Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, NIF…; B…, NIF…; C…, NIF … e D… NIF … (doravante apenas designados por Requerentes), apresentaram, em 28/07/2016, em coligação, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, (doravante designado pedido inicial ou abreviadamente P.I.) nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo, com referência à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), que incidiram sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia …, que teve origem no artigo … da freguesia de …, sito na Rua … n.º … a … em Lisboa, no montante total de € 17.991,80:
a) Actos de liquidação de IS emitidos à 1.ª Requerente:
N.ºs 2016 … de 5.04.16, no montante de 118,68€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 219,68€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 118,68€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 118,68€, 2016 …, de 5.04.16, no montante de 118,68€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 295,16€, relativas ao ano de 2015, no montante global de € 989,53 (novecentos e oitenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos).
b) Actos de liquidação de IS emitidos à 2.ª Requerente:
N.ºs 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.257,83€, 2016 … de 5.04.16, montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.690,64€, relativas ao ano de 2015, no montante global de € 5.667,43 (cinco mil, seiscentos e sessenta e sete euros e quarenta e três cêntimos).
c) Actos de liquidação de IS emitidos à 3.ª Requerente:
N.ºs 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.257,83€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 …, de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.690,64€, relativas ao ano de 2015, no montante global de € 5.667,43 (cinco mil, seiscentos e sete euros e quarenta e três cêntimos).
d) Actos de liquidação de IS emitidos ao 4.º Requerente:
N.ºs 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.257,83€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 …, de 5.04.16, no montante de 679,74€, 2016 … de 5.04.16, no montante de 1.690,64€, relativas ao ano de 2015, no montante global de € 5.667,43 (cinco mil, seiscentos e sete euros e quarenta e três cêntimos).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 19/08/2016 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10/10/2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-10-2016.
Por despacho de 25/10/2016 foi ordenada a notificação do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para juntar o processo administrativo, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
A Requerida apresentou resposta em 28/11/2016, requereu que não fosse realizada a reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, prescindiu de alegações finais e informou que não existe processo administrativo pelo que não irá proceder à sua junção.
Em 09/12/2016 vieram os Requerentes responder às excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e de inimpugnabilidade dos actos invocadas pela Requerida.
Por despacho de 06/12/2016 foram as partes notificadas para estarem presentes na reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, que veio a ter lugar no dia 09/01/2017 com a presença da mandatária dos Requerentes, tendo faltado a jurista designada pela Requerida.
Na referida reunião ficou a mandatária dos Requerentes notificada para, em 10 dias, proceder à junção dos documentos que havia protestado juntar na P.I., tendo ficado as partes dispensadas de proferir alegações de acordo com o pedido apresentado pela Requerida na sua resposta e idêntica posição adoptada pelos Requerentes na reunião. Foi também fixada a data para prolação da decisão para o dia 24/04/2017.
Em 09/01/2017 vieram os Requerentes juntar aos autos os comprovativos de pagamento das segundas e terceiras prestações do Imposto do Selo, que haviam protestado juntar no P.I.
São, sumariamente, as seguintes as alegações dos Requerentes:
Os actos de liquidação de IS enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, na medida em que não se encontram verificados os pressupostos legais de incidência do IS previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pois entende que no caso de prédio urbano em propriedade vertical a sujeição a IS deve ser determinada pelo VPT de cada andar susceptível de utilização independente e não pelo VPT total do prédio. Nessa medida, não sendo superior a € 1.000.000,00 o VPT de nenhum dos andares do referido prédio, não haveria sujeição a IS.
Para sustentar a sua posição invoca inúmeras decisões de jurisprudência arbitral tributária do Centro de Arbitragem Administrativa, das quais as proferidas nos processos n.º 151/2015-T, 558/2014-T e 496/2015-T respeitam ao mesmo prédio em apreço nos presentes autos e aos actos de liquidação de Imposto do Selo dos anos de 2012, 2013 e 2014.
Invoca ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em especial o acórdão proferido no processo n.º 1354/15, em 02/03/2016 que acolhe o entendimento por si sustentado no P.I.
Termina, peticionando a anulação dos actos de liquidação de IS, o reembolso dos montantes indevidamente pagos e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária.
Sumariamente a Requerida invoca a excepção de incompetência do Tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos actos impugnados e quanto aos fundamentos em que os Requerentes assentam o pedido arbitral de anulação dos actos sustenta que é inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou divisão a divisão.
Conclui defendendo a improcedência do pedido, por entender que para efeitos de incidência do IS é o valor patrimonial total do prédio e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda que sejam susceptíveis de utilização independente, que deve ser considerado.
II. SANEADOR
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi tempestivamente apresentado.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e a coligação é admissível (artigos. 3.º, n.º 1.º, 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Quanto às excepções da incompetência do Tribunal Arbitral e da inimpugnabilidade dos actos, vejamos:
Apesar de o Tribunal entender que a excepção de incompetência suscitada pela Requerida está intimamente relacionada com a excepção, também invocada, de inimpugnabilidade dos actos, comecemos pela questão da competência do Tribunal Arbitral, pois, como refere Mário Aroso de Almeida, verificada a incompetência o Tribunal “fica naturalmente impedido de entrar na apreciação quer dos restantes pressupostos processuais, quer, obviamente, do mérito da causa” [1].
Dispõe o n.º 1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”
Por sua vez, determina o artigo 95.º da Lei Geral Tributária que: “1 – O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.
2 – Podem ser lesivos, nomeadamente:
a) A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;”
Por fim, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira se vincula à jurisdição do CAAD não constam excepcionadas as pretensões sobre actos de liquidação de Imposto do Selo, pelo que, estando a administração do referido imposto cometida à Autoridade Tributária, também por esta via não fica afastada a competência do Tribunal Arbitral.
Assim, estando em causa nos presentes autos a pretensão dos Requerentes de ver anulados os actos de liquidação do IS que lhes foram dirigidos pela Requerida e que incidiram sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia …, no montante total de € 17.991,80, não restam dúvidas que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar o pedido.
Termos em que improcede a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.
Quanto à excepção de inimpugnabilidade dos actos invocada pela Requerida, vejamos. O Tribunal considera que a excepção invocada pela Requerida não deverá proceder, pois no caso dos autos os Requerentes não impugnaram “a prestação relativa ao pagamento de um valor unitário de imposto”, mas os actos tributários de liquidação de imposto do selo, o que resulta claramente do P.I. e é corroborado pela Requerida quando, na sua, resposta, fixa o objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Acresce que os documentos juntos aos autos como documentos n.º 2 a 25 do P.I. consubstanciam a notificação aos Requerentes dos actos de liquidação do Imposto do Selo, fixando como prazo limite de pagamento da primeira prestação o dia 30/04/2016, pelo que também os prazos para apresentar os meios de defesa constantes das notificações foram respeitados pelos Requerentes.
Assim, improcede a referida excepção.
Conhecidas as excepções cumpre apreciar o mérito dos pedidos.
III. FUNDAMENTAÇÃO
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Dos Factos provados
Não há matéria factual alegada controvertida estando designadamente provados os seguintes factos essenciais:
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Os Requerentes são comproprietários do prédio urbano, sito na Rua…, n.º … a…, em Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de … (inicialmente inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de…) descrito na matriz como “Prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, na proporção de 55/1000 para a 1ª Requerente e de 315/1000 para cada um dos restantes Requerentes (cfr. Documento n.º 1 do P.I.).
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O prédio é destinado a habitação e comércio, sendo destinadas a habitação, de acordo com a afectação constante da caderneta predial, os 1.º a 9.º pisos (cfr. Documento n.º 1 do P.I.).
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Ao Prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 1.975.890,00 (cfr. Documento n.º 1 do P.I.), que se decompõe da seguinte forma:
R/C - € 176.710,00
Primeiro - € 215.790,00
Segundo e Terceiro - € 399.310,00
Quarto - € 215.790,00
Quinto - € 215.790,00
Sexto - € 215.790,00
Sétimo a Nono - € 536.710,00
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No que revela nos presentes autos, o valor patrimonial tributário dos andares susceptíveis de utilização independente com afectação para habitação totaliza o montante de € 1.799.180,00, montante este que foi considerado pela Requerida para o cálculo do Imposto do Selo liquidado aos Requerentes (Cfr. Documentos n.º 2 a 25 do P.I.).
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Os Requerentes foram notificados dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo, com referência ao ano de 2015 e ao prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto:
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Os actos de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano 2015, cuja anulação é peticionada pelos Requerentes têm um valor global de € 17.991,80.
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Os Requerentes procederam ao pagamento do Imposto do Selo no montante de € 17.991,80 (cfr. Documentos 26 a 67 do P.I. e 1 a 19 juntos aos autos em 09/01/2017).
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Os actos tributários ora controvertidos resultaram da aplicação da taxa de 1% prevista na tabela geral do Imposto de Selo, verba 28.1 ao VPT dos andares susceptíveis de utilização independente com afectação para habitação do prédio melhor identificado no ponto 1 da matéria de facto.
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Dos Factos essenciais não provados
Não há factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão e não provados.
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Da Motivação
Para a convicção do Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados, relevaram os elementos documentais a que se faz alusão supra nos diversos pontos e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com os articulados em que se surpreende a inexistência de controvérsia quanto aos factos alegados pelos Requerentes. Não foi considerado o processo administrativo por o mesmo não ter sido junto aos autos pela Requerida.
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Do Direito
Questões a decidir.
Em síntese e se bem entendemos, é a seguinte a questão a apreciar e decidir.
Com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares com utilização independente, dos quais alguns com afetação habitacional, o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído aos diferentes andares ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais?
São já inúmeras as decisões arbitrais sobre esta questão, pelo que em homenagem ao princípio da economia processual, o Tribunal remete para as decisões proferidas nos processos n.º 272/2013-T, 26/2014-T, 30/2014-T, 206/2014-T, 249/2015-T, 151/2015-T, 558/2014-T e 496/2015-T com as quais concorda e que acolhe, mas transcreve apenas a decisão proferida, em 31/01/2017, no processo n.º 546/2016-T, para os fundamentos da qual remete na íntegra, quer por esta decisão conter um sumário das referidas decisões arbitrais, quer por se tratar de decisão proferida em processo arbitral sobre questão em tudo idêntica à dos presentes autos quer, por fim, por citar o acórdão do STA, aprovado por unanimidade, em 24/05/2016, no processo n.º 01344/15, cuja fundamentação de direito este Tribunal acolhe e para a qual remete:
«Importa ter presente que cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial do prédio total, a qual discrimina também o valor patrimonial tributário daquelas (n.º 2 do art.º 12.º do CIMI), sendo o IMI liquidado individualmente em relação a cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI), como aconteceu também no caso em apreço.
E, se assim é em IMI, também assim deverá ser em Imposto de Selo, até porque, como bem refere a Requerida, o CIS remete para o CIMI.
Como alerta a decisão tomada no processo 206/2014-T: “Dado que o CIS remete para o CIMI, há que concluir que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição da horizontal”. Sendo o IMI e o Imposto de Selo “liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”, também “o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo”. Em consequência, haverá incidência da verba 28.1 da TGIS (apenas) caso alguma dessas partes, andares ou divisões com utilização independente apresente um VPT, pelo menos, igual ao montante previsto na norma de incidência.
Como bem explica a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo 349/2015-T, “Assim, prédio será a área independente, considerada separada e autonomamente na matriz, sendo sujeito a IS se cumpridos dois requisitos: ser destinado a fins habitacionais e ter um VPT igual ou superior a um milhão de euros, critério de aferição dos imóveis habitacionais “de luxo”. De outro modo, criar-se-ia uma realidade não prevista pelo legislador: a de um, por assim dizer, “prédio habitacional”, eventualmente inserido dentro de um prédio mais vasto, eventualmente com várias finalidades, em que o VPT daquele, espúrio aos registos matriciais, consistiria na ficção de um VPT dado pela adição do VPT autónomo de cada divisão (independente e com finalidade habitacional) considerado na inscrição matricial. Ou seja, onde o legislador considerou duas realidades, teria agora o intérprete, sem apoio no texto legislativo, de ficcionar uma terceira realidade, híbrida, a meio caminho entre o prédio urbano e as suas divisões independentes a que o legislador do IMI, e do IS por remissão para o CIMI, entendeu dar relevo tributário.
Também na decisão proferida no processo 272/2013-T (CAAD) se refere que “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo Imposto de Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”. Aliás, diz-se, a posição da AT “não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de Imposto de Selo”, razão pela qual “a adoção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.
E no mesmo sentido se refere na decisão arbitral do processo 30/2014-T encontrar-se na doutrina da AT uma “desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e por isso, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não tendo suporte legal a operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, de afetação habitacional, cindido do VPT dos demais com fins diferentes, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais”.
Como também se refere naquela decisão arbitral, o que acontece no que respeita aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é que a AT procede, nas operações de liquidação do IS, à adaptação das regras do CIMI (adicionando os valores patrimoniais tributários de um mesmo prédio, sem considerar os que correspondam a partes do prédio com fim não habitacional, dando assim lugar a um novo e híbrido VPT). Com efeito, essa “adaptação” corresponde a “somar os VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais (cindido do VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afetação habitacional”, o que atenta “contra o elemento literal da norma de incidência”.
Assim, “nos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”, deverá considerar-se o valor patrimonial tributário “que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS”.
Concretizando, como se concluiu na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD, “para efeitos de aplicação da verba 28 do TGIS aos prédios em propriedade vertical, aplicam-se as mesmas regras do CIMI que ao prédios em propriedade horizontal, e no mesmo sentido o VPT para efeitos da aplicação da verba é o VPT individual de cada fração independente habitacional, sendo que no presente caso nenhuma das frações ultrapassa o critério de incidência de 1.000.000,00€”, o mesmo ocorrendo no caso dos presentes autos.
Partindo da mesma posição, a decisão arbitral proferida no processo 349/2015-T conclui que “como claramente decorre das decisões citadas, que a interpretação literal da nova verba da TGIS não poderá deixar de ser diversa da sustentada pela AT, aliás, a oposta, dada a clara e indiscutível remissão operada a propósito da nova verba da TGIS para as regras do CIMI, não podendo o interprete da norma “criar” um novo conceito de prédio para assim obter um VPT híbrido, não reconhecido na matriz e sem qualquer apoio no texto da lei.”
E fê-lo invocando também o critério da substância económica dos factos tributários: “a expressão “cada prédio urbano” usada no nº 7 do artigo 23º, por identidade de razões, abrange não apenas os prédios urbanos em propriedade horizontal, como também os andares, divisões ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre, em qualquer dos casos, de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (...). A realidade económica da detenção de partes independentes, e.g. suscetíveis de utilização ou de arrendamento autónomos, tal como as frações autónomas no caso da propriedade horizontal, e portanto suscetíveis permitir o uso ou a obtenção de rendimentos de modo similar e exteriorizando, por isso, igual capacidade contributiva (como o exteriorizaria o somatório do VPT de várias frações autónomas de um mesmo prédio em propriedade horizontal ou de vários prédios que no seu conjunto superassem o valor de um milhão de euros, sem que tal tenha sido considerado pelo legislador como exteriorização de capacidade contributiva relevante para efeitos de IS).”
Acresce que, como se refere no Acórdão proferido no processo 26/2014-T do CAAD, não se vislumbra qualquer censura do legislador à propriedade vertical. Com efeito, “dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património”.
Com efeito, como se decidiu nos processos 26/2014-T e 272/2014-T e 349/2015-T, “o legislador é indiferente a uma ou outra forma de estruturação da propriedade de prédios urbanos no CIMI, não se perceberia que pretendesse agora favorecer uma em detrimento da outra, nomeadamente por considerar uma forma de estruturação mais avançada do que a outra”. “O regime jurídico atual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal”, razão pela qual “a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal “, pois “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”
E o certo é que também nada induz o intérprete à conclusão que o concreto legislador da nova verba da TGIS, contrariamente ao legislador do IMI, que aliás permanece inalterado, tenha pretendido discriminar a propriedade vertical face à horizontal. Como bem se relembra no Acórdão proferido no já referido processo 26/2014-T do CAAD, também referido na já citada decisão do processo 349/2015-T, “aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (cf. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32). Ora, como se salienta nesse Acórdão, “o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo sem tibiezas a expressão “casas”… de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, pelo que “resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes suscetíveis de utilização independente quando apenas do respetivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba”.
Sendo, portanto, claro, tal como se refere na referida decisão 272/2014-T, que para o legislador só aquele valor de um milhão de euros, desde que afeto “a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal”.
E se assim é, teremos então de atender ao conceito de “casa” enquanto realidade física que possibilita um fim habitacional, uma unidade suscetível de utilização independente, incluindo o seu arrendamento, pois é nessa realidade económica que encontraremos a exteriorização da capacidade contributiva associada a “habitações de luxo” que o legislador considerou relevante. Mais, se assim não fosse, procederia o legislador a uma discriminação que não se encontraria justificada, pois como já se viu não se encontra no sistema uma censura da propriedade vertical quando comparada com a horizontal. Mais, essa distinção chocaria com uma necessária equidade entre idênticas exteriorizações de uma mesma capacidade contributiva.
Ora, as capacidades contributivas exteriorizadas pela propriedade de um prédio composto por um conjunto de frações autónomas em propriedade horizontal ou por um conjunto de divisões de utilização independente em regime de propriedade vertical, não podem deixar de ser consideradas idênticas, se não mesmo, eventualmente, menores no caso da segunda hipótese. Ou seja, um prédio não tem, seguramente, um valor de mercado maior por estar organizado como propriedade vertical. Vale o mesmo (permitindo igual benefício pelo seu uso ou igual rendimento por via do seu arrendamento, como acima se referiu), ou terá mesmo um valor menor, já que as alternativas de transmissibilidade serão eventualmente menores. E sabemos que o VPT pretende ser uma aproximação, precisamente, ao valor de mercado dos prédios e será, portanto, a medida e o limite da capacidade contributiva relevante para a nova verba da TGIS. (cf. a decisão que vimos citando, proferida no processo 349/2015-T).
Assim, a interpretação pugnada pela AT, não encontrando justificação hermenêutica, conforme se viu até agora, conduziria ainda a uma manifesta desigualdade entre proprietários de imóveis em propriedade horizontal e em propriedade vertical (e também já se viu que não se vislumbra uma qualquer intenção penalizadora destes, mesmo que se admitisse que tal fosse constitucionalmente admissível).
Nesse mesmo sentido, como bem se salienta na decisão do processo 272/2014-T do CAAD, a “existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material”.
Concluindo, “a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, visto que constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação”, e esse facto “não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efetivamente atribuído a cada parte.” Assim, “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal … e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal” (cf. a decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD).
Também o Supremo Tribunal Administrativo decidiu por unanimidade, no processo 01344/15, em 24.05.2016 que “ – Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois fatores: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000.II – Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”»
Não restam pois quaisquer dúvidas a este Tribunal da bondade da interpretação que tem vindo a ser acolhida unanimemente pela jurisprudência arbitral e, em especial, pelo Supremo Tribunal Administrativo da norma de incidência constante do artigo 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pelo que no caso dos autos, tratando-se de prédio em propriedade vertical e não existindo andar ou divisão destinada a habitação cujo VPT seja superior a € 1.000.000,00, os actos tributários impugnados foram emitidos em violação do disposto na citada norma de incidência, sendo ilegais.
Tendo os Requerentes procedido ao pagamento do IS indevido, têm os mesmos, de acordo com o disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, desde a data do pagamento indevido até restituição integral.
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os actos de liquidação de IS, com fundamento em vício de violação de lei.
Condenar a Requerida a reembolsar os Requerentes das quantias pagas indevidamente, acrescidas de juros indemnizatórios.
Fixa-se ao processo o valor de € 17.991,80 (dezassete mil novecentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros) ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Abril de 2017
A Árbitro,
Susana Soutelinho
[1] ALMEIDA, Mário Aroso de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotado, 2ª Edição revista, Almedina, Coimbra, 2007, página 117.