DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA
1-RELATÓRIO
Em conformidade com o delimitado no TCA Sul, supra melhor identificado, existem duas questões que o Tribunal Arbitral não apreciou:
-“A decisão arbitral incorreu numa nulidade processual, nos termos do artigo 515º, n.1, al)d) do CPC, por falta de pronúncia quanto às questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, relativas à eficácia probatória das faturas e,
- Aos efeitos jurídicos da clausula de reserva de propriedade dos contratos de compra e venda”.
Nessa sequência, cumpre a este Tribunal Arbitral Singular,
Decidir
1.1 – A..., S.A., com o NIP:..., Reclamante no procedimento tributário, acima e, à margem referenciado, doravante, denominada “Requerente”, veio, invocando o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do números 1 do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:
- A anulação de 400 atos de liquidações do Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), referente aos anos de: 2011 e 2012, respeitante aos 200 veículos constantes das notificações, juntas em anexo, como documentos com os nºs 1 e 2, que fazem parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária.
- Ao pedido de reembolso do valor global de € 31.823,67, correspondente aos 200 atos tributários de liquidações de imposto único de circulação, acrescidos de mais 200 atos de liquidações, correspondentes aos respetivos juros compensatórios, no valor global de €4.572,82 (doc.º nº 2) que perfazem um valor total de €36.396,49, indevidamente pagos pela Requerente (cfr., docº 11), pelo que requer a acumulação de pedidos, nos termos do nº 1 do artigo 3º do RJAT e artigo 104º do CPPT, ex vi, artigo 29º do RJAT e, pede o direito aos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT, ambos, ex vi, artigo 29º do RJAT.
1.2 Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:
- Em 21-12-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,
- Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 05-01-2017, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
1.3 A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
- Os atos de liquidação, a que respeitam os impostos únicos de circulação, liquidados e identificados nos documentos nº 1 e 2, anexo à PI, foram dirigidas diretamente à Requerente;
- Ora, a Requerente, como sociedade comercial, dedica-se à comercialização de veículos, representando diversas marcas de automóveis, pelo que os “veículos objetos das liquidações contestadas, inserem-se na sua atividade de venda de veículos novos à rede dos seus concessionários e, noutros casos, a empresas de rent-a-car”;
- Face aos veículos, em causa, a Requerente atuou como intermediária entre os fabricantes das marcas que representa e os concessionários, no âmbito de contratos de concessão (inseridos nos doc.º nº3) e, com as empresas de rent-a-car, atuou, no âmbito de acordos de fornecimento (inseridos nos doc.º nº 15), ambos os documentos estão anexos aos autos;
- Todavia, os 200 veículos controvertidos, foram comercializados pela Requerente no âmbito dos já supra citados contratos de concessão e acordos de fornecimento;
- Sendo relevante considerar que a Requerente, só comercializa veículos novos;
- Pelo que, necessariamente, apenas procede à matrícula dos veículos que encomenda para a execução dos referidos contratos aos respectivos concessionários e execução de acordos de fornecimento, a fim de proceder à entrega dos veículos já matriculados (cf., docº nº 3, cit. clausula 3ª, e docº, nº 6, junto aos autos);
Acresce, ainda, que a Requerente procedeu à emissão de faturas de venda até à data de atribuição da matrícula ao veículo, em Portugal;
- No caso das vendas da Requerente a concessionários, a emissão de fatura ocorre, anteriormente, à data da matrícula, sendo estes identificados pelos números dos chassis e, objeto de posterior nota de débito do ISV, já com matrícula (cfr. docº nº 10, junto aos autos);
- No caso das empresas ren-a-car, a data da fatura coincide com a data da matrícula (cf. faturas emitidas pela Requerente, junto aos autos, docº nº 10);
- Pelo que, em conformidade com o documento nº 10 (junto aos autos), se verifica toda a tramitação que a Requerente procede em relação ao registo de veículos, tanto no âmbito dos concessionários como no âmbito dos acordos com a rent-a-car;
- Sendo que, das faturas, in documento nº 10, supra citado, retira-se que o registo inicial de propriedade a favor da Requerente foi efetuado “em momento em que a mesma não detinha a propriedade dos referidos veículos, visto que os tinha já transmitido aos concessionários ou empresas de rent-a-car”;
- O que, no caso sub judice, afasta qualquer responsabilidade da Requerente face ao pagamento do IUC, pois esta nunca foi proprietária de qualquer dos 200 veículos em causa, conforme se demonstrou e provou nos factos, documentalmente, apresentados e anexos aos autos, porque, ao momento do ano da matrícula, a liquidação do imposto dos veículos, em causa, já não pertenciam à Requerente;
- Pelo que, do que antecede, “os veículos, em causa, foram todos vendidos aos concessionários e empresas rent-a-car, anteriormente à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto” resultando que, a Requerente” procedeu à faturação dos veículos, em questão, ainda, antes da atribuição da matrícula;
- Atento o contextualmente descrito, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.
1.4 A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), apresentou resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:
- Impugna, no âmbito de” erro sobre os pressupostos e na consequente violação do artigo nº 3º do Código do IUC”;
- Alegando que a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais, subsumíveis ao caso sub judice;
- Fundamenta que, “da conjugação dos artigos 3º, 6º e 17º, todos do CIUC, os procedimentos alegados pela Requerente tanto no âmbito da importação e posterior venda aos concessionários, não ser responsável pelo IUC, pois não é sujeito passivo do imposto de circulação de veículo e, também quando alega que o procedimento da Requerida, quer no respeitante ao pedido de matrícula quer ao registo inicial), viola o nº 1 do artigo 3º do CIUC”;
- A Requerida impugna, também, os factos efetuados pala Requerente, tanto no âmbito da matrícula como no âmbito do registo, em território nacional;
- Factos que poem em causa a exigibilidade do imposto único de circulação de veículos;
- Alegando que “o legislador tributário, no artigo 6º do CIUC, estabelece, claramente, o facto gerador do imposto, bem como a sua exigibilidade, uma vez que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;
- Fundamenta tal situação, nos termos do artigo 24º do RRA, “visto que a Requerente ao preencher a DAV, pago o ISV e pedido o certificado de matrícula, ela preenche o facto gerador do imposto (incidência objetiva /subjetiva), sendo-lhe exigível o seu pagamento nos termos do artigo 3º do CIUC”;
- Logo, o facto gerador do imposto é atestado pela atribuição da matrícula;
- E, que “o primeiro registo de cada veículo automóvel é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso a Requerente”;
- Fundamenta, a Requerida de que “o legislador tributário, nos artigos 3º e 6º do CIUC, estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando inequivocamente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;
- Sendo, portanto, irrelevante que a Requerente tenha transmitido, com a venda, a propriedade dos veículos automóveis, a “terceiros”;
- Faz uma interpretação geral e objectiva do disposto, expressamente, nos artigos que invoca, não considerando a presunção do artigo 3º do CIUC, afastando, assim, o artigo 73º da LGT;
- Não leva em linha de conta, o princípio da “equivalência”, previsto no nº 1º do CIUC, corolário do princípio do poluidor/pagador, com assento no, nº2 do artigo 66º da CRP;
- Não considera, os trâmites legalmente efectuado, pela Requerente, aquando da sua primeira inscrição de matrícula ou registo em território nacional, cumprindo os prazos permitidos, face à conjugação do nº 2 do artigo 24º do RRA com o nº 1 do artigo 17º do CIUC.
1.5 A reunião prevista no artigo 18º do RJAT foi dispensada, por se tratar de questões já suficientemente debatida, quer nos autos quer na Jurisprudência, entendendo, este Tribunal Arbitral Tributário, desnecessário as alegações finais, prescindindo da inquirição de testemunhas;
- O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, designou, previsivelmente, até ao dia 03-04-2017, a Prolação da Decisão Arbitral.
ORA,
Em conformidade, com o delimitado no Acórdão do TCA Sul, supra melhor identificado são duas as questões que o tribunal arbitral não apreciou:
-“A eficácia probatória das facturas ” e,
-“Os efeitos jurídicos da clausula de reserva de propriedade dos contratos de compra e venda “
-Porém, esta matéria, da –reserva de propriedade- está expressamente declarada na épígrafe “ilisão da Presunção”,
-ao referir que: “esses documentos gozam de presunção da veracidade prevista no artigo 75º da LGT, decorrendo daqui, que na data em que o IUC era exigível, quem detinha a propriedade dos veículos automóveis eram os legítimos proprietários e não a Requerente”.
-Sendo que, nos termos do nº 2 do artigo 3º do CIUC, são equiparados a sujeitos passivos, os adquirentes com reserva de propriedade”, , dando-se, portanto, como provada a transmissão da propriedade dos veículos, in casu, em momento anterior à exigibilidade do imposto. Os factos são fundamentados pelos documentos junto aos autos, nomeadamente, as facturas de compra e venda.
-Quanto à alegada reserva de propriedade, entende este Tribunal Arbitral não ser relevante para o objecto dos autos, uma vez que o objecto versa sobre a incidência subjectiva do Imposto-IUC.
Contudo, entende este Tribunal Arbitral Singular pronunciar-se,
- No âmbito do artigo 9º da petição da Impugnação do referente à alegada questão de constitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada, relativamente ao corpo do artigo 3º do CIUC.
- Com base nos princípios consignados nas alíneas c) e e) do artigo 16º do RJAT, este Tribunal Arbitral expressa que toda a temática da alegada questão da constitucionalidade, está devidamente fundamentada e, claramente expressa em todo o corpo da epígrafe, ponto 5 (da presente decisão), denominada:
- “Questão da errada interpretação e aplicação da norma de incidência subjectiva do IUC”, afastando, assim, todo o tipo de dúvidas à questão controvertida.
2 QUESTÕES DECIDENDAS
2.1 Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:
- A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atos de liquidação e à ilegalidade dos atos de juros acessórios, face aos anos de 2011 e 2012, referente ao IUC sobre os 200 veículos supra referenciados na PI;
- A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;
- O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.
3 FUNDAMENTOS DE FACTO
3.1 Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:
- A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1, 2, 3, 4, 6, 10, 11 e 15, anexos à PI, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS
- Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS
- Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.
4 FUNDAMENTOS DE DIREITO
4.1 O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:
- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;
- O processo não enfermo de nulidades;
- Não existe questão prévia sobre a qual o Tribunal se deva pronunciar.
4.2 O pedido, objeto do presente processo é a declaração de anulação dos atos de liquidação do IUC correspondente aos veículos automóveis melhor identificados nos autos;
4.2.1 Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 36.396,49;
4.2.2 Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.
4.3 Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.
4.4 A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo, que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.
4.5 Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.
5 QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÂO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC
5.1 Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.
É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:
- A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12, de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;
- Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;
- A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;
- Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção;
- Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;
- O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efetivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;
- A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objetivamente postergados.
5.2 Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.
5.3 Atentos os factos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;
- Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redirecionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efetivo, sujeito passivo do imposto em causa.
- O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).
- A audição prévia que, naturalmente, se há-de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.
- Que nos autos em apreço, a Requerente, demonstrou, à AT, em sede de audição prévia, que os factos incidiam no âmbito de contratos a concessionários e de acordos com empresas rent-a-car, pelo que, através de documentos, anexos aos autos nunca a Requerente pode ser responsável pelo pagamento do IUC.
6 SOBRE O VALOR JURIDICO DO REGISTO
6.1 Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “ o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:
- O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;
- O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;
- Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;
- Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;
- Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;
- Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;
- O que no referente aos factos controvertidos, existem, junto aos autos documentos, que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronúncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence aos respetivos proprietários/utilizadores, dos veículos, a responsabilidade subjetiva dos IUCs, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC.
7 A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL
7.1 DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL
- O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;
- É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;
- Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, nos anos de 2011 e 2012, há que considerar, que ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica dos proprietários/utilizadores dos referidos automóveis, porque estes detêm o uso e o gozo dos referidos veículos, pelo que nos termos do nº1 e 2 do art. 3º do CIUC, têm que ser responsabilizados, pelo pagamento da obrigação do referido imposto.
7.1.1 Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;
7.1.2 Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.
Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito. Apresentando, assim, as faturas de venda, de 200 veículos constantes dos documentos, anexos à Reclamação Graciosa e junta aos autos como documento nº 10 e nºs 3, 4,6, que se dão por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais.
7.2 ILISÃO DA PRESUNÇÃO
- A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos;
- Faturas de venda aos concessionários e acordos às empresas rent-a-car, documentos junto aos autos com os nºs 1,2,3,4,6,10 e 11;
- Ora, esses documentos, gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel eram os legítimos proprietários e não a Requerente.
8 OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO
- Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.
9 REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO
- Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”
- Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”;
- O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
10 DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
- A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.
- No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.
- Pelo que tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.
11 DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral Singular decide:
Reafirmar a procedência integral do pedido de pronúncia arbitral.
- Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2011 e 2012, relativamente aos 200 veículos automóvel identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;
- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 36.396,49 euros, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos, com todas as consequências legais;
- Deve, também, a AT efetuar o pagamento correspondente ao montante devido aos juros indemnizatórios, sobre o imposto pago referente às liquidações anuladas, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT, ex vi, do nº 2 do artigo 61º, do CPPT (Redação da Lei nº 55-A/2010, de 31-12, entrada em vigor, em 2011-01-01.
VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36.396,49.
CUSTAS: De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.
Notifique-se, as partes.
Lisboa, 20-04-15
O Árbitro
Maria de Fátima Alves
(o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redação pela ortografia atual)
DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA
1 RELATÓRIO
1.1 – A…, S.A., com o NIP: …, Reclamante no procedimento tributário, acima e, à margem referenciado, doravante, denominada “Requerente”, veio, invocando o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do números 1 do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:
- A anulação de 400 atos de liquidações do Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), referente aos anos de: 2011 e 2012, respeitante aos 200 veículos constantes das notificações, juntas em anexo, como documentos com os nºs 1 e 2, que fazem parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária.
- Ao pedido de reembolso do valor global de € 31.823,67, correspondente aos 200 atos tributários de liquidações de imposto único de circulação, acrescidos de mais 200 atos de liquidações, correspondentes aos respetivos juros compensatórios, no valor global de €4.572,82 (doc.º nº 2) que perfazem um valor total de €36.396,49, indevidamente pagos pela Requerente (cfr., docº 11), pelo que requer a acumulação de pedidos, nos termos do nº 1 do artigo 3º do RJAT e artigo 104º do CPPT, ex vi, artigo 29º do RJAT e, pede o direito aos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT, ambos, ex vi, artigo 29º do RJAT.
1.2 Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:
- Em 21-12-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,
- Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 05-01-2017, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
1.3 A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
- Os atos de liquidação, a que respeitam os impostos únicos de circulação, liquidados e identificados nos documentos nº 1 e 2, anexo à PI, foram dirigidas diretamente à Requerente;
- Ora, a Requerente, como sociedade comercial, dedica-se à comercialização de veículos, representando diversas marcas de automóveis, pelo que os “veículos objetos das liquidações contestadas, inserem-se na sua atividade de venda de veículos novos à rede dos seus concessionários e, noutros casos, a empresas de rent-a-car”;
- Face aos veículos, em causa, a Requerente atuou como intermediária entre os fabricantes das marcas que representa e os concessionários, no âmbito de contratos de concessão (inseridos nos doc.º nº3) e, com as empresas de rent-a-car, atuou, no âmbito de acordos de fornecimento (inseridos nos doc.º nº 15), ambos os documentos estão anexos aos autos;
- Todavia, os 200 veículos controvertidos, foram comercializados pela Requerente no âmbito dos já supra citados contratos de concessão e acordos de fornecimento;
- Sendo relevante considerar que a Requerente, só comercializa veículos novos;
- Pelo que, necessariamente, apenas procede à matrícula dos veículos que encomenda para a execução dos referidos contratos aos respectivos concessionários e execução de acordos de fornecimento, a fim de proceder à entrega dos veículos já matriculados (cf., docº nº 3, cit. clausula 3ª, e docº, nº 6 e 15, junto aos autos);
Acresce, ainda, que a Requerente procedeu à emissão de faturas de venda até à data de atribuição da matrícula ao veículo, em Portugal;
- No caso das vendas da Requerente a concessionários, a emissão de fatura ocorre, anteriormente, à data da matrícula, sendo estes identificados pelos números dos chassis e, objeto de posterior nota de débito do ISV, já com matrícula (cfr. docº nº 10 e 15, junto aos autos);
- No caso das empresas ren-a-car, a data da fatura coincide com a data da matrícula (cf. faturas emitidas pela Requerente, junto aos autos, docº nº 10 e 15);
- Pelo que, em conformidade com o documento nº 10 e 15 (junto aos autos), se verifica toda a tramitação que a Requerente procede em relação ao registo de veículos, tanto no âmbito dos concessionários como no âmbito dos acordos com a rent-a-car;
- Sendo que, das faturas, in documento nº 10 e 15, supra citadas, retira-se que o registo inicial de propriedade a favor da Requerente foi efetuado “em momento em que a mesma não detinha a propriedade dos referidos veículos, visto que os tinha já transmitido aos concessionários ou empresas de rent-a-car”;
- O que, no caso sub judice, afasta qualquer responsabilidade da Requerente face ao pagamento do IUC, pois esta nunca foi proprietária de qualquer dos 200 veículos em causa, conforme se demonstrou e provou nos factos, documentalmente, apresentados e anexos aos autos, porque, ao momento do ano da matrícula, a liquidação do imposto dos veículos, em causa, já não pertenciam à Requerente;
- Pelo que, do que antecede, “os veículos, em causa, foram todos vendidos aos concessionários e empresas rent-a-car, anteriormente à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto” resultando que, a Requerente” procedeu à faturação dos veículos, em questão, ainda, antes da atribuição da matrícula;
- Atento o contextualmente descrito, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.
1.4 A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), apresentou resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:
- Impugna, no âmbito de” erro sobre os pressupostos e na consequente violação do artigo nº 3º do Código do IUC”;
- Alegando que a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais, subsumíveis ao caso sub judice;
- Fundamenta que, “da conjugação dos artigos 3º, 6º e 17º, todos do CIUC, os procedimentos alegados pela Requerente tanto (no âmbito da importação e posterior venda aos concessionários, não ser responsável pelo IUC, pois não é sujeito passivo do imposto de circulação de veículo e, também quando alega que o procedimento da Requerida, quer no respeitante ao pedido de matrícula quer ao registo inicial), viola o nº 1 do artigo 3º do CIUC”;
- A Requerida impugna, também, os factos efetuados pala Requerente, tanto no âmbito da matrícula como no âmbito do registo, em território nacional;
- Factos que poem em causa a exigibilidade do imposto único de circulação de veículos;
- Alegando que “o legislador tributário, no artigo 6º do CIUC, estabelece, claramente, o facto gerador do imposto, bem como a sua exigibilidade, uma vez que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;
- Fundamenta tal situação, nos termos do artigo 24º do RRA, “visto que a Requerente ao preencher a DAV, pago o ISV e pedido o certificado de matrícula, ela preenche o facto gerador do imposto (incidência objetiva /subjetiva), sendo-lhe exigível o seu pagamento nos termos do artigo 3º do CIUC”;
- Logo, o facto gerador do imposto é atestado pela atribuição da matrícula;
- E, que “o primeiro registo de cada veículo automóvel é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso a Requerente”;
- Fundamenta, a Requerida de que “o legislador tributário, nos artigos 3º e 6º do CIUC, estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando inequivocamente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;
- Sendo, portanto, irrelevante que a Requerente tenha transmitido, com a venda, a propriedade dos veículos automóveis, a “terceiros”;
- A Requerida, face os factos, sumariamente expostos:
- Faz uma interpretação geral e objectiva do disposto, expressamente, nos artigos que invoca, não considerando a presunção do artigo 3º do CIUC, afastando, assim, o artigo 73º da LGT;
- Não leva em linha de conta, o princípio da “equivalência”, previsto no nº 1º do CIUC, corolário do princípio do poluidor/pagador, com assento no nº2 do artigo 66º da CRP;
- Não considera, os trâmites legalmente efectuado, pela Requerente, aquando da sua primeira inscrição de matrícula ou registo em território nacional, cumprindo os prazos permitidos, face à conjugação do nº 2 do artigo 24º do RRA com o nº 1 do artigo 17º do CIUC.
1.5 A reunião prevista no artigo 18º do RJAT foi dispensada, por se tratar de questões já suficientemente debatida, quer nos autos quer na Jurisprudência, entendendo, este Tribunal Arbitral Tributário, desnecessário as alegações finais, prescindindo da inquirição de testemunhas;
- O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, designou, previsivelmente, até ao dia 03-04-2017, a Prolação da Decisão Arbitral.
2 QUESTÕES DECIDENDAS
2.1 Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:
- A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atos de liquidação e à ilegalidade dos atos de juros acessórios, face aos anos de 2011 e 2012, referente ao IUC sobre os 200 veículos supra referenciados na PI;
- A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;
- O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.
3 FUNDAMENTOS DE FACTO
3.1 Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:
- A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1, 2, 3, 4, 6, 10, 11 e 15, anexos à PI, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS
- Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS
- Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.
4 FUNDAMENTOS DE DIREITO
4.1 O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:
- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;
- O processo não enfermo de nulidades;
- Não existe questão prévia sobre a qual o Tribunal se deva pronunciar.
4.2 O pedido, objeto do presente processo é a declaração de anulação dos atos de liquidação do IUC correspondente aos veículos automóveis melhor identificados nos autos;
4.2.1 Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 36.396,49;
4.2.2 Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.
4.3 Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.
4.4 A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo, que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.
4.5 Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.
5 QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC
5.1 Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.
É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:
- A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12, de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;
- Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;
- A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;
- Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção;
- Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;
- O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efetivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;
- A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objetivamente postergados.
5.2 Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.
5.3 Atentos os factos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;
- Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redirecionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efetivo, sujeito passivo do imposto em causa.
- O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).
- A audição prévia que, naturalmente, se há-de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.
- Que nos autos em apreço, a Requerente, demonstrou, à AT, em sede de audição prévia, que os factos incidiam no âmbito de contratos a concessionários e de acordos com empresas rent-a-car, pelo que, através de documentos, anexos aos autos nunca a Requerente pode ser responsável pelo pagamento do IUC.
6 SOBRE O VALOR JURIDICO DO REGISTO
6.1 Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:
- O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;
- O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;
- Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;
- Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;
- Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;
- Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;
- O que no referente aos factos controvertidos, existem, junto aos autos documentos, que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronúncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence aos respetivos proprietários/utilizadores, dos veículos, a responsabilidade subjetiva dos IUCs, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC.
7 A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL
7.1 DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL
- O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;
- É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;
- Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, nos anos de 2011 e 2012, há que considerar, que ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica dos proprietários/utilizadores dos referidos automóveis, porque estes detêm o uso e o gozo dos referidos veículos, pelo que nos termos do nº1 e 2 do art. 3º do CIUC, têm que ser responsabilizados, pelo pagamento da obrigação do referido imposto.
7.1.1 Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;
7.1.2 Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.
Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito. Apresentando, assim, as faturas de venda, de 200 veículos constantes dos documentos, anexos à Reclamação Graciosa e junta aos autos como documento nº 10, 15 e nºs 3, 4,6, que se dão por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais.
7.2 ILISÃO DA PRESUNÇÃO
- A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos;
- Faturas de venda aos concessionários e acordos às empresas rent-a-car, documentos junto aos autos com os nºs 1,2,3,4,6,10,15 e 11;
- Ora, esses documentos, gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel eram os legítimos proprietários e não a Requerente.
8 OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO
- Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.
9 REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO
- Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”
- Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”;
- O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
10 DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
- A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.
- No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.
- Pelo que tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.
11 DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
- Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2011 e 2012, relativamente aos 200 veículos automóvel identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;
- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 36.396,49 euros, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos;
- Deve, também, a AT efetuar o pagamento correspondente ao montante devido aos juros indemnizatórios, sobre o imposto pago referente às liquidações anuladas, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT, ex vi, do nº 2 do artigo 61º, do CPPT (Redação da Lei nº 55-A/2010, de 31-12, entrada em vigor, em 2011-01-01.
VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36.396,49.
CUSTAS: De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.
Notifique-se, as partes.
Lisboa, 03-04-2017
O Árbitro
Maria de Fátima Alves
(o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redação pela ortografia atual)