Decisão Arbitral
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-01-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, … - … Lisboa, (doravante Requerente), formulou pedido de pronúncia arbitral, tendo por objecto a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011, com a sua consequente anulação parcial, e do acto de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa n.º …2016…, que manteve aquele acto, bem como a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-11-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21-12-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-01-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral e defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 09-02-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e é suscitada a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral, que se apreciará prioritariamente, em consonância com o disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Questão da incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação não precedidos de reclamação graciosa mas de pedido de revisão oficiosa
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A questão tem sido objecto de decisões arbitrais contraditórias pelo que importa fazer a sua reapreciação, inclusivamente sob a perspectiva de constitucionalidade com a que Requerente a coloca nas suas alegações.
A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.
Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».
É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição.
No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redacção inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se exceptuam da competência dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Mas, por um lado, é manifesto que se esta norma da Portaria n.º 112-A/2011 for interpretada como redefinindo (restringindo) as competências dos tribunais arbitrais que decorre desta Portaria em relação ao legislado, não tem qualquer cobertura na lei de autorização legislativa, pois esta nem sequer faz depender a competência dos tribunais arbitrais de qualquer vinculação.
Da vinculação, a ser constitucionalmente admissível, poderá depender o início e a cessação da possibilidade de os contribuintes demandarem a Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais, mas não a definição das competências destes tribunais.
É certo que, já depois de a Portaria n.º 112-A/2011 ter sido emitida, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
No entanto, tendo esta Portaria sido emitida ao abrigo da redacção inicial do referido artigo 4.º do RJAT, a validade dos actos jurídicos é apreciada à face da lei vigente no momento em que eles são praticados, como decorre do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Por outro lado, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».
Por isso, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção inicial (a que aqui interessa) se interpretado como permitindo aos Ministros da Justiça e das Finanças, através da vinculação (que nem sequer tem suporte na lei de autorização legislativa) redefinirem, através de acto de natureza regulamentar, as competências dos tribunais arbitrais tributários, seria materialmente inconstitucional, por violação deste princípio da hierarquia das fontes normativas, que se consagra neste artigo 112.º, n.º 5, da CRP.
Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, se interpretada como restringindo as competências dos tribunais arbitrais em relação ao que decorre do artigo 2.º do RJAT e da Lei de autorização legislativa em que este se baseou, para além de ser também materialmente inconstitucional por violação do referido artigo 112.º, n.º 5, seria organicamente inconstitucional, por regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não é permitido ao Governo emitir normas no uso de competência própria.
É a esta luz que há que apreciar a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo como objecto a concreta situação que se depara nos autos, pois está fora das competências dos tribunais arbitrais a apreciação abstracta da inconstitucionalidade.
Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
Neste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de «pedidos de revisão de actos tributários».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado, em sintonia com o preceituado nestas normas do CPPT.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e, apesar da revogação desta norma pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a possibilidade de revisão de actos tributários, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, continua a ser referida no artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da LGT, com expressa referência no seu n.º 2 a que «as garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação», na parte não incompatível com a natureza desta figura.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
Aliás, será esta interpretação, no sentido de que a Portaria n.º 112-A/2011 não restringe as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a única que se compagina com o referido princípio da hierarquia das normas e com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, isto é, a única interpretação que assegura a constitucionalidade daquela Portaria.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral]».
Mas, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente a vinculação que resulta do diploma regulamentar, devidamente interpretado.
Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a sua perfeita concretização: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos. É, manifestamente, a concretização do princípio da separação dos poderes.
Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de qualquer crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo está em causa um acto de autoliquidação de IRC que foi pago, e, por isso, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário.
O crédito que existia, na sequência, da autoliquidação está já extinto, pelo pagamento, e nem se vislumbra que exista qualquer outro.
Diferente disso, é naturalmente, a eventual anulação de uma cobrança ilegal, mas isso não tem a ver com a disponibilidade de qualquer crédito, mas sim, com o direito a impugnação contenciosa de actos lesivos, que é constitucionalmente assegurado (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e é um direito fundamental dos contribuintes num Estado de direito (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da CRP).
Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto)» ( [4] )
Improcede, assim, a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo societário tributado em IRC de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos Societários (RETGS);
b) No exercício de 2011, para além da Requerente, faziam parte do perímetro do grupo tributado pelo RETGS as restantes 27 sociedades que a seguir se enunciam:
-B…, S.A. (“B…”);
-C…, S.A. (“C…”);
-D…, S.A. (“D…”);
-E…, S.A. (“E…”);
-F…, S.A. (_“F...”);
-G…, S.A. (“G…”);
-H…, S.A. (“H…”);
-I…, S.A.; (“I…”);
-J…, Lda. (“J…”);
-K…, S.A.;
-L…, S.A.;
-M…, S.A.;
-N…, S.A.;
-O…, S.A.;
-P…, S.A.;
-Q…, S.A.;
-R…, Lda.;
-S…, S.A.;
-T…, S.A.;
-U…, S.A.;
-V…, S.A.;
-W…, S.A.;
-X…, S.A.;
-Y…, S.A.;
-Z…, S.A.;
-AA…, S.A.;
-BB…, Lda.;
c) Em 21-06-2013, a Requerente apresentou a declaração de substituição modelo 22 relativa ao grupo de que é sociedade dominante relativa ao exercício de 2011 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) A B… tinha 58 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011, ao abrigo do artigo 19.º do EBF, tendo no Anexo D da respectiva declaração modelo 22 indicado no Campo 401 do Quadro 4 («MAJORAÇÃO À CRIAÇÃO EMPREGO (art.º 19.º do EBF)») o valor de € 324.788,33 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) Desses 58 trabalhadores, 11 trabalhadores (os últimos 11 elencados no documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) entraram para os quadros da empresa apenas em 2011 e em meses diversos e 1 deixou de ser elegível para o benefício em Abril de 2011;
f) A B… majorou os referidos custos com estes 11 trabalhadores na proporção do número de meses dentro desse ano que esses trabalhadores estiveram ao serviço da empresa (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) A Administração Fiscal fiscalizou o cômputo do benefício fiscal efectuado pela B… na inspecção que efectuou à empresa relativamente a 2011 e não efectuou nenhuma correcção ao montante do benefício fiscal considerado pela empresa (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) Se a B… tivesse majorado em 50% os custos suportados com esses trabalhadores em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles), o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 331.853,93 e não os € 324.788,33 declarados (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
i) Na C… houve 23 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) Desses 23 trabalhadores, 14 trabalhadores (os primeiros 14 elencados no documento n.º 6) entraram para os quadros da empresa em diferentes meses de 2006;
k) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esses 14 trabalhadores que entraram em 2006, a C… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano de 2011 que esses trabalhadores foram elegíveis para o benefício seguiu o critério da Administração Fiscal e em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esses trabalhadores (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles) (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) O total do benefício fiscal assim computado pela C… foi de € 126.180,83, que foi o que foi considerado na respectiva declaração modelo 22, no Campo 401 do Quadro 4 do Anexo D (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
m) A Administração Fiscal sindicou o cômputo do benefício fiscal efectuado pela C… na inspecção que efectuou à empresa relativamente a 2011 e não efectuou nenhuma correcção ao montante do benefício fiscal considerado pela empresa (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) No caso desses 14 trabalhadores que entraram em 2006, se a C… tivesse calculado o benefício como entende que resulta da lei (ou seja, majorando em 50% os custos suportados com esses trabalhadores em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles), o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 153.656,86 e não os 126.180,83 declarados (documentos n.º 6 e 7);
o) No caso da D… houve 421 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011;
p) Desses 421 trabalhadores, 96 trabalhadores entraram para os quadros da D… apenas em 2011 e em meses diversos e 24 trabalhadores deixaram de ser elegíveis para o benefício em diferentes meses de 2011 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esses 96 trabalhadores que entraram em 2011 e aos 24 trabalhadores deixaram de ser elegíveis para o benefício em diferentes meses de 2011, a D… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que esses trabalhadores estiveram ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esses trabalhadores (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles);
r) O total do benefício fiscal computado pela D… no Campo 401 do Quadro 4 do anexo D da respectiva declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 foi de € 2.468.619,77 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
s) No caso desses 96 trabalhadores que entraram em 2011 e dos 24 trabalhadores deixaram de ser elegíveis para o benefício em diferentes meses de 2011, se a D… tivesse calculado o benefício como entende que resulta da lei (ou seja, majorando em 50% os custos suportados com esses trabalhadores em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles), o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 2.762.060,83 e não os € 2.468.619,77 declarados (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
t) No caso da E… houve 1 trabalhador que reunia os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) O trabalhador da E… em causa havia entrado para os quadros da empresa em Agosto de 2006 (documento n.º 11);
v) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esse trabalhador que entrou em 2006, a E… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano de 2011 que o trabalhador foi elegível para o benefício (ou seja, os primeiros 7 meses de 2011, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esse trabalhador (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida) (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
w) O total do benefício fiscal assim computado pela E… no Campo 401 do Quadro 4 do anexo D da sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 foi de € 3.960,83 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
x) No caso desse trabalhador que havia entrado em Agosto de 2006 e que, portanto, o custo com a sua remuneração podia ser majorado até Julho de 2011, se a E… tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com esse trabalhador em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida), o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 6.790,00 e não os € 3.960,83 declarados (documento n.º 11);
y) No caso da F… houve 3 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
z) Esses 3 trabalhadores da F… entraram para os quadros da empresa apenas em 2011 e em meses diversos (documento n.º 13);
aa) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esses 3 trabalhadores que entraram em 2011, a F… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que esses trabalhadores estiveram ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esses trabalhadores (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles) (documento n.º 13);
bb) O total do benefício fiscal assim computado pela F… foi de € 16.975,00 e foi o que foi indicado no Campo 401 do Quadro 4 do anexo D da sua declaração modelo 22 referente ao exercício de 2011 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
cc) No caso desses 3 trabalhadores que entraram em 2011, se a F… tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com esses trabalhadores em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles, o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 20.370 e não os € 16.975 declarados (documento n.º 13);
dd) A G… teve em 2011 dois trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ee) Desses 2 trabalhadores da G…, 1 trabalhador entrou para os quadros da empresa apenas em Junho de 2011 (documento n.º 15);
ff) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esse trabalhador que entrou em 2011, a G… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que o trabalhador esteve ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esse trabalhador (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida);
gg) O total do benefício fiscal assim computado pela G… foi de € 10.750,83 e foi o que foi indicado no Campo 401 do Quadro 4 do Anexo D da sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
hh) No caso desse trabalhador que entrou em 2011, se a G…tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com o trabalhador em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 13.580,00 e não os € 10.570,83 (documento n.º 15);
ii) A H… teve 2 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
jj) Desses 2 trabalhadores da H…, 1 trabalhador entrou para os quadros da empresa apenas em Setembro de 2011 (documento n.º 17).
kk) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esse trabalhador que entrou em 2011, a H… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que o trabalhador esteve ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esse trabalhador (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida);
ll) O total do benefício fiscal assim computado pela H… foi de € 9.053,33 e foi o que foi indicado no Campo 401 do Quadro 4 do Anexo D da sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
mm) No caso desse trabalhador que entrou em 2011, se a H… tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com o trabalhador em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 13.508,73 e não os € 9.053,33 declarados (documento n.º 17);
nn) A I… teve 7 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
oo) Desses 7 trabalhadores da I…, 1 trabalhador entrou para os quadros da empresa apenas em Fevereiro de 2011 (documento n.º 19);
pp) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esse trabalhador que entrou em 2011, a I… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que o trabalhador esteve ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esse trabalhador (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida);
qq) O total do benefício fiscal assim computado pela I… foi de € 45.788,47 e foi o que foi indicado no Campo 401 do Quadro 4 do Anexo D da sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
rr) No caso desse trabalhador que entrou em 2011, se a I… tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com o trabalhador em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 46.354,31 e não os € 45.788.47 declarados (documento n.º 19);
ss) A J… teve 19 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com a sua remuneração em 2011 (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
tt) Desses 19 trabalhadores da J…, 1 trabalhador (o penúltimo elencado no documento n.º 21) entrou para os quadros da empresa apenas em Setembro de 2011 e 3 trabalhadores deixaram de ser elegíveis para O benefício em diferentes meses de 2011;
uu) Na contabilização do benefício fiscal em causa relativamente a esse trabalhador da J… que entrou em 2011 e aos 3 trabalhadores que deixaram de ser elegíveis para o benefício em diferentes meses de 2011, a J… majorou na proporção do número de meses dentro desse ano que esses trabalhadores estiveram ao serviço da empresa por contrato sem termo, em vez de majorar em 50% os custos incorridos em 2011 com esses trabalhadores (com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles);
vv) O total do benefício fiscal assim computado foi de € 108.516,73 e foi o que foi indicado no Campo 401 do Quadro 4 do Anexo D da sua declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011 (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ww) No caso desse trabalhador que entrou em 2011 e dos 3 trabalhadores deixaram de ser elegíveis para o benefício em diferentes meses de 2011, se a J… tivesse calculado o benefício majorando em 50% os custos suportados com esses trabalhadores em 2011, com o limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida por cada um deles, o benefício fiscal em causa no exercício de 2011 teria sido de € 116.906,69 e não os € 108.516,73 declarados (documento n.º 21);
xx) A Requerente adquiriu o capital social da sociedade então designada CC… (redenominada em 2007 DD… SGPS S.A.), em Dezembro de 2004 (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
yy) O custo de aquisição foi de € 62.761.215,38 (documento n.º 23);
zz) No exercício de 2006 a DD…SGPS, S.A. passou a integrar o perímetro do grupo EE… abrangido pelo RETGS e do qual a Requerente é a sociedade dominante, tendo nos exercícios de 2007 e 2008 apurado prejuízos fiscais no montante total de € 147.331,50 que foram deduzidos ao lucro tributável do grupo (declarações modelo 22 relativas àqueles exercícios que constam do documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
aaa) Em 15 de Novembro 2011 foi aprovada a dissolução e liquidação da DD… SGPS, S.A. por transmissão global do respectivo património para a esfera da sócia única, que é a Requerente (documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
bbb) O valor do património líquido da DD… SGPS, S.A., no montante de € 45.275.447,09 foi atribuído à Requerente na sequência da liquidação (documento n.º 23);
ccc) A Requerente apurou nos termos do artigo 81.º do CIRC uma menos-valia dedutível de € 17.338.436,88 (constituído por € 45.275.447 de saldo da partilha menos o custo de aquisição de € 62.761.215,38, acrescido do montante de € 147.331,50 de prejuízos fiscais transmitidos pela sociedade liquidada na pendência do RETGS) (documento n.º 23);
ddd) Na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011, a Requerente considerou apenas em metade a menos-valia referida (documento n.º 23);
eee) Em 23-03-2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação relativa ao exercício de 2011, cujo teor se dá como reproduzido (processo administrativo);
fff) Em 27-06-2016, a Requerente foi notificada do Projecto de Decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa cuja cópia consta do documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
§ IV.I.I.II. Da apreciação
13. Coligidos os elementos constantes nos autos, e compulsada toda a argumentação ora trazida ao nosso conhecimento por parte da Requerente, podemos então identificar as questões a decidir no presente procedimento, consistindo estas em saber o seguinte: (1) Deve o limite máximo da majoração anual prevista no n.º3 do artigo 18.º do EBF ser ajustado proporcionalmente no caso de estarmos na presença de contratos trabalho que se iniciem ou cessem no decurso de um exercício? (2) A limitação da dedutibilidade prevista no n.º3 do artigo 45.º do Código do IRC é aplicável às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades? (3) A limitação da dedutibilidade prevista no n.º4 do artigo 45.º do Código do IRC é aplicável às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades?
(1 )
14. Sobre a primeira questão, comece-se por referir que o artigo 19.º do EBF prevê a majoração em 50% dos encargos suportados com trabalhadores, jovens e desempregados de longa duração, admitidos por contrato por tempo indeterminado, cujo posto de trabalho contribuiu para a criação líquida de emprego, mantendo-se o benefício durante o período de 5 anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
15. O montante máximo da majoração anual encontra-se expressa no n.º 3 do referido artigo 19 do EBF, correspondendo a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
16. Como refere a Requerente, a Autoridade Tributária tem entendido que se a majoração referida no n.º 1 do artigo 19.º do EBF tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, então nos períodos de tributação em que se verificar o início ou o fim das condições de elegibilidade dos trabalhadores para efeitos deste benefício fiscal, este limite deve ser ajustado proporcionalmente ao período de tempo em que se verificaram as condições, sob pena de ser considerado um benefício fiscal superior ao que consta da lei.
17. Este entendimento retira-se da leitura da informação vinculativa relativa ao processo n.º 1498/2006, com despacho de 26-09-2006, do Diretor-geral, onde se refere que ‹‹o prazo de 5 anos a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º do EBF pode refletir-se em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico.
18. Por contraposição a este entendimento, vem a Requerente apresentar a decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo n.º 212/2013-T (doc. n.º 3), cuja fundamentação damos aqui por integralmente reproduzida.
19. Considerou, então, o CAAD que «não há qualquer suporte textual nem justificação razoável para estabelecer outros limites que não sejam os expressamente previstos (...)›› na norma.
20. Com efeito, refere-se no aludido acórdão que ‹‹(...) a majoração tem sempre a duração máxima de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho (...) pelo que não se vê como se possa concluir, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que o ‹‹benefício fiscal ocorreria por um período de seis anos››.(...) [A] majoração anual reportar-se-á a anos civis, como se infere do facto de ser anual e de ser calculada em função do valor do salário mínimo nacional, relativamente ao qual vigorava a regra da fixação anual, com referência a cada ano civil (...)››.
21. Portanto, sustenta-se na decisão do CAAD que o limite do benefício (14 vezes o salário mínimo nacional) é aplicável independentemente do número de meses em que num determinado ano o trabalhador exerceu funções na empresa.
22. Assim, segundo este entendimento, seria possível que a majoração dos encargos com um contrato de trabalho por tempo indeterminado, iniciado no último trimestre de um exercício económico, ascendesse ao limite máximo previsto no n.º3 do artigo 19.º do EBF.
23. Expostas as posições em contenda, somos a corroborar a posição que tem vindo a ser defendida pela Administração tributária, não obstante o mérito de toda a argumentação trazida ao nosso conhecimento por parte da Requerente.
24. Com efeito, a posição defendida no Acórdão do CAAD, entretanto adotada pela Requerente, determina tratamentos diferenciados consoante o início do contrato de trabalho por tempo indeterminado coincida ou não com o início de cada exercício económico.
25. Isto é, o entendimento expresso no aludido acórdão sobre o alcance temporal da majoração conduz-nos a resultados diferentes ao nível da atribuição do benefício fiscal em causa, sem que para isso exista qualquer elemento justifique a diferença de tratamento entre as situações.
26. Ilustrando o que se vem de dizer, podemos referir que num contrato de trabalho iniciado a 1.1.2011, com uma majoração anual máxima, por exemplo, no valor € 6.790,00, essa majoração vigorará até ao final do ano 2015, tendo o benefício fiscal total atribuído durante os cinco anos ascendido à importância de € 33.750 (6.750,00*5).
27. Todavia, à luz da posição defendida pelo CAAD, num contrato de trabalho iniciado a 01.04.2011, com uma majoração máxima anual igual a referida no ponto anterior, verificar-se-á que essa majoração vigorará até 31.03.2016, atribuindo-se um benefício fiscal total durante esse período na importância de € 40.500 (6.750,00*6).
28. Como explicação para as diferenças obtidas nos exemplos atrás ilustrados, em termos de atribuição do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, estará o facto não se ter efetuado no segundo caso qualquer ajustamento proporcional da majoração que levasse em linha de conta o facto da vigência das condições de elegibilidade dos trabalhadores para efeitos deste benefício fiscal não ter coincidido com início do período de tributação.
29. Ora, uma interpretação que conduza a um tratamento desigual entre situações, sem que para isso exista qualquer motivo justificativo, é violadora do princípio da igualdade, devendo por isso ser posta de lado em virtude de não ter sido querida pelo legislador.
30. Não concordamos com a objeção feita à posição assumida pela Autoridade tributária, quando na referida decisão se lhe aponta «falta de apoio textual» na norma em causa.
31. Na verdade, uma das significações admissíveis para termo «anual›› poderá ser a de unidade de medida de tempo, representando o conjunto de 365 dias.
32. Assim, quando o legislador se refere ao «montante máximo de majoração anual» no n.º 3 do artigo 19.º, estar-se-ia a referir ao valor máximo de majoração admissível em 365 dias.
33. Esta conclusão interpretativa é a única que permite a eliminação dos resultados desiguais em termos de atribuição do benefício de criação de emprego a que conduz a aplicação da norma segundo a interpretação veiculada na decisão do CAAD.
34. Face ao exposto, entendemos que o limite do benefício fiscal deve ser apurado de forma mensualizada, portanto, apurado de acordo com o número de meses em que tem lugar o benefício, quer no primeiro, quer no último exercício do mesmo, pelo que deve improceder o pedido da Requerente quanto a este ponto.
(2)
35. Relativamente à segunda questão, compulsada toda a argumentação ora trazida ao nosso conhecimento por parte da Requerente, ainda assim, não obstante o seu mérito, entendemos que a eventual menos-valia fiscal resultante da liquidação de uma sociedade participada terá de passar pela limitação da dedução de 50% do valor da perda prevista nos n.ºs 3 do art.º45.º do CIRC.
36. Com efeito, o regime de apuramento de mais-valias e de menos-valias encontra-se previsto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRC, sendo o mesmo aplicável quando estão em causa ganhos ou perdas sofridas mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda e de instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º9 do art.º18.º do CIRC.
37. Porém, quando está em causa a partilha pelos sócios dos bens patrimoniais, em caso de liquidação de sociedades, ocorrendo, nesta situação, a extinção da sociedade e não a sua transmissão onerosa, é aplicável o regime previsto no art.º 81.º do CIRC.
38. De acordo com esse regime, é englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.
39. Se essa diferença for positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face a contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efetivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável; se for negativa, e considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores a data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em pais, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
40. Com a Lei nº 60-A/2005, de 30.12, foi alterado o nº 3 do artigo 45º (EX. art.º42.º) do CIRC, passando a considerar-se que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
41. Tendo em conta que esta norma refere, expressamente, "bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio", parece que o legislador pretendeu abarcar todas as outras situações relativas a partes de capital que não decorressem unicamente de transmissões onerosas. Neste aspeto, não podemos concordar com a requerente que entende que as menos-valias decorrentes das liquidações não podem cair na segunda parte do preceito.
42. O n.º3 do art.º45.º do CIRC, é uma norma geral que prevê uma restrição quanto à dedutibilidade das perdas relativas a partes de capital, as quais concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, estando aqui incluídas quer a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, quer outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente, as menos-valias resultantes da liquidação e partilha.
43. Estão, portanto, incluídas nesta norma todas as perdas relativas a partes de capital. Nestas circunstâncias, caem neste âmbito as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha.
44. Tratando-se de uma norma de aplicação geral na determinação da matéria coletável, se o legislador quisesse excluir do âmbito desta norma as perdas resultantes da liquidação e partilha teria de tê-lo dito expressamente, mas não o fez. Não o tendo feito, resulta da letra da lei que estas perdas ficam sujeitas à restrição prevista no nº3 do art.º45º do CIRC. Aliás, não se vislumbra qualquer motivo que justifique o seu afastamento, quando a pretensão do legislador foi a de limitar todas as perdas ou variações patrimoniais relativas a partes de capital.
45. Deste modo, as menos-valias apuradas em resultado de operações de liquidação e partilha concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, a partir do período de 2006, desde que as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, como parece acontecer na situação em causa e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos durante a aplicação do RETGS. Caso contrário não há lugar à dedução de qualquer montante.
46. Aqui chegados, podemos, deste modo, concluir no sentido de que a menos-valia que vier a ser apurada em resultado da operação de liquidação concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, desde que as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em pais, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
47. Bem sabemos que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.02.2016, proferido no processo 01401/14, perfilha entendimento oposto ao nosso, mas, quanto a isso, sempre poderemos dizer que a fundamentação em que aquele arresto se sustenta padece de fragilidades ao nível da fundamentação que lhe retiram a idoneidade para constituir a posição mais acertada sobre o assunto em causa. Senão vejamos.
48. O acórdão em causa afasta-se do entendimento de que as menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades são subsumíveis à 2.ª parte do n.º3, do artigo 45.º do CIRC, ou seja, no conceito de «outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio››.
49. Para tal, recorre ao que ficou consignado no acórdão arbitral de 25 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, no que se refere a interpretação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.
50. A conclusão interpretativa retirada do aludido acórdão arbitral faz alusão a que os três tipos de situações previstas no artigo 45.º, n.º 3 são conceitos dotados de um sentido próprio e distinto, sendo necessário recuar aos artigos 23.º e 24º do CIRC para compreender tal facto, atendendo à evolução terminológica operada pelo Decreto -Lei n.º 159/2009, de 13 de Dezembro.
51. Considera-se ainda no referido arresto do CAAD que «a previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos "a partes de capital ou outras componentes do capital próprio", incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas aquelas partes»
52. Mais se refere no acórdão arbitral que «A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas", incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas"».
53. Assim, conclui-se no aludido arresto que ‹‹Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos", à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio››,
54. Portanto, em termos sintéticos, podemos referir que o acórdão do CAAD considerou que a expressão «outras perdas ou variações patrimoniais negativas» utilizada no artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido naqueles artigos 23.º e 24.º, que decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção.
55. Assim, as «perdas›› são apenas os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, não incluindo os qualificáveis como ‹‹gastos›› à luz do CIRC, ainda que referentes a partes de capital ou outras componentes de capital próprio, e por «variações patrimoniais negativas» se deverá entender apenas as não refletidas no resultado líquido do exercício (tal como definidas no artigo 24.º).
56. Exposta a posição constante do acórdão, assinale-se, desde já, que não consideramos evidentes nem a tese defendida nele, nem as doutas considerações e conclusões da decisão do CAAD no processo 108/2013-T, uma vez que a argumentação baseada na dicotomia “gastos" e "perdas", parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos.
57. É que, no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas. FF… dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto as soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20º e 23º do CIRC. Quanto à primeira, atualmente "rendimentos e ganhos", considera que deveria ser apenas intitulada "rendimentos", conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas", observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas”
58. Quanto à outra conclusão alcançada no referido acórdão do STA, no sentido de que ‹‹o art. 81.º, n.º 2, alínea b), do CIRC, não só qualificava como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade, como também fixava o respectivo regime, especial, para a tributação do resultado da partilha, com uma forma própria de cálculo e com deduções especificas››, à qual não era aplicável, por ausência de remissão, importa dar nota das seguintes considerações sobre a classificação das normas.
59. As normas gerais são as que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam.
60. Excecionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações.
61. Finalmente, as normas especiais são as que representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em direta oposição com a disciplina geral”.
62. Convém notar que o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou determinadas matérias normativamente reguladas.
63. O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género. Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade.
64. As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles quer a integrar os aspetos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
65. Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias.
66. Ora, a norma prevista no artigo 81.º do Código do IRC, sendo uma norma especial, integra aspetos específicos não previstos na norma geral, assumindo uma natureza complementar em relação a esta.
67. Assim, o regime previsto no n.º2, do artigo 81.º do CIRC assume-se como uma regulação de uma situação específica - liquidação e partilha de sociedades -, sem contudo estabelecer uma disciplina que colida com a disciplina geral, porquanto estabelece que a menos valia resultante da partilha pode, em certas condições, ser admitida como um custo dedutível, não estabelecendo, contudo, os limites a essa dedutibilidade.
68. Não se tratando de uma norma que esteja em direta oposição com a disciplina geral, entendemos que existe justificação para a aplicação da medida anti-abuso (limitação a metade do montante dedutível da menos-valia) por existirem riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal nas situações previstas na norma.
69. Uma ilustração destes riscos de evasão fiscal é-nos dada pelas situações de liquidação de sociedades gestoras de participações sociais (vulgo SGPS).
70. Nestes casos, verifica-se, amiúde, que o valor de aquisição da SGPS é extraordinariamente superior ao respetivo valor de liquidação e partilha, o que se fica a dever ao facto de durante a vida destas sociedades se registar a venda das participações de capital de que são titulares, o que determina uma redução avultada do seu valor.
71. Deste modo, não só a transmissão das partes de capital não concorre para a formação do lucro tributável das sociedades gestoras de participações sociais, ao abrigo do artigo 32.º do EBF, como a sociedade que detém a SGPS irá apurar uma menos valia considerável, caso pretenda liquidar e partilhar a SGPS, menos valia esta que influirá negativamente na determinação do seu resultado tributável.
72. Podemos assim concluir que, não obstante o regime no artigo 81.º do Código do IRC constituir um regime especial, regulando aspetos específicos como é o caso da liquidação e partilha de sociedades, o mesmo não contém uma disciplina que colida com o regime geral, registando-se, inclusive, justificação para aplicação das medidas anti-abuso previstas na norma geral.
73. Aqui chegados, importa, no que respeita ainda ao teor do referido acórdão do STA, contraditar as ilações que sobre o tema em causa são retiradas do parecer do CEF n.º 103/96.
74. No referido acórdão do STA é dito que «a própria AT reconhece que a norma do n.º 2 do art.º 81.º do CIRC não se limita a qualificar a natureza do ganho como mais-valia, mas também lhe define o respetivo regime tributário, com exclusão do regime fiscal das mais-valias e menos-valias›› recorrendo para isso ao Parecer 103/96 do CEF.
75. Ora, o referido Parecer é datado de 20 de Dezembro de 1996 e a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, em vigor no exercício de 2011, apenas foi introduzida com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12.
76. Comparando a redação do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, contemporânea do Parecer 103/9622 com a redação dada pela Lei n.º 60-A/2005, em vigor no exercício de 2011, verifica-se que esta última adicionou um n.º 3 ao artigo em causa, que previa o seguinte:
77. ‹‹3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital [bloco 1], bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares [bloco 2], concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor››.
78. Assim, sem prejuízo de o legislador ter pretendido com a alteração ao n.º 3 do artigo 45.º CIRC, abranger no âmbito da referida norma as perdas apuradas com participações que não figurassem no ativo imobilizado, também realizou outras alterações. Essas alterações, face à letra lei, não podem ser ignoradas.
79. No n.º 3 do artigo 45.º do CIRC podemos distinguir dois blocos em que o legislador agrupa os custos sujeitos à limitação de dedução como custo na proporção de 50%. Isto é, esta norma não se limita a abranger as perdas com a transmissão onerosa de partes capital e também se aplica as perdas de partes de capital.
80. Assim sendo, a posição da AT, expressa no parecer do CEF, tem de ser lida e enquadrada em consonância com a redação do normativo em vigor na altura da emissão do aludido parecer, não podendo ser simplesmente transposta e aplicada em exercícios posteriores em que se verificaram alterações legislativas nesse normativo.
(3)
81. Passando à análise da 3.º questão, afirme-se, desde logo, que valem aqui, no essencial e com as necessárias adaptações, as considerações tecidas a propósito da 2.ª questão.
82. Com efeito, o n.º4 do artigo 45.º do Código do IRC é uma norma geral, que prevê uma restrição quanto à dedutibilidade das perdas relativas a partes de capital, na parte que corresponda ao valor dos lucros distribuídos que tenham beneficiado da dedução prevista no artigo 51.º nos últimos quatro anos.
83. Estão, portanto, incluídas nesta norma todas as perdas relativas a partes de capital. Nestas circunstâncias, caem neste âmbito as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha.
84. Indique-se que o legislador introduz, para o exercício em causa, “um largo conjunto de medidas tendentes ao combate a práticas de natureza evasiva" que alterou o artigo 45.º, nomeadamente através do aditamento do n.º 4 e que visou "impedir a prática que consiste em fazer anteceder a alienação de participações sociais por uma distribuição de lucros, a que é aplicada a dedução prevista no artigo 51.º do CIRC, obtendo ao mesmo tempo a eliminação da dupla tributação económica e o apuramento de uma menos-valia”.
85. Sem embargo do acima exposto, refira-se ainda que a reclamante não faz prova de algumas das condições de dedutibilidade previstas na alínea b), do n.º 2 do artigo 81.º do CIRC, concretamente o tempo de permanência da participação na sociedade liquidada na sua titularidade.
86. Facto que, só por si, acarretaria igualmente um juízo de improcedência sobre o pedido da Requerente.
87. Sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios efetuado pela Requerente, impõe-se referir que não lhe assiste qualquer direito a tal pretensão.
88. Isto porque, não só os pedidos da Requerente, nos termos da presente informação, não mereceram qualquer juízo de procedência, como também, nos termos do disposto na alínea c), do n.º3, do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária››.
89. Não se verificando no presente caso os pressupostos de que a lei faz depender, no caso de revisão oficiosa, o direito a juros indemnizatórios, impõe-se indeferir o pedido feito com esse objeto pela Requerente.
§ V. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido de revisão formulado nos presentes autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese” desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.
ggg) Por ofício de 21-07-2016, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, proferido em 20-07-2016, pelo Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes;
hhh) A B…, a C…, a E…, a H…, e a G… SGPS registaram, a título individual, lucro tributável em 2011, tendo pago derrama municipal, e as quatro primeiras, também derrama estadual (documentos n.ºs 4, 7, 12, 18 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e artigos 152.º e 153.º deste, não questionados);
iii) Em 20-10-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
4. Matéria de direito
4.1. Questão do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho
4.1.1. Termos em que deve ser equacionada a questão
O artigo 19.º do EBF, vigente em 2011, estabelece o seguinte:
Artigo 19.º
Criação de emprego
1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:
a) «Jovens» os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 30 anos, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;
b) «Desempregados de longa duração» os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 12 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;
c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;
d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.
3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.
5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.
6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.
Prevendo-se no n.º 5 que a majoração referida no n.º 1 se aplica durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, nos casos em que este início não coincide com o início do primeiro exercício, o benefício fiscal pode aplicar-se em seis exercícios, no primeiro e no último a majoração aplicar-se-á relativamente aos encargos referidos no n.º 1 que tenham sido suportados no respectivo período de vigência do contrato.
Trata-se de matéria sobre a qual as Partes estão de acordo, só surgindo controvérsia quanto ao limite máximo de majoração a aplicar no primeiro e no último exercícios referidos:
– a Requerente entende que, nestes primeiro e último exercícios em que o contrato de trabalho apenas vigora parcialmente, o limite máximo de majoração a aplicar deve ser o anual, referido no n.º 3, independentemente do período em que nele vigorou o contrato de trabalho;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em que a Requerente manifestou a sua pretensão de aplicação do benefício fiscal, entendeu o seguinte, em suma:
– «a Autoridade Tributária tem entendido que se a majoração referida no n.º 1 do artigo 19.º do EBF tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, então nos períodos de tributação em que se verificar o início ou o fim das condições de elegibilidade dos trabalhadores para efeitos deste benefício fiscal, este limite deve ser ajustado proporcionalmente ao período de tempo em que se verificaram as condições, sob pena de ser considerado um benefício fiscal superior ao que consta da lei» (ponto 16);
– é errada a interpretação da Requerente por «não se ter efetuado (...) qualquer ajustamento proporcional da majoração que levasse em linha de conta o facto da vigência das condições de elegibilidade dos trabalhadores para efeitos deste benefício fiscal não ter coincidido com início do período de tributação» (ponto 28);
– esta interpretação terá apoio literal no n.º 3 do artigo 19.º, pois «uma das significações admissíveis para termo «anual›› poderá ser a de unidade de medida de tempo, representando o conjunto de 365 dias» (ponto 31);
– «assim, quando o legislador se refere ao «montante máximo de majoração anual» no n.º 3 do artigo 19.º, estar-se-ia a referir ao valor máximo de majoração admissível em 365 dias» (ponto 32);
– «esta conclusão interpretativa é a única que permite a eliminação dos resultados desiguais em termos de atribuição do benefício de criação de emprego a que conduz a aplicação da norma defendida pela Requerente (ponto 33);
– assim, «o limite do benefício fiscal deve ser apurado de forma mensualizada, portanto, apurado de acordo com o número de meses em que tem lugar o benefício, quer no primeiro, quer no último exercício do mesmo, pelo que deve improceder o pedido da Requerente quanto a este ponto» (ponto 34).
É manifesto que a letra do n.º 3 do artigo 19.º do EBF não dá qualquer suporte à «mensualização» do apuramento do limite do benefício, pois faz-se referência a «majoração anual» e não a majorações mensais.
A referência ao apuramento do limite da majoração através dos encargos mensais estava expressamente prevista nas redacções do benefício fiscal relativo à criação de emprego anteriores à que a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, deu ao artigo 17.º do EBF, a que corresponde o actual artigo 19.º. ( [5] )
Com esta Lei n.º 32-B/2002, passou a dizer-se, no n.º 3, que «o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado» o que revela que se pretendeu abandonar o referido regime de apuramento mensal da majoração por um apuramento anual.
Também é patente a incongruência da fundamentação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, já que se defende que deverá fazer-se «ajustamento proporcional da majoração» e que «o limite do benefício fiscal deve ser apurado de forma mensualizada, portanto, apurado de acordo com o número de meses em que tem lugar o benefício», mas, se reconhece que «quando o legislador se refere ao «montante máximo de majoração anual» no n.º 3 do artigo 19.º, estar-se-ia a referir ao valor máximo de majoração admissível em 365 dias».
Com efeito, para se saber se os encargos excedem o «valor máximo de majoração admissível em 365 dias» tem de ser feito o apuramento considerando todos os encargos que decorreram durante esse período de 365 dias e não tendo em conta os encargos que foram suportados em alguns dos meses.
Na verdade, se a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, ao aludir à «majoração anual», o legislador está a referir-se «ao valor máximo de majoração admissível em 365 dias», então a majoração anual, para respeitar a intenção legislativa, deveria ser calculada tendo em conta o período de 365 dias a partir do início da vigência do contrato e não «de forma mensualizada, portanto, apurado de acordo com o número de meses em que tem lugar o benefício, quer no primeiro, quer no último exercício do mesmo». Isto é, os cinco anos relevantes.
Aliás, na linha da própria fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a entender-se que deveria haver nestes casos um «ajustamento proporcional da majoração», o apuramento do benefício fiscal deveria ser proporcional ao número de dias e não aos meses, já que o início do contrato pode não coincidir com o início de algum mês.
Assim, sendo de rejeitar, por total falta de suporte textual e de fundamentação lógica a conclusão que a Autoridade Tributária e Aduaneira retira sobre o apuramento «de forma mensualizada, portanto, apurado de acordo com o número de meses em que tem lugar o benefício», será de ponderar a fundamentação alternativa que também consta da decisão de indeferimento de que, no primeiro e último exercícios do período de cinco anos, nos casos em que o contrato vigora em seis exercícios, deverá haver um «ajustamento proporcional da majoração».
Por isso, as alternativas interpretativas razoáveis a equacionar serão a que defende a Requerente e a que, devidamente interpretada, defende a Autoridade Tributária e Aduaneira de que o cálculo da majoração anual, nos casos em que o início do contrato não coincide com o início do exercício, deve ser, no primeiro ano, proporcional ao período de tempo que decorreu entre o início de vigência do contrato e o final do exercício; e no último ano de vigência do contato, proporcional ao período que decorreu entre o início desse exercício e a data em que se completar o quinto ano a contar do início da vigência do contrato.
Adicionalmente, será de apreciar se a interpretação da Requerente é incompaginável com o princípio da igualdade.
A solução desta questão tem sido controvertida na jurisprudência arbitral, tendo-se adoptado a interpretação da Requerente no acórdão de 26-02-2014, proferido no processo n.º 212/2013-T e perfilhado a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira no acórdão de 16-10-2016, proferido no processo n.º 129/2016-T.
A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira e a adoptada neste processo n.º 129/2016-T assentam na eventual incompatibilidade da interpretação da Requerente com o princípio da igualdade, questão que não foi colocada nem apreciada naquele acórdão proferido no processo n.º 212/2013-T, relativamente a esta questão[6].
4.1.2. Interpretação do artigo 19.º, n.º 3, do EBF
As normas que prevêem benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus precisos termos, de forma a abrangerem todos os casos nelas literalmente previstos e apenas esses, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas ( [7] ), sem prejuízo de eventuais ampliações (por via de interpretação extensiva, admitida pelo artigo 10.º do EBF) ou mesmo restrições quando se possa concluir com segurança que o legislador não exprimiu adequadamente a intenção legislativa, designadamente trabalhos preparatórios ou textos explicativos.
Assim, em princípio, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos (e não restritos).
No caso em apreço, inexiste na lei qualquer referência a que «o montante máximo da majoração anual» seja reduzido proporcionalmente ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final do período de cinco anos de duração do benefício fiscal, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício.
Por outro lado, nem se poderá aventar que o legislador, ao estabelecer a majoração anual, não tenha previsto a situação de os trabalhadores iniciarem os seus contratos em data diferente da data do início do exercício, pois, estatisticamente, num ano com 365 dias, será 364 vezes mais provável que isso suceda do que no exacto dia em que cada exercício se inicia.
Por isso, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, a letra da lei conduz à conclusão de que não se pretendeu legislativamente que fosse apurada uma majoração proporcional ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final.
Assim, se é certo que a letra da lei é compatível com uma interpretação como a que aventa a Autoridade Tributária e Aduaneira com o alcance de a «majoração anual» se reportar a cada um dos cinco períodos de 365 (ou 366 dias) subsequentes ao início da vigência de cada contrato de trabalho elegível, também é certo que não é compatível com majorações mensais ou proporcionais ao número de dias ou de meses.
Como ensina Baptista Machado «o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» ( [8] ). «Se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador». ( [9] )
Para além disso, o isolamento no primeiro exercício do período de vigência do contrato que nele decorreu para efeito de determinar a fracção da majoração anual a aplicar, poderá reconduzir-se a uma distorção na aplicação do benefício fiscal, nos casos em que, por qualquer motivo, os encargos elegíveis não forem proporcionalmente idênticos nesse período inicial e na parte do período subsequente necessária para se completar um ano de vigência do contrato.
Na verdade, os encargos com os trabalhadores relevantes para este efeito não têm forçosamente de ser homogéneos durante todo o período de vigência do contrato, podendo, designadamente, diminuir, por redução das remunerações e encargos com a segurança social derivados de diminuição de assiduidade, por qualquer motivo. Nestes casos, na perspectiva legislativa, sendo o limite da majoração anual, não haverá qualquer obstáculo a que o excesso de majoração que proporcionalmente ocorreu nos primeiros seis meses fosse utilizado no segundo período, na medida em que, no conjunto das duas fracções de exercícios, não se excedesse o limite máximo de majoração anual. A eventualidade de a majoração ser excedida proporcionalmente numa parte do ano não impede o sujeito passivo de ver majorados os encargos em excesso desde que no resto do período para se completar um ano de vigência do contrato se verifique uma redução dos encargos que permita a sua consideração sem exceder o máximo de majoração anual legislativamente permitida.
Se os encargos suportados no período inicial incompleto forem proporcionalmente idênticos no período que falta do segundo período para se completar um ano de vigência do contrato, a soma dos dois períodos poderá assegurar uma majoração máxima equivalente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, que é a legislativamente pretendida. Mas, não há qualquer garantia de que isso suceda, pois basta que no segundo período os encargos relevantes sejam diminuídos por qualquer motivo (como falta de assiduidade, incapacidade temporária ou mesmo cessação do contrato de trabalho) para a aplicação de uma limitação proporcional ao tempo de vigência do contrato no primeiro período se reconduzir a uma injustificada diminuição do benefício fiscal.
Afigura-se que também não haverá fundamento para uma interpretação restritiva, tese adoptada no acórdão proferido no processo n.º 129/2015-T, no sentido de que «quando se prolongue por seis exercícios fiscais, o montante máximo do benefício fiscal consagrado no artigo 19.º/3 do EBF seja proporcionalmente reduzido à duração do prazo de 5 anos do contrato do trabalhador que o justifica, no primeiro e no sexto exercício».
Na verdade, deverá fazer-se uma interpretação restritiva quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( [10] )
No caso em apreço, não há fundamento para uma interpretação restritiva, designadamente se, através de interpretação declarativa, se interpretar a referência a «majoração anual» como reportando-se a majoração em cada exercício, nos casos excepcionais em que o exercício não coincide com o ano civil.
Na verdade, há razões de ordem prática que podem justificar a opção legislativa por, em cada exercício, admitir a majoração anual máxima independentemente da duração do contrato em condições elegíveis para o benefício fiscal.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 19.º estabelece uma regra sobre a determinação do lucro tributável, segundo a qual a determinação é feita relativamente a cada período de tributação (que, em regra, coincide com o ano civil, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do CIRC), após o termo do exercício, pois «o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação» (artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).
É, assim, com referência ao último dia de cada período de tributação, que o sujeito passivo tem de apurar quais os encargos que estão contabilizados como custos do respectivo exercício que foram suportados com trabalhadores que se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 19.º, a título de remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade [alínea c) do n.º 2 do artigo 19.º].
Esta operação de determinação do lucro tributável relativamente a cada exercício é reportada ao último dia do exercício e, por isso, não há que atender aos factos tributários que ocorram depois dele, que serão de considerar na determinação do lucro tributável de outro exercício, como decorre do princípio da especialização dos exercícios, enunciado no artigo 18.º do CIRC.
Esse montante global que estiver contabilizado como custo do exercício é majorado, para efeitos fiscais, em 50%, tendo o valor da majoração de ser indicado na respectiva declaração modelo 22, no quadro 07, campo 774 e, discriminadamente, no anexo D – quadro 04, campo 401, destinado à «Majoração à criação de emprego (art.º 19.º do EBF)».
Este regime de determinação do lucro tributável pressupõe, assim, que, no final de cada exercício, o sujeito passivo possa determinar a majoração de que pode beneficiar, pois é ela que deve ser indicada na declaração.
Assim, afastada, por falta de suporte legal, a tese da majoração mensal ou proporcional, haverá uma razão de ordem prática para aplicar a majoração anual prevista em todos os exercícios em que vigorar o contrato, independentemente da sua duração.
Com efeito, a adoptar-se a tese da Requerente, de que a referência a «majoração anual» se reporta a cada exercício, mesmo que o contrato não tenha vigorado durante todo ele, também não haverá qualquer dificuldade em determinar qual a majoração permitida quanto aos trabalhadores nas condições previstas no n.º 1 do artigo 19.º, pois ela será de 50% do valor da retribuição mínima mensal garantida, independentemente do período de vigência do contrato.
Mas, com o entendimento propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a referência à majoração anual se reporta ao período de um ano de vigência do contrato, não haverá, em regra, possibilidade de determinar a majoração a aplicar no final do exercício e a inscrever na declaração modelo 22.
É de concluir, assim, que a interpretação do n.º 3 do artigo 19.º do EBF que decorre das regras interpretativas é a defendida pela Requerente.
4.1.3. A questão da violação do princípio da igualdade
A Autoridade Tributária e Aduaneira, porém, defende que esta interpretação da Requerente é incompatível com o princípio constitucional da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP.
A incompatibilidade de uma interpretação com a Constituição pode ser fundamento de opção por outra interpretação que com ela se compagine.
«A interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher, entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade – um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto) e, porventura, à conversão (configurando o acto sob a veste de outro tipo constitucional). ( [11] )
Foi uma interpretação deste tipo que se efectuou no acórdão arbitral do processo n.º 129/2016-T, em que se entendeu que o princípio da igualdade se opõe à interpretação defendida pela Requerente.
No caso em apreço, é manifesto que os efeitos do benefício fiscal variarão, em alguma medida, conforme o contrato de trabalho comece a vigorar ou não no início de um período de tributação e conforme o dia do exercício em que se iniciar a vigência.
Mas, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratadas igualmente os que se encontram em situações iguais e tratadas desigualmente as que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque desprovidas de justificação objectiva e racional.
Em matéria de benefícios fiscais, que são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF), as exigências do princípio da igualdade não se traduzem no impedimento da consagração de regimes fiscalmente privilegiados, pois, por definição, está-se perante afastamento das regras normais que asseguram a tributação em função da capacidade contributiva.
Por outro lado, nos benefícios fiscais que se baseiam em normas de conduta, cuja observância produz efeitos fiscais favoráveis, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não aos termos em que este é previsto.
Relativamente a este tipo de benefícios que dependem de um comportamento do sujeito passivo, este é livre de optar por preencher as condições estabelecidas e dele usufruir, na medida que entender, ou não as preencher e não beneficiar da vantagem fiscal. E, caso os efeitos do benefício fiscal variem conforme o momento do preenchimento das condições, dependerá também da vontade do sujeito passivo optar ou não pelo preenchimento das condições da forma que lhe propicie optimizar os seus efeitos.
Desta perspectiva, nos casos de benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos, em que é colocada na sua disponibilidade a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, não haverá tratamento discriminatório violador do princípio da igualdade pela norma que fixa esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária nas condições de acesso ao benefício.
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer discriminação arbitrária imposta por lei no acesso ao benefício fiscal: os sujeitos passivos podem optar por contratar jovens ou desempregados de longa duração ou não; podem contratar com base em remunerações que lhes permitam optimizar o benefício fiscal ou não; pode contratar no início do exercício ou em qualquer outra fase do mesmo.
Em qualquer dos casos, os efeitos diferentes que podem ser obtidos são imputáveis ao próprio sujeito passivo e não a uma lei discriminatória.
Diga-se, finalmente, que a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira também pode levar a situações de discriminação e mesmo em situações em que tal não depende da vontade do sujeito passivo, como se mostra bem com um exemplo:
– relativamente ao ano de 2011, a retribuição mínima mensal garantida era de € 485,00 e o máximo da majoração anual de € 6.790,00 (14 vezes aquela retribuição);
– segundo a AT, se um trabalhador é contratado a meio do ano, por exemplo, a majoração máxima em 2011 será de metade daquele valor, isto é, o valor máximo semestral de € 3.395,00;
– se a contratação desse trabalhador implica encargos médios mensais de 1.500,00, que totalizam € 9.000,00 até 31-12-2011, a correspondente majoração de 50% é de € 4.500,00, pelo que, sendo superior àquele valor máximo semestral, será reduzida para este valor de € 3.395,00;
– se no primeiro semestre de 2012 os encargos médios mensais com esse trabalhador forem de € 1.000,00 (por falta de assiduidade, ou impossibilidade parcial por acidente ou outro motivo imputável ou não à entidade patronal), totalizarão € 6.000,0o nesse período, sendo a respectiva majoração de 50% no valor de € 3.000,00, que se mantém por ser inferior ao referido do valor máximo semestral de € 3.395,00;
– assim, com a aplicação das duas majorações máximas semestrais, o benefício fiscal será de € 6.395,00 (€ 3.395,00+ € 3.000,00);
– mas, se o trabalhador foi contratado no início do ano de 2011, tiver idêntica falta de assiduidade ou impossibilidade parcial de prestação de trabalho e gerar os mesmos encargos anuais, que são de € 15.000,00, a correspondente majoração anual de 50% é de € 7.500,00, pelo que, sendo superior ao montante da majoração máximo anual de € 6.790,00, seria este o valor do benefício fiscal, superior ao que se obtém com a divisão das majorações máximas;
– pelo que se conclui que, com a adopção da tese da Autoridade Tributária e Aduaneira, dois contribuintes em situações materiais semelhantes, obteriam benefícios fiscais diferentes conforme o dia do ano em que se iniciou o contrato.
Poderá dar-se outro exemplo, no âmbito do mesmo exercício, em situações em que o contrato não se prolonga para além de um, que mostra também a possibilidade de a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira conduzir a tratamento desigual de contribuintes que contratam trabalhadores em situações idênticas e a desigualdade não advém do princípio da especialização dos exercícios mas sim do «ajustamento proporcional da majoração»:
– pressuponha-se a majoração máxima anual, equivalente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida é de € 6.790;
– duas empresas contratam cada uma 1 trabalhador elegível para o benefício fiscal em 01-10-2011, pagando encargos mensais de 4.000 cada uma;
– numa o exercício começa nessa data e na outra coincide com o ano civil;
– na tese da AT, quanto à empresa cujo exercício se inicia com o ano civil, quando o contrato se inicia faltam 3 meses para o exercício terminar pelo que a majoração nesse 1.º exercício é proporcionalmente reduzida para cerca de ¼ (€ 6.790:4= €1.697.50); quanto à outra empresa, iniciando-se o contrato no início do exercício, tem direito à majoração máxima anual no 1.º exercício, correspondente ao 1.º ano do contrato (€ 6.790).
– os trabalhadores apenas trabalham três meses, sofrendo um acidente que os inviabiliza de continuarem os contratos (por exemplo, por morte ou invalidez permanente);
– a empresa cujo exercício se inicia em 01-10-2011, pagou € 12.000 nos três meses de trabalho, que majorados em 50% equivalem a € 18.000, sendo a majoração de €6.000; como esta majoração é inferior à majoração máxima anual (quer se considere o ano civil ou o exercício), não há qualquer redução;
– a empresa cujo exercício se iniciou com o ano civil, pagou os mesmos € 12.000, durante os mesmos 3 meses, a majoração de 50% em relação aos encargos suportados é a mesma (€ 6.000), mas como a majoração máxima proporcional nesse 1.º exercício é de € 1.695,50, é este o montante do benefício fiscal a que tem direito.
Por isso, a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira para além de não ter apoio no texto legal, gera também situações em que sujeitos passivos que contratam trabalhadores nas mesmas condições podem vir a usufruir do benefício fiscal em medidas diferentes, mesmo em situações em que os efeitos não dependem apenas de opção do sujeito passivo.
Pelo exposto, com a interpretação defendida pela Requerente, que aqui se aceita, não se gera um tratamento discriminatório violador do princípio constitucional da igualdade.
Consequentemente, a autoliquidação e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4.2. Questão do regime das perdas derivadas de liquidação de sociedade
A Requerente era a única sócia da sua subsidiária DD… SGPS, S.A. que passou a integrar o grupo de que a Requerente é sociedade dominante em 2006.
Em 15-11-2011 foi aprovada a dissolução e liquidação da DD… SGPS, S.A. por transmissão global do respectivo património para a esfera da Requerente, sócia única.
O valor do património líquido da DD… SGPS, S.A., no montante de € 45.275.447,09 foi atribuído à Requerente na sequência da liquidação, apurando esta uma menos-valia de € 17.338.436,88 (constituído por € 45.275.447 de saldo da partilha menos o custo de aquisição de € 62.761.215,38, acrescido do montante de € 147.331,50 de prejuízos fiscais transmitidos pela sociedade liquidada na pendência do RETGS).
Na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011, a Requerente considerou apenas em metade a menos-valia referida, fazendo aplicação do regime então previsto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.
A Requerente, no pedido de revisão oficiosa defendeu que não havia lugar à aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, pelo que a menos-valia referida poderia ter sido deduzida integralmente ao seu lucro tributável do exercício de 2011, fazendo aplicação do regime previsto no artigo 81.º do CIRC, vigente em 2011.
Esta questão foi objecto de análise no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-20-2106, proferido no processo n.º 01401/14, com que se concorda, pelo que se remete para a sua fundamentação.
Os artigos 45.º, n.º 3, e 81.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC, vigentes em 2011, estabelecem o seguinte:
Artigo 45.º
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Artigo 81.º
Resultado da partilha
1 – É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.
2 – No englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte:
a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efectivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável;
b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
«A determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC faz-se nos termos do n.º 1 do art. 17.º do respectivo Código: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, «[c]onsideram-se rendimentos [antes, proveitos e ganhos] os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente (…) h) Mais-valias realizadas; (…)»
No art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código especificam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as «menos-valias realizadas» [cfr. alínea l)].
Quanto às variações patrimoniais positivas, diz o n.º 1 do art. 21.º do CIRC: «Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no período de tributação, excepto (…) b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Paralelamente, quanto às variações patrimoniais negativas, dispõe o art. 24.º, n.º 1, do mesmo Código: «Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto (…) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade».
O n.º 1 do art. 46.º do CIRC dá-nos a definição de mais e menos-valias: «Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
O n.º 2 do mesmo artigo indica o método para o respectivo cálculo: «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º». O valor de realização é definido no n.º 3 do mesmo artigo.
Ou seja, em princípio (desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.
Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Esta norma restritiva do montante de menos-valia susceptível de dedução não existia na versão original do CIRC (...). Designadamente, no art. 42.º, que correspondia ao referido art. 45.º, nenhuma restrição havia relativamente à dedução das menos-valias. Como deixámos já dito, apenas se afirmava, na alínea l) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que se consideravam gastos «as menos-valias realizadas».
A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado ara 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2003&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.), após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).
Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2006&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).
Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.
Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».
A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.
Tenha-se presente que, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a norma em questão passou a ser o n.º 3 do art. 45.º.
Vejamos agora o que se passa relativamente à liquidação de sociedades, em ordem a indagar do tratamento fiscal a conceder aos rendimentos dela (rectius, da partilha) eventualmente resultantes para os sócios que sejam pessoas colectivas.
Com a dissolução da sociedade [cfr. arts. 141.º a 145.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)] inicia-se, normalmente, a fase de liquidação, consistindo esta no conjunto de actos realizados com a finalidade de dar satisfação aos direitos de terceiros e realização de activos, assim se criando as condições para atribuição aos sócios dos valores a partilhar (cfr. arts. 146.º, 147.º e 156.º do CSC) (Para maior desenvolvimento, RAÚL VENTURA, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1987, pág. 210 e segs.).
Os liquidatários deverão pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social (art. 154.º do CSC), a começar pelas dívidas fiscais (Sob pena de ficarem pessoal e solidariamente responsáveis pelas importâncias respectivas (cfr. art. 26.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).), devendo o activo restante ser destinado, em primeiro lugar, ao reembolso do montante das entradas efectivamente realizadas. Se depois de feito o reembolso integral se registar saldo, este deve ser repartido na proporção aplicável à distribuição dos lucros, devendo, caso contrário, o activo existente ser distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhes competir nas perdas da sociedade (n.ºs 3 e 4 do art. 156.º do CSC).
O art. 81.º do CIRC define a natureza dos rendimentos gerados numa operação de partilha, estabelecendo que «[é] englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais» (n.º 1) e que «[n]o englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte: a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efectivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável; b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças» (n.º 2).
Ou seja, o art. 81.º estabelecia, nos termos citados, o regime e as regras, especiais, aplicáveis ao apuramento das mais e menos-valias decorrentes da partilha pelos sócios, fixando condições para a dedutibilidade das menos-valias apuradas, a saber: i) as participações têm de permanecer na titularidade do sócio nos três anos imediatamente anteriores à dissolução; ii) as participações têm de estar registadas por montante que exceda os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades; iii) a entidade liquidada não pode ser residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
As menos-valias em causa não resultam da transmissão onerosa de partes de capital, pelo que não podem enquadrar-se na parte inicial do n.º 3 do artigo 45.º.
Por isso, estas menos-valias, apenas poderão enquadrar-se no n.º 3 do artigo 45.º se forem consideradas «outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio» ou «outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio».
Mas, como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, «sendo o art. 81.º, n.º 2, alínea b), do CIRC que, qualificando a natureza dos rendimentos, equipara a menos-valias a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, não faria sentido considerar agora essa diferença como outra perda ou outra variação patrimonial negativa».
Para além disso, como também se refere no mesmo acórdão, «existindo, como existe, um regime especial para tributação do resultado da partilha de sociedades no âmbito do qual as menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades têm uma forma própria de cálculo e com deduções específicas, mal se compreenderia que lhe fosse também aplicado o regime geral do n.º 3 do art. 45.º do CIRC, a menos que o legislador expressamente remetesse para o mesmo, o que não fez».
Por outro lado, como também se aventa no mesmo aresto, «poderá até haver uma justificação para a não aplicação da medida anti-abuso (limitação a metade do montante dedutível da menos-valia) no caso em que está em causa a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade e que a lei equipara a menos-valia: é que os riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal não são tão evidentes nos casos da dissolução e partilha de uma sociedade como nos casos de transmissão onerosa de partes sociais».
Assim, na linha desta jurisprudência, é de concluir que a autoliquidação e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
5. Juros indemnizatórios
A Requerente pede juros indemnizatórios.
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-03-2016 e a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento em 27-06-2016.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.
Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, neste sentido termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi decidido em menos de seis meses, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Improcede, assim o pedido de juros indemnizatórios.
6. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 do grupo fiscal de que a Requerente, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nas partes relativas ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho e à dedução parcial das menos-valias derivadas da liquidação de sociedade;
– anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nas partes respectivas;
– julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.019.661,67.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 111.996,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 06-04-2017
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Nuno Cunha Rodrigues)
(Leonor Fernandes Ferreira)
[1] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.
[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
[4] JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 4ª ed., Coimbra, 2000, páginas 267/268.
[5] Redacções do n.º 2 do artigo 48.º-A do EBF introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro, mantida pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, e do n.º 2 do artigo 17.º, resultante da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho:
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
( [6] ) Neste acórdão proferido no processo n.º 212/2013-T aborda-se a questão da violação do princípio da igualdade, mas a propósito de outra das questões que nele foi apreciada, relativamente à qual essa violação foi invocada.
( [7] ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
( [8] ) In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, página 182.
( [9] ) Obra citada, página 182.
( [10] ) Obra citada, página 182.
( [11] ) JORGE MIRANDA - Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, 1981, volume I, tomo II, página 546.