Decisão Arbitral
Partes
Requerente: A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, …, …-… Porto.
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
I. RELATÓRIO
a) Em 26 de Novembro de 2016 o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) O Requerente impugna a liquidação adicional de IMT que lhe foi notificada pelo ofício n.º…, de 24.11.2015, remetido pelo Serviço de Finanças de Amadora -…, no montante de € 36.865,51.
c) E muito embora tenha reclamado graciosamente dessa liquidação foi a mesma indeferida com fundamento de que “para efeitos de isenção de IMT, prevista no n.º 2 do art.º 270 do CIRE, só os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” eram elegíveis para integrar a previsão da norma isentiva.
d) Está em causa a aquisição onerosa, em 30 de Dezembro de 2013, de dois prédios rústicos: o sito em …, freguesia de União das Freguesias de … e … e Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo …- A; e o sito em …, freguesia de União das Freguesias de … e … e Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo …-X; ambos no âmbito do processo de insolvência da sociedade B…, S. A., com NIPC…, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 1544/12.7TYLSB.
e) Antes da aquisição procedeu à apresentação da declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo (IS) e foram emitidos Documentos Únicos de Cobrança à taxa zero, indicando que as transmissões onerosas se encontravam isentas de IMT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
f) Pagou os impostos liquidados. Pede a anulação da liquidação de IMT e o reembolso da quantia paga, acrescida dos juros indemnizatórios.
A CAUSA DE PEDIR
g) O Requerente invoca a ilegalidade do acto de liquidação impugnado, assacando-lhe o vício de violação de lei por erro de direito da AT (desconformidade com a norma contida no nº 2 do artigo 270º do CIRE).
h) Aduz em seu favor, nomeadamente, a leitura desta disposição legal que consta de um acórdão do STA de 30.05.2012.
i) Invoca ainda que o acto de liquidação em análise é nulo e de nenhum efeito uma vez que não existe fundamento legal ou factual que o sustente (artigo 77.º da LGT e artigo 99.º alínea c) do CPPT, conforme artigo 133.º do CPA).
j) Refere textualmente que a AT “… violou as legítimas expectativas e garantias do Requerente anteriormente constituídas e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º n.º 3 da CRP”,
k) Uma vez que “a interpretação da Administração Tributária aplicada a um facto tributário passado, inteiramente decorrido ao abrigo de lei antiga, constitui uma violação do princípio da protecção da confiança, na vertente da segurança jurídica”.
l) Acrescendo que “… a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos artigos 141º, nº 1, do CPA e 58.º do CPTA”, pelo que “a revogação de tal acto administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT e artigo 2.º, alínea d), do CPPT”
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
m) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 07-12-2016.
n) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 20-01-2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
o) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 06-02-2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
p) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 06-02-2017 que aqui se dá por reproduzida.
q) Logo em 06-02-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. No prazo da resposta veio a AT, em 10.03.2017 referir: “levar ao conhecimento dos autos que o identificado despacho foi revogado pelo Chefe daquele Serviço de Finanças, por despacho proferido em 10.3.2017, em conformidade com o novo entendimento do disposto no nº 2 do artigo 270º do CIRE vertido na Circular nº 4/2017, de 10 de Fevereiro, com todas as consequências legais”.
r) Por despacho de 10.03.2017 o TAS promoveu o contraditório para que o Requerente se pronunciasse, em 5 dias, sobre o pedido da Requerida, tendo por requerimento de 17.03.2017 referido que não se opunha ao requerido, com custas pela AT.
s) Foi ainda agendada a data para a prolação da decisão: o dia 22.03.2017.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
t) Legitimidade, capacidade e representação – As partes são partes legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
u) Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos dos incisos q) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
v) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto do Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 26.11.2016 e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa ter notificada por ofício … de 29.09.2016.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE
w) A posição do Requerente encontra-se sumariamente descrita na parte deste Relatório sob a epígrafe “pedido” e “causa de pedir”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
x) A Requerida adoptou uma posição de implícito reconhecimento da ilegalidade da liquidação, como resulta do referido em q) deste Relatório.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
A única questão que se coloca, face à revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que não tinha acolhido o pedido de anulação da liquidação de IMT aqui em causa, é a de apreciar o pedido extinção da instância por inutilidade da lide.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
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O Requerente, em 20 de Novembro de 2016, entregou CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
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A AT foi notificada em 06.02.2017 nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 17º do RJAT e respondeu por requerimento de 10.03.2017 dando conhecimento que quanto à Reclamação Graciosa, instaurada com o nº …2016…, que tinha sido indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Amadora…, de 29.09.2016 “… foi revogado pelo Chefe daquele Serviço de Finanças, por despacho proferido em 10.3.2017, em conformidade com o novo entendimento do disposto no nº 2 do artigo 270º do CIRE vertido na Circular nº 4/2017, de 10 de Fevereiro, com todas as consequências legais” – conforme registo de entrada no SGP do CAAD do requerimento da Requerida de 10.03.2017.
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Notificado o Requerente do pedido da Requerida expresso no número anterior, veio referir, por requerimento de 17.03.2017, que nada tinha a opor ao requerido, mas com custas pela Requerida nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 536º do CPC – Conforme registo de entrada no SGP do CAAD do requerimento do Requerente de 17.03.2017.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR
O Código de Processo Civil é de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT e nº 1 do artigo 29º do RJAT.
Nos termos da alínea e) do artigo 277º do CPC é causa de extinção da instância “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
“O Código de Processo Civil manteve, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa” … (Acórdão do STJ de 18.11.76 BMJ 261º-153). Este princípio continua expresso nas diversas normas do CPC actual que versam sobre esta temática.
Os nºs 3 e 4 do artigo 536º do CPC actual (que reproduz o artigo 450º do CPC de 1961) refere que: “3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
“4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, …”.
Ora, no caso, a Requerida procedeu à “satisfação voluntária” da pretensão do Requerente, deferindo a reclamação graciosa que antes tinha indeferido e que motivou este procedimento, cujo efeito é a anulação da liquidação aqui impugnada, pelo que lhe é assacada a responsabilidade pelas custas processuais.
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos:
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Julga-se extinta a instância, absolvendo-se a AT da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Requerida (alínea e) do artigo 277º do CPC e nºs 3 e 4 do artigo 536º do CPC).
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 36 865,51 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 836,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 22 de Março de 2017
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
(Augusto Vieira)
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.