DECISÃO ARBITRAL
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-10-2016. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o subscritor e notificou as partes dessa designação.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 30-12-2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
I – RELATÓRIO
No dia 14-10-2016, a sociedade “A…, S. A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pretendendo anular a decisão da Autoridade Tributária, de indeferimento da Reclamação Graciosa, e em consequência, determinar a anulação das autoliquidações referentes ao exercício de 2013 com a consequente restituição do montante de €4.996,00 (quatro mil, novecentos e noventa e seis euros), equivalente ao valor das tributações autónomas pagas, em 2013, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, previstos no art.o 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.
Mais requerendo que, qualquer aplicação da norma - n.º 21 do artigo 88.º do CIRC - que implique uma interpretação da mesma no sentido da não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, seja considerada inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
Por seu turno, a AT defende, entre o mais, e em vasta fundamentação, que tais entendimentos amputam inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador, não tendo qualquer sustentáculo legal, sendo a interpretação propugnada pela Requerente, um atropelo às regras vigentes de apuramento do imposto.
Argui abundante jurisprudência arbitral em seu favor.
O processo não enferma de nulidades.
Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II- MATÉRIA DE FACTO
1. A Requerente assume a forma jurídica de uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal e qualificada, em sede do IRC, como um sujeito passivo residente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código daquele imposto.
2. A Requerente submeteu a declaração Modelo 22 do IRC, referente ao período de tributação de 2013, a 24 de Maio de 2014.
3. O montante total de PEC disponível para dedução totaliza €4.996,00 (quatro mil, novecentos e noventa e seis euros), relativo ao PEC pago com referência ao período de tributação de 2013.
4. Não foi deduzido qualquer montante a título de PEC, uma vez que não foi apurada qualquer coleta, e que o montante liquidado de tributações autónomas ascendeu a € 70.128,74 (setenta mil, cento e vinte e oito euros e setenta e quatro cêntimos).
5. Em 28.04.2016 a Requerente apresentou pedido de Reclamação Graciosa, o qual foi autuado com o número …2016…, que culminou com despacho de indeferimento, datado de 13.10.2016, tendo sido notificado à ora Requerente através do VIA CTT datado de 17.10.2016 – cfr. fls. 68 do Processo Administrativo (PA).
6. Tal decisão negou à Requerente o pedido de direito à anulação da liquidação objecto, porquanto foi entendido, ao contrário do que sustentava, que os pagamentos especiais por conta, não são dedutíveis à colecta produzida por tributações autónomas.
A- Factos dados como provados
Todos os referidos.
Não é controvertida a matéria de facto.
B- Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C- Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III- DO DIREITO
1- A questão controvertida na presente ação arbitral prende-se com a pretensão
de reconhecimento do direito de a Requerente deduzir os valores pagos a título de pagamentos especiais por conta à colecta produzida por tributações autónomas.
Vejamos
2- Tal questão tem vindo a ser tratada de forma insistente neste CAAD, conforme, entre outras, dá conta a Resposta da AT.
Confira-se, no respeitante:
Processo n.º 113/2015-T; Processo n.º 535/2015-T; Processo n.º 639/2015-T; Processo n.º 535/2015-T; Processo n.º 670/2015-T; Processo n.º 722/2015-T; Processo n.º 736/2015-T; Processo n.º 745/2015-T; Processo n.º 746/2015-T; Processo n.º 750/2015-T; Processo n.º 751/2015-T; Processo n.º 752/2015-T; Processo n.º 767/2015-T; Processo n.º 769/2015-T; Processo n.º 780/2015-T; Processo n.º 781/2015-T; Processo n.º 784/2015-T; Processo n.º 784/2015-T. Proc.º n.º 775/2015, etc.
3- Por com ele concordar, seguimos, de muito perto, transcrevendo, com a devida vénia, o entendimento propugnado na decisão proferida no Procº n.º 673/2015-T, na parte em que afirma:
(…) Como se vê pela decisão da reclamação graciosa, a única razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa, que os pagamentos especiais por conta não são dedutíveis à colecta de tributações autónomas foi a de entender que estas não integram a colecta de IRC.
Como já ficou referido, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que «a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto», sendo «apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» (artigo 38.º da Resposta).
Disse ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 39.º da Resposta que «o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto».
Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.
Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, que, como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no citado artigo 38.º da sua Resposta, se aplica também à liquidação das tributações autónomas.
Por outro lado, como já se referiu, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.
Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.
A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». ( [9] )
O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.
Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.
Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.
Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ([10]), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.
Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». A estatística da Autoridade Tributária e Aduaneira que atrás se referiu, bem como o próprio caso em apreço, em que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2012 e 2013 e em ambos apresenta apenas tributação autónomas de valor avultado, são elucidativos do problema de constitucionalidade que se coloca.
De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:
«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».
(...)
«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.
(...)
Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.
Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».
Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([11])
O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.
Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.
Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ([12]), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.
Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.
Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:
Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.
Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».
Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».
BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:
Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.
Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.
Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:
– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;
– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com o CFEI, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.
Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.
Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.
Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).
As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º ([13]), na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.
No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas condições, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.
E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC.
À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).
Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.
Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:
«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo o órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.
Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado». ([14])
No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.
Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas (…).
4. Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quanto à ilegalidade das autoliquidações.
5. Cumpre dizer, não obstante, que somos muito sensíveis á questão do principio constitucional da irretroatividade da Lei em matéria fiscal como é defendida na Decisão do Proc.º n.º 775/2015, bem como na douta e superiormente abordada no voto de vencido do Exmo Árbitro João Taborda da Gama - Procº 302/2016 - nos termos que, mais uma vez com a devida vénia, se transcrevem extratos:
(…)…Em geral é metodologicamente muito discutível a articulação entre normas interpretativas e a própria ideia de separação de poderes, bem como o seu fundamento metodológico, não vejo como, após a proibição constitucional de retroatividade fiscal, possa ter acolhimento a conduta do legislador fiscal de pretender dispor com força de lei sobre o sentido de uma fonte de direito desde a sua criação, fixando um desses sentidos e afastando outros.
Admitir normas interpretativas retroativas em matéria fiscal não apenas viola a proibição constitucional expressa de retroatividade em matéria fiscal como distorce os termos de um princípio de justiça fiscal e de igualdade tributária no contexto da atual conformação da relação jurídica tributária, assente nos deveres de cooperação dos contribuintes. Com efeito, e para mais num contexto estrutural de forte pressão orçamental, legitimar o uso de normas fiscais interpretativas-retroativas não pode deixar de funcionar como um incentivo ao legislador orçamental para, e sabendo-se o papel de direito e de facto da Administração e do Governo na feitura das leis fiscais, a coberto de elaboradas distinções doutrinárias de âmbito geral sobre o que sejam normas (apelidadas de) verdadeiramente interpretativas, afastar, com efeitos retroativos, o sentido interpretativo de normas fiscais que não maximize a cobrança de receita.
…Na maioria dos casos, não será difícil a este legislador de segunda-de-mão encontrar um sentido interpretativo possível a seu contento, desde logo aquele que tiver vindo a ser consagrado após a edição da norma pela concretização da Administração fiscal em casos concretos ou em orientações genéricas, e independentemente do que seja o sentido extraído pelos contribuintes, pela comunidade, ou até pelos tribunais. Fazendo, através deste expediente, com que seja esse sentido aquele que deve, ab initio, regular as situações jurídicas já ocorridas, distorce o legislador de modo inadmissível os termos da relação entre o Estado e o Cidadão, e entre os vários poderes constitucionalmente previstos e garantido.
Essa fixação retroativa de um sentido normativo, que é o mesmo que dizer esse afastamento retroativo de todos os outros sentidos, influindo até de várias formas sobre a decisão de casos concretos, viola frontalmente, nomeadamente, a proibição constitucional de retroatividade em matéria fiscal.
Abre-se assim o caminho à revisibilidade permanente das leis fiscais por via de leis interpretativas, tendência que, de resto, começa já a fazer o seu curso. Esta revisibilidade do plano normativo inicial a coberto de normas interpretativas tem, não se pode deixar de destacar, traços de insídia legislativa, insídia inadmissível num Estado de Direito Democrático, porque é uma atitude a que falta a frontalidade do legislador que opta por assumir com clareza perante a comunidade o caminho da retroatividade tributária, submetendo-se então aos cânones que a comunidade jurídica, num determinado tempo e local, tenha aperfeiçoado para lidar com essa complexa questão. Ao escolher regular o passado de forma enviesada, dizendo que não está a tocar no passado porque afinal sempre devia ter sido como só agora vem dizer, e porque fugindo a uma assunção frontal da retroatividade nos planos político, jurídico, dogmático e metodológico, o legislador tributário extravasa os limites dos seus poderes e nega a essência da sua função, conduta que só pode merecer a mais clara repugnância jurídica (…).
6- Enfim, atentas as especificas, concretas e pertinentes considerações aduzidas na decisão transcrita e, sobretudo, o constatado sentido decisório maioritário, (inclusive no TC), ao qual - ainda que com as reservas manifestadas - se adere, pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), impõe-se concluir que:
- Decorre do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 a possibilidade de dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas;
- Concede-se, contudo, a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC constante do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março;
- Não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz nessa norma, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, ou outro, no respeitante à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto à ilegalidade da (auto)liquidação.
7- Nessa razão, o ato tributário de liquidação contestado, não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a sua manutenção na ordem jurídica e não a sua anulação, como é pedido.
8- Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios, formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1 da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, pelo que foi referido, não há, obviamente, lugar a qualquer reembolso ou pagamento de juros indemnizatórios.
DECISÃO
Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a- Não declarar a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e ato tributário de liquidação impugnados;
b- Não atender ao pedido de inconstitucionalidade formulado;
c- Não determinar o reembolso do valor do imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios;
d- Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €4.996,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das al.s a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi considerado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 06 de Abril 2017
O Árbitro
Fernando Miranda Ferreira