DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 O A…, S.A., pessoa coletiva número …, com sede na …, …, no Porto, veio, aos 26.08.2016, requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante RJAT) e do artigo 99.º do CPPT.
1.2. É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 01 de Março de 2017.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato a anulação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente e, consequentemente, a anulação do acto de liquidação de IMT lá reclamado, constante do documento n.º …, no valor de 30.472,00€, relativo à aquisição, por adjudicação, em 18 de Dezembro de 2013, da fracção autónoma designada pela letra E do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na …, freguesia de …, Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo…, no âmbito do processo de insolvência de pessoa colectiva que correu termos no … Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º …/11… TYLSB, liquidação e fracção que estão melhor identificados quer no pedido da Requerente quer no processo administrativo e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
A liquidação foi objeto do Processo de Reclamação Graciosa que recebeu o número n.º. n.º …2016… .
A Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações com base no disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que concede uma isenção que, na interpretação que considera ser a boa, abrange também os imóveis transmitidos no âmbito de plano de insolvência ou de operações de liquidação da massa insolvente, por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou estabelecimento.
A Requerente alega, bem assim, que uma interpretação diversa da que propõe conduz à nulidade da revogação da isenção por configurar “a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitida por lei”, interpretação que, noutro local, pretende que leve à falta de fundamentação do acto, ou, noutro local ainda, à preterição de formalidades essenciais.
Alegou ainda a Requerente que a revogação da isenção só poderia ter tido lugar no prazo de um ano contado da concessão, por aplicação do disposto nos artigos 141º. n.º 1 do CPA e 58.º do CPTA e que, portanto, no caso em apreço, a revogação ocorreu fora do prazo em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA, aplicáveis ex vi do número 2, alínea c), da LGT e da alínea d) do artigo 2.º do CPPT.
Pelo que a liquidação é, no seu entender, ilegal e peticiona, consequentemente, a sua nulidade e a sua anulação.
Mais peticiona a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força das liquidações em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso.
1.5 O Tribunal proferiu despacho, a 1 de Março de 2017, ordenando a notificação da Requerida para, face ao entendimento veiculado pela Circular n.º 4/2017, de 10 de fevereiro, da DSIMT, que, em cumprimento do Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 14/2017-XXI, de 26 de Janeiro de 2017, procedeu à revisão da interpretação da AT do disposto no CIRE quanto à isenção de IMT na aquisição de imóveis efectuada no âmbito de processos de insolvência, vir aos autos declarar se mantinha o ato impugnado.
1.6 A Requerida veio aos autos declarar que o acto de indeferimento da reclamação graciosa impugnado foi “revogado, com todas as consequências legais, pelo Chefe daquele Serviço de Finanças, por despacho proferido em 13.3.2017, de acordo com a revisão da interpretação do nº 2 do art.º. 270º do CIRE vertido na Circular nº 4/2017, de 10 de Fevereiro, expresso no Ponto III do anexo à Circular nº 10/2015, segundo a qual, a aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento”.
Pugna, portanto, pela extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
1.7 Notificada para se pronunciar, a Requerente veio aos autos dizer que não se opõe à requerida extinção por inutilidade superveniente e pugnando pela condenação da Requerida em custas.
Cumpre então decidir.
Vejamos:
A revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e que é o objecto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral retira – no que a este se refere – objecto aos autos e, em consequência, importa, nessa medida, a inutilidade superveniente da lide, por causa imputável à Requerida.
Acontece que a Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força das liquidações em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso pelo que compete ao Tribunal decidir ainda deste pedido.
Quanto ao reembolso, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação - ilegalidade que resulta da posição ora assumida pela Requerida e da revogação, com esse fundamento, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa - há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Quanto aos juros, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Ora, no caso em apreço, a ilegalidade da liquidação é totalmente imputável à AT, aqui Requerida.
Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i.e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, aqui requerida, que a indeferiu por sua iniciativa.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre as quantias por ela pagas, por força do disposto no art.º. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento e até integral pagamento.
DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
- Julgar extinta a instância, por causa superveniente, imputável à Requerida, quanto ao pedido de nulidade/anulação do acto de liquidação formulado pela Requerente;
- Condenar a Requerida a restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, designadamente, reembolsando a Requerente de todas as quantias que esta tenha pago em resultado, acrescidas de juros indemnizatórios calculados nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento e até efectivo e integral pagamento.
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Fixa-se o valor do processo em 30.472,00€ (trinta mil quatrocentos e setenta e dois euros), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Março de 2017,
O Árbitro
(Eva Dias Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.