Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 535/2016-T
Data da decisão: 2017-03-30  IRC  
Valor do pedido: € 24.714,35
Tema: IRC –– Dedutibilidade das perdas fiscais (artigo 23.º do CIRC).
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Decisão Arbitral

 

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 25 de Novembro de 2016, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A…, LDA. pessoa colectiva n.º …, com sede social na Rua dos…, n.º…, …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º n.º 1 e artigo 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação da liquidações de IRC e juros compensatórios, referentes ao ano de 2014, emitidas sobre os n.ºs respectivamente 2016…, 2016 …/… e 2016…, no valor total de € 24.714,35.

 

                 Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, que no âmbito do exercício da sua atividade de compra e venda de bens imobiliários para construção, realizou em 2009 um adiantamento de €100.000,00 para aquisição de um terreno, num negócio que se veio a consubstanciar num crime de burla em prejuízo próprio. Com efeito, nem o terreno podia ser vendido, nem a quantia paga foi jamais restituída, por conseguinte, uma vez que tais circunstâncias foram devidamente comprovadas por sentença de condenação, impõe-se reconhecer o referido adiantamento com custo fiscal, indispensável ao exercício da respetiva atividade, e portanto, dedutível ao lucro tributável do exercício de 2014, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

                 Defende que apesar da condenação dos autores da burla à devolução da quantia em causa, a Requerente nunca conseguiu reaver o referido valor, tendo desistido de o fazer após um parecer emitido pelo seu mandatário, de acordo com o qual os autores da burla não teriam património penhorável para satisfazer o crédito da Requerente.

                 Em face do referido, a Requerente reconheceu o gasto na conta 684 – perdas em inventários – subconta 6848, por contrapartida da conta 39235 – adiantamento por compras, considerando que tal montante deverá ser aceite como gasto fiscal quer por via do seu enquadramento enquanto quebra de inventários, que por via de um ajustamento de inventários ou mesmo por imparidade de créditos, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real, consagrado nos artigos 13.º e 104.º n.º 1 e 2 da CRP.

 

                 No dia 31 de Agosto de 2016, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 25 de Novembro de 2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta por impugnação, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Para tanto, invoca que o valor contabilizado como gasto não deverá ser aceite para efeitos de dedutibilidade fiscal ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, quer por via da quebra de inventários como foi contabilizado pela Requerente, quer por via de ajustamento de inventários ou de imparidade de créditos.

                 Segundo a Requerida, para que pudesse existir uma quebra de inventários seria necessário que tal bem fizesse parte do inventário e que tivesse sofrido uma quebra normal (por deterioração) ou anormal (furto de mercadorias) o que não se verificou. Quanto ao ajustamento de inventários, uma vez que o terreno nunca fez parte do inventário da Requerente, não poderá haver qualquer ajustamento, porquanto não se encontram reunidos os requisitos legais impostos pelos artigos 28.º e 28.ºA do Código do IRC.

                 A Requerida põe igualmente em causa o enquadramento do referido adiantamento no âmbito do artigo 28.º-A sob epígrafe “Perdas por imparidade em dívidas a receber” entendendo que tal preceito só abarca os créditos resultantes da atividade normal, sendo estes os originados por vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidades principais da empresa, estando afastados literalmente os créditos de meras operações financeiras, como sejam os adiantamentos a fornecedores, não podendo tal valor ser aceite como gasto fiscal ao abrigo do previsto no artigo 28.º n.º 1 alínea a) e 28.º-A do Código do IRC. 

                 Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                

                 10cessivas no prazo de

5 dias.omo gasto fiscal ao abrigo do previsto no artigo 28.º n.º 1 alrA 16 de Janeiro de 2017 atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c), 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias. 

                 Nas alegações apresentadas as partes limitaram-se a dar por reproduzidas as posições defendidas nos respectivos articulados.

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

                

       O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

      

       O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.

 

1)      A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, cujo objeto social consiste na compra e venda de bens imobiliários e construção de edifícios estando enquadrada  no CAE 68100;

2)      Em sede de IRC, a Requerente encontra-se enquadrada no regime geral, por força da alínea a), n.º 1 do artigo 2.º do Código daquele imposto;

3)      No exercício da sua atividade, a Requerente compra terrenos para futura construção ou mera revenda;

4)      Na compra de terrenos é usual celebrar contratos de promessa de compra e venda onde se prestam entregas de sinal;

5)      Em Março de 2009, a Requerente procedeu ao pagamento de €100.000,00, a título de sinal, tendo em vista a aquisição de metade de um terreno para construção sito em…, freguesia do … e Concelho de Cascais, inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e …;

6)      A entrega do sinal foi registada na contabilidade como adiantamento por conta de compras;

7)      A projetada transação veio a consubstanciar-se num crime de Burla, porque a empresa proprietária do terreno não o tinha à venda nem pretendia vendê-lo;

8)      A Requerente, assim que se apercebeu do esquema de burla, interpôs ação declarativa de condenação contra B… e C… por forma a obter a restituição do sinal pago no valor de €100.000,00;

9)      Em 27 de Fevereiro de 2012, por sentença proferida pelo Tribunal Cível de Lisboa (…Vara, processo n.º …/11… TVSB) decidiu este Tribunal pela condenação dos referidos Réus nos seguintes termos:

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, decido:

a)      Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização de danos patrimoniais;

b)      Condenar os Réus a pagar à Autora o montante correspondente aos juros de mora, vencidos, desde 12 de Março de 2009, e vincendos, contados sobre a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) calculados às sucessivas taxas supletivas taxas legais fixadas para os juros civis, até efectivo pagamento.

Custas pelos Réus (art. 446., n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.”      

10)  A Requerente solicitou ao mandatário constituído no processo n.º …/11… TVSB (processo de condenação por burla dos réus B… e C…) que emitisse um parecer relativo ao ponto de situação das diligências com vista à cobrança coerciva da quantia e € 100.000,00;  

11)  Em 11 de Junho de 2014 o Senhor Dr. D…, mandatário da Requerente no processo n.º n.º …/11… TVSB, emitiu parecer escrito onde se pronuncia, entre outras coisas, sobre a possibilidade de cobrança da dívida no valor de € 100.000,00;

12)   No parecer emitido pelo mandatário da Requerente refere-se designadamente o seguinte: “De resto, aqueles procedimentos judiciais foram ambos tramitados à revelia de C…, que se encontrava fugido para o Brasil, onde, tanto quanto julga saber-se, ainda andará “a monte”, pois, tendo entretanto sido detido, logrou evadir-se e nunca mais houve dele notícias, tanto assim, aliás, que o próprio Ministério Público se absteve de providenciar pela cobrança das custas em dívida a Juízo no âmbito da Acção Cível por ter sido “...citado editalmente e visto não lhe serem conhecidos bens penhoráveis; Não há, pois, qualquer possibilidade real e efectiva de cobrança junto de C…, pois, se porventura a houvesse, o próprio Ministério Público teria agido para cobrança das custas em dívida a juízo; quanto ao B…, as averiguações patrimoniais que desenvolvemos não revelam a existência de qualquer património ou rendimentos penhoráveis e mesmo o próprio Ministério Público só conseguiu encontrar-lhe o vencimento que teria auferido quando recepcionista da empresa “E…”, o que mesmo a manter-se (o que se desconhece), terá então sido penhorado para pagamento das custas em dívida a juízo.

É, pois, m/ opinião que o prosseguimento desta causa não tem quaisquer hipóteses de sucesso e só fará agravar mais os prejuízos já incorridos pela “A…”, razão pela qual se me afigura, numa perspectiva de custo-benefício que os interesses da empresa ficarão melhor salvaguardados se ficarmos por aqui (sem prejuízo, obviamente, de podermos reabrir o procedimento se, porventura, qualquer dos referidos C… e B… vier a adquirir património e/ou rendimentos que hoje patentemente não têm, ao menos em seu nome).”

 

13)  Perante o entendimento de que o sinal nunca mais seria recuperado, a Requerente assumiu em 2014 uma perda, contabilística e fiscal, reconhecendo os € 100.000,00 como gasto na conta 684 – perdas em inventários, subconta 6848 – por contrapartida da conta 39235 – adiantamento por conta de compras;

14)  Em 21 de Janeiro de 2016 foi a ora Requerente notificada pelo ofício n.º … de 21-01-2016, para enviar elementos e prestar esclarecimentos relativamente ao exercício de 2014, designadamente, a justificação e documentação do valor contabilizado como gasto no montante de €100.000,00, relativo a perdas em inventário, daquele exercício;   

15)  Em 10 de Fevereiro de 2016, a Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo de âmbito parcial, credenciado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016…, emitida pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de…, por motivos de controlo do sector de promoção e mediação imobiliária;

16)   Com base nas conclusões apuradas no Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, “o sujeito passivo reconheceu como gasto na conta 684 – Perdas em inventários, subconta 6848 – outras perdas, o valor de 100.000,00€ por contrapartida da conta 39235 – adiantamento por conta de compras.

O documento de suporte ao reconhecimento do gasto é um ofício da sociedade de advogados F… que na qualidade de mandatário judicial da A…, na ação cível interposta contra C… e B… relatam os factos apurados nomeadamente que o adiantamento efetuado em 2009, a estes dois senhores, no montante de €100.000,00, com vista à aquisição de metade de um terreno para construção sito em …, freguesia do …, concelho de Cascais, inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs … e …, mais não foi que uma “burla” e que a probabilidade da A… ser ressarcida da importância em causa é baixa ou nula (Anexo3).

(...)                

Analisada a situação face à legislação fiscal, mais concretamente, face ao disposto no código de IRC, importa averiguar se o valor contabilizado como gasto é ou não aceite como gasto fiscal, quer por via da quebra de inventários ou da imparidade em créditos. E sobre a situação em apreço cumpre-me informar o seguinte:

-       O montante de € 100.000,00 não reúne as características de uma quebra de inventários. Para que pudesse existir uma quebra de inventários, a primeira situação era que tal bem fizesse parte do inventário e que tivesse existido uma quebra quer normal (por deterioração do bem, desperdícios) ou anormal (roubo de mercadorias), o que não se aplica ao caso em apreço;

-       Quanto ao ajustamento de inventários, refere o artigo 28.º do CIRC que não são dedutíveis ao lucro tributável os ajustamentos de inventários até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção e o respectivo valor realizável, quando este for inferior àquele. No caso em apreço o terreno não chegou a fazer parte do inventário pelo que não há lugar a qualquer ajustamentos de inventários, tal como prevê o artigo 28.º do Código do IRC.

-       Também o montante de € 100.000,00, não reúne os requisitos para ser aceite como gasto fiscal a título de perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis. Refere o art.º 28.º-A do CIRC o seguinte:

“Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a)      As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

Entende-se por créditos resultantes da atividade normal apenas os créditos que são originados por vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidades principais da empresa, pelo que estão afastados literalmente os créditos de meras operações financeiras, como sejam os adiantamentos a fornecedores. 

Assim, por não se verificarem os requisitos previstos no art.º 28.º n.º 1 e al. a) do n.º 1 do art. 28-A do CIRC, o valor contabilizado como perdas de inventário no montante de €100.000,00 não é aceite como gasto fiscal pelo que se propõe uma correção neste montante. (...)

 

17)  A Requerente foi notificada do projeto de relatório para exercer o seu direito de audição ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, no prazo de 15;

18)  A Requerente exerceu o direito de audição, tempestivamente, por escrito, em 28 de Março de 2016;   

19)  Em 05 de Abril de 2016 a Requerente foi notificada da decisão do direito de audição, no sentido do respetivo indeferimento;

20)  Em 08 de Abril de 2016 a Requerente foi notificada das liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios;

21)  Em 23 de Maio de 2016 a Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, no valor de €24.714,35;

22)  Em 31 de Agosto de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

 

 

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.

 

3.    Motivação

           

       Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

       Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

       Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.    Matéria de Direito

 

       A questão essencial objeto dos autos centra-se em saber se tem ou não fundamento a liquidação adicional de IRC decorrente de correções ao lucro tributável da Requerente, em resultado da não aceitação como gasto fiscal do pagamento de um sinal, no valor de €100.000,00, para a compra de um terreno cujo negócio se consubstanciou numa burla em prejuízo da Requerente.  Os beneficiários do sinal ou adiantamento do preço foram objecto de sentença condenatória em processo declarativo, embora não tivessem pago a dívida, tendo tal montante sido assumido pela Requerente como perda fiscal, em 2014, e contabilizado na conta 684 – perdas em inventários – subconta 6848 –por contrapartida da conta 39235 – adiantamento por conta de compras.

       Como documentos de suporte à dedutibilidade fiscal do gasto, a Requerente apresenta uma sentença de condenação em processo declarativo e um parecer emitido pelos seus advogados mandatários na ação civil interposta contra os autores da burla, do qual se infere uma baixa probabilidade de ressarcimento do valor pago a título de sinal para a compra de um terreno.   

       Importa, assim, aferir para efeitos tributários, se o valor de € 100.000,00, supra referido, contabilizado pela Requerente como perdas de inventários, se encontra devidamente documentado, reunindo os requisitos para ser aceite como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, quer a título de quebra de inventários, de ajuste de inventários, ou a título de perdas por imparidade como defende a Requerente.

        

       De notar que, para a AT a questão da admissibilidade ou não da aceitação do referido valor como gasto fiscal no exercício de 2014, prende-se intimamente com a questão da contabilização – como perdas em inventários - associada à comprovação da indispensabilidade do gasto, feita com base num parecer dos seus advogados a respeito das dificuldades de ressarcimento do crédito reconhecido em sentença condenatória.

       Começando pela questão da contabilização do gasto como perdas em inventários, dir-se-á que o Código do IRC acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável. No número 10 do Preâmbulo deste diploma é referido que “dado que a tributação incide sore a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável”.

       Por seu turno, nos termos do artigo 17.º do n.º 1 do Código do IRC “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”

       Refere o n.º 3 que “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”

      

       Ora, a respeito da questão vertente, é a norma NCRF 18 que prescreve o que são inventários e define o tratamento a dar aos inventários. Para este efeito, são inventários os ativos:

1)      Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial;

2)      No processo de produção para tal venda; ou

3)      Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.

       

       Relativamente à contabilização em perdas em inventários (conta 684) do valor de €100.000,00, pago a título de sinal, para a compra de um terreno, cumpre referir que o terreno em questão nunca integrou o inventário da Requerente, nem nunca foi detido por esta em termos legais. A Requerente realizou um adiantamento a um fornecedor no âmbito do exercício da sua atividade. Por conseguinte, o ativo “terreno” não chegou a ser objecto de aquisição, nem, consequentemente, se afigura correto afirmar que sofreu ajustamentos como defende a Requerente, porquanto não se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 28.º do Código do IRC.

       Sublinhe-se que o ativo nunca integrou o inventário da Requerente pois, em boa verdade, esta realizou um adiantamento a um fornecedor tendo-se constituído um crédito a seu favor que, no decurso das diligências encetadas pela Requerente, se revelou de cobrança duvidosa. Contudo, e apesar de existirem evidências objectivas e irrefutáveis da imparidade, designadamente a quebra contratual do contrato de promessa, os indícios de burla, o desaparecimento dos falsos promitentes vendedores, entre outras, a Requerente optou por não registar contabilisticamente a imparidade.

   Ora, tal constatação leva-nos a considerar que o gasto de €100.000,00 também não reúne os requisitos para ser aceite como gasto fiscal a título de perda por imparidade, como pretende a Requerente.

       As perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa obedecem ao disposto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 27 – Instrumentos financeiros.

       Por seu turno, o enquadramento fiscal das perdas por imparidade deverá ser analisado ao abrigo do Código do IRC. Ora, a este respeito, o artigo 23.º n.º 1 alínea h) do Código do IRC estabelece que “as perdas por imparidade são consideradas gastos do período, uma vez que são indispensáveis para a realização de rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora.”

       O artigo 28.º - A do Código do IRC define as perdas por imparidade em dívidas as receber, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa:      

 

“1- Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

 

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

 

b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros.

 

2 – (...)

 

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.

 

       Da análise do referido preceito, pode-se concluir que existem condições cumulativas para a aceitação das perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa como fiscalmente dedutíveis, sendo estas as seguintes:

 

a)      Sejam derivadas da atividade normal da entidade;

b)      Possam ser consideradas de cobrança duvidosa; e

c)      Sejam evidenciadas na contabilidade.  

 

       In casu é inequívoco que não se encontram preenchidas as condições previstas no artigo 28.º -A do Código do IRC. Com efeito, ainda que se admita que o crédito pode ser considerado de cobrança duvidosa, não se encontram reunidos os demais requisitos supra referidos, de natureza cumulativa, pois nem o crédito resulta da atividade normal da Requerente, nem o crédito foi objecto de registo na contabilidade como crédito de cobrança duvidosa, de acordo com a factualidade provada.

       Para efeitos do conceito de atividade normal resulta de um Parecer emitido pelo Centro de Estudos Fiscais que “(...) a única interpretação da alínea a), do n.º 1, do art.º 33.º do CIRC que se nos releva sustentável, pelas razões atrás definidas, é a que qualifica como relevantes, para efeitos da constituição das provisões aí previstas, apenas os créditos que são originados por vendas de bens e prestações de serviços que sejam próprios dos objectivos ou finalidades principais da empresa, afastando, linearmente, os créditos que resultem de meras operações de carácter financeiro (adiantamentos ou entregas por conta).”[2]

       Do mesmo entendimento revela-se o Parecer n.º 11/95 também do Centro de Estudos Fiscais que considera que não são passiveis de ajustamento, os créditos resultantes de adiantamentos a fornecedores, como seria o caso em apreço.  

       Concluindo, quer porque o crédito de cobrança duvidosa não foi objecto de evidência na contabilidade, quer porque foi constituído fora do âmbito normal da atividade da Requerente, à luz dos critérios expostos, tal valor não poderá ser aceite como gasto fiscal a título de perda por imparidade, nos termos dos artigos 28º-A e 23.º n.º 1 alínea h) do Código do IRC.

      

       Resta ainda analisar se, não obstante o referido (não enquadramento como quebra de inventários ou imparidade) a perda do valor do sinal cumpre os requisitos para ser reconhecido como um gasto dedutível ao lucro tributável, nos termos gerais do artigo 23.º do Código do IRC, como defende a Requerente.   

      

       Para facilidade expositiva, comecemos por transcrever o disposto no artigo 23.º do Código do IRC (redação à data de 2014):

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade; 

i) Provisões; 

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros; 

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;  

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.” 

 

       A este respeito a Requerente alega que a perda do sinal destinado à compra de um terreno, cai diretamente no conceito de indispensabilidade para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, devendo, por conseguinte, ser aceite como gasto fiscal. A Requerente alega ainda que apesar da existência de sentença condenatória sobre os autores da burla para devolução dos €100.000,00 pagos a título de sinal, a possibilidade real e efetiva de cobrança junto dos mesmos é improvável com base em averiguações patrimoniais levadas a cabo pelo seu mandatário, facto que se encontra documentado e comprovado num parecer emitido para o efeito. Sendo, portanto, irrefutável que a empresa teve uma perda, susceptível de afectar negativamente os seus resultados, tal gasto deve ser reconhecido fiscalmente, porque tudo foi feito para evitar a perda e para ser ressarcida da mesma.

      

       Ora, a Requerente não tem razão.         

       De acordo com o n.º 1 do artigo 23.º, a lei prevê que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Assim, a regra é de que todos os gastos são dedutíveis cabendo à Autoridade Tributária, através de uma inspeção tributária, determinar quais os gastos que serão, ou não, considerados relevantes para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

       Note-se, que os gastos considerados dedutíveis para efeitos fiscais devem, por um lado, ser indispensáveis e, por outro, estar comprovados documentalmente.

      

       Na verdade, e conforme se tem vindo a decidir em outros processos que correram seus trâmites no CAAD, o requisito da indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do Código do IRC, tem sido objeto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência.[3]

 

            Assim é que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a declarar, no que diz respeito ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos gastos para efeitos fiscais, que o requisito de indispensabilidade de um gasto tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.[4]

       Por conseguinte, em matéria de gastos ou perdas, para efeitos de IRC, numa perspectiva abrangente, global, apresenta-se-nos incontornável a ideia de que, na respectiva definição e classificação, o legislador pretendeu erigir como elemento determinante, angular, o requisito da indispensabilidade, para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

       Firmada esta ideia inicial e central, cumpre proceder à tarefa de interpretar o alcance da questão disputada, que passa, pois, em nosso entender, por conformar o juízo de indispensabilidade do gasto, aos requisitos e finalidades inscritas na lei.

       Sendo o artigo 23.º do Código do IRC o normativo central que visa regular a dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais por referência à respectiva indispensabilidade para o apuramento do lucro tributável e à exigência de comprovação, não podemos deixar de o sintonizar, na busca de soluções harmónicas e abrangentes, com os demais preceitos legais que concretizam o propósito do legislador. 

       Considerando do tratamento contabilístico conferido pela Requerente à perda do sinal para compra de um terreno (Perdas em inventário conta 684, subconta 6848, por contrapartida da conta 39235 – adiantamento por conta de clientes) a Requerente reconhece que na medida em que realizou um adiantamento a um fornecedor dispõe de um crédito a receber, situação que, em rigor, enquadraria o conceito de imparidade, apesar de, como supra referido, não ter sido registado contabilisticamente enquanto tal.

       Neste contexto, a Requerente intentou um processo judicial e procedeu ao desreconhecimento do ativo, levando o valor de €100.000,00 a custos, com base na sentença de condenação, em processo cível, que declara a burla e condena os réus na devolução da referida quantia paga a título de adiantamento do preço. Reportando-se ao circunstancialismo da incobrabilidade do crédito a Requerente junta um parecer dos seus advogados, segundo o qual a probabilidade de ressarcimento da importância em causa seria “baixa ou nula” (sublinhado nosso).

       Note-se, contudo, que os créditos incobráveis aceites como gasto fiscal são determinados nos termos do artigo 41.º do Código do IRC, que tem a seguinte redação:

 

Artigo 41.º

Créditos incobráveis

 

1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil; (sublinhado nosso)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; (Redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro)

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

d) Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12.º desse regime;

e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;

f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750.

 

2 - (Revogado)

 

       Com relevância para o caso dos autos, resulta do artigo 41.º do Código do IRC que podem ser considerados gastos do período os créditos incobráveis derivados dos supra referidos processos de caráter judicial, desde que relativamente a estes não tenha sido reconhecida perda por imparidade ou, esta se revele insuficiente.   

       Deste modo, compulsada a alínea a) do artigo 41.º do Código do IRC, somente serão considerados fiscalmente dedutíveis, os créditos cuja incobrabilidade seja comprovada em sede de processo de execução, quer após o registo da extinção da execução, por não terem sido encontrados bens penhoráveis, quer em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença de execução, desde que seja determinada a falta de bens penhoráveis.[5]

       Noutros termos, as pessoas colectivas, atendendo aos fins que visam prosseguir, não poderão retirar consequências fiscais, constituindo gastos fiscalmente dedutíveis fora do âmbito em que a lei o permite, no caso concreto, ao arrepio do regime definido para os custos por créditos incobráveis.[6]

       Neste sentido, na linha da jurisprudência firmada pelo STA, a empresa deverá esgotar todos os meios processuais necessários e previstos na lei para reaver o seu crédito, devendo a insuficiência patrimonial dos devedores (autores da burla) e a demonstração da impossibilidade de cobrança ser comprovadas em sede de processo de execução, nos termos do supra referido artigo 41.º do Código do IRC.

       A previsão legal é explicita ao afastar a possibilidade de utilização de meios alternativos de prova, como seria um parecer elaborado pelos advogados da Requerente dando conta das diligências efectuadas e da baixa probabilidade de cobrança do crédito. 

       De resto, tal impossibilidade legal pode compreender-se melhor olhando à situação processual de cobrança do crédito referida no próprio parecer junto aos autos.

       Com efeito, segundo resulta do ponto 12 da matéria de facto, as diligências judiciais não se encontram concluídas nem esgotadas, podendo o processo vir a ser retomado se qualquer dos devedores implicados vier a adquirir património em momento posterior (sublinhado nosso).

       Assim sendo, a Requerente, ao ver reconhecido o seu direito na sentença de condenação obtida em processo declarativo, pretende ser ressarcida do montante em dívida, se, em fase ulterior, for encontrado património penhorável na esfera dos devedores. Posto que, a Requerente, não esgotou, como afirma, as possibilidades de reparação efetiva de um direito de crédito violado, nem abdicou do valor em dívida, pelo que não haverá enquadramento fiscal e contabilístico para o desreconhecimento do ativo. 

       Porém se, ainda assim, a Requerente decide desreconhecer o referido crédito, o seu montante tem de ser acrescido no Quadro 07 da Declaração Modelo 22, para efeitos da determinação do lucro tributável do período de tributação em que ocorreu o desreconhecimento, uma vez que, conforme se referiu, não se encontram satisfeitas as condições de indispensabilidade do gasto por inobservância do artigo 23.º do Código do IRC em conjugação com os requisitos exigidos pelo artigo 41.º do mesmo Código para a consideração do crédito como incobrável.

      

       Pelo exposto, conclui-se, ser inviável a aceitação como gasto para efeitos fiscais, do montante de €100.000,00 pago pela Requerente como adiantamento/sinal numa transação que não se concretizou, nos termos do artigo 23.º n.º 1 ambos do Código do IRC.

       Daí que se julga totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

    

IV. DECISÃO

      

     Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

– julgar totalmente improcedente o pedido de declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2016 … e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 …/… e do acerto de contas n.º 2016…, absolvendo em consequência a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

– condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 24.714,35, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Março de 2017

A Árbitro

 

 

(Filipa Barros)

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Parecer do centro de Estudos Fiscais, Processo n.º 1244/95, de 12/07/95. 

[3] A questão da indispensabilidade dos custos para efeitos do artigo 23º do CIRC tem sido objeto de análise doutrinária e da jurisprudência. Assim e como acentua António Moura Portugal (“A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, maxime, págs. 171/172), “A dedutibilidade ou aceitação de custos contidos no balanço deixou de ser uma questão de facto e passa a ser uma questão de direito, com reflexos ao nível do ónus da prova, que deixa de caber ao contribuinte”.

 

Mais adiante o mesmo Autor acentua:

A solução legal de aceitação da contabilidade do sujeito passivo dota os registos do contribuinte de uma presunção de veracidade, no sentido de que se aceita que esta informação traduz uma situação fiel e verdadeira da situação patrimonial da empresa, transladando o ónus de prova da incongruência ou falsidade dessa informação como representação fiel para o Fisco”.

Aliás este princípio encontra-se espelhado também no âmbito da LGT, nos artigos 74º e 75º que se referem, respetivamente ao ónus da prova e à declaração e outros elementos do contribuinte.

[4] Vide entre outros Acórdãos do STA de 29 de Março de 2006 processo n.º 01236/05, de 22 de Março de 2006, processo n.º 01077/05, bem como do acórdão do TCA Sul de 16 de Outubro de 2014, processo n.º 6754/13.

[5] Vide, neste sentido, Acórdão do STA de 10 de outubro de 2012, proc. n.º 0782/12. 

[6] Servimo-nos, por analogia, dos critérios empregues no Acórdão do TCA do Sul de 13 de Março de 2007, no processo n.º 01576/07, onde se tratava de uma questão de perdão de dívida constituída como custo fora do quadro legal que define a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa ou do regime dos custos por créditos incobráveis.