DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 A…– SOCIEDADE GESTORA DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com o número único de pessoa coletiva e de matrícula…, sedeada na …, … –…, …-… Lisboa, veio em 01.08.2016, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do tribunal arbitral em representação do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, pessoa coletiva número … .
1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os signatários para integrar o Tribunal Arbitral Coletivo, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 07.11.2016.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a anulação das liquidações de imposto do selo relativas ao ano 2015, referentes aos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia sob os artigos …, …, …, …, …, …, …, … e …, liquidações e prédios que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
1.5 A Requerente manifesta a sua discordância com os atos de liquidação de imposto em crise, atendendo fundamentalmente a que os prédios sobre os quais incide o imposto não são prédios para habitação, antes terrenos para construção, insuscetíveis de serem habitados, e relativamente ao qual não há previsão ou autorização de edificação de apenas prédios - ou frações autónomas de prédio - destinados a habitação, pelo que não se enquadra na previsão da verba n.º 28.1 da TGIS na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei 83-C/2013, de 31.12.
Alega, em suma, que a propriedade destes imóveis é, atendendo à sua atividade comercial, investimento produtivo e não prédio de vocação habitacional de alto significado económico e, portanto, não revelador da capacidade contributiva que aquela verba da Tabela considera.
Entende, como tal, que as verbas n.ºs 28 e 28.1 da TGIS, na sua redação original, tinham e têm de ser interpretadas no sentido de se aplicarem apenas a prédios imediatamente destinados a habitação e, bem assim, que a alteração introduzida pelo artigo 194.º da Lei 83-C/2013, de 31.12, é inconstitucional, porque violadora do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva que emanam do artigo 13.º e do artigo 204.º da CRP. Considera ainda que a sua aplicação gera uma situação de dupla tributação.
Pelo que conclui que deve ser recusada a aplicação da norma e que os atos de liquidação em crise são ilegais, peticionando a respetiva anulação e o reembolso das quantias pagas, acrescida dos juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações até reembolso efetivo e integral.
1.6 O Tribunal proferiu despacho inicial a 07.11.2016.
1.7 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se por unicamente por impugnação.
Pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado, por entender que “Consultando as certidões do teor dos prédios urbanos que estão na base das presentes liquidações, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos à habitação”
Alega, sumariamente, que a verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel, tratando-se de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.
Invoca ainda o contexto excecional e de evidentes dificuldades que o País, em especial a contas públicas, enfrentavam quando surgiu a verba 28.1 da TGIS, que obrigou a medidas extraordinárias de arrecadação e mais receita fiscal, motivos pelos quais a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.
No que reporta à alegada inconstitucionalidade da norma, recorda a Requerida que esta já foi objeto de juízo negativo por parte do Tribunal Constitucional.
Acrescenta que, vinculada como está ao princípio da legalidade, não lhe cabe apreciar a constitucionalidade de uma norma e está, até que esta tenha sido declarada com força obrigatória geral, obrigada a aplicá-la, pelo que, ainda que o pedido da Requerente procedesse, jamais poderia a Requerida ser condenada em juros indemnizatórios.
Termina pugnando pela legalidade das liquidações e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Mais requer, para que “caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente, recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (...) por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento às suas prerrogativas legais”.
1.8 O Tribunal proferiu, a 23.12.2016, despacho no sentido de se lhe afigurar ser dispensável a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e convidando as partes a apresentar as suas alegações.
1.9 As partes, notificadas, não vieram apresentar alegações.
1.10 A Requerida não juntou aos autos os processos administrativos, esclarecendo que estes “não existem”.
2. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade jurídica e capacidade judiciária, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1. O Fundo representado pela Requerente é proprietário dos prédios urbanos sitos no Lugar de…, freguesia de…, concelho de Vila Nova de Gaia, inscritos na matriz predial urbana daquela freguesia sob os artigos…, …, …, …, …, …, …, … e …;
2. Os prédios estão descritos na matriz como “terreno para construção”;
3. Na avaliação dos prédios foi aplicado o “tipo de coeficiente de localização: habitação”;
4. Os prédios têm valores patrimoniais tributários que oscilam entre o mínimo de 1.338.810,00 e o máximo de 3.136,450,00;
5. A 05.04.2016 a Autoridade Tributária procedeu às liquidações do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS com referência aos prédios descritos em 1, no valor total de 137.888,00€ e emitiu subsequentemente as notas de cobrança para pagamento das prestações resultantes daquelas liquidações.
Factos não provados
Com relevo para a apreciação do mérito da causa, não se provou que no imóvel em causa tivesse sido autorizada, projetada ou prevista qualquer edificação, designadamente, destinada a habitação, facto cuja prova incumbia à Requerida, por constituir facto essencial à integração na norma de incidência real no imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo.
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre a matéria de facto fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta pela Requerente cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
Aos olhos do Tribunal, são as seguintes as questões sobre as quais lhe cumpre decidir:
A) Para efeito da aplicação da aludida verba, os prédios em causa, terrenos para construção, sem construção autorizada ou prevista, estão abrangidos pela norma de incidência?
B) Sendo, a verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 13 de dezembro, inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, devendo, nesse caso, ser recusada a respetiva aplicação, o que retirará suporte legal aos atos de liquidação que, por ilegais, terão de ser anulados?
C) Na eventualidade de serem anuladas as liquidações, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios por força das quantias pagas?
Cumpre decidir:
A) Se os prédios estão abrangidos pela norma de incidência:
A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A Lei também aditou ao Código do IS o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
“Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
“Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
“Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2– Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”
“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”
É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica dos prédios sobre os quais incidiu o imposto em crise.
Dúvidas não existem de que os prédios são “terreno para construção”. É uma qualificação que não foi colocada em causa por nenhuma das partes e que resulta do teor das respetivas cadernetas prediais e do confronto dos citados artigos 2.º, 4.º e 6.º do CIMI, aplicável por remissão expressa da norma de incidência aplicada.
Essa norma é a verba 28.1 da TGIS que, recordemos, dispõe o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Necessário é, pois, para preenchimento da norma de incidência, que o prédio seja habitacional ou, não o sendo, seja terreno para construção e que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.
Sendo que sempre se dirá que, nesse caso, a redação adotada pelo legislador foi infeliz e não deixa claro se a construção terá que ser exclusivamente para habitação e, assim não sendo, se pretende que a base do imposto corresponda ao valor tributário do prédio, ou apenas à parte que seja destinada a habitação (sendo que a respetiva determinação não se nos afigura viável).
Não ignora o Tribunal o contexto em que a norma foi produzida, mas nem em contexto de urgência está o legislador dispensado de observar os preceitos constitucionais, designadamente, o princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.
O n.º 2 do artigo 5.º do CIMI vem clarificar o que entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal, não se está a referir aos terremos para construção, mas às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso licenciado pela edilidade ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal.
O critério da “utilização normal” na falta de licença não se pode extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, como parece pretender a Requerida.
Certo que na avaliação dos terrenos foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito.
Não é esse, porém, o critério adotado pelo legislador nem no CIMI nem no Código do Imposto do Selo. O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação. Diga-se en passant ainda que sem consequências na decisão do pleito, que nos parece haver erro da AT na utilização de tal coeficiente.
A verba 28.1 da TGIS afigura-se-nos - nessa parte, pelo menos - perfeitamente clara: estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do número 1 e do n.º 2 do artigo 5,º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação (ficando apenas por definir se é total ou parcialmente e, neste último caso, qual é o valor considerado para efeitos de sujeição a tributação).
Ora, não ficou demonstrado que os terrenos para construção em discussão tivessem autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação, por forma a estarem sujeito a IS nos termos da verba n.º 28.1 da TGIS.
Prova que cabia à Requerida e deveria aliás constar da fundamentação dos atos de liquidação, que não foi junta aos autos. A Requerida, aliás, não veio juntar o processo administrativo, alegando que este “não existe”, o que pode apontar para que a inexistência da própria fundamentação das liquidações. O vício daí decorrente não foi, porém, arguido.
Parece-nos, portanto, evidente que os prédios, terrenos para construção relativamente aos quais não se provou haver autorização ou previsão de construção destinada a habitação, não preenchem a norma de incidência do imposto que serviu de base às liquidações.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações e com este fundamento, se consideram anuláveis os atos de liquidação, por ilegais, por não ser aplicável a verba do artigo 28.1 da TGIS aos prédios sobre os quais incidiram.
B) Fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente, designadamente, da invocada inconstitucionalidade da norma.
C) Finalmente, e no que respeita à pretensão da Requerida de que lhe sejam pagos juros indemnizatórios:
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Ora, no caso em apreço, a ilegalidade das liquidações é totalmente imputável à AT, aqui Requerida, que considerou terem afetação habitacional prédios que não reuniam as condições, expressas na norma de incidência, para que se pudesse inferir tal afetação.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre as quantias por ela pagas, por força do disposto no art.º. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular os atos de liquidação em crise, devendo a Requerida, por efeito da anulação, devolver à Requerente as quantias que esta tenha pago a este título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, desde a data do pagamento até efetivo e integral reembolso.
* * *
Fixa-se o valor do processo em 137.888,00€ (cento e trinta e sete mil oitocentos e oitenta e oito mil euros) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em 3.060,00€ (três mil e sessenta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.
§ Notifique-se.
Lisboa e CAAD, 31 de março de 2017
O Tribunal Arbitral
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Francisco José Nicolau Domingos
(Árbitro Adjunto)
Eva Dias Costa
(Árbitro Adjunto)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia do Acordo Ortográfico de 1990.