DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A…, com o NIF…, residente na Rua…, n.º…, …, em Lisboa, na qualidade de CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE B…, com o NIPC … (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 99.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS), referentes ao ano de 2015 e às diversas divisões de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, no valor global de € 10 668,60 (dez mil, seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos).
Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, por compensação, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos legais.
Síntese da posição das Partes
a. Da Requerente:
Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e ao imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente o seguinte:
1. O prédio urbano identificado e a que respeitam as liquidações de Imposto do Selo impugnadas é um prédio em propriedade total, integrado por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário foi apurado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do IMI;
2. Sobre cada um dos treze andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinados a habitação, a Autoridade Tributária liquidou o Imposto do Selo da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), à taxa de 1%, sobre o respetivo Valor Patrimonial Tributário (VPT);
3. Embora o VPT das divisões destinadas a habitação varie entre € 57 690,00 e € 86 190,00, a AT entende que o critério utilizado pela norma de incidência da Verba 28.1, da TGIS, é o de considerar o VPT global do prédio, desde que superior a € 1 000 000,00;
4. Pelo contrário, é entendimento da Requerente não ser esta a interpretação normativa correta da Verba 28.1, da TGIS, mas sim a de que, para efeitos de incidência, no caso de prédios em propriedade vertical, o VPT relevante é o que tiver sido atribuído a cada um dos andares ou divisões de utilização independente, com afetação habitacional;
5. Entende a Requerente que o critério utilizado pela AT é ilegal, pois esta não pode considerar como valor de referência para a incidência de Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, um critério diverso do que é utilizado em sede de IMI, conforme a remissão operada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo;
6. Nessa medida, deve concluir-se que, se de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 12.º, do Código do IMI, “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afetação habitacional, devem ser havidas como “prédios urbanos habitacionais”;
7. É, assim, entendimento da Requerente, que a interpretação normativa da verba 28.1, da TGIS, sufragada pela AT, é inconstitucional, por violação dos “princípios da igualdade fiscal, da legalidade tributária, da capacidade contributiva (…), enunciados nos artigos 13.º, 18.º, 81.º, alínea b), 103.º e 104.º, todos da Constituição da República Portuguesa”.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta na qual defendeu a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:
1. Pretende a Requerente que o critério para a tributação das partes autónomas dos prédios em propriedade vertical tem de ser idêntico ao da tributação dos prédios em propriedade horizontal, devendo, para o efeito, ser considerado o VPT atribuído a cada um dos andares ou frações dos prédios urbanos em propriedade vertical;
2. No entanto, da conjugação das normas dos artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3 e 8.º, todos do Código do IMI, extrai-se que o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1., da TGIS, consiste na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 e que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente;
3. De acordo com o artigo 80.º, n.º 2, do CIMI, salvo o disposto nos artigos 84.º e 92.º, do mesmo Código, a cada prédio corresponde uma única inscrição matricial, relevando o n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, norma que já constava do corpo do artigo 232º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, apenas para efeitos da autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes;
4. Mas a unidade do prédio urbano em propriedade vertical, composto por vários andares ou divisões não é afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente, pois tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas dos prédios em regime de propriedade horizontal;
5. Motivos pelos quais o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto do selo da verba 28.1., da TGIS, tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes;
6. Nem o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente afeta a aplicação da verba 28.1., da TGIS, pois que o facto determinante da aplicação dessa verba é o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas, sendo outra interpretação violadora da letra e do espírito da verba 28.1., da TGIS, e do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Termina a AT por requerer a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, da produção de alegações, bem como da dispensa de envio do processo administrativo, por não ter sido “desencadeado qualquer procedimento gracioso”, não haver exceções a apreciar, se encontrarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e estar em causa matéria exclusivamente de direito, aceitando expressamente a prova documental oferecida pela Requerente.
II. SANEAMENTO
1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 24 de janeiro de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
4. A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, assim como a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso concreto, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.
5. A solicitação do Tribunal Arbitral, viria a Requerida a juntar aos autos o processo administrativo.
6. Pelo despacho arbitral de 13 de março de 2017, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, ao que as Partes se não opuseram.
7. Convidadas para a produção de alegações escritas, as Partes nada alegaram.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e do processo administrativo (PA) junto aos autos, fixa-se como segue:
1. O prédio urbano a que se reportam as liquidações de Imposto do Selo impugnadas, inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo…, é constituído por 24 andares ou divisões de utilização independente, sendo 10 destinadas a “garagem”, 1, a “comércio” e as restantes 13, a “habitação”, sendo o seu “Valor Patrimonial Total” de € 1 133 110,00, conforme a cópia da caderneta predial junta à p. i.;
2. Nenhum dos seus 13 andares ou divisões de utilização independente e afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a € 1 000 000,00, sendo o somatório dos respetivos VPT da quantia de € 1 066 860,00, como demonstram as notas de cobrança relativas às primeiras prestações de cada liquidação, juntar ao pedido;
3. A Requerente foi notificada pela AT para proceder ao pagamento das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, do ano de 2015, à taxa de 1%, sobre o VPT de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, destinados a habitação, constando de cada documento de cobrança relativo à primeira prestação dessas liquidações como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: 1 066 860,00”;
4. Em 10 de maio de 2016, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa … o requerimento de Reclamação Graciosa das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, do ano de 2015, objeto dos presentes autos, conforme o carimbo aposto pelo mencionado Serviço de Finanças no respetivo duplicado, com cópia junta ao requerimento arbitral;
5. De acordo com a Resposta da Requerida, não foi instaurado qualquer procedimento administrativo gracioso;
6. Do processo administrativo posteriormente remetido aos autos pela AT, resulta o pagamento integral das liquidações impugnadas, por compensação com créditos da mesma natureza: das primeiras prestações, em 6 de julho de 2016; das segundas, em 23 de julho de 2016 e das terceiras, em 4 de novembro de 2016;
7. Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
III.2 DO DIREITO
1. A questão decidenda
A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.
2. Do mérito das liquidações Imposto do Selo do ano de 2015
A norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações impugnadas, estabelece a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor VPT constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.
Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo.
Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).
Os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos, sendo os prédios urbanos definidos, de modo residual, pelo artigo 4.º, do CIMI, como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos prédios mistos.
Existem, no entanto, diversas espécies de prédios urbanos, nos termos da classificação estabelecida pelo artigo 6.º, do CIMI, cujo n.º 1 os classifica como: a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.
Prédios urbanos habitacionais são, pois, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).
Ora, o prédio que integra a Herança Indivisa representada pela Requerente e ao qual respeitam as liquidações ora impugnadas, é um prédio urbano não constituído sob o regime de propriedade horizontal, que integra 24 (vinte e quatro) andares ou divisões de utilização independente, 10 (dez) dos quais destinados a garagem, 1 (um) a comércio e os restantes 13 (treze), a habitação, ou seja, andares ou divisões enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI.
No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios com partes enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, rege o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, em que se determina que “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.
E não existe, no Código do IMI, outra norma em que se faça referência ao “valor [global] do prédio”. Nem o suposto “valor global” do prédio assume qualquer relevância ao nível da liquidação do Imposto Municipal Sobre Imóveis, não só porque todas as divisões de utilização independente de um dado prédio urbano não constituído sob o regime da propriedade horizontal são tributadas em sede de IMI, independentemente da sua afetação, mas também porque cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI).
Já assim não se passam as coisas em sede de Imposto do Selo, da verba 28.1, da TGIS, norma que abrange no âmbito da sua incidência, para além dos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, os prédios habitacionais.
No entanto, o prédio urbano de cujas liquidações de Imposto do Selo, da verba 28.1, da TGIS, para o ano de 2015, tratam os presentes autos, integrando andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, umas destinadas a habitação e outras a fins diversos da habitação, não poderá, globalmente, ser considerado prédio urbano habitacional, para efeitos da referida norma de incidência, pois a lei é clara ao sujeitar a Imposto do Selo os prédios urbanos de afetação (exclusivamente) habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.
Nem se afigura aceitável que os andares ou divisões afetos a habitação, que integram o referido prédio, possam ser segregados do todo, para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, não se podendo, por isso, aceitar que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28, da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva. Porém, como decorre da factualidade provada, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional tem um VPT igual ou superior ao que vem definido na norma de incidência.
De resto, é jurisprudência consolidada, quer dos tribunais arbitrais tributários, quer do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito da redação inicial da verba 28.1, da TGIS (de que não se vê razão para divergências para as situações abrangidas pela redação em vigor para 2015) e à qual se adere, de que, “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – cfr. o sumário do Acórdão do STA, de 29/09/2016, Processo n.º 0560/16, disponível em http://www.dgsi.pt e demais jurisprudência nele citada.
Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.
3. Do pedido de juros indemnizatórios e moratórios
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”[1]
O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.
4. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
a. Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) do ano de 2015, ora impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
b. Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2015, acrescidas de juros indemnizatórios, desde a data de cada pagamento, até à data da emissão das respetivas notas de crédito.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10 668,60 (dez mil, seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20 de abril de 2017.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.