de financiamento como enquadrável no art. 23º do CIRC. Efectivamente, resulta da factualidade aí descrita que na conta 79.1.1 se encontrava evidenciado um saldo credor de €12.280,58 à data de 31/12/11 que diz respeito ao reconhecimento contabilístico de rendimentos de capitais resultantes das aplicações financeiras feitas pelo sujeito passivo, que se encontra evidenciada na conta 14.2.1.2.3 – Obrigações e títulos de participação – outras empresas pelo montante de €150.000 e conta 14.2.1.3.1 – Títulos de dívida pública – Luxemburgo pela importância de €200.000.
Dos documentos entregues pela requerente, em sede inspectiva, não foi possível depreender qual era a finalidade do financiamento, pois que, a única referência a esse empréstimo consta da carta enviada à requerente pelo B…, a comunicar a aprovação do financiamento obtido, cfr. anexo 3, fls 5 ao RIT.
Tal factualidade demonstra a fundada dúvida, por parte da AT, de que o financiamento contraído não se destinou a financiar a exploração silvícola e agrícola, mas antes, foi efectuado a título particular ou pessoal e se destinou a adquirir instrumentos financeiros que, como é óbvio, são alheios à actividade do sujeito passivo. Ora, a requerente face a esta fundada dúvida da AT não conseguiu demonstrar a indispensabilidade do custo (e impendia sobre a mesma o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário).
Dos documentos de suporte apresentados, resulta a existência de vários recibos de portagens, cuja matrícula não se encontra identificada, bem como, recibos mensais emitidos pela …, respeitante a gastos com portagens, cujo identificador se encontra associado a um veículo com a matrícula …-… -….
Deste modo, apenas foram aceites os gastos com a viatura …-… -… e que foram facturados mensalmente pela…, atento o facto de que a requerente só pode ter uma viatura motorizada afecta ao exercício da actividade exercida como titular de rendimentos da categoria B, cfr. nº 2 do art. 33º do CIRS e que, para que os encargos sejam aceites como gasto fiscal é necessário que se verifiquem 3 requisitos: a comprovação, a indispensabilidade e a ligação a rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto. E, mais uma vez, a requerente face a esta fundada dúvida da AT, não conseguiu demonstrar a indispensabilidade do custo.
O mesmo se passando, mutatis mutandi relativamente aos gastos com refeições, não tendo a requerente, face à fundada dúvida da AT, sido capaz de demonstrar a indispensabilidade de tais custos.
A requerente encontra-se colectada para o exercício da actividade secundária de serviços relacionados com a caça, a que corresponde o CAE 01902, no entanto não demonstrou que alguma vez tivesse exercido tal actividade secundária. Deste modo, resulta que não houve, quer em 2011 quer em anos anteriores, qualquer rendimento proveniente da exploração do espaço de concessão de caça, em relação ao qual a requerente incorreu no custo, pelo que, o mesmo não contribuiu para a obtenção dos ganhos sujeitos a imposto. Logo, sempre faltou a motivação última de que cada custo se deve revestir, que é a da contribuição para a obtenção do lucro da empresa.
Uma despesa realizada por uma empresa, para ser fiscalmente relevante, atendendo à sua indispensabilidade, tem de ser potencialmente apta a proporcionar proveitos ou ganhos independentemente do resultado que em concreto proporcionam e, no caso concreto, a ora Requerente tinha perfeito e pleno conhecimento que essa potencialidade não existia, até porque o admitiu expressamente perante a AT.
As razões que levaram a AT a desconsiderar os gastos efectuados com a aquisição de gasóleo são as mesmas que levaram à desconsideração dos gastos com portagens e refeições.
Nos termos do nº 1 do artigo 63º - C da Lei Geral Tributária estão os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham de contabilidade organizada, obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e os recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida.
Analisados os registos contabilísticos destas contas, verificou-se que a conta do B… foi utilizada não só para registar movimentos bancários relativos a financiamentos obtidos, como a movimentos relacionados com aplicações financeiras de que a Requerente é detentora, sendo a conta do C… utilizada essencialmente para registar os movimentos bancários respeitantes à actividade empresarial.
Analisados os documentos de suporte aos registos contabilísticos efectuados nas duas contas, constatou-se a existência de muitos pagamentos, alguns a beneficiários sem qualquer identificação, e, outros a pessoas em cujos meios de pagamento são mencionados apenas os dois primeiros nomes.
Cumpridas as prerrogativas de que goza a Administração Tributária, e, face à impossibilidade de determinar a veracidade dos factos registados na contabilidade do sujeito passivo, apenas se pode concluir que, as saídas de meios monetários de contas bancárias afectas à actividade empresarial do sujeito passivo, por não se encontrarem documentadas, tendo este admitido tratarem-se de despesas não documentadas, enquadram-se no conceito de despesa não documentada prevista no nº 1 do artigo 73º do CIRS.
Assim, considerando que o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 63º- C da Lei Geral Tributária, procedeu-se à tributação autónoma em sede de IRS, à taxa de 50%, das despesas não documentadas efectuadas pela Requerente que possui contabilidade organizada, nos termos do nº 1 do artigo 73º do CIRS, e, em relação às quais não só não foi identificado o encargo, como não foram apresentadas facturas ou qualquer outro documento emitido de forma legal, justificativos dos pagamentos realizados, nem identificados os respectivos beneficiários.
Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação de imposto do selo contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 06-02-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT.
7. As Partes apresentaram alegações, tendo mantido as posições vertidas nos respectivos articulados.
II – Saneamento
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. A Requerente suscitou a excepção de erro na forma de processo e/ou incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da falta da notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação.
Apreciando tal excepção:
A Requerente pretende ver declarada a nulidade da notificação da liquidação de IRS relativa ao ano de 2011 por aquela ter ocorrido quando já havia decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação.
Segundo a Requerida, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é, por imposição da alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, unicamente fundamento de oposição à execução fiscal, atendendo a que apenas está em causa um pedido de declaração de ineficácia da liquidação, matéria que estaria subtraída à competência material do Tribunal Arbitral.
Em defesa da sua tese invoca o decidido pelo STA, através do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 18/09/2013, proferido no Proc. n.º 0578/13.
Decidindo a excepção:
Certo que se encontra firmada a orientação jurisprudencial no sentido de que a ausência de notificação do ato de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse ato tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.
Com efeito, é esta a a orientação seguida, v. g., nos acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário em 2/02/2011, no processo nº 0803/10, em 28/09/2011, no processo nº 0473/11, em 20/06/2012, no processo nº 0378/12, em 26/09/2012, no processo nº 0251/12, todos em consonância, de resto, com a jurisprudência contida no acórdão proferido pelo Pleno da Secção em 7/07/2010, no processo nº 0545/09, que subscreve, por sua vez, a fundamentação vertida no acórdão igualmente proferido pelo Pleno em 20/01/2010, no processo nº 0832/08.
Este entendimento não contende com um outro traduzido na possibilidade de dedução de impugnação judicial com fundamento em ilegalidade do ato de liquidação, tal como, aliás, o aresto do STA (Pleno) citado pela Requerente [de 18-9-2013 – Proc nº 0578/13) defende.
E, nesta mesma linha, vão os acs. do STA (Pleno) de 20-1-2010 [Proc nº 832/08] e de 7-7-2010 [Proc nº 545/09].
Concretizando: ao contribuinte não é vedado deduzir impugnação judicial (ou pedido de pronúncia arbitral) com aquele fundamento. E tal resulta mesmo do sobredito acórdão citado pela Requerente (Ac. do STA de 18-9-2013, proferido no Proc nº 0578/13) quando, àquela conclusão, acrescenta: “independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial. É, alíás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 204º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal]”.
Na mesma linha se pronunciou o STA em decisões mais recentes – vide Acórdãos de 18-06-2014 no Proc. 0344/13 e de 27-10-2016 – Proc. 09810 – dizendo-se no de 18-06-2014 que “À semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta e a duplicação de colecta, também a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício invocável tanto em sede de oposição à execução fiscal como em sede de impugnação judicial, não ocorrendo, pois, erro na forma do processo se invocado em impugnação”.
Igual entendimento foi também seguido nas decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD nos Processos n.º 725/2014-T e 126/2012-T.
Assim é que aderindo aos fundamentos constantes das várias decisões indicadas declara-se improcedente a excepção invocada.
Não há outras questões ou excepções a apreciar que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra conhecer.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
9. Matéria de facto
9.1. Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) A Requerente foi alvo de procedimento inspectivo externo, realizado ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2015… e OI2015… da Direcção de Finanças de Santarém, visando os exercícios de 2011 e 2012.
b) Em 29/12/2015 foi emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de … mandado de notificação nos seguintes termos:
- “Mando aos funcionários Sra. D…, Func. … e Sr. E…, Func. … que, nos termos e com as formalidades legais, procedam à notificação pessoal do sujeito passivo abaixo identificado:
Sujeito Passivo: A…
NIF/NIPC: …
Domicílio Fiscal: Rua…, …
…-… …
Das liquidações manuais e respectivos juros compensatórios, apurados em resultado da ação inspetiva realizada ao ano de 2011 (Ordem de Serviço OI215…), com a seguinte identificação (…)”.
c) Os funcionários identificados elaboraram, em 29/12/2015, nota de citação com o seguinte teor:
- “Certifico que hoje, 29 de Dezembro de 2015, pelas 16h 30m, tendo-me deslocado Rua…, n.º…, …, a fim de notificar da liquidação de IRS e de IVA, exercício 2011, sujeito passivo A…, NIF…, não pude levar a efeito essa diligência, em virtude de não ter encontrado no lugar indicado qualquer administrador/gerente/representante do sujeito passivo.
Por este motivo deixo-lhe afixado a indicação de Hora Certa, nos termos do disposto no artigo 240º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ficando desse modo avisado(a) que no próximo dia 30/12/2015, pelas 16h30m será contactado(a) neste local, para levar a efeito o procedimento que hoje me propunha fazer.
Ficando assim avisado(a) que, se no dia acima designado não se encontrar presente, a notificação pessoal será feita em qualquer pessoa que seja capaz de transmitir os termos do acto (art. 240º, n.º 2 do CPC). Caso não seja possível a colaboração de terceiros, a notificação será efectuada por afixação (art. 240º, n.º 4, do CPC”.
d) No dia 30/12/2015, foi afixada no n.º… da Rua …, n.º…, na …, certidão de verificação de hora certa, com menção ao facto de a notificação se considerar feita nos termos do Art.º 240.º CPC, e de que as liquidações de IRS, IVA e juros compensatórios resultantes de acção inspectiva do exercício de 2011 ficavam à disposição da Impugnante no Serviço de Finanças da … .
e) Em 4/1/2016, foi remetido à Requerente o Ofício n.º … da Divisão de Inspecção Tributária…, da Direcção de Finanças de Santarém, por ela recebida em 15/1/2016, com o seguinte teor:
- “Comunicação nos termos Art.º 233-º do Código de Processo Civil”, no qual se afirma que “se procedeu à sua notificação, nos termos do n.º 3 do Art.º 232.º do Código de Processo Civil, no dia 30 de Dezembro de 2015, do Relatório de Inspecção Tributária respeitante aos exercícios de 2011 e 2012 ao abrigo das OI2015… e OI2015…, encontrando-se os elementos à sua disposição na Direcção de Finanças de Santarém, sita na …, em Santarém.
Para que façam, integrantes deste ofício juntam-se em anexo
- Fotocópia do Ofício n.º … de 28/12/2015
- Fotocópia da Nota de Marcação de Hora Certa
- Fotocópia da Certidão de Verificação de Hora Certa”.
f) As notas de liquidações impugnadas foram recebidas na Caixa Postal Eletrónica (Via CTT) da Requerente em 13/1/2016.
g) A Requerente recebeu pessoalmente no Serviço de Finanças da…, em 13-1-2016, as liquidações manuais de IRS, IVA e juros compensatórios, tendo então assinado “Auto de Entrega de Documentos”.
h) A Requerente encontra-se registada no serviço de finanças da…, desde 18/04/1998, para o exercício da actividade principal de silvicultura e outras actividades florestais e, como actividade secundária, serviços relacionados com caça e repovoamento cinegético, a que correspondem os CAE 2100 e 1702.
i) Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, encontrava-se enquadrada no regime geral de tributação previsto no artigo 28º do CIRS, tendo optado pela aplicação do regime de contabilidade organizada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, regime em que esteve enquadrada até 31/12/2011 e, novamente, após 01/01/2014.
j) No período compreendido entre 01/01/2012 e 31/12/2013 esteve enquadrada no regime simplificado de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do nº 2 do artigo 28º do CIRS.
k) No que respeita a Imposto sobre o Valor Acrescentado é sujeito passivo não isento.
l) Na sequência do procedimento de inspeção, entenderam os serviços de inspecção tributária ser devidas correcções, no âmbito do IRS, por entenderem terem ocorrido situações de dedução indevida de gastos não aceites fiscalmente em sede de IRS, assim como a falta de tributação de subsídios ao investimento em 2011 e 2012, os quais determinaram correcções ao prejuízo fiscal declarado nos seguintes termos:
m) A Requerente tinha em vigor, nos exercícios de 2011 e 2012, os seguintes projectos de investimento:
I - Subsidios à exploração: operações com pagamento de prémios atribuídos por perda de rendimento
Operação…– Ordenamento e Recuperação de Povoamentos
Operação … – Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal – Acção Ordenamento e Recuperação de Povoamento
II- Subsídios ao investimento: operações com pagamento de subsídios
Operação … – Promoção da Competitividade Florestal – Acção Melhoria Produtiva dos Povoamentos
Operação … – Promoção da Competitividade Florestal – Acção Melhoria Produtiva dos Povoamentos
Operação … – Promoção da Competitividade Florestal – Acção Melhoria Produtiva dos Povoamentos.
n) A contabilidade da Requerente apresentava, em 31/12/2011, na “Conta 59.3 – Outras Variações no capital próprio – Subsídios e Doações”, um saldo credor de 128.375,97 €.
o) Naquele saldo encontrava-se incluído o valor de 54.910,53 €, espelhado na sub-conta 59.3.01 – Subsídio Projecto nº 2002… .
p) A contabilidade da Requerente apresentava, em 31/12/2012, na mesma “Conta 59.3 – Outras Variações no capital próprio – Subsídios e Doações”, um saldo credor de 224.016,96 €.
q) Os subsídios ao investimento obtidos pela Requerente no ano de 2012, ascenderam ao valor global de 90.706,99 €, repartido pelos seguintes projectos:
- Operação n.º…: 86.404,99 €
- Operação n.º…: 632,39 €
- Operação n.º…: 3.669,61 €
r) A Requerente reconheceu, no exercício de 2012, na “Conta 78.8.3 – Imputação de subsídios para investimentos”, o montante de 44.803,35 € quando o valor dos subsídios a tributar deveria ser de apenas 18.141,40.
s) A Requerente celebrou, em 20/12/2010, um contrato de financiamento com o B… no montante de 500.000,00 €, pelo prazo de 84 meses, o qual foi creditado na conta B… …, tendo prestado as seguintes garantias:
- Hipoteca a favor do B… Portugal sobre a fracção autónoma sita na Av. …, nº…, Bloco…, …, fracção “AL”, em Lisboa, propriedade de F…;
- Penhor de obrigações Notes B… Rendimento … 4ª versão, no montante de 150.000,00 €;
- Livrança subscrita pela Requerente.
t) Em 29/12/2010, a Requerente subscreveu operação de compra, através da ordem de bolsa n.º…, no mercado do Luxemburgo, de “Obrigações Notes B… …”, no valor de 150.000.00 €, debitado na conta B… … .
u) Em 26-01-2011 foi efectuada uma transferência da mesma conta bancária no valor de 464.000,00 €.
v) Além de um tractor agrícola, a Requerente tinha afecta à sua actividade a viatura automóvel com a matrícula …-… -…, cuja matrícula estava associada a identificador Via Verde.
w) A Requerente efectuou diversos pagamentos através das duas contas bancárias reflectidas no balancete analítico de 2011, a beneficiários sem qualquer identificação ou, a outros, com mera indicação dos dois primeiros nomes, os quais não foram realizados com qualquer justificação empresarial.
9.2. Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada teve em consideração as posições assumidas pelas partes nos articulados e assentou no exame crítico da prova documental, bem como do processo administrativo junto aos autos.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
São imputados aos actos tributários vícios de vária ordem que se apreciarão em observância do disposto no art. 124º do CPPT.
A – DA NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO E DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO RELATIVA A 2011
Pretende a Requerente que seja declarada a nulidade da notificação da liquidação relativa a 2011 por não ter sido observado o disposto no art. 38º do CPPT.
Com efeito, defende que, por estar em causa uma liquidação decorrente de acção de inspecção instruída com o procedimento de audição prévia, a respectiva notificação teria de ser necessariamente efectuada através de carta registada, por imposição do n.º 3 daquele preceito. Aliás, estaria vedado à AT o recurso a outra forma de notificação, designadamente pessoal, uma vez que, de acordo com o n.º 5 do mesmo artigo, as notificações apenas “serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder entender necessário”.
Ora, de acordo com a Requerente, a notificação pessoal não poderia ter ocorrido, desde logo por não resultar do mandado para tal notificação os motivos para a sua realização.
Não assiste, contudo, razão à Requerente, uma vez que a opção pela AT da notificação pessoal do acto de liquidação está prevista na lei e resulta dos seus poderes discricionários.
Como se diz no Acórdão do STA de 21-09-2011, no Proc. 0305/11 “A liquidação adicional de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de recepção … mas a entidade que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda a notificação pessoal quando o entender necessário. A escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária, para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado e não há falta de notificação quando tal escolha é feita sem a indicação da necessidade específica ou concreta que se pretende atingir” (sublinhado nosso).
No caso em apreço a AT optou pela concretização da notificação do acto de liquidação através de notificação pessoal, tendo observado as formalidades previstas no Código do Processo Civil, sendo certo que, para além da liminar rejeição dessa forma de notificação, nenhuma preterição de formalidade invocou a Requerente quanto à sua perfeição.
Observadas que foram as formalidades legais, a notificação do acto de liquidação de IRS de 2011 ocorreu na data em que foi afixada a nota a que se refere o n.º 3 do art. 240º do CPC, ou seja, em 30 de Dezembro de 2015 (ver Acórdão do STA de 31-01-2012, no Proc. 0674/11).
Não tendo ainda ocorrido, nessa data, o prazo de caducidade do direito de liquidação.
B – PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS – ASPECTOS FORMAIS DO RELATÓRIO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Sem necessidade de grandes considerações, dir-se-á que não se vislumbram que vícios formais pretende a Requerente extrair do relatório de inspecção.
É que, como a Requerente reconhece, do relatório constam os motivos pelos quais foi aberto o procedimento inspectivo (pese embora possa não concordar com os mesmos) e foram observadas todas as formalidades tendo em vista a prorrogação do prazo da sua conclusão.
Isto pese embora reconheça que tal prorrogação não veio a revelar-se necessária, assumindo que a acção inspectiva foi concluída dentro do prazo legal inicial, traduzindo-se, por isso, o despacho de prorrogação num “acto inconsequente e desnecessário”.
Não se descortinando que daí resulte qualquer vício que possa inquinar o relatório de inspecção.
B – DAS CORRECÇÕES AO RENDIMENTO COLECTÁVEL
B.1 – SUBSÍDIOS AO INVESTIMENTO NÃO TRIBUTADOS 2011
A Requerente esteve enquadrada no regime de contabilidade organizada até 31-12-2011. (fazendo esta uma incorrecta interpretação a este propósito do art. 28º do CIRS).
Será assim de aplicar o disposto no art. 36º-A do CIRS, quando estabelece que “cessando a determinação do rendimento tributável com base na contabilidade no decurso do período estabelecido no artigo 22.º do Código do IRC, a parte dos subsídios ainda não tributada será imputada, para efeitos de tributação, ao último exercício de aplicação daquele regime”, sendo, por isso, devida a correcção efectuada nesta matéria.
B.2 – SUBSÍDIOS AO INVESTIMENTO NÃO TRIBUTADOS 2012
Estando a Requerente já incluída no regime simplificado – reitera-se que esteve enquadrada no regime de contabilidade organizada até 31-12-2011 - aplicar-se-á, no que respeita a subsídios, o disposto no n.º 7 do art. 31º do CIRS, que impõe, para efeitos de determinação do rendimento tributável, que os subsídios devem ser considerados em fracções iguais, durante cinco exercícios, sendo o primeiro o do recebimento, sendo, por isso, correcta a correcção efectuada pela AT.
Quer num caso, quer noutro, não caberá neste processo aferir se existirá duplicação de colecta pelo facto de a Requerente ter sido posteriormente tributada, relativamente aos mesmos subsídios, por os ter incluído nas declarações de rendimentos de anos subsequentes. Competir-lhe-á, sendo esse o caso, utilizar os meios processuais ao seu dispor relativamente às tributações que, nesses exercícios, entenda existir tal situação.
B.3 – DOS ENCARGOS NÃO ACEITES FISCALMENTE
Tendo presente que não é à AT que compete determinar os critérios de indispensabilidade dos custos – que se regem por exclusivos critérios de gestão – entende-se que:
B.3.1. – ENCARGOS COM CONCESSÃO DE CAÇA
Não há razões para não se aceitar como custo os gastos incorridos com concessão de caça, na medida em que potencialmente a Requerente pode retomar tal actividade a qual pode estar momentaneamente suspensa por opções de gestão.
A manutenção dessa exploração potencial e latente, com interesse lucrativo é, desse modo, manifestamente justificada, sendo consequentemente inevitável incorrer a Requerente nos custos que são inerentes
Princípio que a própria Requerida assume quando cita: “os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo … só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.
Afigura-se assim indevida a correção efetuada pela AT.
B.3.2. – ENCARGOS COM JUROS
Face às dúvidas, consubstanciadas e fundadas, levantadas pela AT quanto ao destino do empréstimo contraído, competiria à Requerente demonstrar a indispensabilidade do custo.
Com efeito, face aos factos evidenciados pela AT, caberia à Requerente, por inversão do ónus da prova, demonstrar a indispensabilidade desse mesmo custo (cfr. Ac. STA de 29-30-2006 – Proc. 1236/05 e, mais recentemente, Ac. TCA Sul de 16-10-2014 - Proc. 6754/13).
Não o fazendo, a correcção será assim de manter.
B.3.3. – ENCARGOS COM PORTAGENS
Dentro do mesmo raciocínio, resultando evidenciadas contradições no uso da denominada … e também da não observância de correcta documentação, a correcção da AT é de manter.
B.3.4. – ENCARGOS COM GASÓLEO E REFEIÇÕES
Não se revela minimamente sustentada a fundamentação da AT para a não aceitação destes custos (aliás, sem grande expressão).
Daí a procedência do pedido nesta matéria.
B.4 – TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
O artigo 63º-C da LGT impõe efectivamente que “os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida”.
Não se questiona no relatório da inspecção que os recebimentos e os pagamentos efectuados pela Requerente tenham violado aquela disposição ao não ser utilizada a conta bancária afecta à sua actividade. O que se põe em causa é a existência de pagamentos através de tal conta, sem indicação dos respectivos beneficiários.
Da violação do disposto no art. 63º-C da LGT, para além de poder integrar a infracção prevista no art. 129º do RGIT, não se evidenciam quaisquer consequências directas na esfera tributária do infractor.
Acresce que estando em causa um empresário individual, as retiradas por ele efectuadas de tais contas bancárias não geram ganhos susceptíveis de serem tributáveis, sendo certo que tais pagamentos não foram considerados pela Requerente como custos da sua actividade.
Daí que não tendo sido invocada fundamentação consistente no sentido de se considerar tais despesas como não documentadas não é de operar as tributações autónomas pretendidas e a aplicação, no caso, do regime de relações especiais previsto no art. 63º do CIRC.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de ilegalidade dos actos de liquidação na parte em que a AT não aceitou os custos incorridos com a concessão de caça [Cfr supra B.3.1], com encargos com gasóleo e refeições [B.3.4] e tributações autónomas [B.4];
b) Declarar, em consequência, a ilegalidade das deduções processadas pela AT e atos de liquidação de IRS nºs 2016… (ano de 2011) e 2016 … (ano de 2012) e demonstrações de acertos de contas e juros compensatórios na parte em que resultaram (esses actos) da desconsideração de tais custos e encargos;
c) Julgar improcedente o remanescente peticionado;
d) Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção de 80% pela Requerente e 20% pela Requerida.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 125.345,06 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.060,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Maio de 2017.
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
O Árbitro Vogal
(António Alberto Franco)
O Árbitro Vogal
(Nuno de Oliveira Garcia)