Requerente: A...
Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Baeta de Queiroz, João Taborda da Gama e Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
A…, com sede em …, NIPC…, área do Serviço de Finanças de …, requereu, em 31 de Julho de 2016, a constituição de tribunal arbitral, para apreciação e decisão do pedido de pronúncia arbitral contra a Administração Tributária e Aduaneira (AT), visando a declaração de ilegalidade de liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios feitas com base em correcções técnicas e respeitantes aos exercícios de 2012 a 2015, com fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
As liquidações adicionais que a Requerente identifica, de IVA e juros compensatórios, são as seguintes:
- n.º … de € 259.179,40, do período 1207M, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º…, de 22-07-2012, de € 2.195.700,00;
- n.º … de € 202.274,07, do período 1212M, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º…, de 31-12-2012, de € 2.440.529,74);
- n.º 2016 … de € 24.893,56, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 202.274,07;
- n.º 2016… de € 366.137,28, de IVA relativo ao período 201306, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º…, de 18-06-2013, € 2.697.600,00. Na referência para pagamento consta, certamente, por engano a quantia de € 716.137,28, que a Requerente também impugna, se, eventualmente, for a devida;
- n.º 2016 … de € 37.757,28, de juros compensatórios por retardamento de imposto devido, nos termos do número anterior, no montante de € 366.137,28;
- n.º 2016 … de € 136.403,98, do período 201309, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º…, de 30-09-2013, de € 899.200,00;
- n.º 2016 … de € 12.706,12, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, relativo ao período de 201309, no montante de € 136.403,98;
- n.º 2016 … de € 86.732,39, de IVA do período 201312, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º…, de 31-12-2013, de € 1.524.685,77;
- n.º 2016 … de € 7.214,23, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 86.732,39;
- n.º 2016 … de € 180.842,82, do período 201405, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º …/…, de 30-05-2014, de € 1.400.000,00;
- n.º 2016 …, de € 12.069,40, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 180.842,82;
- de € 226.986,30, resultante de estorno de liquidação e de um acerto de liquidação de IVA, ambos de 2014, conforme documento 2016 …;
- n.º 2016 … de € 224.970,76, do período 201409, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º… /…, de 03-09-2014, de € 1.050.000,00;
- n.º 2016…, de € 11.982,00, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 224.970,76;
- n.º 2016…, de € 31.007,65, de IVA do período de 201411, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º …/…, de 18-11-2014, de € 700.000,00;
- n.º 2016…, de € 1.437,39, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 31.007,65;
- n.º 2016 … de € 317.366,92, de IVA do período 201412, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão das facturas n.ºs …/…, de 05-12-2014, de € 350.000,00 e …/…, de 31-12-2014, de € 432.022,45;
- n.º 2016…, de € 13.703,29, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 317.366,92;
- nº 2016…, de € 256.916,77, de IVA do período 201504, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º …/…, de 29-04-2015, de € 1.823.910,44;
- n. º 2016…, de € 7.686,38, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 256.916,77;
- n.º 2016 … de € 249.911,88, de IVA do período 201507, referente à diferença entre o IVA declarado e o devido pela emissão da factura n.º …/…, de 2014/12;
- n.º 2016…, de € 4.984,54, de juros compensatórios por retardamento do imposto devido, nos termos do anterior, no montante de € 249.911,88,
o que perfaz, segundo a Requerente, o montante de € 2.888.730,19.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação de tal encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.
O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 24 de Novembro de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do decreto-lei n.º 10/20111, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que se defendeu por impugnação, defendendo a legalidade da sua actuação e, consequentemente, a improcedência do pedido.
Em 5 de Janeiro de 2016 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT em que, presentes os árbitros e os representantes da Requerente e da Requerida, foi produzida prova testemunhal, notificadas as partes para alegações escritas, e fixado o dia 3 de Março de 2017 como data da prolação da decisão arbitral, depois transferida para 3 de Abril de 2017.
Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas em que reafirmaram as iniciais posições.
II- SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
III. MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão das questões de direito suscitadas dão-se como assentes os seguintes factos:
1)
A Requerente é uma cooperativa de 2.º grau, constituída por escritura de 19 de Maio de 1992 com o fim principal de aproveitar industrialmente os subprodutos da extracção de azeite feito pelas cooperativas associadas - bagaço, ou bagaço virgem, ou bagaço tal qual.
2)
A Requerente adquire esse bagaço às ditas cooperativas e a outros lagares de azeite, e faz a respectiva secagem, obtendo o chamado bagaço seco.
3)
Até 2010, a Requerente procedia, nas suas instalações, não só à secagem de bagaço virgem, obtendo bagaço seco, mas também extraía deste, e comercializava, óleo de bagaço de azeitona.
4)
Em 2011, a Requerente, para poder beneficiar de apoios no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio em vigor (2007/2013, designado por PRODER), com vista a investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas, e porque a actividade de comercialização óleo de bagaço de azeitona não era elegível para a atribuição desses apoios, deixou de extrair óleo de bagaço de azeitona e passou a limitar a sua actividade à secagem de bagaço virgem, que, transformado em bagaço seco, vende à sociedade B…, Lda., a qual extrai e comercializa o óleo a partir desse bagaço seco.
5)
A B…, Lda. tem como objecto social, o “Exercício da indústria de lagares de azeite e extracção de óleo de bagaço, moagem de cereais, comércio de armazenistas e exportadores de azeite e outros ramos afins dos indicados”.
6)
A Requerente detinha, em 30 de Novembro de 2010, mais do que 96,23% do capital na B…, Lda., sendo hoje titular da sua totalidade.
7)
A Requerente (primeira outorgante) e a B…, Lda. celebraram, em 30 de Novembro de 2010, um contrato do qual consta:
“1. Ambas as outorgantes prosseguem o mesmo objecto social, em vários sectores da respectiva actividade social, designadamente, no processo conducente à produção de óleos vegetais a partir do bagaço de azeitona, não fazendo sentido, sendo mesmo anti-económico, que ambas detenham os mesmos capitais de exploração e de infra-estruturas.
2. Essa relação de grupo mais que aconselha, exige, que entre ambas as outorgantes se estabeleçam formas de colaboração em vários domínios das infra-estruturas e do processo produtivo, de maneira a obter ganhos de produtividade, pela eliminação da duplicidade de estruturas e de aproveitamento de sinergias.
Tendo em conta as considerações anteriores, ambas as outorgantes acordam no seguinte:
PRIMEIRA
(Cedência)
1 A segunda outorgante cede à primeira o uso e fruição de instalações físicas que lhe pertencem, no local da sua sede, em…, por períodos anuais, com início em 01 de Janeiro do corrente ano, a que este contrato reporta os seus efeitos, renováveis por iguais períodos de tempo enquanto não houver denúncia, feita por escrito, de uma contraente à outra, com, pelos, menos, dois meses de antecedência do termo de cada período anual de contrato.
2 A primeira outorgante poderá, nos locais cedidos, instalar as estruturas de que careça para o exercício das suas actividades, sejam de natureza administrativa, comercial, industrial ou de serviços.
3 A primeira outorgante pagará à segunda a quantia anual de sessenta mil euros (€ 60 000,00) pela cedência referida no número anterior, em prestações mensais, iguais e sucessivas, ou numa única prestação anual, conforme combinarem e for do interesse de ambas.
SEGUNDA
(Secagem de bagaço)
No espaço físico cedido, mencionado na Clausula anterior, está compreendida a área em que a primeira outorgante, com meios físicos e humanos a ela pertencentes exerce a actividade de secagem de bagaço de azeitona.
TERCEIRA
(Prestação de serviços)
1 Por este contrato, a primeira outorgante compromete-se a prestar serviços à segunda, de natureza técnica e humana, na actividade que esta desenvolve na extracção de óleo de bagaço de azeitona.
2 Esta prestação de serviços, vigora nos termos e pelos períodos de tempo estipulados na Cláusula primeira, designadamente, quanto à denúncia.
3 A primeira outorgante ficará responsável por todas as despesas do processo produtivo da extracção do óleo, designadamente, pela manutenção, conservação e reparação dos equipamentos usados na actividade extractiva.
4 A segunda outorgante pagará à primeira uma compensação pela prestação de serviços que dela receba, cujo quantitativo será anualmente apurado, por acordo, tendo em conta as circunstâncias concretas que se verificarem, em termos de quantidade do trabalho produzido, qualidade do produto, preço de venda e outras variáveis que se devam considerar.”
8)
Em 2012 a Requerente emitiu, em nome de B…, Lda., facturas no montante de € 4.636.229,74 (IVA não incluído), das quais consta respeitarem à venda de bagaço de azeitona seco.
9)
Em 2013 a Requerente emitiu, em nome de B…, Lda., facturas no montante de € 5.121.485,77 (IVA não incluído) das quais consta respeitarem à venda de bagaço de azeitona seco.
10)
Em 2014 a Requerente emitiu, em nome de B…, Lda., facturas no montante de € 3.932.022,45 (IVA não incluído) das quais consta respeitarem à venda de bagaço de azeitona seco.
11)
Entre Janeiro e Julho de 2015 a Requerente emitiu, em nome de B…, Lda., facturas no montante de € 2.876.418,90 (IVA não incluído) das quais consta respeitarem à venda de bagaço de azeitona seco.
12)
Em todas as supra referidas facturas a Requerente liquidou IVA à taxa reduzida de 6%, considerando que o bagaço vendido se enquadrava na verba 3.8 da Lista I anexa ao CIVA.
13)
Nos anos de 2013, 2014 e 2015 a Requerente facturou a B… € 569.560,25, € 728.152,35 e € 846.005,58, respectivamente, a título de prestação de serviços de extracção, debitando IVA à taxa de 23%.
14)
A B…, Lda. beneficiava, como empresa industrial do sector, de isenção fiscal na aquisição de hexano, produto solvente empregue na extracção do óleo de azeitona, sendo ela quem o adquiria.
15)
A Requerente veio a obter o mesmo benefício fiscal, a partir de 30 de Setembro de 2014, passando a adquirir o hexano em seu nome.
16)
Em 2015 a Requerente foi objecto de uma inspecção externa, na sequência da qual a AT introduziu várias correcções técnicas, procedendo a liquidações adicionais, entendendo que estava em falta IVA relativo aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, e às mencionadas facturas, no valor, respectivamente, de € 788.159,06, € 870.652,58, € 668.443,81 e € 488.991,22, num total de € 2.816.246,66.
17)
De acordo com a AT, os valores em falta correspondem à diferença entre o IVA liquidado à taxa reduzida de 6% e o que considerou devido, à taxa normal de 23%, no entendimento de que o produto vendido era óleo de bagaço de azeitona e não bagaço seco de azeitona.
18)
O entendimento da AT baseou-se, em súmula, em que, “Suportando a A… os gastos com o processo produtivo da extracção do óleo, nomeadamente, os gastos com energia eléctrica, com as análises à qualidade do produto final, com o pessoal operacional e consumíveis da extracção, concluiu-se pelo controlo do processo produtivo daquele produto, que comercializa posteriormente”.
Estando-se perante [… a venda de óleo de bagaço de azeitona”, que indevidamente foi facturado como bagaço de azeitona seco”.]
Pelo que [… toda a facturação de A… a B… é tributada em IVA à taxa normal, ou seja, à taxa de IVA aplicável à venda de óleo de bagaço de azeitona”, por enquadramento da operação no n.º 1 do artigo 3.º do CIVA.].
19)
A AT notou, ainda, que a Requerente é proprietária de depósitos de óleo; vende e utiliza em consumo próprio bagaço de azeitona extractado, que resulta da produção de óleo, sem que exista documento de aquisição; utiliza hexano na extracção de óleo, sem que exista factura de aquisição; as quantidades descritas como bagaço são iguais às descritas como serviços de extracção.
III.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
1. Não se provaram outros factos relevantes para a decisão de direito.
III.1.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos dos autos, que aqui se dão por reproduzidos e cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como a prova testemunhal produzida e as declarações de parte, sendo certo que quer o declarante quer a testemunha mostraram amplo conhecimento dos factos e houveram-se com patente isenção.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
O litígio que opõe a Requerente à AT expõe-se em poucas linhas.
A Requerente facturou a B…, Lda., a venda de um produto que designou de bagaço de azeitona seco, e serviços atinentes à extracção de óleo de azeitona, a partir daquele bagaço seco.
Considerando que o bagaço seco é produto incluído na verba 3.8 da Lista I anexa ao CIVA, liquidou IVA à taxa reduzida de 6%. Já em relação à prestação de serviços de extracção liquidou o IVA à taxa normal.
A AT, após inspecção externa, concluiu que a Requerente não vendeu a B…, Lda., bagaço de azeitona seco, mas óleo de bagaço de azeitona, que não beneficia daquela taxa reduzida, e por isso liquidou a diferença entre o IVA facturado e o que considerou devido, à taxa normal.
As partes não discutem que as transacções de óleo de bagaço de azeitona são tributadas em IVA à taxa normal de 23%, como resulta do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA, e que o bagaço de azeitona goza de tributação à taxa de 6%, conforme a alínea a) do nº 1 do mesmo artigo 18º e a posição 3.8 da Lista I anexa ao CIVA.
Este ponto também não suscita dúvidas ao tribunal arbitral.
Assim, se a mercadoria vendida pela Requerente for qualificável como bagaço de azeitona, a taxa é de 6%, e as correcções introduzidas pela AT e que deram azo às liquidações impugnadas não se justificam, enfermando essas liquidações de erro sobre os pressupostos de facto, devendo, por isso, ser anuladas – tudo como quer a Requerente.
Ao invés, se o mesmo produto for óleo de bagaço de azeitona, a taxa é de 23%, e bem andou a AT ao concluir que havia imposto em falta, liquidando-o. Neste caso, os actos de liquidação adicional são legais, e merecem ser mantidos, contra o entendimento da Requerente.
Os juros compensatórios liquidados seguem o destino que couber ao IVA: são devidos se houve imposto tardiamente liquidado por facto imputável à Requerente, de acordo com a disposição do artigo 35º nº 1 da Lei Geral Tributária; não o são se isso não aconteceu, isto é, se o montante do imposto que ela mencionou nas facturas corresponder ao legalmente devido.
A solução do pleito depende, portanto, da matéria de facto que no processo se apurou.
Ora, quanto a este ponto, o tribunal colectivo formou uma convicção que não secunda a da AT.
Conforme consta do capítulo dedicado à factualidade, provou-se que, a partir de 2011, a Requerente deixou de produzir óleo de bagaço de azeitona, limitando-se à actividade de secagem do bagaço que adquire, vendendo-o a B…, Lda., sendo esta quem prossegue o processo industrial, extraindo desse bagaço o óleo, e comercializando-o.
E é assim, provou-se também, por a Requerente se ter visto na conveniência de deixar de produzir e comercializar óleo para poder beneficiar do apoio do Proder.
É verdade provada que a Requerente domina a B…, Lda., o que permitiria suscitar questões relativas aos negócios entre ambas, dominante e dominada.
Mas tais questões não foram consideradas pela AT, que não apreciou as relações entre as duas sociedades, nem delas retirou consequências nenhumas. Aliás, o que desta relação se pode extrair é que, tivessem as facturas sido emitidas no tempo devido com IVA à taxa normal, como pretende a AT, esse mesmo IVA teria sido dedutível na esfera da B…, Lda., que economicamente integra a esfera da Requerente, como se viu. Ou seja, tendo as coisas ocorrido como o Fisco pretendeu impor através das liquidações adicionais, por via da relação de grupo existente o “grupo A…” não teria suportado o encargo económico da taxa normal, uma vez que a adquirente o teria deduzido, não havendo assim qualquer previsível prejuízo para os cofres do Estado.
O que levou a AT a empreender as liquidações adicionais foi a conclusão a que chegou de que o produto vendido não era bagaço de azeitona seco, mas óleo de bagaço de azeitona. Essa conclusão assentou em circunstâncias atinentes à configuração do negócio entre a Requerente e a sociedade dominada, nomeadamente, o facto de, apesar de as instalações industriais aonde o óleo é produzido serem propriedade da sociedade, ser a cooperativa a suportar os custos de produção, adquirindo matéria-prima, fornecendo e remunerando o pessoal, pagando a energia, cuidando do equipamento, pagando as análises ao produto final, etc..
Mas tudo isto se explica pelo contrato que a Requerente e a B…, Lda., celebraram e se deu também por provado.
Trata-se de um contrato complexo, não completamente claro, ademais, celebrado entre duas pessoas em situação de domínio/subordinação; mas isso integra a liberdade de configuração dos procedimentos industriais e comerciais de que goza a Requerente, e não permite concluir que é ela a produtora de óleo de bagaço de azeitona e que o vende a B…, Lda..
Ao contrário, o que se apurou foi que tal produção e comercialização cabem a esta última sociedade, a partir do bagaço seco e do hexano fornecidos pela Requerente, e no âmbito do falado contrato, não tendo a requerida conseguido demonstrar a artificialidade do contrato de modo a que o mesmo não produza os efeitos pretendidos em sede de IVA.
O Direito Fiscal tem, de resto, normas específicas para lidar com situações contratuais complexas que se suspeite serem abusivas do ponto de vista fiscal, e que permitem a desconsideração de actos ou negócios efectivamente praticados, em especial o procedimento de aplicação da cláusula geral anti-abuso previsto no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, não tendo a Requerida encetado esse percurso metodológico, nem de resto sequer a tal aludido.
Em conclusão, o bem transmitido a que respeitam as facturas em crise é bagaço de azeitona seco, e não óleo de bagaço de azeitona, beneficiando, como tal, da taxa reduzida de IVA, achando-se pois correcto o imposto constante dessas facturas.
E, deste modo, a AT, ao entender que se tratava de óleo de bagaço de azeitona, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e, decorrentemente, de direito, e não podem manter-se, por ilegais, as liquidações impugnadas.
Não merecem também sobreviver as liquidações no que respeita a juros compensatórios, na ausência de tardia liquidação por facto imputável à Requerente.
IV – DECISÃO
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, julga-se procedente o pedido da Requerente, anulando-se, por ilegais, as liquidações impugnadas, quer quanto ao IVA, quer quanto aos juros compensatórios, e condena-se a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 2.695.568,39, nos termos do disposto nos artigos. 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi artigo. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., computam-se as custas em € 34.578,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Março de 2017.
Os Árbitros
José Baeta de Queiroz (presidente)
João Taborda da Gama
Emanuel Augusto Vidal Lima