DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), A. Sérgio de Matos e Suzana Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 26 de Setembro de 2016, A…, S.A, NIPC…, com sede na Praça …, no Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), com data de 22 de Outubro de 2015, referente ao prédio urbano composto de edifício destinado a hotel e serviços com logradouro, situado na …, …, na Freguesia do …, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do … sob o número …, pertencente à freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, no valor de 209.927.26 (duzentos e nove mil, novecentos e vinte e sete euros e vinte e seis cêntimos).
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
i. Se verificam os pressupostos da isenção de IMT por utilidade turística;
ii. Existe violação do princípio da proibição de cobrar impostos com natureza retroactiva;
iii. Existe violação do princípio do duplo grau de controlo de legalidade pelo notário e pelo conservador;
iv. Há ilegalidade da cessação do benefício fiscal;
v. Verifica-se violação das legítimas expectativas da Requerente.
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No dia 27-09-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 23-11-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-12-2016.
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No dia 31-01-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Atendendo a que:
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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A Requerida não apresentou alegações
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após o termo do prazo para apresentação de alegações pela Requerida.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma instituição bancária sedeada em Portugal que tem por objecto, entre outros, a concessão de crédito, através de recursos próprios e de recursos dos seus depositantes.
2- No dia 24 de Outubro de 2007, a Requerente adquiriu, por dação em cumprimento, à Sociedade B…, S.A. o prédio urbano, composto de edifício destinado a hotel e serviços com logradouro, situado na …, …, na Freguesia de …, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do … sob o número …, da dita freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … .
3- A Escritura de dação em cumprimento refere ter sido exibida a Certidão Predial emitida em 17-10-2007 pela Conservatória do Registo Predial, a Caderneta Predial do imóvel, e o Alvará de Licença da Utilização Turística n.º …/2004, emitido pela Câmara Municipal do … em 19-07-2004, comprovativa do respectivo licenciamento.
4- Tal acto foi realizado com isenção de IMT pelo Notário, ao abrigo do n.º 1, do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
5- No âmbito de uma acção inspectiva da Direção de Finanças de Lisboa, de âmbito parcial, ao ano de 2007, referente ao IMT, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…, ao abrigo do projecto 2014/… /…, com base a informação recolhida da base de dados da AT, resultante do cruzamento entre a declaração modelo 11 e a base de dados relativa ao IMT, para verificação dos requisitos legais de isenção do IMT, os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) entenderam que o benefício fiscal respeitante à utilidade turística foi indevidamente reconhecido.
6- Foi, assim, considerado em falta a entrega do IMT referente a essa mesma aquisição, no valor de EUR 209.927.26, acrescido do montante dos juros compensatórios.
7- No dia 23 de Outubro de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de EUR 276.229.77 (duzentos e setenta e seis mil, duzentos e vinte e nove euros e setenta e sete cêntimos), correspondente ao montante do imposto liquidado, acrescido do montante dos juros compensatórios.
8- A Requerente apresentou, no dia 11 de Março de 2016, reclamação graciosa contra a aludida liquidação, à qual foi atribuído o n.º …2016… .
9- A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, dela constando, para além do mais, que: "(...) é de deferir parcialmente o pedido do Reclamante (...) pelo que, somos de concluir pela legalidade da liquidação de IMT e quanto aos respetivos juros compensatórios, aqui em apreço, os mesmos serão de anular por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no artigo 35.º da LGT”.
10- A Requerente adquiriu o empreendimento turístico referido numa fase em que o mesmo já se encontrava instalado e a funcionar.
11- A transmitente do referido empreendimento, entrou em insolvência 5 anos após o início do seu funcionamento.
12- A Requerente adquiriu o imóvel em causa, porquanto havia concedido financiamento à alienante daquele, e esta incumpriu os pagamentos a que estava obrigada.
13- Em regra, na aquisição de imóveis, a Requerente utiliza a isenção de IMT prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 8.º do CIMT para as instituições de crédito.
14- Aquando da referida escritura pública de dação em cumprimento, a Requerente não utilizou a isenção referida no ponto anterior, porquanto foi reconhecida pelo notário a isenção referida supra no ponto 2.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial, o facto a que se reporta o ponto 10 dos factos provados, foi confessado pela Requerente no ponto 32 do seu Requerimento Inicial.
B. DO DIREITO
Apresenta, a Requerente, a decidir, as seguintes questões:
i. Verificação dos pressupostos da isenção de IMT por utilidade turística;
ii. Violação do princípio da proibição de cobrar impostos com natureza retroactiva;
iii. Violação do princípio do duplo grau de controlo de legalidade pelo notário e pelo conservador;
iv. Ilegalidade da cessação do benefício fiscal;
v. Violação da boa-fé e das legítimas expectativas da Requerente.
Vejamos cada uma delas.
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i.
A primeira questão principal apresentada a decidir pela Requerente no presente processo arbitral, consiste em determinar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, o que se reconduz à determinação do sentido e alcance dessa norma, quanto ao segmento “aquisições de prédios ou frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.”.
Pretende a Requerente que, não obstante confessar que adquiriu o empreendimento turístico em causa numa fase em que o mesmo já se encontrava instalado e a funcionar (cfr. ponto 10 dos factos dados como provados), se deve considerar tal aquisição como abrangida pela isenção referida, na medida em que, no seu entender, estaria em causa evitar o encerramento do mesmo.
O conceito de utilidade turística consta do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, que a define como “a qualificação atribuída aos empreendimentos de caráter turístico que satisfaçam os princípios e requisitos definidos no presente diploma e suas disposições regulamentares”. O artigo 3.º, n.º 1, do referido diploma prevê que a utilidade turística pode ser atribuída a diversos empreendimentos, sendo a mesma concedida, nos termos do artigo 2.º, por despacho do membro do Governo com tutela sobre o sector do turismo, sob proposta do Diretor-Geral do Turismo, instruída com o parecer da Comissão de Utilidade Turística. O artigo 4.º define os pressupostos que deverão ser avaliados a fim de ser atribuída a utilidade turística e o artigo 5.º define as condições a que devem obedecer os empreendimentos para poderem beneficiar de utilidade turística.
O artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 423/83 estabelece as isenções aplicáveis em função da atribuição de utilidade turística, estabelecendo que “as empresas proprietárias e as exploradoras de empreendimentos, aos quais tenha sido atribuída a utilidade turística, gozarão, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, dos benefícios fiscais a seguir indicados, nos termos estabelecidos no presente diploma (…)”.
De acordo com o artigo 20.º, n.º 1, do mesmo diploma, são isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 Novembro (que procedeu à reforma da tributação do património), “Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa (…) consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), (…), ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (…), respetivamente.” Assim, a isenção em apreço reporta-se desde então ao IMT.
No presente caso, a AT entende que, uma vez que a utilidade turística a que alude o artigo 20.º, n.º 1, foi requerida e atribuída à empresa que construiu o empreendimento, o sujeito passivo que adquiriu o imóvel à referida sociedade adquiriu um empreendimento já construído e instalado, pelo que não poderia beneficiar da referida isenção de IMT. Em defesa da sua tese a AT invoca o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.01.2013, no âmbito do processo n.º 968/12[1], no qual se pode ler que “não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em questão se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro”.
Na fundamentação deste acórdão de fixação de jurisprudência pode ler-se ainda o seguinte:
“O preceito consagra, desta forma, isenção de sisa e do imposto de selo (reduzido a um quinto), nas aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação» de empreendimentos qualificados de utilidade turística.
Assim sendo, a questão que se coloca traduz-se em saber que aquisições devem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo ali consagradas: as aquisições de prédios ou de frações autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de frações autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração?
A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.(…)
2. Começando pelo teor literal do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, importa realçar que o legislador refere claramente que apenas se encontram isentas de sisa e de imposto de selo "as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística".
O que quer dizer que não se trata de uma isenção subjetiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objetiva, uma vez que visa beneficiar a atividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar-se à atividade de exploração dos mesmos.
Na verdade, o legislador é muito claro quando pretende beneficiar as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos. É o que acontece quando no art. 16º do mesmo diploma refere que as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos gozarão relativamente à propriedade e exploração dos benefícios indicados nas alíneas a) a c) do nº 1 do preceito. Ou quando no nº 2 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 alarga a isenção estabelecida no nº 1 do preceito na "transmissão a favor da empresa exploradora, no caso da proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação".
O acabado de expor serve para demonstrar que não oferece dúvida que, ao contrário do exposto, no caso da isenção do nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, o legislador quis abranger apenas as aquisições destinadas à «instalação» de empreendimentos.
Como o Decreto-Lei nº 423/83 não contém uma definição para o conceito de «instalação», manda o art. 11º, nº 2, da LGT, que nos socorramos do significado técnico jurídico que nos é dado pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.(…)
Assim, no art. 9º do Decreto-Lei nº 167/97, sob a epígrafe "Instalação", pode ler-se que "Para efeitos do presente diploma, considera-se instalação de empreendimentos turísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos."
Por sua vez, o art. 9º do Decreto-Lei nº 55/2002 define instalação da seguinte forma: "(...) Considera-se instalação de empreendimentos turísticos o processo de licenciamento, ou de autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção de edifícios ou suas frações destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos".(…)
Outro dado que importa realçar e que se extrai dos mencionados diplomas é que as operações que fazem parte do conceito de «instalação» não se confundem com as que correspondem ao conceito de «funcionamento» e «exploração».(…)
Por fim, o diploma mais recente, o Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março (JusNet 474/2008), que veio consagrar o novo regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, "procedendo à revogação dos diversos diplomas que actualmente regulam esta matéria e reunindo num único decreto-lei as disposições comuns a todos os empreendimentos", também não contém uma noção de «instalação», mas distingue claramente entre o procedimento respeitante à instalação dos empreendimentos turísticos (arts. 5º e 6º e o Capítulo IV) e o funcionamento e a exploração dos mesmos (Capítulo VII).
Em especial, o art. 5º, sob a epígrafe "Requisitos gerais de instalação" (O procedimento de instalação dos empreendimentos turísticos encontra-se sujeito a um regime comum, ou seja, a um conjunto de requisitos comuns, tal como resulta deste art. 5º, nº 1, e art. 23º do Decreto-Lei nº 39/2008, por conseguinte, na instalação dos empreendimentos turísticos destaca-se um regime procedimental comum que é o definido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as particularidades ou especificidades que resultem do Decreto-Lei nº 39/2008.Para análise desenvolvida dos requisitos gerais da instrução dos pedidos informação prévia, de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia e dos requisitos específicos da instalação de empreendimentos turísticos, cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, "O procedimento de instalação de empreendimentos turísticos", Empreendimentos Turísticos, CEDOUA/FDUC, Almedina, 2010, pp.121 ss.), estabelece:
"1- A instalação de empreendimentos turísticos que envolvam a realização de operações urbanísticas conforme definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação devem cumprir as normas constantes daquele regime, bem como as normas técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, designadamente em matéria de segurança contra incêndio, saúde, higiene, ruído e eficiência energética, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.
2- O local escolhido para a instalação de empreendimentos turísticos deve obrigatoriamente ter em conta as restrições de localização legalmente definidas, com vista a acautelar a segurança de pessoas e bens face a possíveis riscos naturais e tecnológicos".(...)".
O significado técnico jurídico que se extrai da legislação é que o conceito de instalação compreende todas as operações e procedimentos que vão desde o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia de operações urbanísticas, passando pelos pareceres e aprovações das várias entidades oficiais competentes, pedido de autorização ou comunicação de utilização para fins turísticos, e obtenção do respetivo alvará (art. 30º) ou título de abertura ao público (art. 32º). Nesta sequência, refere o nº 2 do art. 12º do Decreto-Lei nº 423/83 que "a data de abertura ou reabertura ao público é aquela em que o empreendimento foi autorizado a funcionar pela autoridade competente". Sendo que a data de comunicação do título de abertura e funcionamento é a relevante para marcar o início do prazo de validade do estatuto de utilidade turística do empreendimento turístico em causa, tal como resulta no caso em apreço (cfr. o despacho nº …/2011).
Dito por outras palavras, a «instalação» emerge como um procedimento que compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.
Depois de construído e obtidas pelos promotores do investimento as licenças necessárias a tornarem o empreendimento apto ao exercício da atividade turística, cada empreendimento turístico "deve ser explorado por uma única entidade, responsável pelo seu integral funcionamento e nível de serviço e pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis" (nº 1 do art. 44º do Decreto-Lei nº 39/2008), sendo tal entidade designada pelo titular do respetivo alvará de autorização de utilização para fins turísticos (nº 2 do art. 44º), ou seja, pelo promotor (cfr. o Capítulo VII e arts. 41º e ss. do Decreto-Lei nº 39/2008, que estabelece as regras relativas à exploração e funcionamento).
E ainda que as unidades de alojamento estejam ocupadas pelos respetivos proprietários, cabe à entidade exploradora assumir a exploração continuada das mesmas, devendo mantê-las permanentemente em regime de exploração turística (art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008).
Esta distinção entre os conceitos de «instalação», por um lado, e de «funcionamento» e «exploração», por outro, está bem patente no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, onde se podem ler, em primeiro lugar, as preocupações e inovações quanto aos aspetos relacionados com o licenciamento dos empreendimentos, no sentido da sua simplificação. No mesmo sentido, DULCE LOPES (Cfr. "Aspetos jurídicos da instalação de empreendimentos turísticos", I Jornadas Luso -Espanholas de Urbanismo, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 225 e ss., em especial, p. 227.), ao caracterizar o procedimento de instalação de empreendimentos turísticos, ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008 e legislação complementar, diz expressamente que com o mencionado diploma se pretendeu "(...) um ajustamento do procedimento de instalação de empreendimentos turísticos às exigências de simplificação e desburocratização procedimental que anima o pacote legislativo do Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa (SIMPLEX)". E a referida Autora continua dizendo que "Nestes moldes, compete ao município licenciar ou admitir as comunicações prévias das operações necessárias para a instalação de estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e conjuntos turísticos, devendo, para o efeito, solicitar parecer do turismo de Portugal I.P. sobre a arquitetura e a localização de empreendimentos turísticos não precedidos de plano de pormenor".
Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os atos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.(…)
Resulta, desta forma, patente que eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.(…)
O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no nº 1 do art. 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação» (Quer sejam novos, quer existentes, mas que sejam objeto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (art. 5º do Decreto-Lei nº 423/83), este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos (A lei abrange também, como ficou dito, a aquisição de meras frações autónomas com vista à remodelação/instalação de empreendimentos turísticos.)) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.(…)
Esta mesma conclusão é a que resulta da leitura do consignado pelo Grupo de Trabalho criado para reavaliar os benefícios fiscais que, a propósito dos benefícios fiscais à utilidade turística em sede de IMT, Imposto do Selo e IMI, recomendam a sua supressão, porquanto, entre o mais, "os promotores de investimentos no sector do turismo mantêm, para além dos apoios financeiros enquadrados nas políticas económicas do Estado Português e da União Europeia, o acesso aos incentivos gerais ao investimento e aos benefícios à interioridade. Por outro lado, minimizando o impacto da medida em sede de IRC, diretamente ou através do aumento das reintegrações e amortizações, os custos decorrentes do IMT e IMI sobre os investimentos que ficam sujeitos a estes tributos" (Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, p.294.).
Resulta patente das considerações do Grupo de Trabalho que o legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção /redução de pagamento de Sisa /Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (Muitos promotores antes de adquirirem os prédios onde futuramente será instalado o empreendimento turístico, elaboram o projeto e candidatam-se à atribuição da utilidade turística a título prévio (art. 7º do Decreto-Lei nº 423/83), que lhes permitirá beneficiar da isenção do IMT e redução do imposto do Selo relativamente à aquisição do imóvel. Por outro lado, os promotores que paguem imposto pela aquisição dos imóveis destinados à instalação de estabelecimentos turísticos podem, posteriormente, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística.) (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento (Como vimos, na verdade, nada impede que o promotor do investimento comece por vender as futuras frações ou unidades antes mesmo da construção do empreendimento e da sua instalação.)(…)
Na verdade, quando os particulares adquirem as frações fazem-no, como se afigura óbvio, como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração, pois, como vimos, a celebração dos contratos promessa de compra e venda é acompanhada da celebração do contrato de exploração. O objetivo que move os particulares é a realização do seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. o nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as frações ficam afetas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respetivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, quando refere expressamente "(...) devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das "(...)" unidades de alojamento "(...) ainda que ocupadas pelos respetivos proprietários", e no nº 4 do mesmo preceito, quando se refere às condições de utilização das unidades de alojamento pelos respetivos proprietários. Nas palavras de DULCE LOPES (Cfr. "A Concretização de Empreendimentos"...cit., p. 170.), o diploma parece, assim, "acolher o conceito do turismo residencial, já que expressamente admite que os proprietários das unidades de alojamento possam ocupar as mesmas ou celebrar contratos sobre elas, desde que não comprometam o seu uso turístico, usufruam dos serviços obrigatórios do empreendimento e paguem a prestação periódica a que estão vinculados.
Em suma, os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração.
Afigura-se, desta forma, que a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das frações ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito.
O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.
Não podemos, desta forma, deixar de concluir que assiste razão à recorrente quando defende que "(...) Pretendeu o legislador impulsionar este setor de atividade, prevendo isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, mediante determinadas condições, a quem vai criar estabelecimentos turísticos, e não a quem se limita a adquirir frações pertencentes a empreendimentos já instalados", e que este entendimento ou interpretação é o que decorre "do elemento histórico, racional /teleológico, mas também literal das normas jurídicas em apreço".”
Nos presentes autos, muito embora não esteja em causa a aquisição de fracções autónomas do empreendimento, mas sim a sua aquisição por completo, afigura-se de aplicar o que resulta do acórdão do STA que se acaba de citar nas partes que se reputam mais relevantes.
Como se referiu acima, está provado que o imóvel que integrou a dação em pagamento em questão nos presentes autos, continha já um empreendimento turístico em funcionamento e exploração.
Estamos, assim perante uma operação subsequente à “instalação” do empreendimento que terá já a ver com a “exploração” ou “funcionamento” sendo manifesto que o imóvel em causa não foi adquirido para a Requerente nele instalar um empreendimento turístico.
Não obsta à conclusão tirada a alegação da Requerente segundo a qual a aquisição em causa visou assegurar a continuidade da exploração do empreendimento turístico, que, de outra forma, seria encerrado.
Com efeito, considera-se que, não obstante poder haver alguma intersecção ao nível do interesse público, entre as situações de instalação de empreendimentos turísticos e a sua manutenção em funcionamento, existem também diferenças substanciais entre uma e outra situação que justificarão que a restrição legislativa da isenção em causa à fase de instalação do empreendimento se contenha nos seus limites literais.
Efectivamente, por um lado, o processo de instalação, conforme detalhado no Acórdão do STA previamente transcrito, implica uma série de fases, incluindo a intervenção de entidades administrativas, destinadas a assegurar um controle de aspectos tidos, sob o ponto de vista do interesse público, como relevantes, o que não acontece numa situação de aquisição subsequente, como é o caso dos autos.
Por outro lado, um empreendimento turístico em fase de instalação, tem um potencial ou expectativa indesmentido de sucesso, subjacente ao interesse do promotor (de um ponto de vista de normalidade, ninguém procederia à instalação de um empreendimento, existindo sinais significativos de o mesmo poder vir a não ser bem sucedido), enquanto que uma aquisição numa situação como a dos presentes autos se dá já num quadro susceptível de gerar fundadas dúvidas sobre o sucesso do empreendimento em causa, na medida em que tal funcionamento conduziu já a uma situação de insolvência.
Este aspecto conduz a um outro, que é a circunstância de a actividade de instalação de um empreendimento turístico constituir uma operação produtiva, industrial, dirigida a criar um estrutura de disponibilização ao mercado de um produto turístico destinado a ser consumido, enquanto que a operação de aquisição em questão no presente processo arbitral se reconduz, essencialmente, a uma operação financeira, destinada a salvaguardar, na medida do possível, um crédito que o Requerente, no exercício da sua actividade normal, concedeu, e que se revelou de deficiente solvabilidade.
Neste quadro, e pelo exposto, considera-se que não existe uma analogia fundada entre as situações de instalação de um empreendimento turístico, a que se refere a letra da lei em causa, e a situação apresentada, nos presentes autos, pela Requerente, não se justificando assim um alargamento, pela via extensiva ou analógica, da abrangência da norma sob interpretação.
Face ao exposto, deve improceder esta parte do pedido de pronúncia arbitral.
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ii.
Seguidamente, alega a Requerente que, no caso se verificará uma violação do princípio da proibição de cobrar impostos com natureza retroactiva, porquanto “jamais poderia ser surpreendido com uma liquidação de um imposto que teve por base uma jurisprudência assente seis anos depois da ocorrência do facto tributário”.
Esta argumentação, ressalvado o respeito devido, assentará, desde logo, num pressuposto errado, que é o de que o imposto liquidado tem por base a jurisprudência, quando, na realidade, a base do mesmo, como não poderia deixar de ser é a Lei, lei essa que existia já à data do facto tributário.
Ora, como referiu já o Tribunal Constitucional, “A retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe‑se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova).”[2].
Ora, no caso, não se está perante a aplicação de lei nova a factos antigos, no sentido dado pelo Tribunal Constitucional, pelo que haverá que concluir que não se verifica a alegada violação do princípio da proibição de cobrar impostos com natureza retroactiva, improcedendo, nesta parte, igualmente, o pedido arbitral.
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iii.
Alega também a Requerente que liquidação de imposto ora em crise, se dá em violação do princípio do duplo grau de controlo de legalidade pelo notário e pelo conservador, referindo que “No caso em apreço, os referidos controlos foram exercidos e a transmissão foi efetuada com o reconhecimento, por parte das entidades intervenientes, da isenção prevista no artigo 20.° do DL n.º 423/83. Por fim, a AT, ao tomar conhecimento de que as entidades acima referidas haviam reconhecido a isenção de imposto, nada fez para alterar a situação de acordo a sua interpretação da lei, deixando o Requerente consolidar a convicção de se encontrar abrangido pelo âmbito da isenção.”.
Ressalvado, uma vez mais o respeito devido a outras opiniões, considera-se, desde logo, que o supra-referido princípio se trata de um princípio organizacional ou administrativo, retirado da concreta estrutura do sistema tributário gizado pelo legislador, e não de um princípio substancial, inerente à protecção de valores jurídicos fundamentais, susceptível de colidir com a validade de actos tributários.
Acresce que, no caso, não se verifica qualquer violação do referido princípio, uma vez que o controlo em causa foi efectivamente exercido, tendo ocorrido intervenção das entidades em causa.
A Requerente pretende é retirar do princípio em causa uma decorrência que não tem qualquer base legal, ou seja, de que, exercido aquele controle, ficaria à AT vedada qualquer intervenção na matéria.
Ora, tal consequência não decorre de qualquer norma, conjugação de normas ou do sistema jurídico em geral, não sendo possível afirmar-se, consequentemente, que foi querida pelo legislador.
Assim, e face ao exposto, haverá que improceder, também, esta parte do pedido arbitral.
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iv.
Seguidamente, argui a Requerente que a liquidação sub iudice configura uma cessação ilegal do benefício fiscal, já que, no seu entender, “mantendo-se os pressupostos fácticos - como não poderia deixar de ser, pois estando em causa uma isenção de IMT, o facto tributário formou-se instantaneamente com a escritura pública, e não sendo o Requerente devedor de qualquer imposto”.
Também aqui se julga não assistir razão à Requerente.
Como a própria Requerente concorda, “assiste razão à AT quando refere que "(...) a atribuição ou verificação da referida isenção nos termos do art.º 20.º do supra referido decreto-lei, não gera um ato administrativo”.
E, ao contrário do que parece pressupor a Requerente, a circunstância de o benefício fiscal em causa ter natureza automática, não quer dizer que o mesmo haja sido, sem mais, reconhecido, ope legis, à Requerente. Tal seria assim, caso, e isso é o que se ora se discute, se verificassem os respectivos pressupostos legais, o que, como se viu supra, não é o caso. Dito de outro modo, não se verificando os pressupostos legais do benefício, o mesmo não foi automaticamente concedido à Requerente, sendo irrelevante a este nível a intervenção quer do notário quer do conservador, já que, naturalmente, o benefício fiscal não está dependente do reconhecimento daqueles, por ser, justamente, de natureza automática.
Daí que, não havendo um acto administrativo em matéria tributária que defina a situação da Requerente quanto ao benefício fiscal em questão, a AT não está vedada de praticar um acto em tal matéria, que defina a situação
Este entendimento, crê-se, está subjacente ao decido no Acórdão do STA de 09/07/2003, proferido no processo 0781/03[3], onde se sumariou que “O princípio da impugnação unitária impõe que a questão da isenção, quando automática, seja suscitada em juízo no processo de impugnação do acto tributário de liquidação aonde tal isenção deve ser atendida.”, mais se podendo ler no mesmo aresto que “só no procedimento de liquidação, e não em qualquer outro, (...) é que a Administração pode ter cometido a ilegalidade acusada pelo recorrente, ao não reconhecer que a sua situação cabe na previsão da norma do nº 1 do artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Foi nesse procedimento que se apurou a matéria necessária à definição da situação jurídica do recorrente, e aí mesmo se fez essa definição, liquidando o imposto sem atender à invocada isenção. Por isso, era no âmbito e na sequência desse procedimento que o recorrente podia recorrer aos tribunais. E como vigora, entre nós, o princípio da impugnação unitária (cfr., hoje, expressamente, o artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o acto a fazer sindicar judicialmente era o de liquidação”.
Assim, e face ao exposto, deverá improceder, quanto a esta matéria também, o pedido arbitral sub iudice.
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v.
Reclama, por fim, a Requerente que o acto tributário sub iudice configura uma violação do princípio da boa-fé e das suas legítimas expectativas, já que “o facto de 7 anos e 11 meses depois do ato da transmissão a AT liquidar o imposto com base na alegada inobservância dos requisitos da isenção acarreta um grave prejuízo para o Requerente que, ao não ter utilizado a isenção a que tinha direito, enquanto instituição de crédito, não se preocupou em apressar o processo de alienação do prédio no prazo dos 5 anos previsto no n.° 6, do artigo 11.° do CIMT.” e que “a um mês de a alegada dívida de IMT prescrever, a AT surpreendeu o Requerente com a liquidação ora em crise, contrariando todas as expetativas que se vinham a formar, há sete anos e onze meses, de que a transmissão do imóvel em apreço estaria isenta de IMT.”, sendo que “a AT não emitiu a liquidação após a saída do acórdão uniformizador de jurisprudência, que, em 2013, veio alterar todo o entendimento até então vigente relativamente aos pressupostos da isenção de IMT, tendo aguardado pelos últimos dias da prescrição da alegada dívida para o fazer, em 2015.”, pelo que “conclui o Requerente que as suas legítimas expetativas foram frustradas com a cessação do benefício fiscal que veio a beneficiar há sete anos e onze meses”.
Note-se, desde logo, que para que as expectativas sejam consideradas legítimas é necessário que as mesmas sejam protegidas pela lei ou que tal protecção resulte do ordenamento considerado no seu todo, sob pena de qualquer expectativa, decorrente do passar do tempo, se dever considerar legítima.
Ora, no caso, existe um prazo de caducidade do direito à liquidação, que a Requerente conheceria ou, pelo menos, deveria conhecer, pelo que qualquer expectativa de estabilidade da sua situação jurídico-fiscal que a Requerente tenha formado antes de expirado tal prazo, não se poderá reputar legítima.
Do mesmo modo, a prática de um acto de liquidação dentro do respectivo prazo de caducidade, ainda que muito próximo do fim, não se poderá, de per si, ter por violadora do princípio da boa-fé, já que é uma prerrogativa da AT que não está, a esse nível, por qualquer forma limitada.
No caso, não se verifica que a AT tenha, por qualquer forma, contribuído para a expectativa da Requerente de que a sua situação jurídico-tributária, em questão nos presentes autos de processo arbitral, estaria consolidada. Designadamente, não se apura qualquer facto de onde resulte que a AT tenha permitido à Requerente concluir que a mesma reconhecia a existência do benefício fiscal em causa ou que, por qualquer razão, se absteria de praticar qualquer acto tributário na matéria. Daí que não se verifique, ao contrário do que a Requerente alega, qualquer actuação contrária à boa-fé.
Não obsta à conclusão retirada, a circunstância de a Requerente, em virtude da actuação do conservador e do notário na matéria, não ter utilizado a isenção a que tinha direito, enquanto instituição de crédito.
Com efeito, e desde logo, a AT não está, por qualquer forma, reduzida no seu direito a liquidar tributos antes de decorrido o respectivo prazo de caducidade, em função da situação concreta de cada contribuinte, que a AT não está obrigada a conhecer. Dito de outro modo, a AT não tinha de saber se o Requerente deixou de utilizar, ou não outra isenção, se tinha ou não direito à mesma, e, consequentemente, não tinha de condicionar o exercício do seu direito a liquidar o tributo em questão, em função de tais circunstâncias.
Se, porventura, alguém actuou em prejuízo da Requerente, mais não poderá ter sido do que o notário e/ou o conservador intervenientes, na medida em que se apure que podiam e deviam ter interpretado a lei aplicável de outra forma, o que poderá, também eventualmente, fundar alguma pretensão indemnizatória da Requerente, mas, em caso algum, contender com a validade do acto tributário sub iudice.
Deste modo, e pelo exposto, deverá nesta parte final improceder igualmente o pedido arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Absolver a Requerida do pedido; e
b) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de € 4.284,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 209.927.26, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 17 de Abril de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(A. Sérgio de Matos)
O Árbitro Vogal
(Suzana Costa)
[3] Disponível em www.dgsi.pt.