Decisão Arbitral
1. Relatório
1.1 “A…, S.A.”, doravante designado por «Requerente», contribuinte n.º…, com sede na …, n.º…, no Porto, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 09 de novembro de 2016, tem por objeto a decisão de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra …, de 31-08-2016, proferida no processo de reclamação graciosa n.º …2016… e a consequente anulação da liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), de 17-02-2016, no montante de 3 638,84 €, respeitante à compra, efetuada em 26-08-2013, da fração autónoma identificada pela letra “O” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, n.ºs … a …, da extinta freguesia de … (atual freguesia de … e …), concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, em que foi vendedora a massa insolvente da sociedade «B…, SA», contribuinte n.º… .
1.3 O Requerente optou por não designar árbitro.
1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 28 de novembro de 2016.
1.5 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.6 Em 11 de janeiro de 2017, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 26 de janeiro de 2017.
1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 26 de janeiro de 2017, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT).
1.10 Contudo a Requerida não respondeu ao pedido de pronúncia arbitral nem apresentou o processo administrativo.
1.11 Considerando que o Requerente não requereu a produção de qualquer prova, para além da documental, cfr. documentos (oito) que juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 06 de março de 2017, notificado às Partes na mesma data, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a apresentação de alegações.
1.12 Foi ainda determinado que a decisão arbitral final seria proferida no prazo de dez dias a contar do referido despacho.
2. Saneamento
2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.2 O processo não enferma de nulidades.
2.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Posição da Requerente
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
A questão controvertida reside em saber se o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é aplicável, no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, apenas à transmissão de bens imóveis, cuja alienação ocorra em virtude de se estar a vender ou permutar ou ceder a empresa ou estabelecimento em que o imóvel (transmitido) se integra ou como é seu entendimento, se essa isenção abrange (também) os imóveis transmitidos por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento.
Que a mera análise da letra da Lei já indicia que a segunda das proposições será a correta, desde logo, porque se o objetivo do legislador fosse o de, no âmbito em causa, isentar de IMT apenas as transmissões dos imóveis afetos às empresas ou estabelecimentos vendidos, permutados ou cedidos, então bastar-lhe-ia referir – e não fez -, que apenas gozava de isenção de IMT a transmissão de imóveis quando integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou estabelecimento.
Que no âmbito do Código dos Processo Especiais de Recuperação de Empresas e Falências (CPEREF), o legislador quando reviu a posição dos credores privilegiados, levando a que “deixassem de ser invocáveis no processo falimentar os privilégios mais significativos do Estado e das Autarquias Locais…” fê-lo - conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda in anotação ao art.º 97.º do CIRE, e como pode ler-se no Preâmbulo do respetivo diploma -, com a consciência de que era necessário “dar exemplo de participação no sacrifício comum”.
E é precisamente essa noção de sacrifício comum e solidariedade social na proteção da posição daqueles que, fruto da insolvência dos seus devedores, veem perdida ou fortemente reduzida a probabilidade de recebimento dos seus créditos e ameaçada a sua própria solvência, que levou o legislador a criar incentivos à recuperação de receitas para esses credores, através, designadamente, da concessão de vantagens fiscais a quem adquire bens integrados em massas insolventes, entre as quais avulta a isenção de SISA (hoje IMT) na transmissão de imóveis.
Que os imóveis, como tudo em geral, vendem-se pelo valor que alguém aceita pagar por eles, englobando necessariamente o preço e todos os acessórios do preço, designadamente os custos fiscais, emolumentares ou outros que o adquirente deva custear para adquirir o bem.
Pelo que quanto mais elevados forem os custos “acessórios” menor será o preço, isto é, o valor destinado aos credores ou, alternativamente, maior será o período de tempo necessário à venda.
E foi para tentar otimizar, em valor e em prazo (em sede de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente) a obtenção de receitas destinadas aos credores (entre eles o Estado) da massa insolvente, que o legislador previu já no CPEREF (na alínea c) do n.º 2 do seu artigo 121) a isenção de sisa para as situações equivalentes à ora impugnada.
Solução que, pelas mesmas razões de fundo, o legislador pretendeu manter no CIRE através do n.º 2 do seu artigo 270.º, espelhando estas disposições, na análise sistémica destes diplomas legais, os princípios de equidade e solidariedade social que, nesta matéria, nortearam ambos os diplomas.
Podendo afirmar-se que, na relação com o Estado, os princípios de solidariedade social, subjacentes ao CIRE, encontram a sua consagração legal no que tange ao capítulo reclamação de créditos, na perda (ainda assim parcial) dos privilégios dos créditos do Estado e, no que concerne ao capítulo das receitas ou melhor, no favorecimento da maximização das receitas destinadas aos credores, nas isenções de selo e de IMT consagradas.
De outro modo o Estado teria no IMT uma espécie de privilégio, que lhe asseguraria uma fonte de receitas alternativa e exclusiva, beneficiando-o face aos demais credores (garantidos, comuns ou até privilegiados), contrário aos princípios de solidariedade social que nortearam este regime jurídico e, em especial, ao sentido e extensão da autorização legislativa que legitima o CIRE.
Sublinha que, em sede de isenção de IMT, apesar da menos feliz redação do artigo 270.º do CIRE, o legislador apenas pretendeu consagrar para o CIRE um regime equivalente ao que já resultava da alínea c) do n.º 2 artigo 121.º do CPEREF, como expressamente o afirma no n.º 49 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, onde refere que “mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais”.
Pelo que se o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE fosse interpretado no sentido de que a transmissão de imóveis em sede de liquidação da massa insolvente ou de planos de insolvência ou de pagamentos está sujeita a IMT, então a proposição constante do referido n.º 49 do referido Preâmbulo passaria, sem mais, a falsa,
Deste modo não colhe a interpretação que a Administração Fiscal pretende impor, ignorando quiçá, quão mais penalizante é para o Estado dificultar a reentrada no mercado dos ativos das massas insolventes, em especial, pelo seu significado económico, dos bens imóveis, e o retardar a satisfação (possível) de credores, eles mesmos, em regra, com problemas graves de liquidez.
Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação da liquidação impugnada com todas as consequências previstas na lei.
4.Fundamentação
4.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
4.1.1 Por escritura pública de compra e venda celebrada, em 26 de agosto 2013, no Cartório Notarial do notário Dr. C…, à Avenida …, n.º…, …, em Lisboa, o ora Requerente adquiriu, pelo preço de 167 100,00 €, a fração autónoma identificada pela letra “O” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs … a…, da extinta freguesia de … (atual freguesia de … e …), concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 165 810,00 €, e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … (cfr. doc. 1 junto à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
4.1.2 O referido imóvel foi adquirido à Massa Insolvente da sociedade «B…, SA – Em Liquidação», contribuinte n.º…, da qual faz parte, no âmbito do processo de insolvência que correu termos no … Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa sob o n.º …/12… TYLSB (cfr. doc. 1 junto à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
4.1.3 Em 23 de agosto de 2013, a AT emitiu o documento n.º…, na sequência da declaração modelo 1 do IMT, apresentada nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do CIMT (registo n.º 2013/…) tendo em vista a celebração da referida escritura notarial, da qual consta: «(…) Alienante do Bem – 1 - Identificação Fiscal: …– Nome: B… S.A.–Em Liquidação – Parte: 1/1 – Nº Liquidação: …– Valor Patrimonial IMT: € 165.810,00 – Benefícios: 59 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas em Planos de insolvência ou pagamentos (Artº 270, nº 1 e 2 do DL 53/04) – 100% sobre a Matéria Colectável: € 167.100,00 – Taxa: 6,50 % - Colecta: € 0,00» (cfr. doc. 2).
4.1.4 O Requerente foi notificado, cfr. ofício n.º … do Serviço de Finanças de Sintra … (…), de 01-10-2015, para, no prazo de 15 dias, se pronunciar, querendo, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, da intenção daquele serviço de finanças proceder à liquidação adicional do IMT, no montante de 3 638,84 €, com os seguintes fundamentos: (cfr. doc. 3)
«(…) Foi atribuída a isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo (IS) nos termos dos artigos 270.º, n.º 2 e 269.º, alínea e) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Verifica-se, agora, que não comprou a universalidade dos imóveis da insolvente, pelo que não aproveita a isenção de IMT do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
Assim, irá este Serviço proceder à liquidação devida nos termos gerais, conforme quadro demonstrativo abaixo:
Quadro Demonstrativo da Liquidação de IMT
Artigo
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Freguesia
|
Matéria colectável
|
Quota parte
|
Taxa (%)
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Parcela abater
|
Colecta devida
|
Colecta anterior
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Valor a pagar
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…-O
|
… (extinta)
|
167.100,00
|
1/1
|
5,0
|
4.716,16
|
3.638,84
|
0,00
|
3.638,84
|
4.1.5 Em 17-02-2016 foi efetuada a liquidação de IMT, nos precisos termos e fundamentos constantes da notificação supra referida, com data limite de pagamento de 18-02-2016, conforme documento único de cobrança n.º … (cfr. doc. 5).
4.1.6 O pagamento do imposto liquidado foi efetuado em 18-02-2016 (cfr. doc. 4).
4.1.7 A liquidação foi objeto de reclamação graciosa, conforme processo de reclamação graciosa n.º…, indeferida quanto ao seu mérito, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra …, de 31-08-2016.
4.1.8 O qual foi notificado ao Requerente pelo ofício n.º…, de 02-09-2016, e rececionado em 07-09-2016 (cfr. doc. 8).
4.2 Factos não provados
Inexistem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
4.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596.º, nº 1 e 607.º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como na posição assumida pelo Requerente.
5. Matéria de Direito (fundamentação)
São as seguintes as questões que constituem o thema decidendum:
- Da ilegalidade da liquidação por erro quanto aos pressupostos de direito; e
- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
5.1 Da ilegalidade da liquidação impugnada por erro quanto aos pressupostos de direito –
A questão controvertida na presente ação arbitral prende-se com a interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, designadamente no que diz respeito a saber se todas as aquisições de imóveis no âmbito de processos de insolvência e recuperação de empresas estão isentas de IMT ou se apenas aquelas que ocorram no âmbito da aquisição de empresas ou estabelecimentos comerciais.
O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, na atual redação, prevê o seguinte:
“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
Entende o Requerente que esta norma deve ser interpretada no sentido de a isenção de IMT ser concedida, tanto no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objeto do processo de insolvência, como a meros atos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do ativo da mesma.
E tem razão o Requerente, diga-se desde já, uma vez que esta interpretação é a que melhor serve a teleologia do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que é a de fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação – não havendo, a essa luz, razão para distinguir as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu ativo e passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu ativo (cfr. acórdão do STA de 18 de Novembro de 2015, Recurso n.º 01067/15).
Esta questão já foi exaustivamente tratada quer pelo Supremo Tribunal Administrativa quer pelo CAAD, não merecendo nos presentes autos resposta diferente daquela que tem vindo a ser encontrada ao longo de dezenas de acórdãos e decisões arbitrais já proferidos, uma vez que não ocorreu qualquer alteração legislativa relevante e a situação factual tem sido essencialmente a mesma.
Da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo referimos, entre outros, os acórdãos tirados nos seguintes processos: 949/11, de 30-05-2012; 765/13, de 03-07-2013; 968/13, de 11-11-2015; 1085/13, de 17-12-2014; 788/14, de 16-08-2016;575/15, de 18-11-2015; 1067/15, de 18-11-2015: 1345/15, de 16-12-2015; 1350/15, de 20-01-2016; 724/16, de 01-02-2017; 793/16, de 15-02-2017; 1159/16, de 25-01-2017.
Transcrevemos, de seguida, parte do acórdão proferido neste último processo, que subscrevemos inteiramente:
“Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se (a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que) a aquisição em causa estava isenta de IMT ao abrigo do disposto no art. 270.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se a referida isenção opera apenas relativamente às vendas, permutas ou cessão de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, como defende a Recorrente [Fazenda Pública], ou também relativamente a vendas, permutas ou cessão de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como sustentou a sentença recorrida.
(…) A questão não é nova e tem vindo a ser tratada reiterada e uniformemente neste Tribunal, pelo que vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida num dos mais recentes desses acórdãos, o de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1345/15.
Assim, e passamos a citar, «[a] sentença recorrida, a fls. […] dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrido contra liquidação de IMT incidente sobre aquisição de prédio em fase de liquidação do activo em processo de insolvência, anulando o acto de liquidação impugnado e condenando a Administração à restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que tal aquisição está abrangida pela norma de isenção constante do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
Fundamentou-se o decidido no acórdão deste STA de 30 de Maio de 2012, processo n.º 0949/11, para ele remetendo e procedendo à respectiva transcrição […].
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que os pressupostos para o preenchimento dos requisitos que determinam a obtenção do benefício de isenção, não foram preenchidos pelo adquirente, uma vez que não adquiriu a empresa ou estabelecimento desta e que o disposto no art. 270.º, n.º 2 do CIRE, mesmo por via de uma interpretação extensiva, não contempla a venda pura e simples de elementos do activo da empresa.
Não fornece, porém, a recorrente razão alguma que abale a nossa convicção de que a sentença recorrida bem julgou ao adoptar a interpretação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE que vem sendo de forma pacífica e reiterada adoptada por este STA desde o Acórdão mencionado na sentença recorrida – cfr. para além dos acórdãos já citados no parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA supra transcrito, os recentes Acórdãos de 11 de Novembro de 2015, Rec. n.º 0968/13 e de 18 de Novembro de 2015, Recs. n.ºs 0575/15 e 1067/15 –, não sendo o facto de a AT ter do preceito uma interpretação desconforme à jurisprudência do STA – que terá, inclusive, feito constar de recente informação 1/2014 da DSIMT e prestado à Ordem dos Notários (cfr. alegações de recurso a fls. 67, verso e 68 dos autos) –, razão para postergar o entendimento que vem sendo adoptado e que aqui se reafirma, porquanto constitui o que melhor adequa o texto legal ao sentido e extensão da autorização legislativa ao abrigo da qual a norma foi emanada pelo Governo em matéria reservada à Assembleia da República e porque essa interpretação é a que melhor serve a teleologia do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE – «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação – não havendo, a essa luz, razão para distinguir as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo (cfr. o Acórdão do STA de 18 de Novembro último, Rec. n.º 01067/15).
Conclui-se, pois, que nada há a censurar à sentença recorrida que bem julgou, estando o recurso da Fazenda Pública votado ao insucesso».
Da jurisprudência arbitral podemos referir, entre outras, as decisões proferidas nos seguintes processos: 764/2014, de 29-05-2015; 95/2015, de 09-06-2015; 99/2015, de 27-10-2015; 123/2015, de 01-09-2015; 137/2016, de 07-11-2016; 138/2016, de 10-10-2016; 224/2016, de 02-12-2016; 229/2016, de 13-12-2016; 283/2016, de 08-11-2016; 286/2016, de 17-10-2016; 295/2016, de 06-01-2017; 321/2016, de 01-11-2016; 371/2016, de 11-10-2016; 350/2016, de 12-11-2016; e 511/2016, de 28-12-2016.
Passamos a transcrever parte do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 138/2016, de 10-10-2016, que acompanhamos e com o qual concordamos:
(…) O CPEREF, diploma que antecedeu o CIRE, previa, no n.º 2 do artigo 121.º, uma isenção de sisa para “as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação de empresa, que decorram (…) da venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa (…)”. Não havia, portanto, dúvidas de que a isenção se aplicava à venda isolada de imóveis ocorrida no âmbito de processos de recuperação de empresa.
Mais tarde, a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, autorizou o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e coletivas, revogando o CPEREF. O novo regime jurídico deveria colocar a tónica na satisfação dos credores, fosse pela via da liquidação do património, fosse pela via de um plano de insolvência (cf. o artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 39/2003). Em matéria de benefícios fiscais, o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003 autorizava o Governo “a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) as que decorram (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus ativos (…)”. Assim, a Lei n.º 39/2003 era ainda mais favorável à transmissão de imóveis incluídos na massa insolvente do que o CPEREF na medida em que não restringia a isenção de tributação às transmissões de imóveis que pudessem ter lugar num contexto de recuperação de empresa, estendendo-a também às transmissões que tivessem lugar num contexto de liquidação da empresa insolvente ou dos seus estabelecimentos”.
O mesmo acórdão refere que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) já teve oportunidade de, por diversas vezes, esclarecer o que deve ter-se como ratio legis da disposição legal em análise, citando-se, a título exemplificativo, o Acórdão de 17.12.2014, Recurso 01085/13, onde é mencionado que “haverá que ter em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação. Não havendo que diferenciar, para tal fim, as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu ativo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu ativo. O objetivo que preside à teleologia da norma será igualmente prosseguido quando a aquisição tem por objeto elementos do ativo da empresa, não se tornando necessário que o objeto seja a empresa ou estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência.”
Por fim, referem os ilustres Árbitros que “(…) importa ainda atender ao elemento sistemático para determinar o sentido da norma em causa, desde logo porque a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não é a única prevista para as operações de transmissão onerosa de imóveis que tenham lugar no âmbito do processo de insolvência, sendo acompanhada pela isenção também de IMT prevista no n.º 1 do artigo 270.º do CIRE e pela isenção de imposto do selo prevista nas alíneas d) e e) do art. 269.º do CIRE. Sucede que tanto uma como a outra se aplicam, de forma clara, quer à transmissão de imóveis efetuada em conjunto com a empresa ou o estabelecimento de que fazem parte, quer à transmissão isolada de imóveis. Também deste prisma parece, portanto, que a interpretação segundo a qual a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange a transmissão de imóveis quando efetuada em conjunto com a empresa ou estabelecimento de que fazem parte ou quanto efetuada isoladamente é a mais consentânea com o espírito global do ordenamento jurídico.
Em conclusão, afirmam, …perante as dúvidas suscitadas pela falta de clareza do enunciado verbal da disposição em causa, o recurso aos elementos histórico, teleológico e sistemático permitem concluir com segurança que a isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE se aplica, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu ativo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Este tem sido também o sentido da jurisprudência maioritária dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, de que é exemplo o acórdão proferido no processo n.º 123/2015T, de 01.09.2015, onde se pode ler, sobre a interpretação que aqui se vem defendendo, que “Para além de esta interpretação, permitida pelo teor literal do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ser manifestamente a que se sintoniza com a teleologia da modalidade de isenção identificada, que é incentivar as aquisições de bens da empresa insolvente, no caso em apreço a venda foi efetuada a credores da empresa insolvente, pelo que se está perante uma situação cuja substância económica é essencialmente idêntica à das situações de dação em cumprimento de bens da empresa ou de cessão de bens aos credores, que estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 270.º, como casos de isenção de IMT. Por isso, nos casos em que a venda é efetuada a credores da empresa insolvente, a substância económica, a que o artigo 11.º, n.º 3, da LGT manda atender na interpretação das normas de incidência tributária, sempre imporia que se entendesse se trata de situações abrangidas pela isenção, pelo que, a não se enquadrar a situação no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ela sempre caberia, por interpretação extensiva no n.º 1 do mesmo artigo.”
Ante a jurisprudência consolidada supra transcrita, à qual se adere por inteiro, pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), impõe-se concluir que a norma prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange as operações de transmissão de imóveis da massa insolvente que tenham lugar de forma isolada, isto é, não integradas na transmissão da empresa ou de um estabelecimento comercial, assim como aquelas que tenham lugar no contexto destas transmissões mais abrangentes.
Face ao exposto, a liquidação contestada enferma do vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na violação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o que determina a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação impugnada, impondo-se a respetiva anulação.
5.2 Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios –
O Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), tendo provado ter pago a quantia liquidada, no montante de 3 638,84 €.
Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA[1], sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
Tendo ficado demonstrada a ilegalidade da liquidação impugnada, que justifica a sua anulação, reconhece-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
***
6.Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Sinta… (…), de 31-08-2016, proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2016…;
b) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), de 17-02-2016, no montante de 3 638,84 €, respeitante à compra que o Requerente fez, em 26-08-2013, da fração autónoma identificada pela letra “O” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, n.ºs … a …, da extinta freguesia de … (atual freguesia de … e…), concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, em que foi vendedora a massa insolvente da sociedade «B…, SA», contribuinte n.º… .
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a quantia indevidamente paga pelo Requerente, no montante de 3 638,84 € , acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
d) Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
7. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 3 638,84 €.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 24 de março de 2017.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09