Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 630/2016-T
Data da decisão: 2017-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 39.833,42
Tema: IRC- Benefícios Fiscais (SIFIDE) - Tributações autónomas
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Requerente A…, SA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A…, SA., contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua … …, …-…, … (doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por “RJAT”) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada para impugnação da autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2013 e 2014, bem assim como dos próprios atos de liquidação de tributações autónomas de IRC, no montante global de €39.833,42, pretendendo a sua anulação.
  2. No presente pedido arbitral a Requerente impugna as seguintes liquidações de tributações autónomas de IRC:

- Autoliquidação de IRC – tributações autónomas, exercício de 2013 no montante de €16.741,21;

- Autoliquidação de IRC – tributações autónomas, exercício de 2014, no montante de €23.092,21;

 

O montante global de imposto autoliquidado é, pois, de €39.833,42, o qual foi integralmente pago pela Requerente.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 21-10-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 21-12-2016, a ora signatária como árbitro para constituir o Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-01-2017 e, na mesma data, foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 02-02-2017 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Em 09-02-2017 foi proferido despacho arbitral para as partes se pronunciarem sobre a necessidade de produção da prova testemunhal indicada, bem assim como a necessidade de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, uma vez, compulsados os articulados e documentos juntos, conclui-se que as questões essenciais em debate são exclusivamente de direito, não havendo divergência quanto aos factos em causa nos autos. No mesmo despacho foram, ainda assim, indicadas duas datas alternativas para a realização da reunião.

 

  1. No seguimento do despacho arbitral atrás mencionado vieram as partes pronunciar-se a favor da dispensa de produção de prova testemunhal e da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Nesta conformidade, por despacho arbitral proferido em 22-02-2017, nos termos do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19º e 29º, nº2 do RJAT, o Tribunal dispensou a dita reunião, fixou o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas, indicou como data provável para a prolatar a decisão arbitral o dia 31 de março de 2017 e advertiu para o pagamento da taxa arbitral subsequente. A Requerente apresentou as suas alegações, em 02-03-2017 e a Requerida em 03-03-2017, nas quais reiteram as posições previamente vertidas no pedido arbitral e na resposta.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do presumido indeferimento (tácito) da reclamação graciosa apresentada e, em consequência, pretende a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC, referentes aos exercícios de 2013 e de 2014, cuja anulação requer, peticionando o reembolso dos valores cujo pagamento efetuou acrescidos de juros indemnizatórios. Está em causa nos autos determinar se a Requerente tem ou não direito a deduzir os benefícios fiscais a que tem direito, em virtude de terem sido aprovados no âmbito do SIFIDE, por dedução à coleta do IRC produzida por tributações autónomas nos referidos exercícios (2013 e 2014).

É entendimento da AT que tal dedução não se afigura possível, e que a natureza das tributações autónomas não comporta tal possibilidade de dedução de benefícios fiscais, como alega a Requerente.

 

As liquidações emitidas, foram pagas pela Requerente, a qual até por força do sistema de incentivos de que é beneficiária, tinha a obrigação de manter a sua situação fiscal regularizada.

 

  1. Em síntese, para fundamentar o seu pedido alega a Requerente que a coleta das tributações autónomas é efetuada nos termos e para os efeitos do artigo 90º do CIRC e por essa razão deve ser considerada para todos os efeitos legais coleta de IRC e nessa medida, tem de ser aplicado o disposto na alínea c) do nº2 do artigo 90º do CIRC que determina que ao montante apurado nos termos do número 1 do art. 90º sejam efetuadas as deduções constantes no nº2, entre as quais a relativa aos benefícios fiscais (al. c) do nº2 do art. 90º).

Invoca em defesa da sua posição diversa jurisprudência arbitral, nomeadamente a vertida nos acórdãos proferidos nos processos 219/2015-T e nº 370/2015 – T, nos quais se reconheceu que os créditos fiscais decorrentes de investimentos efetuados pelo contribuinte, designadamente, atribuídos no âmbito do SIFIDE, podem ser deduzidos à parte da coleta de IRC que resulta da aplicação do disposto no artigo 88º do CIRC, isto é, à coleta de tributações autónomas.

Conclui peticionando a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e das autoliquidações impugnadas, com referência aos exercícios de 2013 e de 2014, com as legais consequências, nomeadamente o processamento do reembolso do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em defesa dos atos impugnados, alega que a pretensão da Requerida deverá improceder, porquanto considera que a coleta a que se refere o art. 90º do CIRC, em caso de autoliquidação, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação/autoliquidação, conforme resulta da sua alínea a). Já o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido, e apenas, à coleta apurada com base na matéria coletável, como resulta do art. 5º alínea a) da lei reguladora do SIFIDE, que impede os créditos dele decorrentes serem deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos. Muito menos, alega a AT, poderá ser deduzido às tributações autónomas que são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do art. 90º do CIRC. Invoca o percurso histórico do regime da não dedutibilidade de despesas que conduziu às tributações autónomas.

Conclui, em síntese, que seria contrário ao espirito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o nº2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos, desvirtuado, às tributações autónomas esse carácter anti abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC. Pugnando pela desconsideração das tributações autónomas para o efeito das deduções referidas no nº2 do artigo 90º do CIRC, reafirma a legalidade dos atos impugnados com a consequente improcedência do pedido arbitral. Contesta, ainda, o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  1. A Requerente é, para efeitos de tributação em sede de IRC, uma entidade sujeita e não isenta de IRC.
  2. A Requerente tem como objeto social: a prestação de serviços de consultadoria , técnica e manutenção na área da informática, produção e desenvolvimento, comercialização e representação de programas de computadores, distribuição, comercialização e fornecimento de sistemas informáticos, produção multimédia e tecnologias aeroespaciais, de âmbito civil, militar, engenharia, desenvolvimento, desenho, produção, fornecimento, instalação e integração de instalações eléctricas, electrónicas e mecânicas e sistemas de supervisão de telecomunicações, incluindo instalações eléctricas de utilização de baixa tensão, redes eléctricas de baixa tensão, redes eléctricas de baixa tensão e postos de transformação, infraestruturas de telecomunicações, desenvolvimentos telemáticos, instalações de apoio e sinalização em sistemas de transporte e outras instalações mecânicas e eletromecânicas, construção geral de todo o tipo de obras, tanto de edificação como obras públicas, sua manutenção e reparação. Importação e exportação.
  3. Com referência aos exercícios de 2013 e de 2014, a Requerente efetuou as correspondentes autoliquidações de IRC mediante a apresentação das declarações Modelo 22, que juntou aos autos.
  4. Com referência ao exercício de 2013, em resultado da declaração de rendimentos apresentada, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento de imposto no valor de €16.741,21, que corresponde na íntegra ao montante das tributações autónomas liquidadas nesse exercício.
  5. Com referência ao exercício de 2014, em resultado da declaração de rendimentos apresentada, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento de imposto no valor de €23.092,21, que corresponde na íntegra ao montante das tributações autónomas liquidadas nesse exercício.
  6. Valores pagos pela Requerente, como resultam das declarações juntas aos autos, comprovativas da sua situação fiscal regularizada à data em que foram atribuídos os créditos fiscais ao abrigo do SIFIDE.
  7. A Requerente, no âmbito da sua atividade, desenvolve avultados investimentos relacionados com a investigação e desenvolvimento, pelo que apresentou candidatura ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), aprovado nos termos da Lei nº 40/2005 de 3 de agosto.
  8. As candidaturas foram aprovadas tendo sido atribuídos à Requerente créditos fiscais nos montantes de €385.920,00 com referência ao exercício de 2013 e de €147.947,12 com referência ao exercício de 2014.
  9. A Requerente teve conhecimento da decisão de atribuição dos créditos fiscais, após a apresentação das respetivas declarações Modelo 22.
  10. A Requerente apresentou em 29-04-2016, as Reclamações prévias obrigatórias, para contestar as liquidações relativas aos exercícios de 2013 e 2014, invocando que à liquidação da tributação autónoma efetuada nos termos do artigo 90º do CIRC, nos termos da alínea c) do nº 2, deve ser deduzido o benefício fiscal (crédito fiscal SIFIDE) à coleta das tributações autónomas.
  11. A Requerente foi notificada em 03-10-2016 para se pronunciar em sede de direito de audição, quanto ao projeto de decisão e indeferimento das Reclamações Graciosas.
  12. A Requerente não exerceu esse direito de audição, considerando que já se encontrava ultrapassado o prazo legal para produção da presunção de indeferimento tácito.
  13. Até à data da apresentação do pedido arbitral (21-10-2016) as reclamações Graciosas não foram decididas.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1. Os factos dados como provados têm base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, devendo selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

IV – DO DIREITO

 

 

  1. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em saber se os créditos fiscais que foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem, ou não, ser deduzidos à parte da coleta apurada pelas tributações autónomas, com referência aos exercícios de 2013 e 2014. Esta é a questão essencial objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral que cabe apreciar e decidir.

 

  1.  Com referência aos exercícios em causa, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II)[1] aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a vigorar entre 2011 e 2015. Este diploma estabelece, para os sujeitos passivos de IRC abrangidos pelo sistema de incentivos SIFIDE, ou seja, a quem tenha apresentado a necessária candidatura, provado a verificação dos pressupostos legais para a sua aprovação, o reconhecimento dos respetivos benefícios fiscais (créditos fiscais).

 

  1. Nos termos deste regime de incentivos, dispõe o artigo 4º do SIFIDE que:

 

“1-  os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

     (...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.”

 

  1.  Resulta do disposto na lei, de forma inequívoca, uma remissão para o artigo 90.º do CIRC, o qual estabelece a regra de liquidação do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

Ora, é o artigo 4º do SIFIDE que define o âmbito da dedução do benefício fiscal, ao referir que os sujeitos passivos abrangidos pelo benefício fiscal podem efetuar a sua dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência.

Nesta conformidade o elemento literal não deixa dúvidas e leva-nos a concluir que a questão a resolver se centra, portanto, na interpretação e aplicação desta norma  que refere que os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º CIRC, e até à sua concorrência (,..)”. Fica, pois, respondida a questão de saber se o artigo 90º do CIRC é ou não aplicável. Não temos dúvida que sim.

 

  1. Posto isto, impõe-se alguma reflexão sobre o sentido e alcance da aplicação do referido artigo 90º, no caso concreto dos autos, ou seja, à questão de saber se o IRC determinado por tributações autónomas estará ou não sob alcance do disposto no artigo 90º e da possibilidade de dedução do respetivo benefício fiscal. É, precisamente, sobre esta específica questão que as partes divergem, dando origem ao presente litígio.

Esta questão pressupõe algumas considerações sobre a natureza das tributações autónomas, as quais têm suscitado muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, mormente, quanto à sua verdadeira natureza.

Diga-se que sobre esta questão e abordando problemas jurídicos muito semelhantes ao que agora tratamos, existe já numerosa jurisprudência arbitral, salientando-se as decisões arbitrais proferidas nos processos 113/2015-T; 697/2014-T (com voto de vencido); 219/2015-T, 370/2015-T; 369/2015-T; 673/2015-T, 722/2015-T, sem prejuízo de outros.

Não há dúvida que a controvérsia sobre a natureza das tributações autónomas é, ainda, motivo de discussão entre a doutrina e a jurisprudência atuais, mas parece incontornável que o disposto no artigo 90º do CIRC é a única norma de referência nesta sede, por inexistir qualquer outra disposição de disponha de modo diferente ou que afaste a sua aplicação, como se demonstrará.

 

  1. Como alega a Requerente, citando o voto de vencido constante do Acórdão 607/2014 – T, “o CIRC refere-se, de modo expresso às tributações autónomas em apenas cinco artigos, a saber:
  2. No art.º 12.º do CIRC, que exclui as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, previstas no artigo 6º do CIRC;
  3. No art.º 23.º-A, n.º 1, que dispõe que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável;
  4. No art.º 88.º, que estabelece as taxas e delimita a matéria coletável das tributações autónomas);
  5.  No art.º 117.º, n.º 6, que prevê a obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas;
  6. E, no art.º 120.º, n.º 9, quanto à declaração periódica de rendimentos.”

 

  1. Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas. Elas estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC, incluindo o artigo 90º. Aliás, a AT reconhece isso mesmo, embora defenda, por assim dizer, uma interpretação restritiva do disposto neste normativo, mormente o disposto no seu nº 2, quando esteja em causa a dedução de benefícios fiscais, com o sucede no caso em apreço.

 

  1. Nos presentes autos, não está, pois, em discussão a natureza das tributações autónomas, porquanto as partes assumem tratar-se de tributação em sede de IRC, divergindo apenas quando à dedução dos benefícios fiscais. Assim, sendo, há que ter em conta que a coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos e taxas de imposto definidos no artigo 88.º do CIRC. Mas para o procedimento de liquidação do imposto existe apenas e só a norma do artigo 90º do CIRC.  Este artigo delimita a matéria coletável das tributações autónomas e enuncia as taxas das tributações autónomas, que são diversas, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem, o tipo de sujeito passivo e os resultados económicos do sujeito passivo (se obteve ou não lucro). Este último aspeto assume uma importância fundamental, porquanto as diferentes e possíveis taxas aplicáveis dependem de se apurar lucro ou prejuízo fiscal no exercício. Resulta do disposto na lei (art. 88º do CIRC) que a coleta de IRC determinada pelas tributações autónomas é função do resultado tributável e, por consequência, só poderá ser apurada após o encerramento do exercício, já que só então saberemos quais as taxas aplicáveis. Logo, em bom rigor, a liquidação do IRC é única, embora composta por uma parte que é determinada por aplicação das taxas previstas para as tributações autónomas, sempre em conformidade coma técnica de apuramento de imposto legalmente prevista.[2]

 

  1. Ora, se a coleta proveniente de tributações autónomas depende da que vier a resultar para o restante lucro tributável (positivo ou negativo), não se pode dizer que seja “determinada de modo instantâneo, coincidindo com a realização da despesa”, já que a taxa de incidência em cada caso só é conhecida no final do período de tributação. Sendo assim, é evidente que a liquidação ocorre, apenas e só, após a formação sucessiva de todo o rendimento tributável em sede de IRC[3]. Outro entendimento, seria contrário ao disposto na lei, e não podemos esquecer que as regras para determinação da matéria coletável e liquidação do imposto estão protegidas pelo princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103º da Constituição.

De resto, o que aqui se discute, tendo como referencial a causa de pedir e a resposta à mesma deduzida pela AT, não é a natureza das tributações autónomas, mas a questão de saber se a dedução (ou não) do crédito fiscal resultante do SIFIDE à coleta de IRC gerada por tributação autónoma. Para as partes, tal qual resulta dos respetivos articulados as tributações autónomas são consideradas tributação em sede de IRC, embora por aplicação de regras próprias. É certo, porém, que não podemos olvidar que esta questão está pressuposta em toda a discussão que levará à decisão da questão suscitada nos autos.

Como refere Saldanha Sanches: "Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. " (cf. "Manual de Direito Fiscal", 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406). Ora, esta é uma questão central na determinação do lucro tributável, em sede de IRC e da sua posterior liquidação. O legislador optou por uma técnica legislativa que passa por autonomizar certos tipos de custos já relevados contabilisticamente, sujeitando-os a taxas diferentes das taxas gerais do imposto. Assim, essas despesas ou custos relevam em sede de determinação do rendimento tributável e, por isso, para evitar abusos o legislador ao invés de não permitir a sua dedução como custo, corrige eventuais abusos a posteriori pela incidência das taxas de tributação autónoma, que, por sua vez, dependem do resultado do exercício. O que visa atingir, em todo o caso, é o rendimento que pela via do custo realizado reverteu para terceiros sem incidência de tributação. Embora tivesse outras alternativas foi esta a técnica fiscal escolhida pelo legislador. O tribunal tem de respeitar esta opção e decidir em conformidade com este pressuposto.

Veja-se, ainda a este propósito a análise vertida nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 370/2015-T, 369/2015-T ou 673/2015-T que se subscreve inteiramente.

 

  1. Conclui-se que o legislador confrontado com  a admissibilidade ou não deste tipo de despesas (entre as quais encontramos situações profundamente diversas entre si, umas perfeitamente opacas, como o caso das despesas confidenciais ou não documentadas, e outras que têm manifesta relação com a atividade exercida, como por exemplo sucede com as despesas de deslocação ou com viaturas, mas podem resvalar para algum exagero e possibilitar remunerações a terceiros sem impacto fiscal), optou por considerar que as mesmas deviam ser dedutíveis em sede de IRC mas, posteriormente, sujeitas a uma tributação autónoma, como forma de moralizar algum eventual abuso ou excesso. Esta foi a opção do legislador da qual se extrai que estas despesas são, num primeiro momento, relevantes como custos dedutíveis, para serem, num segundo momento, sujeitas a tributação autónoma. A opção pode ser criticável, porventura confusa e pouco coerente com o rigor conceptual que a técnica jurídica impõe, mas na conciliação entre o rigor jurídico e a técnica contabilística foi esta a solução que o legislador decidiu adotar. Certo é que, o legislador deixa claro que é em sede de IRC que estes dois momentos ocorrem, e a sua autonomização em sede de tributação se justifica pela diferenciação de taxas aplicáveis com uma penalização extra (se assim podemos dizer) quando o sujeito passivo apresente prejuízo, com a clara intenção de combater abusos e excessos.

 

  1. Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, quanto à forma de apuramento da tributação, um regime especial, diferente, quiçá algo estranho à dinâmica de um imposto sobre o rendimento, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. Dito de outro modo, o legislador tributa autonomamente estas despesas para tributar o rendimento que elas possam representar para os respetivos beneficiários escapando, contudo, nessa sede à tributação que seria devida. Deste modo moraliza e desincentiva as “encapotadas remunerações” de que falava Saldanha Sanches, no excerto citado.

 

  1.  Dando por assente, pois, que se trata de IRC, resta apreciar a questão fundamental de saber se o artigo 90º é ou não aplicável e se os benefícios fiscais resultantes do SIFIDE II, são ou não dedutíveis à coleta do IRC determinada pelas tributações autónomas.

 

Dispõe o artigo 90º do CIRC, na redação introduzida pela Lei nº3-B/2010 de 28-04 (versão em vigor para os exercícios de 2013 e 2014):

“Artigo 90º

Procedimento e forma de liquidação

1-A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a)Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tem por base a matéria coletável que delas conste.

(…)

2-Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

(…)

c)      A relativa a benefícios fiscais

(…)

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº2 não pode resultar valor negativo.”

 

  1. Face ao disposto na lei para o procedimento de liquidação em sede de IRC, no qual se integra a liquidação da parcela designada por tributação autónoma, tudo como bem se explicita pelo Modelo 22 utilizado para o efeito, somos levados a concluir que os benefícios fiscais são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que esta resulte por tributações autónomas.

Note-se que o artigo referente a estas últimas (art. 88º do CIRC – taxas de tributação autónoma)) se insere no Capítulo IV do CIRC (Taxas), evidenciando a conclusão a que chegamos, ou seja, trata-se de IRC determinado pela aplicação de taxas diferenciadas a determinadas parcelas de despesas (custos) que se autonomizam, apenas e só, para esse efeito. Logo, a liquidação das tributações autónomas faz-se pela aplicação do procedimento de liquidação previsto no artigo 90º do CIRC, pois não há outra norma que possamos convocar para o efeito.

Deste modo, a resposta à primeira parte da questão colocada ao Tribunal nos presentes autos é afirmativa, ou seja, a norma do artigo 90º do CIRC é aplicável à liquidação das tributações autónomas.

 

  1. Resta analisar a segunda parte da questão a decidir por este Tribunal e que passa por responder à questão de saber se os benefícios fiscais resultantes da aplicação do regime do SIFIDE II, são ou não dedutíveis no caso concreto. Da posição das partes vertida nos respetivos articulados resulta que ambas consideram a norma do artigo 90º do CIRC aplicável, apenas divergindo quanto à consideração dos benefícios fiscais e em concreto do crédito fiscal resultante do SIFIDE II. Considera a Requerida (AT) o disposto na alínea c), do nº 2, do artigo 90º, só permite deduzir os benefícios fiscais à coleta do IRC determinada pelas regras gerais do IRC, excluindo a coleta que venha a resultar das tributações autónomas.

Este é, verdadeiramente, o ponto da discórdia entre as partes. Vejamos pois.

 

  1. Sobre esta questão concreta já se pronunciaram, pelo menos, os Tribunais arbitrais constituídos nos processos nºs 370/2015 -T, 369/2015-T e 673/2015-T, reconhecendo que os benefícios fiscais são dedutíveis, também, à coleta determinada por aplicação das taxas de tributação autónoma. Seguimos esta jurisprudência, por considerar que é a única conforme com a letra e o espírito da lei, pois estando no cerne das matérias protegidas pelo princípio da legalidade fiscal, se outro fosse o pensamento do legislador devia tê-lo enunciado claramente e, nesse caso, devia ter excluído a dedução dos benefícios ao IRC determinado por tributação autónoma, tal, manifestamente, não resulta da lei.
  2. Acresce que, o legislador dispõe, no nº 7, do art. 90º, que daquela dedução não pode resultar valor negativo, logo, se quisesse dizer algo mais, acrescentaria, antes ou depois, que a dedução não podia reportar-se ao valor do IRC determinado por tributação autónoma. Não o disse, apesar de se ter pronunciado sobre os limites à dedução dos benefícios fiscais.

Acresce ainda, com manifesta relevância em defesa desta interpretação, o que o legislador verteu no artigo 92.º do CIRC.

Assim, no artigo 92º veio o legislador estabelecer que:

“1-(…) o imposto liquidado nos termos do nº1 do artigo 90º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do nº 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse dos benefícios fiscais  e do regime previsto no nº 13 do artigo 43º.

2- Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

(…)

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial SILFIDE II previsto no Código Fiscal de Investimento.”

 

  1. Ou seja, o legislador deliberada e conscientemente quis dar a este tipo de benefícios fiscais um tratamento preferencial, naturalmente, por razões extra -fiscais, que se prendem com o período de excecional crise económica que o país atravessava e ainda atravessa, de modo a proteger as empresas que mais contribuem para o investimento de elevado potencial tecnológico. Do disposto no nº 2, do art. 92º do CIRC, resulta evidente o carácter excecional que atribui ao benefício SIFIDE, que resulta duplamente protegido, porquanto recebeu também neste normativo legal uma proteção extra, face a outros benefícios fiscais que não mereceram idêntico tratamento. O legislador atribuiu, pois, a este benefício uma natureza excecional e prevalecente sobre muitos outros benefícios fiscais, e as razões que o levaram a consagrar tal benefício são exclusivamente determinadas por objetivos de política económica que não cabe ao Tribunal aferir ou julgar.  Na verdade, não cabe aos tribunais sindicar as políticas económicas dos Governos ou a forma como estes tentam conciliar os difíceis indicadores económicos, mormente quando o país precisa de incentivar o crescimento económico. Já no que toca ao argumento que convoca os princípios de justiça redistributiva e social, eles podem e devem ser cumpridos pela utilização de múltiplas políticas, integradas, sendo certo que essa função cabe muito mais no escopo do IRS e do que no do IRC. Pelo que, mal ou bem, há opções extrafiscais subjacentes a este tipo de regime de incentivos que não cabe aos Tribunais sindicar.

 

  1. Quanto ao argumento alegado pela Requerida a partir do disposto no artigo 5º do SIFIDE, que expressamente exclui a dedução do benefício fiscal nos casos em que tenha havido determinação do lucro tributável por recurso a métodos indiretos, o mesmo não colhe, pois que a situação aí plasmada não é semelhante ou sequer comparável à das situações contempladas com tributação autónoma. Aí verificou-se uma situação de evasão fiscal que determinou o recurso a métodos indiretos o que justifica, sem sombra de dúvida, a exclusão. Ora, essa situação não é comparável às que o legislador determinou como passíveis de tributação autónoma, as quais se encontram perfeitamente declaradas e conformes à verdade material, contabilística e são, ao demais, aceites para efeitos fiscais, incluindo os da aplicação das taxas autónomas a que estão sujeitas. Tudo em conformidade com o previsto na lei.

 

  1. Não acompanhamos, por último, os brilhantes considerandos constantes da recente decisão arbitral proferida no processo 722/ 2015-T, de 28-06-2016, vertidos em concreto quanto à questão da dedução dos créditos fiscais resultantes do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas, porquanto, aí se discute essencialmente a natureza da tributação autónoma que, na opinião aí defendida, não traduz tributação em sede de IRC mas sim de despesa. Também não subscrevemos, com o devido respeito, a sua fundamentação, porquanto a mesma não tem correspondência na lei. Sendo de louvar a elevada qualidade dos argumentos aduzidos, na verdade, eles passam por razões de política fiscal, económica e quiçá, social, discutíveis e que, em todo o caso, implicam tomada de decisões políticas que passam pelo poder legislativo e governativo. Aos tribunais cabe aplicar a lei em vigor ao tempo dos factos tributários, de acordo com os princípios hermenêuticos aplicáveis.

 

  1. Retornando ao caso dos presentes autos, não temos dúvida que confrontando o disposto no artigo 90º e 92º do CIRC, nos termos sobreditos, bem assim o estabelecido no artigo 4º do diploma regulamentador do SIFIDE, se conclui que à luz da lei vigente ao tempo dos factos tributários e tendo em conta a factualidade assente, os benefícios fiscais resultantes do SIFIDE II são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que determinada em sede de tributações autónomas.

Como bem se afirma no voto de vencida expresso no Acórdão 697/2014-T, já referenciado, “aceitar que a liquidação das tributações autónomas estivesse excluída do art. 90.º n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.”

 

Subscreve-se a jurisprudência vertida no Acórdão proferido no processo nº 370/2015-T, quando se afirma que “o elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil).

 

É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

 

Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

 

No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.

 

Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.

 

Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”

 

Posto isto, sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da “ratio legis” subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”, dito de outro modo “o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir”.  Considerados todos os elementos de interpretação da norma jurídica aqui mencionados, conclui-se pela dedução dos benefícios fiscais à coleta do IRC, mesmo na parte que seja determinada por tributações autónomas.

 

  1. Importa recordar que os benefícios fiscais são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, que o legislador considere superiores aos da própria tributação que impedem, conforme indica o artigo 2º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. No caso do SIFIDE, foi intenção do legislador sobrepôr as razões de natureza extrafiscal do benefício fiscal à própria cobrança da receita de IRC, que deliberada e conscientemente preteriu em prol do investimento em despesas de investigação e desenvolvimento. Este entendimento é confirmado pelo disposto no art. 92.º, nº2, do CIRC, quando exclui os benefícios do SIFIDE do limite de dedução referido nesse artigo.

Conjugando o disposto no artigo 4.º do diploma que aprovou o SIFIDE com o disposto no artigo 90.º do CIRC, conclui-se não existir qualquer base legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

 

  1.  E, nestes termos, a liquidação é única, ou seja, respeita às tributações autónomas e restante IRC, e assenta no mesmo suporte legal. A declaração Modelo 22 comporta, em si mesma, uma única liquidação de IRC, a qual em parte incorpora a liquidação das tributações autónomas. É certo que a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC obedecem a regras distintas, taxas diferentes, e cada uma tem a sua matéria coletável determinada de acordo com regras próprias, legalmente previstas, mas ambas obedecem à liquidação processada nos termos do art.º 90.º do CIRC. Nestes termos, e como bem se expressou no voto de vencida da Juiz Árbitro Leonor Fernandes Ferreira, no processo nº 697/2014 – T, “havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da colecta que provém das tributações autónomas é parte integrante da colecta de IRC. Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a colecta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração.

 

  1. Por tudo o que vem exposto, constatando que a Requerida assumiu que a coleta das tributações autónomas não permite a dedução dos benefícios fiscais determinados por aplicação do regime do SIFIDE II, nos termos em que foram reconhecidos à Requerente, e lhe negou (tacitamente) o direito à dedução do benefício fiscal, tal equivale à pratica de um ato ilegal por violação de lei. O mesmo é dizer, que assiste razão à Requerente quando reclama a ilegalidade dos atos de autoliquidação, impugnados nos presentes autos.

 

 

  1. Alegou, ainda, a Requerente que só tomou conhecimento da atribuição dos créditos fiscais após o prazo para a substituição da declaração Modelo 22, o que determinou a apresentação das reclamações graciosas prévias e obrigatórias. Mais alegou que, para além disso, o sistema informático não permite a dedução dos créditos do SIFIDE à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.

 

  1. Chegados aqui, resta concluir que o benefício fiscal reconhecido à Requerente, consubstanciado nos créditos fiscais reconhecidos para os exercícios de 2013 e 2014, pode ser deduzido à coleta do IRC, incluindo na parte proveniente de tributações autónomas. Tendo o ato de autoliquidação sido reclamado nos termos legalmente previstos e não corrigida a liquidação, subsiste a ilegalidade, o que impõe a anulação dos atos de liquidação impugnados, procedendo o pedido formulado pela Requerente.

 

V - Juros indemnizatórios

 

  1. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

  1. De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

  1. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores que tenham sido pagos indevidamente, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), contados até ao processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VI - DECISÃO

       Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato de indeferimento tácito das reclamações graciosas, bem assim como as liquidações objeto de impugnação nos presentes autos;

b)       Condenar a AT a restituir à Requerente os valores de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos sobreditos;

c)      Condenar a parte vencida nas custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €39.833,42, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

   

Notifique.

Lisboa, 3 de abril de 2017

                                                   

 

O Tribunal Arbitral,

 

________________________

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] O SIFIDE foi aprovado pela Lei nº 40/2005, de 3 de agosto, para vigorar entre 2006 e 2010; posteriormente a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, no seu art.133º, instituiu o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro.

[2] Neste sentido, contribui ainda o disposto no artigo 23º - A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, da qual se conclui, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC. Reforça, ainda, o entendimento segundo o qual com as tributações autónomas os objetivos do legislador foram e são o de combater abusos com impacto negativo na formação do rendimento tributável, pelo que, verdadeiramente é este rendimento tributável que o legislador quer atingir.

[3] De notar que a discussão em torno da natureza da tributação autónoma (rendimento ou despesa?) nos termos em que tem vindo a ser enunciada por alguma doutrina e jurisprudência obrigaria a conhecer do problema numa perspetiva muito mais alargada, à qual não poderia escapar a análise da sua conformidade face às imposições resultantes da Diretiva IVA e suas implicações.