Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva…, com sede na Avenida…, …, …, Lisboa, doravante designado por Requerente, aqui representado pela sua sociedade gestora B…, S.A., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:
(i) a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico proferido pela Administração Tributária e Aduaneira;
(ii) a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS), referentes ao ano de 2012, no montante total de € 15.864,47;
(iii) a extinção oficiosa dos processos de execução fiscal instaurados com referência às liquidações de imposto de selo in casu.
Subsidiariamente, peticiona ainda o Requerente a desaplicação, ao caso concreto, da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio constitucional da igualdade.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia de…, concelho de Lisboa;
b) o prédio em causa encontra-se constituído em regime de propriedade total, sendo constituído por 13 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, todos afetos a habitação;
c) cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente tem um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), inferior a € 1.000.000,00;
d) a Administração Tributária considerou ser o Requerente sujeito passivo do Imposto de Selo, Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por ser proprietário de um prédio com um valor patrimonial tributário total de € 1.477.100,00, resultante da soma dos valores das várias divisões afetas a habitação detidas no prédio em que se alude em a) anterior;
e) o critério para a tributação em sede de Imposto do Selo deve ter em conta o valor patrimonial constante da matriz de cada um dos andares individualmente considerados;
f) para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, não pode a Administração Tributária considerar como valor de referência o valor total do prédio constituído em propriedade total, procedendo à soma dos valores das divisões com utilização independente;
g) nos termos do CIMI, apenas a efetiva utilização conferida ao prédio urbano é relevante, sendo irrelevante a forma como o mesmo se encontra constituído – se em propriedade horizontal ou em propriedade vertical;
h) o legislador estabeleceu expressamente que o Imposto do Selo incidirá apenas sobre os prédios cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a 1 milhão de euros, o que não é o caso de nenhuma das divisões com utilização independente detidas pelo Requerente no prédio a que se alude em a) anterior;
i) qualquer outra interpretação da norma contida na verba 28.1 da TGIS viola os princípios constitucionais da igualdade, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 13º e 104º nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
O Requerente juntou 41 documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, como árbitro, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral singular foi constituído em 06 de Fevereiro de 2017.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
a) o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS tem de ser o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes;
b) o valor patrimonial de todos os andares, com utilização independente e afetação habitacional que constituem o prédio foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI;
c) resulta das normas legais, concretamente, dos artigos 2.º, n.º 4 do CIS e 3.º, n.º 3, alínea u) do CIMI, que o facto tributário subjacente ao imposto do selo da verba 28.1 consiste na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante na matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000,00;
d) o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do imposto do selo é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que suscetíveis de utilização independente;
e) à data do facto tributário do imposto do selo, o prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal, mas em regime de propriedade vertical;
f) o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.
A Requerida não juntou documentos e não arrolou testemunhas.
Atenta a posição assumida pelas partes, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações orais ou escritas.
II. SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão regularmente representadas.
III. QUESTÃO A DECIDIR:
Nos presentes autos a única questão a decidir reconduz-se à determinação de qual o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, todos com afetação habitacional: o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio ou o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.
IV) MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos Provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
a) Encontra-se inscrito a favor do Requerente o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo…, da freguesia de…, concelho de Lisboa;
b) O prédio a que se alude em a) anterior é um prédio em regime de propriedade total, sendo composto por treze (13) andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;
c) Todas as divisões do prédio a que se alude em a) anterior são afetas a habitação;
d) O prédio foi objeto de avaliação no ano de 2014, para efeitos de IMI, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário total de € 1.477.100,00;
e) Nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;
f) Com referência ao ano de 2012 e ao prédio que se alude em a) anterior, a Requerida liquidou Imposto do Selo por cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, no valor global de € 15.864,47;
g) Notificado da liquidação efetuada, o Requerente apresentou reclamação graciosa;
h) Por despacho datado de 18/09/2013, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada;
i) No dia 04/10/2013, o Requerente apresentou recurso hierárquico, tendo este sido indeferido por despacho de 26/08/2016.
b. Factos não provados:
Com interesse para os autos não se provou mais nenhum facto.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelo Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, cuja autenticidade e adesão à realidade não foi questionada pela Requerida.
No que respeita à factualidade não provada, esta ficou a dever-se à total ausência de prova nesse sentido efetuada.
V. DIREITO:
Fixada que está a matéria de facto provada, cumpre agora, por referência àquela, apurar qual o Direito aplicável.
Analisada a argumentação expendida pelas partes, facilmente se observa que o quid da questão a apreciar nos presentes autos reside em determinar qual o valor patrimonial tributário relevante para efeito de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total.
A este propósito, invoca o Requerente que, não obstante o prédio em causa nos presentes autos não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, deve ser, para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, tratado como tal, atento o facto de todos os andares ou divisões constituírem verdadeiras frações autónomas, por constituírem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.
Por seu turno, a Requerida argumenta que, não se encontrando o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, não pode ser este objeto de tal tratamento, correspondendo o valor patrimonial tributário do prédio à soma dos valores das suas partes, tal como disposto no artigo 7.º, n.º 2, b) do CIMI, e sendo sobre este valor, se aplicável, calculado o Imposto do Selo.
Para a apreciação da questão em causa nos presentes autos importa, antes de mais, trazer à colação a Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba nº 28, com a seguinte redação:
“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”
Por seu turno, o CIMI define o conceito de prédio, define os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos.
Assim,
Nos termos do artigo 2º do CIMI, “prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.
O número 4 do citado artigo 2º prescreve expressamente que cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3º), urbanos (artigo 4º) ou mistos (artigo 5º), subdividindo-se os prédios urbanos em 4 espécies: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6º).
Da análise conjugada dos referidos preceitos, verifica-se que o CIMI não faz qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o número 4 do artigo 2º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.
E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.
Recorde-se que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios de hermenêutica jurídica comummente aceites, máxime os fixados, entre nós, no artigo 9.º do Código Civil.
A interpretação literal apresenta-se como o primeiro estádio da atividade interpretativa. Como refere FERRARA, “o texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete”[1]. Ora, uma vez que a lei se encontra expressa em palavras, deve, então, delas ser extraída a significância verbal que contêm, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais. Porém, sendo as palavras empregues pelo Legislador equivocas ou indeterminadas, será forçoso recorrer à interpretação lógica, que atende ao espírito da disposição a interpretar.
A interpretação lógica, tal como vem sendo pacificamente figurada pela doutrina[2], estriba-se no elemento racional, no elemento sistemático e no elemento histórico; ponderando-os e deles deduzindo o valor da norma jurídica em apreço. Por elemento racional há-de entender-se a raison d´être da norma jurídica, i.e., a finalidade para a qual o legislador a instituiu. A descoberta da ratio legis apresenta-se, assim, como um fator de indubitável importância para a determinação do sentido da norma.
Sucede, porém, que uma determinada norma não existe isoladamente, antes convive com as demais normas e princípios jurídicos de forma sistemática e complexa. Assim, natural se torna que o sentido de uma concreta norma resulte claro da confrontação desta com as demais. Como refere BAPTISTA MACHADO, “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.”[3].
Já o elemento histórico, por seu turno, há-de reportar-se e incluir os materiais conexos com a história da norma, tais como “a história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa (…); as chamadas fontes da lei, ou seja os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei (…); os trabalhos preparatórios.”[4].
Apliquemos o que se vem dizendo ao caso vertente, i.e., à interpretação do n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, convocando, ainda, o disposto no artigo 1414.º do Código Civil, que determina que “as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”.
Ora, sabendo que, por regra, sobre cada edifício incorporado no solo recai, em princípio, um único direito de propriedade, pertencente a um ou mais titulares, facilmente se atinge que aquela norma [artigo 1414.º do CC] encerra uma importante derrogação a tal princípio. Na verdade, e como de resto ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[5], o que caracteriza este instituto [propriedade horizontal] “é o facto de as fracções de um mesmo edifício que constituam unidades independentes pertencerem a proprietários diversos”.
Mas, então, que dizer acerca do n.º 4 do artigo 2.º do CIMI? Deverá dizer-se que visa, congruentemente, adaptar a realidade fiscal à materialidade permitida pelo artigo 1414.º do CC, i.e., visa permitir tributar proprietários diversos na medida das suas propriedades; mas, também, visa permitir obviar eventuais dificuldades decorrentes da impossibilidade de assimilar cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, ao conceito de prédio tal como definido no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI. E apenas isso. O legislador disse exatamente aquilo que pretendeu dizer.
Assim, analisada a definição de prédio ínsita no número 1 do artigo 2º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.
Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como prédios, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões prédios com afetação habitacional, desde que se destine a ter tal uso ou desde que se encontra assim classificada fiscalmente.
No caso dos autos, cada uma das divisões com utilização independente encontra-se individualmente classificada, sendo todas elas afetas a habitação – cfr. alínea c) dos factos provados.
Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como um prédio e não teria qualquer sentido a elaboração de 13 notas de liquidação de Imposto do Selo, uma respeitante a cada unidade independente.
Com efeito, se estas divisões não fossem classificadas, individualmente, como prédios, então deveria ser elaborada uma única nota de liquidação, respeitante ao prédio.
Por outro lado, no que diz respeito ao espírito da lei, importa referir que, conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência arbitral[6], a introdução da Verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor.
Conforme já exposto, a introdução da verba 28 da TGIS visou tributar a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos “de luxo”, com afetação habitacional.
Aliás, conforme resulta da jurisprudência arbitral supra citada, a qual seguimos de perto, dir-se-á que, conforme resulta da discussão da Proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia República, a fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.
Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.
Com efeito, não se vislumbra como possa a propriedade de determinadas divisões num prédio em regime de propriedade total significar maior riqueza e maior capacidade contributiva do que a propriedade do mesmo número de frações num prédio em regime de propriedade horizontal.
Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.
Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a administração tributária valorize a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade do Fundo e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.
No caso dos autos, verificada a identidade entre as divisões propriedade do Requerente e as frações de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, nenhum fundamento poderá ser invocado para justificar a não aplicação do mesmo regime a ambas as situações.
E, se no caso das frações do prédio constituído em regime de propriedade horizontal nenhuma dúvida existe de que o valor patrimonial tributário relevante para efeito de determinação da aplicação ou não do Imposto do Selo é o valor individual de cada uma das frações, não se vislumbra porque deverá tal questão suscitar-se no caso de divisões que não façam parte de prédio constituído em propriedade horizontal.
Distinguir, para efeito de sujeição ou não a Imposto do Selo, as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, representa uma clara violação dos princípios da justiça, da igualdade e proporcionalidade fiscal, da verdade material e da capacidade contributiva, não podendo, assim, ser acolhida.
Assim, não poderá colher a tese defendida pela Requerida de que o facto de o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal impede a aplicação do seu regime.
No caso dos autos, conforme resulta dos factos provados, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou melhor, nenhum dos prédios propriedade do Requerente, tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros – cfr. alínea e) dos factos provados -, pelo que não se encontram estes abrangidos pela norma de incidência prevista na verba 28 da TGIS.
Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, todas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não, como defendido pela Requerida, o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.
Em face de tudo quanto ficou exposto, não havendo fundamento legal para os atos de liquidação efetuados, impõe-se a sua anulação, com todas as consequências legais.
O conhecimento do pedido subsidiário formulado fica prejudicado em face da procedência do pedido principal.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico, e em consequência:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo no valor global de € 15.864,47;
b) Anular os atos de liquidação do Imposto do Selo no valor global de € 15.864,47.
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Fixa-se o valor do processo em € 15.864,47, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.
Registe e notifique.
Lisboa, 06 de Abril de 2017
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
[1] FERRARA, FRANCESCO, Interpretação e Aplicação das Leis, 1921, Roma; Tradução de MANUEL DE ANDRADE, Arménio Amado, Editor, Sucessor – Coimbra, 2.ª Edição, 1963, p. 138 e ss.
[2] Vide, por todos, BAPTISTA MACHADO, JOÃO, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1994, 7ª reimpressão, p. 181.
[3] BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 183.
[4] BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 184.
[5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado – Volume III (artigos 1251.º a 1575.º), 2ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 391.
[6] Veja-se, entre outras, decisões proferidas no âmbito dos processos 48/2013-T, 50/2013-T, 132-2013-T, 255/2016-T todas disponíveis em www.caad.org.pt