DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. José Manuel Cardoso da Costa, Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Prof. Doutor Américo Brás Carlos acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
A) Constituição do tribunal arbitral e tramitação do processo
A…, NIF…, com sede no …- …, Apartado …, …, … (doravante A… ou Requerente), veio, nos termos legais, apresentar pedido de pronúncia arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, designou como Árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais,
O dirigente máximo da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor Américo Brás Carlos.
Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa como árbitro presidente.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 28/09/2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou, atempadamente, resposta, na qual invocou, a título de exceção, a “intempestividade ou caducidade do direito de ação”.
Esta exceção foi apreciada por despacho arbitral de 22/11/2016, que a indeferiu.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Em 02/12/2016 realizou-se uma reunião em que foram inquiridas as testemunhas.
As Partes apresentaram alegações escritas.
Por despacho arbitral de 03/03/2017 foi prorrogado, por dois meses, o prazo para ser proferida a decisão arbitral.
B) Pedidos de pronúncia arbitral
B.1) O pedido principal é o de anulação da liquidação nº 2016…, referente a retenções na fonte de IRC relativas ao ano de 2012, no valor total de € 169.630,25, sendo € 150.000,00 de imposto e o remanescente de juros compensatórios, a qual teve a sua origem em correções promovidas pela AT.
A Requerente imputa a tal liquidação os vícios de: a) errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável; b) violação dos artigos 4.º, mais especificamente do seu n.º 3, alínea d), 94.º, 87.º, do CIRC; c) violação dos artigos 13.º, 17.º e 22.º das Convenções de Dupla Tributação celebradas entre Portugal e o Brasil e entre Portugal e Marrocos; d) ilegalidades da Circular nº 18/2011, da DGI; e) violação dos artigos 35.º e 38.º, n.º 1, da LGT e do art. 100.º do CPPT.
B.2) Pede a Requerente, a título subsidiário (caso o pedido principal não proceda), a anulação da liquidação de juros compensatórios, por entender que estes só são exigíveis se à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido se associar um juízo de censura ou de culpa ao contribuinte nessa conduta, sendo que ela atuou com base numa interpretação plausível da lei.
B.3) Pede, ainda, em caso de procedência do pedido principal, a condenação da AT no pagamento de indemnização pela garantia por si indevidamente prestada.
A questão principal a decidir é, pois, a da existência da obrigação da Requerente proceder à retenção na fonte e entrega nos cofres do Estado do IRC antes referida (B.1).
C) A Fundamentação da liquidação impugnada
C1) Relativamente aos direitos de imagem
A fundamentação de direito da liquidação impugnada, no tocante aos direitos de imagem, louva-se, no essencial, no teor da Circular n.º 17/2011, de 19 de Maio, da então DGCI.
Os principais argumentos invocados pela AT são os seguintes:
- Quando os direitos de imagem de um jogador são detidos por uma entidade não desportiva que os cede a um Clube/SAD, com o qual o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos obtidos por essa entidade com a cedência desses direitos encontram-se estreitamente relacionados com os direitos inerentes ao contrato de trabalho desportivo celebrado pelo jogador, porque derivam da imagem deste no exercício da sua atividade profissional e apenas subsistem enquanto durar o contrato de trabalho desportivo.
- Existe, assim, uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seus direitos de imagem, uma vez que o clube ou SAD só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista – a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo.
- Por isso, em última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente serão os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade de profissional de futebolistas em território português.
- Tais rendimentos estão pois – conclui a AT - sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC.
- O previsto no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, dado o disposto no n.º 2 do artigo 17.º das CDT celebradas entre Portugal e, respetivamente, o Brasil e Marrocos.
C2) Relativamente aos direitos económicos
A fundamentação da liquidação impugnada, no relativo aos direitos económicos, louva-se, no essencial, no teor da Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio, da então DGCI.
Os principais argumentos invocados pela AT são os seguintes:
- O que decorre dos termos do contrato celebrado entre a A… e as entidades constantes nos contratos em questão é que houve uma cessão de “direitos económicos” relativos ao “passe” dos jogadores.
- Nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, os direitos em causa emergem da celebração de um contrato de trabalho desportivo, não sendo mais do que os direitos de inscrição numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente inscrita na entidade responsável pela organização e supervisão do futebol profissional (no caso português, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional).
- O Regulamento Relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores da FIFA, que consta do comunicado oficial n.º …, de 2005-05-19, da FPF, prevê que um jogador só pode ser inscrito se o clube submeter um pedido válido à respetiva Federação durante o período de inscrição, tendo esse pedido que ser apresentado com uma cópia do contrato do jogador (vide artigos 6.º e 8.º).
- A existência de direitos desportivos, só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores.
-Não foi identificado um outro clube/SAD que detivesse os direitos desportivos dos jogadores aquando da sua transferência para a A… .
- Não existindo direitos desportivos em vigor, também não se pode considerar que existam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que, estes pressupõem a existência de um contrato de trabalho desportivo.
- Encontrando-se o jogador “livre” para o período que a A… pretendia contratar o jogador, ou seja, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, quando surge uma entidade não desportiva não residente a cobrar uma importância à A… que pretende celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador, estes direitos económicos não têm na sua origem direitos desportivos, uma vez que inexiste contrato de trabalho desportivo gerador de direitos económico.
- Como se esclarece na Circular nº 18/2011 da então DGI, nestas condições os direitos económicos reclamados para a celebração de um contrato desportivo subsumem-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir para o efeito.
- Assim, as entidades não desportivas em causa, quando invocam a cedência de direitos económicos, mais não exigem do que o direito de obter, em vez do jogador, uma remuneração pela celebração do contrato de trabalho desportivo.
- Tais rendimentos, obtidos pelas entidades não residentes, decorrem inequívoca e indissociavelmente da celebração do contrato de trabalho desportivo com a A…, celebrado pelos jogadores na qualidade de desportistas, donde deriva a sua utilização ao serviço do clube / SAD residente, pelo que estão sujeitos a IRC, por forçado disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, devendo ser objeto de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC.
- O previsto no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, dado o disposto no n.º 2 do artigo 17.º das CDT celebradas entre Portugal e, respetivamente, o Brasil e Marrocos.
Entende ainda a AT, que, relativamente a ambas as situações, não constitui condição para um rendimento ser considerado como decorrente da atividade de desportista, para efeitos da alínea d) do nº 3 do artigo 4º do CIRC, que o rendimento seja obtido pelos jogadores, ou não faria sentido a inserção deste normativo em sede de IRC.
Na sua resposta e nas suas alegações a AT reafirma este entendimento.
D) Posição da Requerente
A Requerente sustenta, em suma:
- serem as remunerações pagas a empresários desportivos ou similares, aquando da celebração de um contrato desportivo com um jogador, diferentes das resultantes do exercício, pelo jogador, da sua profissão, porquanto as entidades que adquirem tais direitos (de imagem e desportivos) “assumem o risco empresarial de rentabilização desses ativo, mediante a sua exploração e comercialização, por si própria ou por cedência a terceiro”.
- ao cederam a empresas especializadas os seus direitos desportivos, os jogadores limitaram o seu risco (recebem algo, ainda que fiquem desempregados e sem remuneração);
- que este modelo de negócio é comum no mundo futebolístico;
- que não foi alegado e provado que as empresas não residentes em questão tenham atuado em nome e por conta dos atletas nem que as remunerações por elas obtidas tenham sido, depois, entregues, total ou parcialmente, aos jogadores e que a A… tivesse de tal conhecimento.
Nas suas alegações a Requerente reafirma este entendimento.
II - SANEAMENTO
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
O Tribunal arbitral é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
Não foram suscitadas quaisquer outras exceções, para além da já decidida por despacho arbitral, de que cumpra conhecer.
Não se verificam nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.
III - MATÉRIA DE FACTO
§ 1 - Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é a sociedade desportiva que agrega a atividade de futebol profissional masculino do B…;
b) A A… foi alvo de uma inspeção tributária relativa ao ano de 2012, a qual culminou no relatório final de inspeção que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, o qual constitui a fundamentação de, entre outras, a liquidação ora impugnada.
c) A A… adquiriu a uma sociedade com sede e direção efetiva no Brasil e sem estabelecimento estável em Portugal os direitos de imagem do jogador C… (C…).
d) Foi o próprio jogador (C…) quem, na qualidade de legal representante da sociedade cedente, a D…, subscreveu o contrato relativo a tal cedência de direitos de imagem.
e) A A… efetuou acordos com diversas sociedades não desportivas, com sede no Brasil e em Marrocos, sem estabelecimento estável em Portugal, para a aquisição, a troco do pagamento de determinadas quantias, dos direitos económicos de vários outros jogadores.
f) Salvo no caso do jogador E… (E…), os contratos referidos na alínea anterior apenas abrangeram percentagens, variáveis consoante os jogadores em causa, dos respetivos direitos económicos.
g) O quadro seguinte resume as situações em causa:
Doc.
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Jogador
|
Direitos
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Cedente
|
Sede da
Cedente
|
Valor
da cedência
|
Imposto
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III.2.1.1
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C…
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Imagem (III.2.1)
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D…, Ltda
|
Brasil
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175.000,00€
|
43.750,00€
|
III.2.2.1
|
F…
|
Económicos (III.2.2)
|
J… Ltda
|
Brasil
|
50.000,00€
|
12.500,00€
|
III.2.2.2
|
G…
|
Económicos (III.2.2)
|
K…
|
Brasil
|
50.000,00€
|
12.500,00€
|
III.2.2.3
|
H…
|
Económicos (III.2.2)
|
L…
|
Marrocos
|
25.000,00€
|
6.250,00€
|
III.2.2.4
|
E…
|
Económicos (III.2.2)
|
M… Ltda / N… Lda
|
Brasil
|
60.000,00€
|
15.000,00€
|
III.2.2.5
|
I…
|
Económicos (III.2.2)
|
O…, Ltda
|
Brasil
|
240.000,00€
|
60.000,00€
|
|
|
|
|
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TOTAL
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150.000,00€
|
h) Portugal celebrou com o Brasil e com Marrocos Convenções sobre Dupla Tributação (CDT’s)[1], cujos art.º 17º reproduzem a correspondente norma do MOCE.
i) Nos contratos de trabalho desportivo celebrados entre a A… e tais jogadores, os mesmos declararam ser “livres”, ou seja, não estarem vinculados a qualquer entidade desportiva.
j) A Requerente considerou que o jogador C…, à data em que o contrato relativo aos seus direitos de imagem foi celebrado, seria, pelo seu curriculum profissional (v.g., internacional pela seleção principal do Brasil), dos mais pretendidos para eventos de marketing, manutenção e angariação de patrocinadores, pelo que, para além da sua contratação, adquiriu os seus direitos de imagem para o período em que foi contratado;
l) A aquisição dos direitos de imagem foi efetuada tendo ainda em vista evitar que o jogador se pudesse associar a marcas concorrentes dos patrocinadores da Requerente ou se recusasse a participar em campanhas de promoção de produtos dos patrocinadores, o que poderia prejudicar a manutenção e obtenção de patrocínios;
m) Para suspender vários processos executivos, resultantes das liquidações originadas pela ação inspectiva referida em b), nelas incluída a ora impugnada, a Requerente deu, em penhor, créditos de que é titular sobre a P…, SA, conforme doc. 4 junto ao requerimento inicial.
§ 2 - Factos não provados
Não foram provadas as razões e as condições de aquisição, pelas sociedades cedentes referidas em e), da titularidade dos direitos, de imagem e económicos, relativos aos jogadores em causa.
§ 3 - Motivação quanto à matéria de facto
Os factos dados como provados em a) a g) constam do relatório de inspeção e não foram controvertidos.
Os factos dados como provados em j) e l) resultam do testemunho de Q… e de R…, os quais, no entender do tribunal arbitral, depuseram com verdade e de forma esclarecedora.
Os factos dado como provado em m) resulta do doc. 4 junto ao requerimento inicial.
IV- Questão a decidir
A questão central a decidir é de saber se estão sujeitas a tributação (IRC) em Portugal – caso em que incumbiria à Requerente, enquanto substituta tributária, liquidar e entregar ao Estado as importâncias devidas – as importâncias a que se referem as alíneas c) e e) dos factos provados - relativas a pagamentos por ela feitos a várias sociedades comerciais não residentes em Portugal (e sem estabelecimento estável no nosso país), devidos pela aquisição a essas entidades de direitos de imagem e direitos económicos de vários jogadores de futebol, que, no momento da celebração do contrato de trabalho desportivo com a Requerente, declararam estar livres, ou seja, não vinculados a outro clube ou SAD.
V - O Direito
§ 1 – Do pedido principal
1. Está em causa a aplicação do disposto na alínea d) do nº 3 do artigo 4º do CIRC. Respeita este artigo (como se sabe) à «extensão da obrigação de imposto», e nele – após se estabelecer, no nº 2, a regra de que as entidades que não tenham sede ou direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos – dispõe-se o seguinte:
3- Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
……..
d) Rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espetáculos ou desportistas.
As demais normas invocadas pela AT são meramente instrumentais relativamente a esta, pois que estabelecem o modo como acontece tal tributação (substituição fiscal total, ou seja, retenção na fonte com aplicação de uma taxa liberatória).
A norma da alínea d) constitui uma exceção à regra geral (constante do corpo do nº 3) de que os rendimentos empresariais (de entidades não residentes) só podem ser tributados pelo Estado da fonte quando nele exista um estabelecimento estável do não residente – regra esta que é igualmente acolhida no artigo 7º das CDT celebradas entre Portugal, de um lado, e Brasil e Marrocos (os países com que a situação tributária está igualmente em contacto), do outro.
Assim, tendo sido as remunerações ora em causa auferidas por sociedades comerciais sem sede ou estabelecimento estável em Portugal, a sua não tributação no nosso país decorreria, em princípio, do disposto no art.º 7º das CDT aplicáveis, uma vez que tais rendimentos resultariam qualificáveis como lucros das empresas.
Todavia, as mesmas CDT contêm, elas próprias, uma exceção à regra do artigo 7º – uma exceção específica e relevante para a matéria em apreço –, a qual consta dos seus artigos 17º (de igual teor), que é a seguinte:
2 — Não obstante o disposto nos artigos 7º, 14º e 15º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas
É, assim, à luz desta específica disposição das CDT pertinentes, e subordinadamente a ela, que, no caso, deve ser lida e considerada a exceção do artigo 4º, nº 3, alínea d), do CIRC.
A questão redunda, pois, em saber se as remunerações ora em causa, auferidas pelas oportunamente referidas sociedades, devem ou não ser qualificadas como rendimentos resultantes da atividade exercida pessoalmente pelos jogadores de futebol em causa, nessa qualidade, em Portugal.
2. Estando-se perante um regime excecional (já que afasta, como acabou de salientar-se, o de que o Estado da fonte apenas tem legitimidade para tributar rendimentos empresariais de não residentes quando imputáveis a um estabelecimento estável sito no seu território), qual então o seu preciso significado e âmbito? O mesmo é dizer: qual o preciso significado e âmbito de aplicabilidade dos artigos 17.º, n.º 2, das Convenções celebradas por Portugal com Marrocos e o Brasil (que são as que, no caso legitimam a exceção?
E, muito concretamente: qual o seu reflexo sobre as situações tributárias sub judice?
Tais artigos correspondem textualmente aos do Modelo de Convenção de Dupla Tributação ou (como usualmente se designa) Convenção Modelo da OCDE (doravante MOCDE). Assim, serão de ter em decisiva conta, na fixação do seu sentido e alcance, os Comentários a essa Convenção Modelo, na parte respetiva.
É que, ainda que não podendo ou devendo esses Comentários ser tidos como uma forma de interpretação autêntica da Convenção Modelo, e das convenções nela baseadas, não podem eles, de todo o modo, deixar de constituir (como consensualmente constituem) um elemento incontornável de interpretação das normas dessas convenções, pois que exprimem o entendimento, quanto ao alcance do Modelo (e logo, necessariamente, dos instrumentos convencionais que o reproduzam), dos representantes dos países que participaram na sua elaboração, entre eles Portugal. Ora, o nosso país não suscitou quaisquer reservas ou observações ao conteúdo dos Comentários em causa – ou seja, aceitou interpretar no sentido aí preconizado as normas que deles são objeto.
Assim[2]:
A) Direitos de Imagem
O Comentário 9.5 ao artigo 17º do MOCDE é claro em impor a distinção entre as remunerações pela utilização dos direitos de imagem que são uma forma de remuneração da atividade do desportista, enquanto tal, e aquelas que o não são. Em princípio, tais remunerações não caem no âmbito da previsão do artigo 17º, exceto quando haja uma conexão estreita entre elas e a performance do desportista no Estado da fonte[3].
Como exemplos desta estrita conexão, os Comentários referem os casos em que um golfista que participa em determinado torneio se compromete, mediante uma remuneração adicional, a dar entrevistas promovendo tal competição ou o caso de um artista que, também mediante remuneração, autoriza que a sua imagem seja utilizada em cartazes de promoção do espetáculo em causa.
KLAUS VOGEL – em obra que é referência mundial na matéria – sustenta (assim) que resulta implícita a necessidade de analisar a razão de ser e a atividade que originaram o pagamento[4].
Aplicando ao caso:
Os factos dados como provados em j) e l) mostram bem que, no caso concreto, a estrita conexão acabada de referir não existe. A aquisição dos direitos de imagem do jogador C… não visou a promoção da A… ou de competições em que esta participa, mas sim a promoção de produtos e serviços comercializados pelos patrocinadores e evitar a eventual promoção, pelo jogador, de bens e serviços de concorrentes desses patrocinadores (como que a criação de uma obrigação de não concorrência, lato sensu).
Acresce que o montante da contraprestação paga pela Requerente não atendeu ao concreto uso que iria ser feito da imagem do jogador, mas sim ao prestígio e notoriedade que o atleta havia adquirido antes de atuar em Portugal.
Tais factos revelam bem a inexistência de uma ligação direta – da estrita conexão que os Comentários exigem – entre o montante pago e as performances do jogador em Portugal.
O facto de o jogador (C…) ter assinado o contrato relativo à cedência dos seus direitos de imagem em representação da sociedade cedente em nada releva porquanto, atenta a fundamentação da liquidação impugnada, o que está em causa é saber se os rendimentos em questão devem ser havidos como decorrendo do exercício, em Portugal, da atividade de desportista (e não a ligação entre o jogador e a sociedade a quem os pagamentos foram efetuados).
Ou seja: ainda que a circunstância agora considerada possa (ou deva) levar a concluir que os rendimentos em causa acabaram por ser «pessoalmente» auferidos pelo jogador, tal é irrelevante, porquanto isso não chega para gerar a aplicação do artigo 17º: era ainda necessário (como logo atrás se realçou) que tais rendimentos fossem imputáveis (e não são) à atividade desportiva (exercida em Portugal) enquanto tal.
Em conclusão, por extravasar claramente o escopo do artigo 17º, n.º 2, das Convenções aplicáveis, a interpretação sustentada pela AT é ilegal, por violação dessas normas de direito internacional, hierarquicamente superiores às disposições do CIRC invocadas, maxime a alínea d) do nº 3 do seu artigo 4º – a qual, por isso, há-de subordinar-se a elas (como atrás se disse) na sua aplicação.
Na parte ora em causa, a liquidação deve, pois, ser anulada.
B) Direitos Económicos
Segundo o Comentário 11 ao artigo 17º, nº 2, do MOCDE, se o rendimento de um artista ou desportista é recebido por outra pessoa e o Estado da fonte não tem o direito legal de desconsiderar a personalidade jurídica dessa pessoa, este número permite que o rendimento que não pode ser tributado na titularidade daquele que leva a cabo a atividade possa ser tributado à pessoa que o recebeu.
O referido Comentário exemplifica as três principais situações em que tal acontece, sendo que a terceira – a potencialmente aplicável no caso concreto – abrange esquemas de elisão fiscal em que a remuneração da atividade do artista ou desportista não é paga ao próprio mas a outra entidade, as normalmente designadas star companies, de forma a conseguir que o rendimento resulte não tributável [pelo Estado da fonte] nem como rendimento profissional do artista ou desportista, nem como lucro da empresa (por inexistência de estabelecimento estável)[5].
A visão do artigo 17.º, n.º 2, das convenções baseadas no MOCDE como norma antiabuso era, até 1992, dominante, continuando a ser sustentada por muitos Estados e por grande parte da doutrina. Tal parece ser, também, o entendimento com que, no caso, a Requerente se basta, quando afirma que não foi alegado e provado que as empresas não residentes, às quais fez os pagamentos, tenham atuado em nome e por conta dos atletas, nem que as remunerações por elas obtidas tenham sido, depois, entregues, total ou parcialmente, aos jogadores, nem que a A… tivesse de tal conhecimento.
Porém, KLAUS VOGEL, na obra já citada, dá-nos conta de que, após a revisão de 1992 dos Comentários, se passou a defender que o artigo 17º, n.º 2, poderia também abranger situações em que a entidade que recebe os rendimentos não é controlada pelo desportista (situações em que seria possível a desconsideração da sua personalidade jurídica[6]), como sejam, p. ex., os casos em que o desportista é empregado da entidade que recebe a numeração.
Mas - adverte também KLAUS VOGEL[7] - esta “interpretação abrangente tem limites, sendo que o direito alargado à tributação pelo Estado onde é exercida a atividade apenas se aplica ao rendimento diretamente relacionado com o exercício da atividade (performance-related income)”.
Indo de novo ao caso:
O que logo avulta é que nada foi provado, quanto à razão de ser – ou, talvez melhor, à “origem” – dos pagamentos dos direitos económicos pela A…, ora em causa, que permita subsumi-los nas hipóteses que, segundo os Comentários (em qualquer das suas leituras), se têm em vista na previsão do artigo 17º, nº 2.
A AT sustenta que equivalem a um “prémio” pela celebração do contrato desportivo (o que parece ter implícito a ideia de que o jogador, de algum modo, dele beneficiará). Trata-se de uma conclusão – a qual, como mandam as regras de distribuição do ónus da prova, implica a alegação e prova de factos de onde a mesma possa ser extraída no caso concreto
A Requerente, pelo seu lado, afirma que se trata de remunerações cobradas pelos empresários desportivos que adquiriram o “passe” de jogadores – mediante contratos visando a promoção da carreira dos mesmos e a sua segurança económica durante esta – as quais são totalmente independentes das devidas àqueles (aos jogadores).
Ora, é facto geralmente sabido por quem conheça minimamente a realidade do futebol profissional (ao ponto de se poder dizer que é mesmo um “facto notório”) que, com enorme frequência (porventura na maior parte dos casos, nos níveis competitivos superiores), a contratação desportiva nessa modalidade implica a intervenção de três entidades: o clube ou sociedade desportiva e o jogador, que que vão vincular-se através de um contrato, e a entidade que, detendo, seja direitos desportivos, seja direitos económicos, sobre o jogador, abre mão deles a troco de uma compensação, “libertando” assim o último para a celebração do contrato. E é sabido, de igual modo, que esta compensação é paga, normalmente, pelo clube (sociedade desportiva) de destino do jogador.
A afirmação da Requerente de que foi isso que se passou no caso, para além de corresponder (à luz dos dados disponíveis no processo) com a “aparência do negócio”, tem, pois, além disso, inegável correspondência com o que é uma situação comum na área desportiva em causa.
Mas tem de reconhecer-se que a Requerente, no presente processo, não chegou propriamente a provar positivamente que foi assim – ou seja, a fazer prova positiva da correspondência das suas afirmações (e da “aparência do negócio”) com a efetiva realidade verificada nos casos concretos em análise: mais concretamente, a fazer a prova de que as sociedades cedentes são realmente uma entidade terceira, relativamente aos jogadores, e adquiriram os respetivos direitos nos termos que vêm alegados (ut supra, III, § 2).
O certo, porém, é que isso é irrelevante, pois tal prova não tinha a Requerente de produzi-la. Era, sim, à AT que, segundo as regras da distribuição do ónus da prova, caberia, como condição para a existência do direito à tributação, alegar e provar que a razão de ser, ou “origem”, dos pagamentos ora em causa (os relativos a direitos económicos) não correspondia à aparência facial com que eles se perfilam, e antes corresponderiam, na ordem dos factos, a uma situação efetiva que caía no âmbito do artigo 17º, nº 2, das Convenções (tal como atrás definido): ora a AT não fez essa prova.
Uma vez que, como já referimos, citando KLAUS VOGEL, é sempre a razão de ser e a atividade que originaram o pagamento que determinarão a eventual abrangência da situação pelo n.º 17º, n.º 2 das Convenções, estamos, assim, no caso concreto, perante uma situação de non liquet, a qual, nos termos do artigo 100º, n.º 1, do CPPT obriga a uma decisão favorável à Requerente.
Aliás, não teria sido impossível à AT, sem tal envolver uma atividade desproporcionada, apurar a situação de facto (nomeadamente, fazendo uso dos mecanismos de troca de informações internacional previstos, desde logo, nas convenções aplicáveis), em ordem a esclarecer, p. ex., se os jogadores em causa eram sócios, gerentes ou, até, empregados, das sociedades a quem foram pagas tais importâncias (o que resultaria na abrangência, no todo ou em parte, de tais remunerações na previsão dos art.º 17º, n.º 2 das CDT aplicáveis), bem como a razão pelos quais os jogadores eram “livres” à data da celebração dos contratos de trabalho desportivo com a Requerente (v.g., se os anteriores contratos de trabalho desportivo, por eles celebrados com outros clubes ou SAD’s, haviam caducado ou se foram as sociedades em causa quem obteve – contra pagamento – a sua desvinculação) e, ainda, apurar da titularidade das percentagens dos direitos económicos dos jogadores não abrangidas pelos contratos ora em causa.
Dito isto, cumpre, por outro lado, acrescentar uma nota sobre a questão, suscitada pela AT, da inadmissibilidade – à luz das normas, nacionais e internacionais, que regulamentam à prática do futebol profissional – da titularidade de direitos desportivos por entidades que não sejam clubes de futebol ou SAD´s, com a consequente “invalidade” ou “irrelevância” da titularidade, por entidades sem essa qualidade, de alegados “direitos económicos” sobre os jogadores.
É verdade que, de acordo também com a lei portuguesa (a Lei nº 28/98), invocada pela AT, o contrato de trabalho desportivo só pode ser celebrado entre os praticantes e clubes ou SAD’s, que só esse contrato gera «direitos desportivos» e que só ele é pressuposto ou condição, segundo a regulamentação federativa desportiva, da inscrição de um praticante por um clube; e será mesmo verdade que a organização desportiva procura desincentivar outro tipo de contratos envolvendo praticantes desportivos (mormente, jogadores de futebol). Simplesmente, também é verdade que estes outros contratos – fonte dos chamados direitos económicos, aqui em causa e em que a contraparte do praticante é uma entidade diversa de um clube ou SAD (v.g., um fundo) – são prática corrente, e não pode dizer-se sequer que o direito estadual (em qualquer caso, o direito estadual português) os proíba: serão contratos que simplesmente estarão para além (ou ao lado) do contrato desportivo e do regime da Lei nº 28/98, celebrados, ao cabo e ao resto, no exercício da autonomia contatual geral das pessoas – a qual (para além das proibições legais expressas) só tem como limite a ilicitude ou a impossibilidade do objeto negocial.
Eis quanto basta para concluir, sem mais, que a questão suscitada pela AT, e ora considerada, em nada, obviamente, poderá relevar na presente sede. De resto, o mesmo aconteceria se, ao contrário do que vem a dizer-se, se estivesse perante contratos que devessem reputar-se de “ilícitos” – e isso, atento, em último termo, o disposto no art.º 10.º da LGT.
Em conclusão: tal como aconteceu com a interpretação da AT relativamente ao pagamento de direitos de imagem, também a interpretação por ela feita com referência ao pagamento dos direitos económicos ora em apreço tem de considerar-se ilegal, e por razões semelhantes: ou seja, por extravasar claramente o escopo e o âmbito do artigo 17º, n.º 2, das CDT’s aplicáveis. Também nessa parte, pois, deve a liquidação sub judice de IRC ser anulada.
Resta acrescentar, por último (desde logo atento o previsto no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil), que o entendimento ora sufragado segue na linha da jurisprudência existente sobre o tema (arbitral, pois outra não existe), nomeadamente os acórdãos proferidos nos processos CAAD nºs 108/2015-T e 501/214, cuja fundamentação, ainda que partindo de uma análise algo diferente, no essencial, se subscreve.
§ 2 – Do pedido subsidiário
Julgada ilegal, e indo ser anulada, a liquidação de imposto impugnada, fica prejudicada a apreciação do pedido subsidiário da Requerente, relativo à ilegalidade, ao menos, da liquidação de juros compensatórios – uma vez que a anulação desta outra liquidação é já consequência direta da anulação da liquidação de imposto a que se refere.
§ 3 – Da indemnização por prestação indevida de garantia
A Requerente formula pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.
Por isso, a Requerente tem, em abstrato, direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos do artigo 52.º da LGT.
No entanto, a garantia prestada refere-se a vários processos de execução fiscal, que não apenas o decorrente da liquidação que é objeto do presente processo. Também não foram alegados quaisquer prejuízos concretos decorrentes da garantia (penhor de créditos) prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, este pedido terá que ser apreciado autonomamente.
VI- DECISÃO
a) Anula-se, na sua totalidade, por ilegal, a liquidação de IRC nº 2016…, da qual resultou um valor total de IRC a pagar de € de € 169.630,25 (incluindo juros compensatórios).
b) Não se conhece do pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, o qual deve ser formulado autonomamente.
VII - Valor do processo
Tendo em consideração o disposto no artigo 306º, nº 2, do CPC, no artigo 97º-A, nº 1, do CPPT e no artigo 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 169.630,25.
VIII - CUSTAS
As custas do processo são da responsabilidade da Requerente, nos termos do n.º 2 do art.º 5º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
*
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Abril de 2017
O Árbitro-Presidente
José Manuel Cardoso da Costa
O Árbitro Vogal
Rui Duarte Morais
O Árbitro Vogal
Américo Brás Carlos, que vota vencido, conforme declaração que junta.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei contra a decisão constante do acórdão pelas razões que se seguem:
1. Os preceitos das convenções para evitar a dupla tributação internacional (CDTI) celebradas pelos Estados que adotaram, sem reservas, a redação constante do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE (CMOCDE) devem ser interpretados à luz dos “Comentários” ao articulado deste Modelo.
2. Releva no caso em concreto que a redação do nº 2 do artigo 17º das CDTI celebradas entre Portugal e o Brasil e entre Portugal e Marrocos é igual à da CMOCDE.
3. Tratando-se de rendimentos formalmente atribuídos a pessoa distinta do desportista, os Comentários ao nº 2 do artigo 17º da CMOCDE revestem relevância decisiva para fixar o alcance e o sentido com que há de valer a expressão «rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa».
4. Para a compreensão do que sejam «rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade» são também decisivos os Comentários ao nº 1 do mesmo artigo 17º, uma vez que o nº 2 do mesmo preceito é um desenvolvimento particular – rendimentos atribuídos a pessoa diferente do desportista – daquele normativo.
5. No que à cedência de direitos de imagem do jogador C… respeita, resulta do contrato celebrado entre a A… e a D…, Ldª, que esta cedeu à primeira «os direitos de exploração comercial em conjunto ou individualmente da imagem pública do jogador» (v. fls. 36 do RIT).
6. Por seu lado, os números 1 e 2 do artigo 10º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho (Regime Jurídico de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva), estabelece a dicotomia entre a exploração individual da imagem do jogador e a exploração do uso da imagem do colectivo dos praticantes.
7. Dicotomia similar se pode encontrar também entre os nºs 2 e 3 do artigo 38º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. Do nº 2 daquele artigo consta: «O direito ao uso e exploração da imagem do jogador compete ao próprio no plano meramente individual, podendo este ceder esse direito ao clube ao serviço do qual se encontra durante a vigência do respectivo contrato». Por outro lado, no nº 3 do mesmo artigo pode ler-se: «Fica ressalvado o direito de imagem do colectivo de jogadores de uma mesma equipa por parte do respectivo clube ou sociedade desportiva».
8. Existe pois uma parte do direito de imagem do jogador que não é cedida automaticamente ao clube ou sociedade desportiva por inerência do contrato de trabalho desportivo. Esta parcela do direito de imagem pode ser explorada individualmente pelo próprio ou por outrem a quem aquele a cedeu. E foram esses «direitos de exploração individual da imagem» que a A… adquiriu (v. ponto 8 das alegações da requerente).
9. Importa agora saber se os rendimentos resultantes da cedência desta parcela do direito de imagem do jogador têm uma relação estreita com a atividade pessoal exercida enquanto desportista, de tal modo que se subsumam no artigo 17º das CDTI.
10. A distinção entre uma utilização do direito de imagem do desportista estreitamente ligada à actividade desportiva – abrangida pelo artigo 17º da CMOCDE – e a utilização do mesmo direito sem aquela estreita ligação – não abrangida pelo artigo 17º da CMOCDE[8] - está também impressivamente presente nos Comentários à CMOCDE.
11. Quanto ao mais consistente critério para dilucidar o que seja aquela “relação estreita”, veja-se o ponto nº 9 dos referidos Comentários «Cette relation étroit existe généralemente lorsqu’on ne peut pas considérer raisonnablement que le revenu aurait été obtenu si ces activités n’avaient pas été exercées».
12. E, no caso em análise, não se vê como, razoavelmente, a A… adquiriria os direitos de imagem do jogador se não fosse para ele exercer a sua atividade de desportista. Não o faria, certamente, se ele não exercesse ou já não exercesse a sua actividade desportiva.
13. Pelo que, me afasto do Acórdão, considerando ser aplicável aos direitos de imagem sub judice o disposto no nº 2 do artigo 17º da CDTI com o Brasil, de que, conjuntamente com o disposto na alínea d) do nº 3, do artigo 4º do CIRC, resulta a consequente tributação dos respectivos rendimentos em Portugal.
14. Relativamente aos designados Direitos Económicos, reitera a A… (ponto 12 das alegações) ter adquirido os direitos económicos (chama-lhes o passe) de jogadores sem vínculo laboral a um clube, a empresas comerciais especializadas, não desportivas, e não residentes em Portugal, que assumiram o risco de rentabilização desses activos (os jogadores).
15. Entendo que os pagamentos efectuados pela A… às referidas empresas tem uma estreita relação com a actividade de cada um dos desportistas nessa qualidade.
16. Os pagamentos para aquisição dos “direitos económicos” só ocorrem porque está já acordado que o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo com a A… . Pode dizer-se que, a aquisição de tais direitos é, com a assinatura do contrato de trabalho desportivo, o requisito interno que a A… tem de cumprir para que formalmente aqueles atletas sejam seus jogadores.
17. É para mim evidente que, há semelhança do teste feito supra para averiguar da existência de uma “estreita relação” dos rendimentos decorrentes dos direitos de imagem com a actividade exercida pessoalmente pelos desportistas, nessa qualidade, também no caso da aquisição dos ditos “direitos económicos”, a A… não teria efetuado aqueles pagamentos às entidades não residentes se os respectivos jogadores não fossem exercer a sua actividade desportiva no clube.
18. Aliás, o enquadramento de pagamentos feitos a uma “sociedade de promoção de artistas ou de desportistas” - modelo a que sem esforço se reconduzirão as ditas sociedades não residentes que enquanto os jogadores estão desempregados lhes pagam uma remuneração e assumem o risco de rentabilização desses activos (sic) até que seja encontrado novo clube – é um dos casos que os Comentários à CMOCDE usa como exemplo de rendimentos subsumíveis no nº 2 do artigo 17º [9], independentemente do Estado da sua localização.
19. Pelo que, também no que respeita aos pagamentos para aquisição dos ditos direitos económicos, considero preenchidas as previsões dos artigos 17º, nº 2 das CDTI com o Brasil e com Marrocos, bem como a previsão do artigo 4º, nº 3, alínea d), do CIRC, com a consequente tributação daquelas importâncias em Portugal.
Pelas razões supra explanadas, entendo que o ato tributário sub judice devia ter sido mantido; e por isso lavrei este voto de vencido.
Lisboa, 6 de abril de 2017
Américo Brás Carlos
[1] Aprovadas, respetivamente, pela Resolução da Assembleia da República n.º 69-A/98, de 11 de Dezembro de 1998 e pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, de 1 de Março de 2001.
[2] Utilizamos a versão mais recente (2014) de tais Comentários. Embora haja de entender-se que as convenções devem ser interpretadas à luz dos Comentários vigentes à data da sua celebração, o certo é que as soluções preconizadas no tocante ao art.º 17.º, n.º 2, são, no essencial, as mesmas, desde 1992.
[3] Transcrevemos, na íntegra, este Comentário:
9.5 It is frequent for entertainers and sportspersons to derive, directly or indirectly(e.g. through a payment made to the star-company of the entertainer or sportsperson), a substantial part of their income in the form of payments for the use of, or the right to use, their “image rights”, e.g. the use of their name, signature or personal image. Where such uses of the entertainer’s or sportsperson’s image rights are not closely connected with the entertainer’s or sportsperson’s performance in a given State, the relevant payments would generally not be covered by Article 17 (see paragraph 9 above). There are cases, however, where payments made to an entertainer or sportsperson who is a resident of a Contracting State, or to another person, for the use of, or right to use, that entertainer’s or sportsperson’s image rights constitute in substance remuneration for activities of the entertainer or sportsperson that are covered by Article 17 and that take place in the other Contracting State. In such cases, the provisions of paragraph 1 or, depending on the circumstances, will be applicable.
[4] Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Kluwer Law International, 2015, I- Overview and Main Features, nº 16.
[5] Transcrevemos tal Comentário:
11. Paragraph 1 of the Article deals with income derived by individual entertainers and sportspersons from their personal activities. Paragraph 2 deals with situations where income from their activities accrues to other persons. If the income of an entertainer or sportsperson accrues to another person, and the State of source does not have the statutory right to look through the person receiving the income to tax it as income of the performer, paragraph 2 provides that the portion of the income which cannot be taxed in the hands of the performer may be taxed in the hands of the person receiving the remuneration. If the person receiving the income carries on business activities, tax may be applied by the source country even if the income is not attributable to a permanent establishment there. But it will not always be so. There are three main situations of this kind:
a) The first is the management company which receives income for the appearance of e.g. a group of sportspersons (which is not itself constituted as a legal entity).
b) The second is the team, troupe, orchestra, etc. which is constituted as a legal entity. Income for performances may be paid to the entity. Individual members of the team, orchestra, etc. will be liable to tax under paragraph 1, in the State in which they perform their activities as entertainers or sportspersons, on any remuneration (or income accruing for their benefit) derived from the performance of these activities (see, however, paragraph 14.1 below). The profit element accruing from a performance to the legal entity would be liable to taxunder paragraph 2.
c) The third situation involves certain tax avoidance devices in cases where remuneration for the performance of an entertainer or sportsperson is not paid to the entertainer or sportsperson himself but to another person, e.g. a so-called star-company, in such a way that the income is taxed in the State where the activity is performed neither as personal service income to the entertainer or sportsperson nor as profits of the enterprise, in the absence of a permanent establishment. Some countries “look through” such arrangements under their domestic law and deem the income to be derived by the entertainer or sportsperson; where this is so, paragraph 1 enables them to tax income resulting from activities in their territory. Other countries cannot do this. Where a performance takes place in such a country, paragraph 2 permits it to impose a tax on the profits diverted from the income of the entertainer or sportsperson to the enterprise. It may be, however, that the domestic laws of some States do not enable them to apply such a provision. Such States are free to agree to other solutions or to leave paragraph 2 out of their bilateral conventions.
[6] Figura que há-de ter-se, em regra, como inaplicável no direito fiscal, por força da tipicidade das normas de incidência.
[7] Ob. cit., Comentário 125 ao art. 17.º, n.º 2.
[8] «9.5 (…) Lorsque cette utilisation du droit à l’image de l’artiste ou du sportif n’est pás étroitement liée à la prestation de l’artiste ou du sportif dans un État donné, les paiements correspondants ne seront généralement pas couverts par l’article 17.».
[9] «11.1 – (…) ce paragraphe autorise cet Etat à imposer les revenus tirés par une société de promotion d’artistes ou de sportifs»