Decisão Arbitral
Requerentes: A…, contribuinte fiscal nº…, com domicílio na…, … …, …-… …e OUTROS, devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral,
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I.RELATÓRIO
1. A…, contribuinte fiscal nº…, com domicílio na …, nº…, …, …, …-… …, (doravante designado por 1º Requerente); B…, contribuinte fiscal nº…, com domicílio na Rua…, nº …, …-… …, (doravante designado por 2º Requerente); C…, contribuinte fiscal nº…, com domicílio na Rua…, nº…, …-… …, (doravante designado por 3º Requerente), e D…, contribuinte fiscal nº…, com domicílio na Rua …, nº ... …-… …(doravante designado por 4º Requente), apresentaram em 05-09-2016, pedido de constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante referido por RJAT) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes actos de liquidações adicionais de IRS e respectivos juros compensatórios, com referência aos anos de 2011 e 2012:
- liquidações nº 2015 … (IRS 2011) e 2015 … (Juros Compensatórios 2011), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor de € 2.717m04, relativas ao 1º Requerente:
- liquidações nº 2015 … (IRS 2012) e 2015 … (Juros compensatórios 2012), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor total de € 7.741,67, relativas ao 2º Requerente;
- liquidações nº 2015… (IRS 2011) e 2015… (Juros compensatórios 2011), que deram origem à nota de cobrança…, no valor de € 16.695,27, relativas ao 2º Requerente;
- liquidações nº 2015 … (IRS 2012) e 2015 … (Juros compensatórios 2012), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor de 20.941,52, relativas as 2º Requerente;
- liquidações nº 2015 … (IRS 2011) e 2015… (Juros compensatórios 2011), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor total de €. 3.230,31, relativas ao 3º Requerente;
- liquidações nº 2015 … (IRS 2012) e 2015… (Juros compensatórios 2012), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor total de €1.799,96, relativas ao 3º Requerente;
- liquidações nº 2015 … (IRS 2012) e 2015… (Juros compensatórios 2011), que deram origem à nota de cobrança nº…, no valor de € 927,44, relativas ao 4º Requerente.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 26-09-2016.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a aceitação do encargo, no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. Em 10-11-2016 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados dos artigos 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 25-11-2016, em consonância com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-b/2012, de 31 de Dezembro.
6. Foi proferido em 02-01-2017 despacho convidando os Requerentes a pronunciarem-se sobre a excepção suscitada pela AT.
7. Tendo os Requerentes em 09-01-2017, procedido à apresentação da respectiva resposta.
8. Em 16-01-2017, foi proferido despacho arbitral, devidamente notificado às partes, que fundamentou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a inquirição da testemunha indicada pelos Requerentes, bem como a dispensa da prova por declarações de parte, concedendo àquelas a faculdade de apresentarem alegações escritas, e indicou prazo limite para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral.
9. As partes não apresentaram alegações escritas.
10. A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos, e a coligação de autores, são admissíveis no âmbito da arbitragem tributária, face ao disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
11. A fundamentar os seus pedidos, os Requerentes, em coligação de autores e invocando essencialmente os mesmos fundamentos de facto e de direito alegam, com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):
11.1. Os actos de liquidação ora impugnados tiveram origem numa acção inspectiva realizada à sociedade E…, SROC, (...) de que os Impugnantes são sócios, a qual deu origem a diversas correcções da matéria colectável (cfr. artigo 1 do pedido de pronúncia arbitral)
11.2. (…) tendo em conta que a E… é uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, as referidas matérias tributáveis são imputadas aos respectivos sócios, nos termos dos artigos 6º do CIRC e 20º do CIRS (cfr. artigo 4 do pedido de pronúncia arbitral),
11.3. tendo dado origem aos actos de liquidação de imposto e juros compensatórios (…) notificados aos Impugnantes (cfr. artigo 5 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 1 a 7 com o mesmo juntos),
11.4.Os impugnantes (….) procederam ao respectivo pagamento (cfr. artigo 6 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 8 a 14 com o mesmo juntos),
11.5. (…) por discordarem das correcções efectuadas e das liquidações subsequentes, os Impugnantes reagiram através de reclamações graciosas, que vieram a ser totalmente indeferidas por despachos datados de 13.06.2016 notificados aos impugnantes por ofícios de 13 e 14 de Junho de 2016 (cfr. artigo 7 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 15 a 18, com o mesmo juntos),
11.6. (…) os Impugnantes [não] pretendem agora contestar a correcção relativa às facturas emitidas em nome do sócio A… (….), (cfr. artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral),
11.7. No que concerne às correcções relacionadas com gastos no domicílio fiscal do sócio Dr. B… no montante de 915,51 € em 2011 e 798,36 € em 2012, relativos à sua assinatura da internet, não assiste razão à AT (cfr. artigo 15 do pedido de pronúncia arbitral),
11.8.(…) a E… assume o encargo da assinatura do sócio B… porque esse serviços tem por objectivo a salvaguarda das cópias de segurança da referida sociedade (“back-ups), (cfr. artigo 16 do pedido de pronúncia arbitral),
11.9. Outra correcção que se impugna relaciona-se com os gastos facturados pelo “…”, com a descrição de utilização de instalações desportivas, no montante de € 1.678,05 em 2011 e € 1.115,25 em 2012 (cfr. artigo 30 do pedido de pronúncia arbitral),
11.10. (…) as instalações deste ginásio são contíguas às instalações de um dos escritório e sede da E… tendo como vantagem acessória a utilização da sua garagem coberta, com diversos cartões que foram utilizados por diversos colaboradores como aparcamento, pois o custo é claramente inferior ao custos das avenças do estacionamento público da zona, que ascendia a cerca de 600 € anuais para cada viatura, (cfr. artigo 31 do pedido de pronúncia arbitral),
11.11. Alvo de correcção foram, ainda, gastos contabilizados como material de escritório, mo montante de € 869,64 em 2011 e € 92,52 em 2012 (cfr. artigo 33 do pedido de pronúncia arbitral),
11.12. (….) estas correcções referem [se] a cinco lançamentos com os valores individuais de € 113,96, € 112,42, € 426,83, € 100,4 e € 106,02, relativos ao ano de 2011, e um lançamento de € 92,52, relativo a 2012 (cfr. artigo 34 do pedido de pronúncia arbitral),
11.13.(…) foi ainda rejeitada uma factura relativa à compra de uma “Dock Station para Ipod, no montante de € 426,8, com o argumento (infundamentado) de que se trata de um artigo que não é adequado para a actividade da empresa (cfr. artigo 37 do pedido de pronúncia arbitral),
11.14. (…) outro aspecto corrigido pela AT refere-se ao encargo assumido pelo E… relativamente ao condomínio das fracções que ocupa com os seus escritório, ascendendo a € 1.598,93 em 2011 e € 3.329,59 em 2012 (cfr. artigo 41 do pedido de pronúncia arbitral),
11.15. (…) procederam à correcção de gastos relacionados com artigos de oferta. No montante de € 3.020,12, relativos ao ano de 2011 e € 2.291,44, relativos ao ano de 2012 (cfr. artigo 47 do pedido de pronúncia arbitral),
11.16. (...) na E… existe a prática e tradição de fazer ofertas aos seus colaboradores na altura de Natal e de entregar brinquedos aos filhos destes (…), (cfr. artigo 48 do pedido de pronúncia arbitral),
11.17. Essas dádivas obedecem, alias, a uma lista de distribuição de prendas e brinquedos (cfr. artigo 49 do pedido de pronúncia arbitral),
11.18.(…) Aludem ainda os Requerentes à correcção de € 10.411,92, levada a cabo pelos SIT relacionada com o seguro de saúde proporcionado aos funcionários, com a mesma manifestando discordância face à interpretação que produzem relativamente ao artigo 43º do CIRC (cfr. artigos 51 a 65 do pedido de pronuncio arbitral),
11.19. No que respeita às correcções constantes dos pontos III.2.1.6 e III.2.2.9 do Relatório Inspectivo, evidenciam-se correcções com despesas titulados em nome de outros sujeitos passivos no montante de € 7.868,93 em 2011 e € 8.500,12 em 2012, sinalizadas pelos Requerentes no artigo 66 do pedido de pronúncia arbitral,
11.20. (…) correcções [que} dizem respeito ao pagamento dos encargos com a segurança social do sócio C… nos anos de 2011 e 2011,e do sócio D… do ano de 2012 (cfr. artigo 67 do pedido de pronúncia arbitral),
11.21. Referem-se ainda os Requerentes, sob os artigos 74 e seguintes do pedido de pronúncia arbitral, quanto às correcções efectuadas com gastos de deslocações e estadias no montante de 23.388,71 €, quanto a 2011 e de 33.644,29 € em 2012, aí tecendo várias considerações quanto à discordância do apuramento das mesmas.
12. Em síntese conclusiva (da nossa responsabilidade) concluem os Requerentes que os gastos (sumariamente assinalados) incorridos pela sociedade transparente “E…“eram necessários para a formação do seu rendimento e como tal não deveriam ter sido desconsiderados pela AT, face ao disposto no artigo 23º do CIRC.”
Peticionam ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43º da Lei Geral Tributária e 61º, nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
13. A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta por excepção e impugnação, tendo procedido à junção dos processos administrativos instrutores, quer o relativo à sociedade “E…”, quer os respeitantes aos Requerentes, nomeadamente os concernentes aos projectos e decisões definitivas alcançados no âmbito das reclamações graciosas apresentadas.
13.1. Suscita excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral subjacente e,
13.2. Por impugnação sustenta perspectiva e posição contrárias à apresentada pelos Requerentes em consonância com a posição por si já assumida em sede, de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes de per si, bem como relativamente à apresentada pela sociedade de que os Requerentes são sócios, denominada “E…, SROC” sociedade esta sujeita ao regime da “transparência fiscal”, argumentando em síntese o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);
13.3. (…) que as sociedades tributadas pelo regime da transparência fiscal, são tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real, calculado nos termos previstos no CIRC, (cfr. artigo 29 de resposta),
13.4. Para esse efeito, o artigo 115º do CIRC estabelece a obrigação de tais entidades disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, exigindo-se no seu nº 3 que todos os lançamentos sejam apoiados em documentos justificativos datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário, (cfr. artigo 30 da resposta),
13.5. (…) o CIRC institui determinados desvios à tributação do rendimento líquido, procedendo à não consideração de certos custos fiscais, (cfr. artigo 32 de resposta),
13.6. (…) em sede de ónus da prova, já está solidificado a nível jurisprudencial que a contabilidade organizada goza de presunção de veracidade cabendo, por isso à AT o ónus de ilidir essa presunção demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros (cfr. artigo 35 da resposta);
13.7.O mesmo já não acontece com a qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis cabendo aos sujeitos passivos, se a AT o questionar, o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, (cfr. artigo 36 da resposta),
13.8. (…) a premissa fundamental que assente a dedutibilidade fiscal é a de os custos ou perdas das sociedades só poderem ser dedutíveis quando, estando devidamente comprovados, se mostrem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr. artigo 39 da resposta),
13.9.(…) a 1ª Correcção em 2011 no montante de € 915,51 e em 2012 de € 798,36 (…) refere-se a gastos no domicílio fiscal do sócio Dr. B… relativos à sua assinatura na Internet (cfr. artigo 43º da resposta),
13.10. Foram objecto de correcção as facturas emitidas pela “…”, discriminadas na Relatório (cfr. artigo 44 da resposta),
13.11.(…) estamos perante um encargo não passível de utilização pela empresa E… como a subscrição da INTERNET que abrange o “Pack” contratualizado de televisão, canais de TV disponíveis, v,g, Sport TV, facturado para a morada de outro sujeito passivo, o sócio da empresa, Dr. B… (cfr. artigo 45 da resposta),
13.12. (…) 2ª Correcção de € 1.678,15 no ano de 2011 e de € 1.115,25 no ano de 2012 (…) relativamente aos gastos com a utilização do ginásio e serviços de toalhas da …, justificam os RR que os mesmos se devam ao facto de tais instalações serem contíguas às suas instalações, o que lhes traz como vantagem acessória a utilização da sua garagem coberta (cfr. artigo 55 da resposta),
13.13.(…) a empresa só pode considerar custos dedutíveis do exercício os montantes despendidos a favor dos Colaboradores, obedecendo a critérios objectivos e idênticos para todos ainda que pertencentes a diferentes classes profissionais cfr. alínea a) do nº 4 do artigo 43º do CIRC (cfr. artigo 57 da resposta),
13.14. A 3ª Correcção respeitante ao ano de 2011, no valor de € 869,64 e ao ano de 2012, no montante € 92,52 (…) concerne ao material de escritório (cfr. artigo 59 da resposta),
13.15. Os RR contrariam a correcção fiscal que incidiu sobre a compra do segundo Dock Station para iPOD, sendo que a explicação por si avançada até podia justificar essa compra, não fosse o facto de a E…, em 18.12.2011, já ter adquirido um outro aparelho com características similares, razão pela qual se considerou que essa aquisição não se coadunando com a actividade exercida, consubstanciou um custo que ultrapassava nitidamente as necessidade e capacidades objectivas da empresa (cfr. artigo 60 da resposta),
13.16. A 4ª Correcção, de €. 1.598,93, no ano de 2011 e de € 3.329,59 no ano de 2012 (…) respeitam às despesas de condomínio (cfr. artigo 65 da resposta),
13.17. Os RR só contestam o valor de € 965,60 que assentou no facto de a responsabilidade pelo encargo pertencer ao condómino enquanto proprietário da fracção, devendo a ele ser debitados esses encargos e não à arrendatária, a sociedade (cfr. artigo 66 da resposta),
13.18. A 5ª Correcção, de € 3.020,12, no ano de 2011 e de € 2,291,44, no ano de 2012 (…) respeita às ofertas aos seus colaboradores no Natal (cfr. artigo 71 da resposta),
13.19. Reconhecendo esses usos, o que se exige aos sujeitos passivos é que essas despesas se encontram devidamente documentadas com a identificação dos seus destinatários para aferir da sua indispensabilidade, o que também não foi feito no caso em apreço (cfr. artigo 73 da resposta),
13.20. Estas despesas a colaboradores podem até contribuir para a expansão da actividade da empresa, mas esta só pode ser aferida se foram conhecidos os destinatários porque se eventualmente um ou vários presentes se destinarem a pessoas não funcionárias da empresa será difícil aferir dessa mesma expansão (cfr. artigo 75 da resposta),
13.21. A 6ª correcção, de € 10.411,92, referente ao ano de 2011 (…) atine ao seguros de saúde (cfr. artigo 77 da resposta),
13.22. Referem os RR que o critério da generalidade dos funcionários não implica a sua totalidade, identidade ou carácter automático e que a AT não levou em conta a data em que os beneficiários foram contratados, qual o seu vínculo contratual e os locais em que prestam serviço (cfr. artigo 78 da resposta),
13.23. (….) como se refere no Relatório “Foi elaborado um quadro onde constam os trabalhadores da empresa, constantes do modelo 10 do ano de 2012. Este quadro identifica os trabalhadores com rendimentos da categoria A trabalho dependente, como os que estão identificados no processamento de salários de dezembro de 2012 (uma vez que poderá haver movimentos de entrada e saída dos funcionários) e os que estão identificados nas apólices remetidas em anexo 26” e das apólices apresentadas verificou-se que as mesmas suportaram um gasto inerente a seguros de saúde com 14 trabalhadores de um universo de 20 (cfr. artigo 79 da resposta),
13.24. (…) a empresa só pode considerar como custos dedutíveis do exercício os montantes despendidos com prémios de seguros de saúde suportados a favor dos Colaboradores, quando os benefícios sejam estabelecidos para a generalidade dos Colaboradores, obedecendo a critérios objectivos e idênticos para todos, ainda que pertencentes da diferentes classes profissionais cfr alínea a) do nº 4 do artigo 43º do CIRC (cfr. artigo 81 da resposta),
13.25. A 7º Correcção, de € 8.500,12 respeita ao ano de 2012 (…) e prende-se com as despesas titulados em nome de outros sujeitos passivos conexas com os pagamento da segurança social dos sócios C… e D… (cfr. artigo 85 da resposta),
13.26. (….) as guias de pagamento à segurança social respeitavam ao pagamento de contribuições por esses sócios, na qualidade de trabalhadores independentes, tendo as guias de pagamento sido emitidas para os seus NIF´s reflectindo encargos com a sua actividade em nome individual, razão pela qual tais encargos não podem ser dedutíveis à matéria colectável da Sociedade (cfr. artigo 87 da resposta),
13.27. A 8ª e última correcção contestada de € 23.388,71 do ano de 2011 e € 33.644,29, no ano de 2012 (….) tange aos gastos com deslocações e estadias (cfr. artigo 89 da resposta),
13.28. Não obstante se poder validar que a actividade desempenhada pelos RR poderá justificar algumas deslocações, o que os SIT puderam observar confrontando os lançamentos contabilísticos com a informação recolhida em várias unidades hoteleiras, foi que aí estiveram não apenas os sócios, mas as respectivas famílias, não sendo possível, noutros casos identificar o destinatário (cfr. artigo 92 da resposta),
14.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3º,6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29. nº 1, alínea a) do RJAT, sendo admissível quer a coligação de autores quer a cumulação de pedidos, perante o disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT.
15.O processo não enferma de nulidades tendo sido invocada a excepção da “caducidade do direito de acção”.
*****
Tendo a AT na sua resposta suscitado a excepção da “caducidade do direito de acção”, constituindo questão prévia que pode obstar ao conhecimento de mérito será a mesma apreciada prioritariamente.
-caducidade do direito de acção
Para decisão da excepção suscitada pela AT, importa ter em conta a seguinte factualidade:
. o Requerente A… foi notificado das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios aqui postas em causa, em 14-09-2015.
- o Requerente B… em 18-09-2015,
-o Requerente C… em 09-09-2015, e,
- o Requerente D… em 18-09-2015
. o pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 05-09-2016.
No circunstancionalismo descrito, e tendo em consideração que o pedido de pronuncia arbitral deu entrada no CAAD em 05-09-2016, há muito que se encontraria esgotado o prazo para os Requerentes formularem pedido de constituição de pronúncia arbitral, junto do CAAD, atento o disposto na alínea a do nº 1 do artigo 10º do RJAT;
“1. O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contados dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal da decisão do recurso hierárquico.
Os factos previstos no referido normativo do CPPT, após a revogação do seu nº 2 pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, são, para o que aqui importa: “a) o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; “b) notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação; “e) notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste código”
Antes da assinalada revogação, o nº 2 do artigo 102º do CPPT previa um prazo de 15 dias para impugnar judicialmente quando se estivesse face a um acto de indeferimento expresso de reclamação graciosa.
Contudo, na excepção de “caducidade do direito de acção” que suscita, a AT não terá considerado o facto de a totalidade dos Requerentes ter apresentado contra as liquidações subjacentes reclamação graciosa e que do indeferimento das mesmas foram notificados a 13 e 14 de Junho de 2016,
Sendo esse facto – notificação do indeferimento da reclamação graciosa – absolutamente determinante para aferir da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, face ao disposto no nº 1 do artigo 10º do RJAT e alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, três meses após a sua verificação.
Tendo a notificação do indeferimento das reclamações graciosas ocorrido em 13 e 14 de Junho de 2016 e o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 5 de Setembro seguinte, encontra-se o mesmo contido dentro do prazo legal.
Desde modo, e sem necessidade de quaisquer outras considerações adicionais, não assistindo, neste segmento, qualquer razão à entidade Requerida.
Improcede, a excepção de extemporaneidade si suscitada.
II.FUNDAMENTAÇÃO
A.1. Factos dados como provados
a. os Requerentes são sócios da sociedade denominada “E…, SROC”, sujeita esta ao regime da transparência fiscal,
b. os actos de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnados tiveram origem na sequência de uma acção de fiscalização externa efectuada à referida sociedade em conformidade com a Ordem de Serviço número OI 2014… dos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …,
c. no dito relatório os SIT procederam a correcções em sede de IRC e IVA, com referência aos exercícios de 2011, e 2012,
d. a sociedade “E…” reagiu contra tais liquidações através de respectiva reclamação graciosa que veio a ser indeferida,
e. na sequência de tal indeferimento a sociedade apresentou pedido de pronúncia arbitral pugnando pela declaração da ilegalidade das liquidações de IRC e IVA, respeitantes aos períodos de 2011 e 2012, no âmbito dos processo nºs 352/2016- T e 354/2016-T que correram termos no âmbito do CAAD,
d. em resultado da acção inspectiva levada a cabo contra a sociedade “E…” e pela circunstância de se estar perante uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, foram pelos SIT efectuadas acções inspectivas individualmente a cada um dos Requerentes,
e. donde resultaram correcções em sede de IRS à matéria colectável dos diversos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 20º do CIRS em conjugado com o artigo 6º do CIRC,
f. contra as liquidações efectuadas apresentarem os Requerentes reclamações graciosas, que por despacho proferido em 2016-06-13, pelo Chefe de Divisão de Direcção de Finanças de …(por subdelegação de competência) foram indeferidas,
g. indeferimentos esses notificados aos mesmos, através dos ofícios…, de 2016-06-14, … de 2016-06-13, …, de 2016-06-14 e oficio…, de 2016-06-14 (cfr. documentos nºs 15 a 18 do pedido de pronúncia arbitral),
h. os Requerentes procederam ao pagamento das liquidações de IRS e juros compensatórios aqui em causa,(cfr. documento nºs 8 a 14 do pedido de pronúncia arbitral),
i. dão-se como reproduzidos os PA anexos respeitante à sociedade “E…”, e aos Requerentes.
j. em 2016-09-05 os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, que deu origem ao presente processo, formulando pedido de declaração de ilegalidade das identificadas liquidações de IRS e juros indemnizatórios (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº 2, do CPPT e artigo 607º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º,nº1, alíneas a) e ) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para julgamento da causa, são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511º, nº 1 do CPC, correspondente ao actual artigo 596º, aplicável ex vi do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e os PA (s) anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.
B.DO DIREITO
Antes de afrontarmos a questão central que os presentes autos convocam, impor-se-á um ainda que breve incurso ao quadro normativo que lhe subjaz (sociedades sob o regime da transparência fiscal e indispensabilidade de gastos/custos).
- do regime da transparência fiscal
- No caso dos presentes autos estamos perante uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, tal como é definida nos termos do disposto no artigo 6º do CIRC, que, fundamentalmente se caracteriza por imputar aos sócios ou membros da sociedade transparente a respectiva matéria colectável ainda que não tenha havido distribuição de lucros.
A personalidade colectiva da entidade é desconsiderada para efeitos de tributação do rendimento apurado sendo este imputado aos seus sócios ou membros, para serem tributados em sede de IRS ou IRC, consoante se trate de pessoas singulares ou colectivas.
Em sede de IRS os valores imputados integram-se como rendimento líquido da categoria B, sendo a mencionada imputação efectuada de acordo com o que resultar do acto constitutivo da respectiva entidade ou, na falta de elementos em partes iguais, de acordo com a previsão do nº 3 do artigo 6º do CIRC:
Artigo 6º
Transparência fiscal
“1. É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
(…)
b) Sociedades de profissionais.
Definindo a alínea a) do nº 4 do mesmo artigo que, é considerada profissional “a sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especialmente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151º do Código do IRS, no qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade”
De forma conclusiva e sumária no que respeita à caracterização e escopo do regime em causa, apropriamo-nos da elucidativa síntese que decorre do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-03-2012 [1] :
“1. Em sede de I.R.C. o regime de transparência fiscal visa atingir três objectivos principais, os quais são:
a) A neutralidade fiscal alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, tal como se exercessem directamente a actividade;
b) O combate à evasão fiscal, de forma a evitar a possibilidade dos sujeitos passivos constituírem sociedades intermediárias com a finalidade de fuga ao imposto;
c) A eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, na medida em que estas sociedade não são tributadas em sede de I.R.C., mas sim na pessoa dos seus sócios ou membros, em sede de I.R.C. ou I.R.S., consoante se trate de pessoas colectivas ou singulares.
2. O regime de transparência fiscal aplica-se obrigatoriamente às sociedades residentes em Portugal que se encontram devidamente identificados no artº 6, nº 1, do CIRC., entre as mesmas se encontrando as sociedades de profissionais, como é o caso das sociedades constituídas por médicos (cfr. artº 6, nº 4, al. a) do C.I.R.C.), tudo levando em consideração a lista de actividades profissionais a que alude o artº 151º do C.I.R.S. (…)
3. O regime da transparência fiscal caracteriza-se, essencialmente, pela imputação aos sócios ou membros da sociedade transparente da respectiva matéria colectável, ainda que não tenha havido distribuição de lucros. A matéria colectável destas sociedades é determinada em sede de I.R.C. pelo que, embora subordinadas a este regime, não perdem as mesmas a qualidade de sujeito passivo do imposto, ficando sujeitas ao cumprimento de todas as obrigações como qualquer outro tipo de sociedade, designadamente, à apresentação da declaração periódica de rendimentos.
Em sede de I.R.S., os valores imputados integram-se como rendimento líquido na categoria B. A mencionada imputação é efectuada de acordo com o que resultar do acto constitutivo da respectiva entidade ou, na falta de elementos, em partes iguais (cfr. artº 6º, nº 3 do C.I.R.C.). A verdadeira caracterização do regime da transparência fiscal da sociedade pode definir-se como uma situação da não tributação em sede de I.R.C. e não de isenção do mesmo tributo (…).
No que concerne às regras de tributação e louvando-nos no ensinamento de RUI MORAIS,[2] poderá concluir-se que “as sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal são sujeitos de IRC (…) não estando porém obrigadas ao pagamento deste imposto. Os sujeitos passivos desta obrigação são os respectivos sócios, independentemente de uma distribuição efectiva de dividendos”
Assinalando ainda o autor na obra citada, que;
“Tais entidades, nomeadamente as sociedades de profissionais, são juridicamente, as titulares do rendimento (do lucro tributável)” para concluir que, “são pois, parte legítima e necessária em quaisquer procedimentos que digam respeito à quantificação de tal lucro, mesmo que para efeitos tributários”
O último dos segmentos transcritos serve de pretexto para se deixar nota (melhor dizendo. relembrar) que no seguimento do resultado da inspecção tributária levada a cabo sobre a sociedade “E…, SROC” procedeu a AT a correcções em sede de IVA e IRC com consequentes liquidações adicionais, às quais, a sociedade em causa com as mesmas não concordando, reagiu através das respectivas reclamações graciosas que indeferidas, estiveram, por seu turno, na génese dos pedidos de pronúncia arbitral que correram termos, respectivamente sob os números 352/2016 e 354/2016-T, no CAAD.
Processos esses em que foram já proferidas as respectivas decisões, ambas de improcedência no que toca, respectivamente, ao pedido de anulação de liquidações adicionais em sede de IRC e IVA.
Assinalando-se que as liquidações de IRS postas em crise nos presentes autos, advêm do mesmo relatório elaborada pelos SIT, conforme resulta dos processos administrativos anexos e do próprio articulado dos Requerentes: “Os actos de liquidação ora impugnados tiveram origem numa acção inspectiva realizada à sociedade E…, SROC, com o NIPC…, de que os impugnantes são sócios, a qual deu origem a diversas correcções da matéria tributável” (cfr. artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral).
- da interpretação do artigo 23º do CIRC
Ao tempo a que se reportam os factos subjacentes dispunha o n º 1 do artigo 23º do CIRC como segue:
Artigo 23º
Gastos
1.Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação:
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado:
d)De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a titulo de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de poupança – reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados;
e)Os relativos a analises, racionalização e consulta;
f)De natureza fiscal e parafiscal:
g)Depreciações e amortizações:
h)Ajustamento em inventários, perdas por imparidade e provisões;
i)Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
j)Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos – valias realizadas;
m)Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável
Concluiu-se do normativo em apreço que a questão determinante para a admissibilidade dos gastos é a sua comprovação e a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Conforme já referido, e que aqui se retoma, da acção inspectiva levada a efeito aos Requerentes, através das Ordens de Serviço da Direcção Distrital de Finanças de…, números, OI 2014…, OI 2014…, OI 2015…/… e OI 2015…, correspondentes, respectivamente, aos Requerentes A…, B…, C…, e D…, resultaram correcções em termos de IRS à matéria colectável para os exercícios de 2011 e 2012 (à excepção do Requerente D…, só visado quanto ao ano 2012), em função da imputação aos mesmos na sua qualidade de sócios da sociedade “E…, SROC., nos termos do artigo 20º do CIRS, em conjugação com o artigo 6º da CIRC, das correcções àquela efectuadas (em sede de IRC e IVA) no âmbito da Ordem de Serviço nº OI 2014… da mesma direcção de Finanças.
Importará pois averiguar da indispensabilidade das despesas em causa – para efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.
Como elucidativamente já se escreveu no âmbito do processo nº 796/2014 do CAAD, “a indispensabilidade de determinado custo, nos termos do artigo 23º do CIRC, depende de uma tarefa de qualificação jurídica desses custos, correlacionando-os com o escopo social da contribuinte.
Trata-se, pois de uma análise que cabe ao julgador e à qual a contribuinte deve colaborar procurando enquadrar esse custo com a sua actividade, explicando a motivação inerente à realização do custo e os objectivos que se propõe atingir com ele”.
Na decisão arbitral em causa, é referido ainda com assinalável pertinência, que “o mero facto de um dado gasto estar alegado pelo contribuinte a existir um suporte documental, não pode determinar, por si só a sua aceitação como custo dedutível”
Convocando o ensinamento de Rui Morais, [3] podemos do mesmo recolher que:
“Já vimos que a questão da “indispensabilidade” de um custo é um problema de qualificação (questão de direito), pelo que rigorosamente, aqui não se coloca um qualquer problema de ónus da prova (…)
(…) de seguida, salientaremos que a recusa, pela administração, da aceitação fiscal de um determinado custo pela invocação de ser desnecessário não põe em causa a verdade da escrita do sujeito passivo, mas apenas a qualificação por ele feita (em sede de apuramento do lucro) desse custo (que se aceita ter, realmente existido).
Daí que tal não consideração não legitima o recurso a métodos de avaliação indireta, mas tão só aquilo que, normalmente, se chama de “correcções técnicas” da matéria coletável declarada (…)
(...) E aqui, segundo entendemos, cabe-lhe o ónus da alegação até porque, de outra forma, tais factos dificilmente serão conhecidos (…)
Em sentido idêntico, extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-11-2014, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Fonseca Carvalho, no âmbito do processo nº 0570/13:
“III- O conceito de indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado tendo cabido à jurisprudência o seu preenchimento, mas de forma casuística não tendo surgido de tal labor uma definição concreto do mesmo”
Secundado também, neste particular segmento, pelo recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 07-05-2015:
“1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº 23º do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal do custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para esse efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
Continuando o aresto que vimos citando;
“2.O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económico empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundamentalmente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
3. É entendimento da jurisprudência e da doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão aquelas em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do Código – cfr. artº 23º, nº 1 do C.I.R.C.). explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.”
Ilustrados a traço grosso os critérios de apreciação da indispensabilidade e dedutibilidade dos gastos à luz do artigo 23º, competirá agora, nesta sede, a operação de aplicação dos mesmos ao caso subjacente tendo em consideração os argumentos da AT que sustentam a sua desconsideração.
Ora, sopesando o que vem dito, afigura-se que no caso presente, os custos em causa desconsiderados pela AT e que estiveram na origem das correcções supra sinalizadas não se mostram indispensáveis face ao disposto no artigo 23º do CIRC para a obtenção dos proveitos.
Para tal conclusão, sob pena de redundância e com o objectivo de evitar transcrições desnecessárias que, na verdade em nada acrescentariam de significativo, afigura-se que a remição para o que supra foi transcrito a respeito dos argumentos aduzidos pelas partes em defesa das suas teses, concretamente sob os pontos 11.1 a 11.21 e 13.3 a 13.28, se revela, desde já suficiente para se concluir que os gastos incorridos, no domicílio de um dos Requerentes, os gastos com ginásio, gastos registados como aquisição de material de escritório onde constam aquisição de uma “Dock Station para IPod”, artigos apenas designados pela marca “…” a que se juntam outros gastos com ofertas e aquisição de bens não afectos à actividade da empresa dos Requerentes, a que acresce ainda a impossibilidade de dedução legal dos custos com apólices da saúde face ao disposto no nº 2 do e alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 43º do CIRC, bem como a desconsideração/ indedutibilidade dos custos relativos aos pagamentos da segurança social, face ao disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 23º do CIRC (ao tempo dos factos, artigo 45º, nº 1, alínea c), as despesas incorridas com deslocações e estadias para além dos próprios Requerentes, outras despesas tituladas em nome de terceiros (nomeadamente as relativas ao condomínio das instalações da “E…”) e outras melhor e mais detalhadamente sinalizadas pelos SIT, são de molde a não constituírem despesas ou custos ilegíveis para efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.
Sem prejuízo da discordância e justificação dos custos em causa e da sua indispensabilidade apresentadas pelos Requerentes, (que de certa forma replicam os apresentados pela sociedade “E…” em reacção, quer administrativa, quer no âmbito dos pedidos de pronúncia arbitral que estiveram na origem dos assinalados processos nºs 352/2016- T e 354/2016- T) não foram os mesmos de molde a suscitar dúvidas a este Tribunal que de algum modo pudessem ter conduzido a posição diversa da já enunciada.
Reanalisados os motivos das correcções de liquidações operadas pela AT e o argumentário da sua discordância apresentado pelos Requerentes, que sobressaem dos relatórios dos SIT, do pedido de pronúncia arbitral e da respectiva resposta, decide este Tribunal Arbitral Singular em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de IRS e juros compensatórios subjacentes.
III- REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Os Requerentes formulam e pedido de restituição das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios contados a partir de 9-11-2015 até integral reembolso.
O reembolso das quantias e o direito e juros indemnizatórios dependem da procedência do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações.
Consequentemente, improcedendo este pedido, improcedem necessariamente os de reembolso e juros indemnizatórios.
III.DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em;
- julgar improcedente a excepção de “caducidade do direito de acção”,
- julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRS e juros compensatórios supra identificados,
- absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos,
- condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.
IV.VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 54.953,91 €.
V. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas Judiciais nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 €.
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29, nº1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
A redacção da presente decisão, rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.
Quatro de Abril de dois mil e dezassete.
O árbitro
(José Coutinho Pires)
[1] Acórdão relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Joaquim Condesso no âmbito do processo nº 05287/12.
[2] Sobre o IRS, Almedina, Abril de 2006, página 171.
[3] Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, reimpressão da edição de 2007, página 88 e seguintes.