Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2016-T
Data da decisão: 2017-04-13  IRC  
Valor do pedido: € 69.171,47
Tema: IRC – Tributações autónomas; Empresarialidade integral dos gastos; presunção e suscetibilidade da sua ilisão.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Rui Ferreira Rodrigues e Luís Alberto Ferreira Alves (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23 de agosto de 2016, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

1.1 “A…, S.A.”, doravante designado por «Requerente», contribuinte n.º…, com sede social na Zona Industrial de…, União das freguesias de …, concelho de …, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 07 de junho de 2016, tem por objeto o despacho de indeferimento da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, da Autoridade Tributária e Aduaneira, por subdelegação de competências, de 30 de março de 2016, proferido no processo n.º …2015… respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e a consequente anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2013 …, de 16 de maio de 2013, relativo ao exercício de 2012, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…), com o consequente reembolso do montante de 69 171,47 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios. 

 

1.3 A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 28 de junho de 2016.

 

1.5 Os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitros do tribunal arbitral coletivo, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.6 Em 10 de agosto de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 23 de agosto de 2016.

 

1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 01 de setembro de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.10 Em 06 de outubro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a consequente absolvição.

 

1.11 Na mesma data apresentou o processo administrativo.

 

1.12 Por despacho de 21 de novembro de 2016 foi designada, para o dia 18 de janeiro de 2017, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual seria inquirida a testemunha arrolada pela Requerente.

 

1.13 Em 24 de novembro de 2016 veio a Requerente indicar os artigos da P.I. respeitantes aos factos sobre os quais deverá incidir a inquirição da testemunha.

 

1.14 Em 17 de janeiro de 2017 veio a Requerente requerer o adiamento da inquirição da testemunha, nos termos do artigo 508.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil.

 

 

1.15 Por despacho de 27 de janeiro de 2017, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente foi marcada para 15 de fevereiro de 2017.

 

1.16 Em 01 de fevereiro de 2017 veio a Requerente, novamente, requerer o adiamento da inquirição da testemunha, nos termos do artigo 508.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil, juntando documento comprovativo da ausência da mesma. 

 

1.17 Por despacho de 03 de fevereiro de 2017, a referida reunião bem como a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente foi remarcada para 15 de março de 2017.

 

1.18 Face aos sucessivos pedidos de adiamento da inquirição da testemunha, pelo mesmo despacho foi prorrogado, por mais dois meses, o prazo para a prolação da decisão, no uso da faculdade prevista no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

1.19 Em 15 de março de 2017 procedeu-se à realização da reunião bem como à inquirição da testemunha.

 

1.20 O Tribunal, com a concordância das Partes, notificou-as para, em simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de quinze dias.

 

1.21 Foi ainda designada a data de 20 de abril de 2017 para a prolação do respetivo acórdão arbitral.

 

1.22 Em 30 de março de 2017 as Partes apresentaram alegações escritas, pronunciando-se sobre a prova produzida, e pugnando, a Requerente, pela total procedência do pedido de pronúncia arbitral, por provado, com as devidas e legais consequências e a Requerida, pela total improcedência do mesmo pedido, com a consequente absolvição da instância.

 

                              

 

2. Saneamento

2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

3. Posição das Partes

3.1 Da Requerente

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

A Requerente, relativamente ao período de tributação de 2012, na declaração de rendimentos Modelo 22, apurou o montante total de 69 171,47 € relativo a tributações autónomas, do qual 64 096,39 € correspondem a gastos com viaturas ligeiras de passageiros e 5 075,08 € a gastos com despesas de representação.

Os gastos subjacentes às tributações autónomas ora em questão foram incorridos com um claro e evidente propósito empresarial: a promoção dos produtos comercializados pela Requerente.

A Requerente apresentou pedido de revisão, previsto no artigo 78.º da LGT, ao qual coube o processo n.º …2015…, por erro na autoliquidação, por entender que as referidas tributações autónomas haviam sido indevidamente liquidadas dado o carácter integralmente empresarial dos gastos que lhe estão associados, tendo o mesmo sido indeferido por despacho da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, da Autoridade Tributária e Aduaneira, por subdelegação de competências, de 30 de março de 2016.

A tributação autónoma, no entendimento do Tribunal Constitucional, funciona como um mecanismo de tributação instantânea sobre determinadas despesas.

O legislador elencou as despesas que deverão ser sujeitas a tributação autónoma, tendo para o efeito adotado uma presunção de não empresarialidade.

Para se determinar se um ato de despesa é ou não sujeito a tributação autónoma terá de verificar-se, primeiro, se o tipo de despesa em causa consta do elenco do artigo 88.º do CIRC e, depois, em caso de resposta afirmativa, haverá que avaliar a “empresarialidade integral” desse ato de despesa, caso em que se afasta a presunção legal e, consequentemente, a suscetibilidade de tributação autónoma desses gastos.

Sendo a sujeição de determinados gastos a tributação autónoma baseada na presunção da sua não empresarialidade, não pode deixar de concluir-se pela suscetibilidade de ilisão dessa mesma presunção, nos termos do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Entende ainda a Requerente que as normas em que assentam as tributações autónomas possuem carácter antiabuso, pelo que tem de ser admitida a ilisão das presunções sob pena de violação do Direito da União Europeia.

Os encargos com viaturas ligeiras de passageiros incorridos pela Requerente constituem gastos inerentes à prossecução do respetivo objeto social e, consequentemente, gastos com causa estritamente empresarial, já que as viaturas são utilizadas pelos colaboradores a quem estão confiadas as funções de comercialização, publicitação e apresentação dos produtos comercializados pela Requerente (comerciais e diretores), sendo preciosos instrumentos de trabalho daqueles que, pelas suas funções têm de realizar, pelo país todo, constantes deslocações.

As despesas de representação (arrendamento de espaços para eventos, publicidade, catering) inserem-se na estratégia comunicacional e de marketing previamente definido e calendarizado pelo grupo económico a que a Requerente pertence, nos termos de normativos internos, visando, através de eventos como a « … », 14.ª edição, e «…», a angariação de clientes e a realização de vendas.

Foram ainda realizados diversos seminários e cursos para profissionais da construção civil.

Não existe qualquer cariz privado nas despesas de representação, sendo objetiva e integralmente empresariais.

Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação do referido despacho de indeferimento do pedido de revisão, de 30 de março de 2016, e a consequente anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2013…, de 16 de maio de 2013, relativo ao exercício de 2012, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…), com o consequente reembolso do montante de 69 171,47 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT. 

 

 

3.2 Da Requerida

Defendendo-se, por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

A Requerida, na sua resposta, deixa claro o entendimento segundo o qual as normas que estabelecem tributações autónomas são indubitavelmente normas de incidência tributária, não consagrando nenhuma presunção cuja prova em contrário possa ser admitida.

Na origem das tributações autónomas sobre as viaturas e as despesas de representação não subjaz a presunção de não empresarialidade integral dos gastos, já que se eles não se inscrevessem no interesse geral da empresa não seria sequer aceite a sua dedutibilidade, por falta de preenchimento do requisito da indispensabilidade a que se refere o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

As normas que estabelecem a tributação autónoma de determinadas realidades resultam de uma ponderação legislativa de vários fatores, como sejam a virtual impossibilidade de aferição da natureza de cada despesa em concreto e a dificuldade de se aquilatar com segurança da verdadeira finalidade do gasto e da exclusividade dessa finalidade.

As tributações autónomas são impostos, que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas, não devendo ser minimizada a pretensão desincentivadora e de modelação de comportamentos que assiste também ao Direito Fiscal.

Admitir à Requerente a prova da alegada empresarialidade integral dos gastos que autorizam as tributações autónomas constitui uma violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração, e do princípio da igualdade na vertente fiscal, que decorrem do disposto nos artigos 13.º e 103.º da Lei Fundamental.

Acresce que não poderá ter-se por suficiente a mera prova testemunhal, quando a possibilidade que a lei prevê para o contribuinte se eximir à imposição fiscal em causa é de natureza documental.

Por último, entende a Requerida não serem devidos juros indemnizatórios por não haver qualquer erro imputável aos serviços.

Pelo que, não merecendo censura o ato tributário impugnado pela Requerente, deve o mesmo permanecer válido na ordem jurídica.

 

 

 

4.Fundamentação

 4.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

4.1.1 A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, do tipo “sociedade anónima”, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, entre outras, a atividade de comercialização de produtos químicos para construção.

 

4.1.2 Em 16-05-2013, a Requerente procedeu à entrega da correspondente declaração de rendimentos (Modelo 22 de IRC), prevista nos artigos 117.º, n.º 1, alínea b) e 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), relativa ao exercício de 2012, cfr. doc. 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

4.1.3 A liquidação foi efetuada pela sociedade declarante (autoliquidação), de harmonia com o disposto na alínea a) do artigo 89.º do CIRC, tendo apurado prejuízo para efeitos fiscais, no montante de 17 640,79 €, que fez constar do campo 777, quadro 07, da declaração.

 

4.1.4 No campo 365 do quadro 10 fez constar o montante de 69 171,47 €, relativo a tributações autónomas, das quais:

·         64 096,39 €, correspondem a gastos com viaturas ligeiras de passageiros; e

·            5 075,08 €, correspondem a gastos com despesas de representação.

 

4.1.5 Nos campos 420, 421 e 414 do quadro 11, foram inscritos os montantes dos referidos gastos que serviram de base às tributações autónomas, detalhadas como segue:

 

 

Encargos efetuados ou suportados

Cam-pos

Montantes

Taxas

Tributações autónomas

Legislação (CIRC) em vigor à data dos factos

Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC  

420

300 959,54 €

10% + 10%

60 191,91 €

Art. 88.º/3 e 14

Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC    

421

13 014,93 €

20% + 10%

3 904,48 €

Art. 88.º/4 e 14

Despesas de representação

414

25 375,41 €

10% + 10%

5 075,08 €

Art. 88.º/7 e 14

SOMA -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

69 171,47 €

-----------------------------

 

4.1.6 Resultando a liquidação n.º 2013…, de 16 de maio de 2013, no montante de 69 155,06 €, impugnada nos presentes autos quanto às tributações autónomas, no montante de 69 171,47 €, cfr. doc. 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

4.1.7 Em 16 de setembro de 2015, a Requerente solicitou a revisão oficiosa do ato tributário supra, nos termos da alínea c), n.º 1 do artigo 54.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, na redação em vigor à data, com as consequências legais, designadamente a restituição do montante de 69 171,47 €, cfr. processo administrativo (PA) junto aos autos.

 

4.1.8 Por despacho da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, da Autoridade Tributária e Aduaneira, em regime de substituição, de 24 de fevereiro de 2016, proferido no processo n.º …2015… respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), foi projetado o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quanto à questão de mérito, sendo a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, se pronunciar, querendo, nos termos do artigo 60.º da LGT, cfr. doc. 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral e doc. n.º 11 do PA.

 

4.1.9 Direito esse que a Requerente optou por não exercer, pelo que, por despacho de 30 de março de 2016 da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, da Autoridade Tributária e Aduaneira, por subdelegação de competências, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, cfr. doc. n.º 11 do PA.

 

4.1.10 O qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º … da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de…, de 08-04-2016, registado com aviso de receção (registo n.º RD … PT) assinado em 11-04-2016, pelo que, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, se considera notificada nessa data, cfr. doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e doc. n.º 11 do PA.

 

4.1.11 Do projeto de indeferimento do pedido de revisão do ato ora impugnado, posteriormente convolado em definitivo, constam, entre outros, os seguintes fundamentos (cfr. doc. n.º 11 do PA):

a) “Tendo a requerente relevado na sua contabilidade e deduzido para efeitos fiscais certos gastos relativos a despesas suportadas com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, veio a tributar autonomamente tais despesas, e fê-lo – como se subsume face à sua exposição – nos exatos termos previstos no quadro normativo que regula a aplicação de TA”, cfr. xvi, pág. 7.

b) “Ou seja, encontrando-se identificados os factos objeto de tributação nos termos previstos na correspondente norma de incidência, terá de se concluir pela inexistência de qualquer erro de facto ou de direito”, cfr. xvii, pág. 7.

c) “Consequentemente, não ocorre qualquer ilegalidade susceptível de ser imputada ao ato de liquidação ora sindicado”, cfr. xxi, pág. 7.

d) “Importa desde já salientar que a natureza de empresarialidade dos gastos é uma questão que se coloca relativamente à dedutibilidade dos mesmos para a determinação do lucro tributável e não em sede de incidência de TA, conforme supra já ficou bem patenteado”, cfr. xxix, pág. 8.

e) “Não colhe, por isso, a tese vinculada pela requerente de que só existirá lugar a TA se e quando não for provado esse carácter de empresarialidade porquanto, face à formulação da norma, não é possível sufragar tal interpretação, nem tão pouco se alcança que tenha sido essa a pretensão do próprio legislador”, cfr. xxxviii, pág. 9.

f) “A sujeição a TA coloca-se relativamente a todas as despesas tipificadas nas normas de incidência, com carácter geral, não se colocando, portanto, a questão de saber se têm ou não carácter de empresarialidade pois quanto a esse aferimento o legislador apenas o exige para a dedutibilidade dos gastos na determinação do lucro tributável”, cfr. xxxix, pág. 9.

 

4.1.12 As vinte e duas viaturas a que se referem os gastos discriminados no ponto 4.1.5, no montante global de 313 974,47 € (campos 420 e 421, quadro 11, da declaração modelo 22), são utilizadas por catorze técnicos comerciais, um técnico de assistência técnica, um administrativo responsável backoffice comercial, cinco diretores e um diretor-geral, todos colaboradores da Requerente, cujas funções têm ínsitas atividades de comercialização, publicitação e apresentação dos seus produtos, cfr. doc. 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cfr. doc. 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

4.1.13 O ramo de atividade da Requerente implica a permanente deslocação de meios e pessoas aos mais diversos pontos do País.

 

4.1.14 O sector da construção civil não se encontra circunscrito a uma determinada região geográfica.

 

4.1.15 O fornecimento de produtos de construção para obras que se realizam de norte a sul do País implica permanentes deslocações por parte dos trabalhadores da Requerente aos mais variados locais de construção.

 

4.1.16 As deslocações relacionam-se com o fornecimento e a entrega de materiais, e com o propósito de publicitar e divulgar a marca «… » bem como procurar apresentar as soluções mais adequadas para cada tipo de construções.

 

4.1.17 As funções dos colaboradores referidos implicam a deslocação a clientes para efeitos de divulgação da marca e venda dos seus produtos, sendo que, de outra forma, não seria possível o desempenho de tais funções com a mesma eficiência nem com a mesma eficácia.

 

4.1.18 A utilização de transportes públicos implicaria uma perda de flexibilidade bem como a perda de tempo, resultando na diminuição da sua eficiência comercial e das vendas associadas.

 

4.1.19 A deslocação, por meio de táxi, de um qualquer colaborador comercial representaria um custo de estrutura muito superior, quando comparado com a utilização de viatura da Requerente.

 

4.1.20 As prestações de serviços de assistência técnica implicam regulares deslocações a clientes e/ou a obras realizadas por estes.

 

4.1.21 No que se refere aos diretores as suas funções implicam deslocações com bastante assiduidade a clientes, nomeadamente devido a reuniões externas frequentes no âmbito das suas funções correntes de representantes.

 

4.1.22 É prática do sector de atividade da Requerente a atribuição de viaturas aos diretores.

 

4.1.23 O setor da construção civil foi dos mais afetado pela crise financeira que se iniciou em 2008, com repercussões no desempenho da Requerente, face à sua atividade no fabrico e comercialização de materiais de impermeabilização, isolamentos térmicos e pavimentos, entre outros.

 

4.1.24 As necessidades de promoção e publicidade da marca e dos produtos comercializados pela Requerente acentuaram-se nos anos que se seguiram à referida crise.

 

4.1.25 Os colaboradores comerciais da Requerente, a quem cabiam deslocações a clientes, a potenciais clientes ou a locais de realização de eventos, tinham necessidade de usufruir de viaturas, dado que os seus produtos e o material destinado à realização de eventos são em elevado número.

 

4.1.26 Os colaboradores da Requerente promovem a marca «… » e contactam clientes e potenciais clientes que se localizam nas mais variadas zonas geográficas do País.

 

4.1.27 A Requerente tinha clientes com obras de construção civil a decorrer em todo o país, sendo que o acompanhamento dos referidos clientes e das correspondentes obras de construção era essencial para a relação de proximidade cliente-fornecedor.

 

4.1.28 São sujeitas a tributação autónoma os seguintes encargos com viaturas ligeiras de passageiros ao serviço da Requerente: renda dos respetivos alugueres operacionais (renting); seguros; combustíveis e portagens (depoimento da testemunha e art.º 35.º das alegações apresentadas pela Requerente).

 

4.1.29 A Requerente controla os quilómetros, combustíveis e portagens das viaturas ao seu serviço e todos os encargos que a Requerente detete não terem uma causa empresarial não são por ela suportados, sendo debitados aos colaboradores em causa (depoimento da testemunha e Conclusão XIII das alegações apresentadas pela Requerente).

 

4.1.30 As condições de utilização das viaturas foram comunicadas aos colaboradores e são deles conhecidas (depoimento da testemunha e art.º 44.º das alegações apresentadas pela Requerente).

 

4.1.31 Os colaboradores a quem são entregues as viaturas que a Requerente tem ao seu serviço podem (no sentido em que pode dar-se o caso de que o façam) usá-las para fins não empresariais, nas férias, feriados e fins-de-semana e, por maioria de razão, em dias úteis em que tenham estado a trabalhar, sem prejuízo de, sempre que isso seja detetado lhes serem imputadas as despesas de combustíveis e portagens tidas por não empresariais (depoimento da testemunha e art.º 43.º das alegações apresentadas pela Requerente).

 

4.1.32 As despesas de representação, no montante de 25 375,41 €, inscritas no campo 414, quadro 11, da declaração modelo 22, encontram-se contabilizadas na conta SMC  … do Código de Contas, aprovado pelo artigo 1.º da Portaria n.º 1011/2009, de 09 de setembro, cfr. doc. 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

4.1.33 Estas despesas inserem-se na estratégia comunicacional e de marketing previamente definido e calendarizado pelo Grupo internacional onde a ora Requerente se insere.

 

4.1.34 Os objetivos finais de tais estratégias destinam-se a potenciar o contacto entre as marcas e o público, angariar clientes e realizar vendas.

 

4.1.35 A realização de eventos promocionais visam a promoção dos produtos da Requerente junto de clientes e potenciais clientes, na expetativa de surgirem benefícios económicos futuros.

 

4.1.36 As despesas de representação respeitam ao arrendamento de espaços para eventos, encargos com despesas de publicidade bem como despesas com catering dos referidos eventos.

 

4.1.37 A Requerente promoveu a realização de diversos seminários e cursos para profissionais da construção civil e áreas conexas bem como a participação em diversas feiras do sector, designadamente:

·         « … », 14.ª edição: Seminário técnico dedicado ao tema do isolamento térmico pelo exterior, bem como conferências e workshops, a realizar na … (…), em Lisboa, de … a 12 de … de 2012, cfr. doc. 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral; e

·         «…» a decorrer de 25 a …  de … de 2012 na …, em Angola, cfr. doc. 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

4.1.38 A Requerente participou em eventos promocionais, como a «…», 5.ª edição, na categoria de arquitetura, construção, engenharia e imobiliário, a realizar em setembro de 2012, cfr. doc. 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

  

4.1.39 Tais eventos foram importantes para a difusão da marca da Requerente, para adaptar os produtos às preferências dos clientes, e como forma de conseguir futuros clientes e de posicionamento face à concorrência, e a participação naqueles visou o crescimento da marca e das vendas da Requerente.

 

 

4.2 Factos não provados

1. Que as despesas com as viaturas usadas pelos colaboradores (exceto diretores) para fins não empresariais (artigos 4.1.29 e 4.1.31), nomeadamente rendas dos alugueres operacionais (renting), seguros, impostos, revisões, reparações, manutenção e outras despesas, não foram suportadas pela Requerente.

2. Que as despesas com as viaturas usadas pelos diretores para fins não empresariais (artigo 4.1.22) não foram suportadas pela Requerente.

3. Que as despesas de representação correspondam, quanto ao seu montante de 25 375,41 €, às referidas nos pontos 4.1.33 a 4.1.38 da matéria de facto provada.

4.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nas posições assumidas pelas Partes e no depoimento da testemunha B…, contabilista certificado e diretor financeiro da Requerente, quanto aos factos constantes dos pontos 4.1.12 a 4.1.31 e 4.1.33 a 4.1.39.

A testemunha demonstrou conhecimento acerca da matéria em discussão nos presentes autos, revelando-se o seu depoimento esclarecido, assertivo, consistente e espontâneo, resultado de um discurso fluido e sem dificuldades de recordar, expressar e contextualizar os factos afirmados, tendo reconhecido que não estava afastada a possibilidade de utilização pessoal das viaturas em causa, sendo efetuado um controlo da utilização das mesmas no que se refere, apenas, aos combustíveis e às portagens. Os diretores estavam excluídos desse controlo.

Pelo facto dos comerciais, técnicos e diretores, levarem as viaturas da empresa para o fim-de-semana, em vez de as deixarem parqueadas na empresa, só por si, já implica uma utilização em proveito pessoal, a menos que essas despesas associadas às deslocações particulares, nomeadamente rendas dos alugueres operacionais (renting), seguros, impostos, revisões, reparações, manutenção e outras despesas, e excluídas as respeitantes a combustíveis e portagens, fossem debitadas e deduzidas às remunerações auferidas na devida proporção do uso das viaturas a título pessoal. Contudo, não havia um controlo rigoroso e sistemático, apoiado em boletins de itinerário e mapas de quilómetros, pelo que tal acerto de contas torna-se impraticável.

Relativamente às despesas de representação, decorreu também da prova testemunhal que as mesmas incluíam não só aquelas que constam dos factos provados, que corresponderiam a cerca de 50% do valor suportado com aquelas, como outras, designadamente almoços com clientes.

 

 

 

5. Matéria de Direito (fundamentação)

A questão controvertida, que constitui o thema decidendum, reside em saber, em primeiro lugar, se as normas em que assentas as tributações autónomas que a Requerente contesta têm subjacente uma presunção; se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidi-la; e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.

 

São as seguintes as questões a apreciar:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e 

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

5.1 Da (i)legalidade da liquidação impugnada

Quanto à natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC, transcrevemos um excerto da decisão arbitral proferida no Processo n.º 785/2015, de 09-08-2016, do CAAD, com a qual concordamos:

“(…) Há que recuar ao ano de 1990 para encontrar a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma e que ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»

Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.

Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social”.

Saldanha Sanches[1], a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC (atual artigo 88.º, n.ºs 3 e 4), escreveu o seguinte: “(...)Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40 000 (artigo 81.º, n.º 4).

Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação (...)” (sublinhado nosso).

 

À data dos factos (exercício de 2012) era a seguinte a redação do artigo 88.º, n.ºs 3 a 7 e 14 do CIRC:

“3 São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

4 São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.

5 Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

7 São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

14 As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores”.

 

Porque a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objeto do acórdão arbitral, aliás douto, proferido no Processo n.º 309/2016-T, de 16-01-2017, que subscrevemos na íntegra, passamos à transcrição do seguinte excerto:

“(…) Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:

·      Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);

·      Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);

·      Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).

Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.

A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[2], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.

Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo directamente incidente sobre a despesa, concluirá que as normas sob interpretação, do artigo 81.º, números 3/a) e 7 do CIRC vigente à data do facto tributário (atual artigo 88.º, n.ºs 3, 4 e 7), não integrarão qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.

Não se considera, todavia, que seja esse o entendimento mais correcto, entendendo-se, antes, que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido”, incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente, e/ou tributa-los autonomamente.

Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC (revogado pelo artigo 13 da Lei n.º 2/2014, de 16-01), que dispõe que:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”.

Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.

Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.

O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objectivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.

Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redacção, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).

Reconhecem-se aqui, assim, aquelas características que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

 

Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.

Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “antisistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.

*

Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com tal dificuldade (note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer), o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC (a discricionariedade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades offshore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente)”.

 

Pelo exposto entende o Tribunal Arbitral que o artigo 88.º do CIRC, nomeadamente os n.ºs 3, 4 e 7, encerra em si uma presunção implícita de empresarialidade parcial, a qual, como todas as presunções em matéria de incidência tributária, admite prova em contrário, conforme o disposto no artigo 73.º da LGT, que preceitua: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:

“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”

E ainda que se tratasse de uma presunção iuris et de iure, e como tal inilidível, seria sempre suscetível de ilisão, por força do referido artigo 73.º da LGT.

Assim, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada nos artigos 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Retomando a transcrição que vínhamos fazendo do acórdão arbitral proferido no processo n.º 309/2016-T:

“(…) Note-se aqui, até em função de alguma confusão que parece grassar, que a empresarialidade integral de que se fala aqui não se identifica com a empresarialidade a que se reporta o artigo 23.º do CIRC. Antes, o preenchimento dos requisitos do artigo 23.º do CIRC, relativamente aos gastos em questão, são pressuposto da própria tributação autónoma.

Com efeito, ao exigir que sejam dedutíveis “os encargos (...) relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos” para os sujeitar a tributação autónoma, naturalmente que o legislador está a remeter para o critério geral do artigo 23.º do CIRC, como requisito para que opere a tributação autónoma em causa.

Daí que, desde logo a “empresarialidade” (parcial) presumida pelas tributações autónomas em questão seja especial, em relação à empresarialidade do artigo 23.º, que pressupõem.

Dito de outro modo, e explicitando a articulação normativa entre os regimes em causa, de uma forma geral e como regra, o preenchimento dos critérios do artigo 23.º do CIRC conferem ao contribuinte o direito de deduzir integralmente ao lucro tributável os gastos correspondentes.

Todavia, relativamente aos gastos sujeitos a tributação autónoma, ora em causa, tal direito fica onerado com a obrigação de arcar com as correspondentes tributações autónomas, no fundo porquanto o legislador, como se viu atrás, entende que, no quadro da normalidade, que está também subjacente ao regime do artigo 23.º do CIRC, tais gastos se revestem de características especiais, que indiciam uma empresarialidade não integral, ao contrário do que acontece com a generalidade dos gastos que preencham os pressupostos do referido artigo 23.º do CIRC.

Daí que, em ordem a justificar a não incidência de tributação autónoma sobre os gastos em causa, o contribuinte haja, não de ensaiar a demonstração da verificação dos pressupostos daquele artigo 23.º, mas, antes, demonstrar para lá de qualquer dúvida razoável que, em concreto, as despesas do género em questão, que pretende deduzir integralmente sem sujeitar a tributação autónoma, tiveram uma afectação exclusivamente empresarial.

O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.

Não se subscreve assim, pelo contrário, o entendimento arguido pela AT, segundo o qual a interpretação em questão será materialmente inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP.

Com efeito, inconstitucional será, salvo melhor opinião e o devido respeito, a interpretação segundo a qual estarão oneradas com tributação autónoma os gastos dedutíveis comprovadamente suportados no exclusivo interesse da empresa, já que tal, para além de integrar uma tributação sem qualquer fundamento na capacidade contributiva real, transformaria as tributações autónomas em causa num imposto exclusivamente incidente sobre a despesa (e não, sequer indirectamente, sobre o rendimento), e geraria uma situação de desigualdade efectiva, entre os contribuintes que podem retirar dos gastos em questão utilidades privadas, e aqueles que, por força da natureza da sua actividade, efectiva e demonstradamente afectam integralmente tais gastos a finalidades empresariais (por especialmente expressiva nesse aspecto, remete-se aqui, novamente para a situação sub judice no processo 628/2014-T, do CAAD, já citado)”.

 

No mesmo sentido podem-se ver-se, além das decisões arbitrais do CAAD proferidas nos referidos processos n.ºs 309/2016-T e 628/2014-T, as prolatadas nos processos 198/2016-T, 51/2016-T e 719/2015-T.

 

*

 

Cumpre agora aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 88.º, n.ºs 3, 4 e 7 do CIRC, na redação vigente à data do facto tributário, foi, ou não, ilidida.

Antes de mais diga-se que a prova testemunhal é admitida por regra, somente assim não acontecendo quando o facto em causa estiver provado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena, ou quando o mesmo facto, por disposição da lei ou estipulação das partes somente possa ser provado por documento (cfr. artigos 392.º e 393.º do Código Civil). No processo judicial tributário, em face da regra da admissibilidade de todos os meios gerais de prova (cfr. artigo 115.º, nº.1, do C.P.P.T.), quando não existir na lei especial exigência sobre determinado tipo de meio de prova (e.g. documental), os interessados podem servir-se de qualquer meio legal de prova previsto no direito probatório material.

 

Dos gastos relativos a encargos com viaturas ligeiras de passageiros -

Da prova testemunhal produzida verificou-se que as vinte e duas viaturas, sendo instrumentos de trabalho dos colaboradores da Requerente, a quem são confiadas, podem ser usadas pelos mesmos para fins pessoais, nomeadamente, durante as férias, feriados e fins-de-semana. Contudo, quando a Requerente deteta o uso das viaturas para fins não empresariais, as despesas com combustíveis e portagens, e somente estas, não são suportadas pela Requerente, sendo antes imputadas ao colaborador em causa.

Porém deste controlo não fazem parte as viaturas usadas pelos diretores para fins não empresariais, em número de seis, cujas despesas são sempre suportadas pela Requerente, mesmo as respeitantes a combustíveis e portagens, como antes se referiu.

No entanto além destas despesas temos que considerar outras, como as rendas dos alugueres operacionais, seguros, impostos, revisões, manutenções e reparações, que são suportadas exclusivamente pela Requerente e não pelos utilizadores das viaturas.

Como é bom de ver, a partição destes custos, distinguindo neles a fração que deve considerar-se empresarial da que reveste natureza extraempresarial é, no mínimo, impraticável, se não mesmo praticamente impossível.

Face a todo o exposto, forçoso é julgar que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de ilidir a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, pelo que deve, nesta parte, o pedido arbitral improceder.

 

 

Dos gastos relativos a despesas de representação -

Relativamente às despesas de representação, decorreu também da prova testemunhal que as mesmas se referem também, mas não exclusivamente, às finalidades constantes dos pontos 4.1.33 a 4.1.39 dos factos dados como provados.

Não se provou, assim, resultando o contrário da prova testemunhal, que o montante de gastos que a Requerente pretende sejam subtraídos à tributação autónoma dissessem exclusivamente respeito às finalidades ali referidas, em termos de se poder considerar demonstrado, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não incluindo outros que facultem aos seus colaboradores, órgãos sociais, sócios ou terceiros benefícios para efeitos pessoais.

Neste contexto, conclui-se, então, que não será de considerar ilidida a presunção do artigo 88.º/7 do CIRC, vigente à data do facto tributário, pelo que, não se demonstrando que os gastos sobre os quais incidiu a tributação autónoma em questão tiveram uma afetação 100% empresarial, não poderão as mesmas deixar de ser objeto de incidência daquela tributação.

Face ao exposto, deverá, também na parte em causa, a presente ação arbitral ser julgada improcedente e, consequentemente, mantido o ato tributário objeto do presente processo.

 

 

5.2 Do pedido de juros indemnizatórios -

Estando este pedido dependente da procedência do pedido anterior, improcedendo aquele, improcede também este, não havendo qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

***

 

 

 

6. Decisão

Em face do exposto, decide-se:

 

a) Julgar improcedente o pedido de anulação do despacho da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, da Autoridade Tributária e Aduaneira, por subdelegação de competências, de 30 de março de 2016, proferido no processo n.º …2015…respeitante ao procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, mantendo-o na ordem jurídica;

 

b) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2013…, de 16 de maio de 2013, relativo ao exercício de 2012, resultante da autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 (declaração n.º…);

 

c) Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de 69 171,47 € e, consequentemente, prejudicado o direito a juros indemnizatórios; e

 

d) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo arbitral, no montante de 2 448,00 €, cfr. n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

7. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de 69 171,47 €.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 448,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

            Lisboa, 13 de abril de 2017.

 

O Árbitro Presidente  [3],

 

(José Poças Falcão)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

O Árbitro Adjunto[4],

 

 

(Luís Alberto Ferreira Alves)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto do presidente do Tribunal, José Poças Falcão:

 

Votei a decisão de improcedência total do pedido. Entendo, no entanto, que o artigo 88º, do CIRC [redação dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12], não contém presunções ilidíveis por aplicação do artigo 73º da LGT. Trata-se antes de uma norma que, tendo subjacente um juízo presuntivo da dificuldade de controlo rigoroso de certos gastos, opta por tipificar situações de aplicação de tributação autónoma, traduzidas, na prática, na redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria coletável.

 

Assim é que, v. g., na origem das tributações autónomas sobre as viaturas e as despesas de representação não subjaz a presunção de não empresarialidade integral dos gastos, já que se eles não se inscrevessem no interesse geral da empresa não seria sequer aceite a sua dedutibilidade, por falta de preenchimento do requisito da indispensabilidade a que se refere o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

 

Assinale-se que as normas que estabelecem a tributação autónoma de determinadas realidades resultam de uma ponderação legislativa de vários fatores, como sejam a virtual impossibilidade de aferição da natureza de cada despesa em concreto e a dificuldade de se aquilatar com segurança da verdadeira finalidade do gasto e da exclusividade dessa finalidade.

As tributações autónomas são impostos, que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas, não devendo ser minimizada a pretensão desincentivadora e de modelação de comportamentos que assiste também ao Direito Fiscal.

Assim é que não admitiria a prova da empresarialidade, integral ou parcial, dos gastos que autorizam as tributações autónomas por tal implicar, em meu entender, uma violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração, e do princípio da igualdade na vertente fiscal, que decorrem do disposto nos artigos 13.º e 103.º da Constituição.

 

13 de Abril de 2017

 

 

Declaração de voto do árbitro-adjunto, Luís alberto Ferreira Alves:

 

    Votei a decisão de improcedência total do pedido, dissentindo, apenas, quanto à inexistência de presunção nas despesas de representação, tal como previstas e definidas no nº7 do artigo 88º, do CIRC [redação dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12], i.e., considerando como “despesas de representação, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

    Com efeito e em abstrato, assumir a possibilidade de ilisão da presunção do carater parcial de empresarialidade, no que concerne às referidas despesas de representação (entendidas, estas, num sentido tão lato que suscita a questão de fundo, que é a de saber, para além daquelas que outras poderão existir?, designadamente, quando o seu carater de empresarialidade tenha sido já confirmado pela prévia triagem decorrente da aplicação do artº 23ºdo CIRC, e como tal assumido, tanto pela Requerente, quanto pela Requerida), não pode deixar de afigurar-se-me, na prática, no redundar obrigatório de uma realidade que ficará confinada a um conjunto vazio. E, a ser assim, decerto, o contido no nº 7 doa artº 88 do CIRC, revelar-se-me-ia plenamente destituído de qualquer senso lógico e prático, cujo vício me impede conceber estar-lhe subjacente.

13-4-2017

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].

 



[1] Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407

[2] Processos n.ºs 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292/2013-T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T

[3] Que apresenta a declaração de voto infra.

[4] Que apresenta a declaração de voto infra.