Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. Sérgio Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-12-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, pessoa colectiva n.º … com sede na …, n.º …, … –… Lisboa, doravante designada por “A…” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o “Grupo Fiscal B…”) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao exercício 2013 e a ilegalidade parcial desta autoliquidação na parte que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 234.266,89, com a sua consequente anulação nesta parte, por não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, a saber, do benefício fiscal apurado no âmbito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).
A Requerente pede ainda o reembolso desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 127.101,49, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos remanescentes € 107.165,40.
Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso do montante de € 413.661,58 e o pagamento de juros indemnizatórios contados desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 127.101,49, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos remanescentes € 286.560,09.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-10-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 30-11-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-12-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada para responder, através de correio electrónico enviado em 19-12-2016, que foi recebido, mas não apresentou resposta no prazo de 30 dias previsto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, nem apresentou processo administrativo.
Por despacho de 10-02-2017, foi decidido dispensar a realização de reunião e alegações.
A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, em 14-20-2017, requerer um novo prazo, sugerindo 5 dias, para apresentação da Resposta e do processo administrativo e dizer que não prescindia de reunião e alegações.
Por despacho de 15-02-2017, foi indeferido o requerido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelas seguintes razões, em suma:
– quanto à fixação de novo prazo para Resposta, por falta de fundamento legal, designadamente por não ocorrer uma situação de justo impedimento;
– no que concerne à realização de reunião, por ela ter lugar «apresentada a resposta», o que não se verificou, e não haver necessidade de a realizar, designadamente por não ter sido requerida prova testemunhal;
– no que respeita às alegações, por se considerarem desnecessárias quando não é apresentada resposta nem produzida prova, sem sintonia com o preceituado no artigo 113.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
O Tribunal Arbitral é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
·
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente entregou no dia 30-05-2014, a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, relativa ao grupo fiscal de que é sociedade dominante (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) O montante de CFEI disponível para utilização no final do exercício de 2013 ascendia a € 1.032.352,20 (documento n.º 1, anexo D, e documento n.º 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
c) No final do exercício de 2014, a Requerente tinha disponível para utilização o montante de € 1.036.682,13 (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
d) No final do exercício de 2015, a Requerente tinha disponível para utilização o montante de € 1.036.682,13 (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) O sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permite deduzir os montantes do CFEI à colecta de IRC derivada de tributações autónomas;
f) No exercício de 2013, o lucro tributável do grupo fiscal da Requerente não foi apurado por métodos indirectos (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) Em 11-03-2014, e 22-05-2014, a Requerente tinha a sua situação tributária regularizada, perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (documentos com o n.º 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
h) Em 25-02-2014 e 03-04-2014, a Requerente tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (documentos com o n.º 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
i) Em 21-03-2014, a C… SA, tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (documento com o n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) Em 12-02-2014 e 19-05-2014, a D…, SA, tinha a sua situação tributária regularizada, perante a Segurança Social (documento com o n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
k) Em 20-03-2014 e 30-04-2014, a E… SA, tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (documento com o n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) Em 02-01-2014 e 22-04-2014, a E… SA, tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (documento com o n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
m) A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao exercício de 2013 do grupo de que é sociedade dominante;
n) Através do ofício n.º…, de 16-06-2016, a Requerente foi notificada para exercício o direito de audição em relação ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte, na Informação n.º …-… /2016:
§ II. DO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
Constitui objeto desta nossa informação, nos termos requeridos, o pedido de anulação parcial do referido ato tributário de "autoliquidação" de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, então fundamentado na avaliação direta10 efetuada pela própria Contribuinte, aqui Reclamante, conforme sua declaração submetida nos termos dos art.º 117.º e seguintes do CIRC.
Para fundamentar o pedido de anulação sub juditio, a Contribuinte, ora Reclamante, alega, em suma, que o mencionado ato tributário, aqui em contenda, na parte respeitante à tribulação autónoma, se encontra praticado sob vicio material, de lei, conforme melhor argumentado na sua petição inicial constante dos autos, a qual, para os devidos efeitos, se dá aqui como integralmente reproduzida para os termos e efeitos tidos por convenientes.
Pelo que,
Em seu entender, deve o mesmo ser anulado pela importância ora contestada, de acordo com o preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), por sua vez conjugado com o determinado pelo artº 100.º da LGT.
(...)
12. Desta declaração de substituição resultou a liquidação n.º 2014…, de 18 de junho de 2014, na qual estava inscrito o valor de € 413.661,58 (quatrocentos e treze mil, seiscentos e sessenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos) correspondente a tributações autónomas.
13. A Contribuinte, aqui Reclamante, alega que o crédito de imposto a título de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento ("CFEI") ascende a € 1.032.352,20 (um milhão, trinta e dois mil, trezentos e cinquenta e dois euros e vinte cêntimos), o qual não foi utilizado para dedução por insuficiência da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, e por este motivo pretende deduzi-lo ao montante apurado em sede de tributação autónoma,
14. Através do n.º 1 do art.º 3.º, o diploma que introduz o CFEI dispõe que o benefício fiscal atribuído corresponde uma dedução à coleta de IRC, estando em conformidade com o disposto no art.º 90.º, do CIRC.
15. Assim, uma vez que a Contribuinte, ora Reclamante, considera que o imposto apurado em sede de tributação autónoma integra a coleta apurada no âmbito do IRC, assumindo a mesma natureza, a dedução do benefício fiscal àquele montante torna-se numa operação legalmente permitida.
16. De modo a fazer prevalecer o seu ponto de vista, a Contribuinte, aqui Reclamante, socorre-se de jurisprudência proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa ("CAAD").
§ IV.II.I.II. Da apreciação
17. Nesta parte o thema decidendum gira em torno de conhecer se à coleta de tributação autónoma podem ser deduzidas quantias respeitantes a benefícios fiscais, maxime o CFEI.
18. Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão, que, a este título, e com natureza interpretativa, veio o art.º 133.ºda Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterar a redação do art.º 88.º do CIRC, esclarecendo que à coleta de tributação autónoma não são efetuadas quaisquer deduções.
19. Se dúvidas haviam, ficam, então, perentoriamente esclarecidas no sentido em que não pode ser promovida qualquer dedução nos termos a que alude a Contribuinte, ora Reclamante.
20. Não tem portanto qualquer razão a Contribuinte, aqui Reclamante.
Sem prescindir,
21. Começamos por determinar qual a natureza da tributação autónoma uma vez que a Contribuinte, ora Reclamante, argumenta que esta é parte integrante da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC), sendo, portanto, passível de dedução dos benefícios fiscais nos termos do art." 90.º do CIRC.
22. Os tributos públicos são tradicionalmente divididos em três categorias: os impostos, as taxas e as contribuições, sendo que os primeiros são desde logo caraterizados pela sua natureza unilateral, servindo o propósito de angariação de receita.
23. Admite-se que possam igualmente servir propósitos de ordenação social e orientação de comportamentos, ainda que de forma indireta, como é o caso da tributação autónoma uma vez que é exigida sem qualquer contrapartida.
24. Ao incidir sobre factos que assumem a natureza de "despesa" e não de "rendimento", revela uma certa independência material em relação ao imposto sobre o rendimento (em sentido estrito), sendo, aliás, apurada de forma autónoma, pouco importando se apresenta ou não rendimento tributável no fim do período, salvo no que respeita ao agravamento de taxa nas situações em que as despesas são incorridas.
25. A sua inserção no CIRC deveu-se sobretudo a questões de simplificação, já que ao seu apuramento estão subjacentes despesas que contribuem para determinação do imposto a pagar no final do período.
26. Com esta tipologia, sublinhadamente antiabuso e intencional de combate à fraude e evasão fiscais ancorado no princípio da capacidade contributiva (por conexão com o princípio da tributação do rendimento real das empresas), o legislador fiscal procurou promover, tanto quanto possível, a redução do uso dessas despesas que afetam de maneira negativa a coleta e, consequentemente, a receita fiscal em sede de impostos sobre o rendimento.
27. Ao invés do que sucede ao nível da intrínseca cédula de IRC, a tributação autónoma de despesas e encargos, por seu turno, mais não é do que uma realidade instrumental e acessória à obtenção do resultado daquele imposto sobre o rendimento, na justa medida em que foi em função (e proteção) do mesmo que se deu azo à conceção da tributação autónoma e em que, contas feitas, se radica a sua própria raison d’être.
Continuando:
28. A tributação autónoma busca a sua incidência objetiva em despesas e encargos e não em rendimentos (da entidade onerada), distanciando-se, por isso, do IRC em sentido estrito, embora, esteja instrumental e universalmente ligada a este meramente para efeitos de caráter operacional e funcional.
29. Como traço revelador dessa nuance sublinhamos a mudança legislativa concretizada na atual alínea a) do n.º 1 do atual art.º 23.º-A do CIRC, onde, reforçando a posição aqui defendida, se acrescentou a expressão "incluindo as tributações autónomas", o que equivale a dizer por outras palavras que, por um lado, a tributação autónoma íntegra o imposto principal em sentido lato, mas, por outro, é distinta daquele em sentido estrito.
30. Outro exemplo: no art.º 12 º, do mesmo código, desde logo é aí realçada a relação de "operacionalidade" e de "funcionalidade" entre a tributação do rendimento e a tributação autónoma de certas despesas ou encargos, sem prejuízo de reiterar a distância entre essas mesmas figuras.
Nestes termos,
31. Conforme resulta dos termos expressos na sua própria petição inicial, a Contribuinte, ora Reclamante, contesta parcialmente o ato tributário de "liquidação" e, em consequência, requer então que as importâncias que lhe cabem como "crédito de imposto por força do aproveitamento do benefício fiscal respeitante ao CFEI sejam por sua vez deduzidas à coleta que é então determinada e apurada por via da tributação autónoma de algumas determinadas despesas e encargos.
32. Justamente porque é nosso entendimento que a coleta apurada em sede de tributação autónoma não pode – nem deve – ser confundida com a coleta que resulta no estrito âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o argumento da Contribuinte, ora Reclamante, não pode ser procedente.
33. No que concerne à tributação autónoma prevista no art.º 88.º, do CIRC, facilmente se vê que esta é apurada de forma distinta e autónoma face ao processamento do IRC em sentido estrito, à luz do preceituado no art.º 90.º do mesmo código, sendo este inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação de determinadas das despesas como sucede no plano da tributação autónoma.
34. Embora ambos se encontrem inseridos no apuramento ao nível do âmbito mais lato da tributação das empresas, constituem, contudo, consabido, procedimentos manifestamente distintos e individualizados, pois um diz respeito à estrita coleta de IRC, e o outro à coleta em sede de tributação autónoma.
35. Não se pode olvidar o espírito que presidiu à estatuição da tributação autónoma e dos benefícios fiscais, realidades distintas e com interesses imediatos e mediatos igualmente díspares a ponto de impedirem a sua respetiva convergência, sobretudo no que tange à dedução à primeira da importância respeitante a estes últimos.
36. Medindo os interesses em contenda não merece proceder a pretensão formulada pela Reclamante, visto que o exercício do direito ao benefício CFEI não é absoluto, pois ele próprio é acolhido de limites, incluindo materiais, conforme adiante melhor o demonstraremos.
37. O denominado benefício fiscal CFEI permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, e é promovido, em relação aos encargos incorridos com investimento em investigação e desenvolvimento (ISD), na parte que não tenha igualmente aproveitado de auxílio financeiro por parte do Estado.
38. Este benefício é consubstanciado num crédito fiscal suscetível de ser aproveitado para os termos e efeitos de dedução desse valor na própria coleta (estrita) de IRC (ou de outras realidades cuja tributação igualmente parte a partir do lucro tributável), sem prejuízo dessa quantia, em caso de insuficiência de coleta, ser "transportado" para exercícios posteriores.
39. À luz do regime do CFEI, o art º 3.º, sob a epígrafe "Incentivo Fiscal", refere que os sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas25 residentes em Portugal que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, comercial, industrial ou de serviços e, bem como, os não residentes com estabelecimento estável em Portugal podem proceder à dedução do respetivo valor ao montante apurado nos termos do disposto no art.º 90.º do CIRC, que referia nos seguintes termos:
(...)
Assim,
40. Do confronto entre as duas normas mencionadas, facilmente se descortina que as quantias decorrentes daquele benefício fiscal são passíveis de dedução aos montantes apurados nos termos daquele art.º 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, sempre na "liquidação" respeitante ao período de tributação onde se insere o reconhecimento contabilístico dos gastos a coberto do benefício.
41. Ou seja, para os termos e efeitos do CFEI, a dedução é efetuada ao montante apurado naqueles precisos termos, isto é, à estrita coleta de IRC conexa com o lucro tributável e apurada nos termos do art.º 90.º e não à coleta que resulta das realidades autonomamente tributadas nos termos do art.º88.º, cujos procedimentos de apuramento são, repita-se, distintos.
42. Não se podem confundir, portanto, ademais quando resulta manifestamente claro que um é autónomo face ao outro, implicando que, à luz do CFEI, o referido "montante apurado nos termos do art.º 90.º" não compreenda por sua vez o "montante que resulta do art.º 88º do CSRC" (a coleta de tributação autónoma).
43. O legislador fiscal considerou-os como autónomos e distintos, quando, no CFEI, restringido ao perímetro do rendimento, apenas se reportou ao disposto no art.º 90.º, isto é, ao apuramento em concreto no âmbito do IRC stricto sensu e a outras figuras cujo ponto de partida seja o lucro tributável e que revelem a mesma identidade ao nível do sujeito ativo da relação jurídico-tributária.
44. De acordo com a jurisprudência já firmada, a autonomia desta realidade prende-se essencialmente com os factos sobre os quais incide e às especificidades do seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC, uma vez que nesta ótica a tributação autónoma não deixa de ser, ainda assim, IRC na sua conceção mais ampla.
45. Por sua vez, o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à coleta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria coletável definida nos termos do regime do CFEI, ou seja, conforme diz o art.º 3.º, "o beneficio fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC".
46. A coleta a que se refere esta norma, quando a liquidação deva ser feita pelo próprio contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação, sendo o crédito em que se traduz o CFEI deduzido apenas à coleta com base na matéria coletável a que alude o artº 17.º do CIRC.
47. Efetivamente, a coleta de IRC está – e ao contrário da de tributação autónoma – dependente da obtenção de um resultado positivo por parte da empresa, e resulta da aplicação ao mesmo da taxa devida, pelo que não está previsto, em momento algum, entrar em linha de conta com as tributações autónomas que, como o próprio nome indica, são autónomas, ou seja, independentes do resultado obtido pela empresa, e sempre devidas na sua totalidade, uma vez que o Código não prevê quaisquer deduções às mesmas.
48. Portanto, por aqui entendemos que o valor que decorre do CFEI não pode de maneira alguma servir de dedução à coleta que resulta do espetro da tributação autónoma do elenco previsto no art.º 88.º, visto que, para estes efeitos, a coleta apurada no âmbito do art.º 90.º não é equivalente à coleta que por sua vez resulta do agregado das realidades sob o jugo da tributação autónoma.
49. Permitir que o valor apurado na coleta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito "da dedução" das quantias relativas ao crédito fiscal que decorre do CFEI, conduziria ao confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto.
50. Mais, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas sim no da ótica inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respetiva coleta não aproveitam de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento e não no da despesa, como sucede nos conhecidos casos respeitantes aos benefícios fiscais tais como o aqui em apreço nos autos.
Carece de absoluta razoabilidade admitir, nesses termos, qualquer dedução à coleta que resulta da tributação autónoma, quando a lei desde logo igualmente não permite que o valor da mesma possa ser deduzido ao lucro tributável do período.
52. Por conseguinte, seria um paradoxo promover o esvaziamento da coleta de tributação autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis "penalizar" por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final sob pena de "fraude à lei".
53. Mais grave, seria aceitar fiscalmente essa dedução quando, nos termos da lei, o próprio legislador fez questão de sublinhar cautelas quanto à convivência entre os benefícios fiscais e a verificação de determinadas despesas e encargos, tal como sucedeu, por exemplo, no n.º 2 do referido art.º 88.º do CIRC.
Aliás,
54. Na esteira da mais recente jurisprudência arbitral, considerou-se que "(...) não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas" tendo-se "(...) assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos "outros impostos" de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC".
55. Igualmente é entendido que "(...) visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potência, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador."
56. Mais: "(...) as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis para os termos e efeitos do apuramento da base tributável de IRC, integram o regime e são devidas a titulo deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.
57. Tanto mais que, recorde-se, sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então objeto de uma interpretação restritiva, pois seria contrário ao espírito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado art.º 90.º, fosse retirado à tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do sistema do IRC.
58. Cumpre ainda sublinhar, á cautela, que tão pouco é legítimo dizer que a matriz antiabuso tributação autónoma não obsta ao impedimento da dedução do valor do benefício à coleta daquela, tal como sucede com outras disposições específicas antiabuso disseminadas pelos diversos códigos tributários.
Com efeito,
59. Ao invés do que acontece ao nível da tributação autónoma, de natureza antiabuso, de ação "indireta", nas disposições antiabuso, "diretas" (quer na cláusula geral antiabuso,27 quer nas sniper approach) o correlativo trato fiscal pela ocorrência dos factos legalmente previstos encontra-se circunscrito ao chamamento à base tributável; o legislador fiscal entendeu que a actuação destas seria preconizada no âmbito do patamar da determinação da matéria coletável e não, a jusante, na fase de apuramento da coleta.
60. Nas normas antiabuso "diretas", tanto a censura fiscal como o seu sancionamento são diretamente prescritos no capítulo da matéria coletável, sendo aí que o legislador fiscal cristalizou, por um lado, a sua censura e, por outro, o respetivo sancionamento.
61. É o que sucede, por exemplo, ao nível das normas legalmente previstas em sede de "preços de transferência", de "subcapitalização", etc., sancionatória que presidiu à consagração do regime daquela
63. Seria uma contradição que esta tributação autónoma (apuradas num contexto de comportamentos eventualmente abusivos) se esgotasse pela dedução decorrente de uma despesa (benefícios fiscais) que o Estado suporta com vista a induzir ao investimento e consequente desenvolvimento dos próprios Estados e das empresas.
Aliás,
64. Recorde-se o que já foi dito, a dedução no âmbito do benefício fiscal CFEI não é de exercício absoluto, pois o seu regime é norteado por limites de natureza formal, temporal e material, sendo que este último impede a eliminação ou mitigação da coleta apurada sob a alçada do mecanismo antiabuso que postula a autonomia da tributação de determinadas realidades (de despesa e não de rendimento), a ponto de, em consequência, igualmente impedir a menor oneração fiscal pelo custeio de realidades que o legislador fiscal considerou como potencialmente litigantes,
Destarte,
65. Nesta parte, atento o exposto, considerando o impedimento da dedução requerida, deve improceder o pedido ora formulado pela Contribuinte, ora Reclamante, com todas as consequências legais que ao caso caibam.
§ V. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.
Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos artºs 35.º a 41.º, todos do CPPT, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com a regra contida no art.º 121.º, este do CPA, ex vi da al. c) do art.º 2.º também da LGT.
o) Por despacho de 06-07-2016, notificado à Requerente por ofício datado de 11-07-2016, a Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, manifestando concordância com a Informação n.º …-… /2016, cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
§ I. INTRODUÇÃO
A Contribuinte, ora Reclamante, sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma "A…", NIPC…, com domicílio fiscal em … n.º…, …-… Lisboa, vem, nos termos previstos na alínea f) do n.º 1 do art.º 54.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), conjugada com o disposto nos art.º 68.º e 131.º do CPPT, ambos ex w do art.º 137.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("CIRC"), deduzir reclamação graciosa do ato tributário de "autoliquidação" de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2013.
Após apreciação dos argumentos invocados pela Contribuinte, aqui Reclamante, na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º …-… /2016.
3. Através de ofício emanado da UGC, a Contribuinte, ora Reclamante, foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").
4. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Contribuinte, aqui Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.
Nestes termos,
5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
§ II. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Contribuinte, aqui Reclamante, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da LGT.
Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, ora Reclamante, através de ofício a remeter sob registo, nos termos do previsto nos art.º 35.º a 41.º, todos do CPPT, com todas as consequências legais.
p) A Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao exercício de 2013 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
q) Em 04-10-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que todas as empresas do grupo fiscal da Requerente tivessem as suas situações tributárias regularizadas perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social, mas apenas as que se referiram.
Não se provou qual era composição total do grupo fiscal da Requerente no exercício de 2013, o que nem sequer é referido pela Requerente, o que, desde logo, afasta a possibilidade de se considerar provado que todas as sociedades tinham as suas situações tributárias regularizadas em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social.
Para além disso, mesmo em relação às sociedades que a Requerente junta declarações sobre a situação tributária, não foi junta qualquer declaração relativa à situação da C… S A, NIF…, perante a Segurança Social.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
Quanto à inviabilidade de, no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira destinado à apresentação da declaração modelo 22, deduzir benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, resulta da própria estrutura da declaração modelo 22, em que os «Benefícios fiscais» (campo 774) estão incluídos no quadro 7, relativo ao apuramento do lucro tributável.
Quanto aos montantes que a Requerente entende que poderia deduzir a título de benefício fiscal do CFEI, não se toma posição sobre a quantificação referida no pedido de pronúncia arbitral, por a sua correspondência ou não à realidade não ter sido apreciada na decisão recorrida, nem o Tribunal Arbitral poder proferir uma decisão segura com base apenas nos documentos juntos ao processo.
3. Matéria de direito
O grupo fiscal da Requerente teve prejuízos fiscais no exercício de 2013, tendo pago IRC referente a tributações autónomas.
A Requerente fez no ano de 2013 investimentos previstos no Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho.
Nesse exercício não foi apurado lucro tributável por métodos indirectos.
O sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do CFEI.
A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base naquelas declarações modelo 22, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas ao montante devido a título de tributações autónomas a quantia referente aos investimentos que efectuou previstos no CFEI.
A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.
A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias referentes aos investimentos que a Requerente efectuou abrangidos pelo CFEI.
Para indeferir a reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma:
– o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, alterou a redacção do art.º 88.º do CIRC, esclarecendo que à colecta de tributações autónomas não são efetuadas quaisquer deduções;
– ao incidir sobre factos que assumem a natureza de "despesa" e não de "rendimento", a tributação autónoma revela uma certa independência material em relação ao imposto sobre o rendimento (em sentido estrito), sendo, aliás, apurada de forma autónoma, pouco importando se apresenta ou não rendimento tributável no fim do período, salvo no que respeita ao agravamento de taxa nas situações em que as despesas são incorridas;
– as tributações autónomas têm uma tipologia, sublinhadamente antiabuso e intencional de combate à fraude e evasão fiscais ancorado no princípio da capacidade contributiva (por conexão com o princípio da tributação do rendimento real das empresas);
– a tributação autónoma prevista no art.º 88.º, do CIRC é apurada de forma distinta e autónoma face ao processamento do IRC em sentido estrito, à luz do preceituado no art.º 90.º do mesmo código, sendo este inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação de determinadas das despesas como sucede no plano da tributação autónoma;
– medindo os interesses em contenda não merece proceder a pretensão da Requerente, visto que o exercício do direito ao benefício CFEI não é absoluto, pois ele próprio é acolhido de limites, incluindo materiais;
– o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à colecta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria colectável definida nos termos do regime do CFEI, ou seja, conforme diz o art.º 3.º, "o beneficio fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à colecta de IRC";
– permitir que o valor apurado na colecta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito "da dedução" das quantias relativas ao crédito fiscal que decorre do CFEI, conduziria ao confronto directo com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto;
– por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas sim no da óptica inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respectiva colecta não aproveitam de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento
3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no CFEI às quantias devidas a título de tributações autónomas
O CFEI de 2013 foi aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação subjectivo
Podem beneficiar do CFEI os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de atividade;
b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
c) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
Artigo 3.º
Incentivo fiscal
1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afectos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.
2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.
3 - A dedução prevista nos números anteriores é efectuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.
4 - No caso de sujeitos passivos que adoptem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de Junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em ativos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.
5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:
a) Efectua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;
b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.
6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Artigo 4.º
Despesas de investimento elegíveis
1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afectos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.
2 - São ainda elegíveis as despesas de investimento em ativos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º, designadamente:
a) As despesas com projetos de desenvolvimento;
b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
3 - Consideram-se despesas de investimento elegíveis as correspondentes às adições de ativos verificadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º e, bem assim, as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos.
4 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.
5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em ativos susceptíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:
a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, excepto quando tais bens estejam afectos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respectivo uso ou fruição no exercício da atividade normal do sujeito passivo;
b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afectos à atividade produtiva ou administrativa;
c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afectos a actividades produtivas ou administrativas.
6 - São igualmente excluídas do presente regime as despesas efetuadas em ativos afectos a actividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do sector público.
7 - Considera-se que os terrenos não são ativos adquiridos em estado de novo, para efeitos do n.º 1.
8 - Adicionalmente, não se consideram despesas elegíveis as relativas a ativos intangíveis, sempre que sejam adquiridos em resultado de actos ou negócios jurídicos do sujeito passivo beneficiário com entidades com as quais se encontre numa situação de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.
9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respectivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ou até ao período em que se verifique o respectivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa apenas pelo facto de entender que as despesas que beneficiam do CFEI não podem ser deduzidas às quantias que a Requerente pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à «colecta de IRC», nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 e essa colecta, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, não ser integrada pelas quantias devidas a título de tributações autónomas, mas apenas pela quantia resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC se reporta também à liquidação das tributações autónomas e não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.
Por isso, a expressão «quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste», que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria colectável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, do próprio modelo 22 de declaração (parte 13).
A colecta obtém-se aplicando a taxa à respectiva matéria colectável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias colectáveis, a colecta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.
Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 se faz à «dedução à colecta de IRC» como forma de materializar o benefício fiscal abrange, literalmente, também a colecta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a colecta única de IRC.
Sendo esta a interpretação que resulta do teor literal, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
Uma hipotética interpretação restritiva no sentido do afastamento da colecta de IRC proveniente de tributações autónomas do âmbito da dedutibilidade do benefício do CFEI não pode ser explicada pela eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas (nomeadamente algumas das relativas as despesas, sendo certo que as previstas nos n.ºs 11 e 12 do artigo 88.º do CIRC, nem sequer incidem sobre despesas). Na verdade, não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização, o que permite concluir que essa eventual natureza não justifica a irrelevância da colecta para efeitos de benefícios fiscais.
É certo que as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
Mas, a viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [2] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se pode justificar quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [3] ).
Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 3.º, n.º 1, com a ratio legis daquele benefício fiscal.
A razão de ser da criação do referido benefício fiscal é evidente e foi expressamente referida na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 148/XII, que veio a dar origem à Lei n.º 49/2013:
Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objetivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento direto em Portugal, já em 2013.
Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objetivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial.
O CFEI corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento realizadas, até à concorrência de 70% daquela coleta. O investimento elegível para este crédito fiscal terá que ser realizado entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013 e poderá ascender a 5 000 000,00 EUR, sendo dedutível à coleta de IRC do exercício, e por um período adicional de até cinco anos, sempre que aquela seja insuficiente.
São elegíveis para este benefício os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, disponham de contabilidade regularmente organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, o respetivo lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos e tenham a sua situação fiscal e contributiva regularizada.
Como é óbvio, a concretização deste objectivo legislativo de «estimular fortemente o investimento directo em Portugal» e de «produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial» aponta manifestamente no sentido de se ter pretendido maximizar e não limitar o alcance do benefício fiscal.
A eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que não apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, em 2012, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2012 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Lei n.º 148/XII e, por isso, é de supor que tenha sido considerado), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e apenas 28% dos sujeitos passivos apresentaram «IRC liquidado», sendo que «cerca de 70% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores». ( [4] ).
Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente à Lei n.º 49/2013, do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A discussão da iniciativa legislativa na Assembleia da República confirma que não estava em causa aprovar um benefício fiscal de que apenas poderiam aproveitar a minoria de empresas que pagava IRC com base no lucro tributável do exercício de 2013.
Na verdade, os termos em que foi anunciada a medida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apontam para uma medida inédita, de enorme impacto e dimensão:
«(...) esta medida dirige-se prioritariamente, como tive aliás oportunidade de dizer, ao investimento das pequenas e médias empresas. Se não fosse assim, o limite do investimento não tinha sido fixado em 5 milhões de euros. O limite de 5 milhões de euros corresponde ao valor médio do investimento anual de cerca de 97% das empresas portuguesas. E é, exatamente, para essas empresas, para as pequenas e médias empresas, que esta medida de estímulo ao investimento se dirige;
«não é a primeira vez que é criado um crédito fiscal ao investimento em Portugal, existiram outros créditos fiscais, no passado, mas nenhum com o impacto e a dimensão deste». ( [5] )
A pretendida maximização do incentivo fiscal, perspectivado como potencialmente incentivador de cerca de 97% das empresas, apontava claramente para a sua aplicação a qualquer colecta de IRC e não apenas à reduzida minoria que pagava IRC liquidado com base no lucro tributável de cada exercício, pelo que a solução de o aplicar aos créditos de IRC derivados de tributações autónomas, para além de ser a que resulta linearmente do teor literal da Lei n.º 49/2013, é a que se sintoniza com a razão de ser.
Por outro lado, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.
E, no caso do benefício fiscal do CFEI, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de primacial importância, como se afirma na referida Exposição de Motivos e se confirma na apresentação da proposta na Assembleia da República.
A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no CFEI é decisivamente confirmada pelo facto de estar expressamente excluído da limitação geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, prevista no artigo 92.º do CIRC (artigo 7.º do CFEI), o que evidencia que legislativamente se dá maior importância à efectivação das despesas que justificam o benefício fiscal do que a receita de IRC.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, inclusivamente as resultantes de tributação autónomas.
Neste contexto, as questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas à compatibilidade da solução adoptada pela Lei n.º 49/2013 com outras soluções legislativas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance da Lei n.º 49/2013, que é um diploma de natureza excepcional, à face do seu texto e dos interesses que visou prosseguir, que não teve em vista decidir qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da Lei, quer nos respectivos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.
Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [6] )
Para além disso, a referida regra do artigo 3.º, n.º 1, teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-06-2013 e 31-12-2013, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que a Lei n.º 49/2013 estabelecia para os contribuintes que adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «colecta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.
Assim, a decisão da reclamação graciosa enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em errada interpretação dos artigos 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013, 88.º (designadamente n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) e 90.º do CIRC, bem como do 133.º desta Lei n.º 7-A/2016, vício esse que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
No entanto, pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, não há no processo elementos seguros que permitam concluir que estavam reunidos todos os requisitos exigidos para a Requerente poder beneficiar do CFEI no exercício de 2013, designadamente se se verifica o previsto na alínea c) do artigo 2.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, relativo à situação fiscal e contributiva regularizada.
No entanto, a autoliquidação é ilegal na medida em que, por errada interpretação da lei, assentou no pressuposto de que os benefícios fiscais em causa não são dedutíveis à colecta das tributações autónomas, pressuposto este que está ínsito na inviabilidade de efectuar essa dedução que resulta do sistema informático de apresentação da declaração modelo 22.
Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e procede quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução do presente acórdão, poder apurar se se verificam ou não as condições previstas no artigo 2.º do CFEI, de que depende a possibilidade de a Requerente usufruir dos benefícios fiscais.
3.3. Pedido subsidiário. Conhecimento prejudicado
Entendendo-se que, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário que a Requerente formulou, para a hipótese de assim não se entender.
4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso da quantia de € 234.266,89, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 127.101,49, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos remanescentes € 107.165,40.
Como resulta do exposto, a decisão da reclamação graciosa é ilegal, por erro sobre os pressupostos de direito, ao afastar o direito de a Requerente deduzir os investimentos susceptíveis de serem abrangidos pelo CFEI ao montante das tributações autónomas.
No entanto, pelo que se referiu na fundamentação da matéria de facto, não ficou demonstrado que a Requerente estivesse em condições previstas no artigo 2.º do CFEI de que depende a possibilidade de usufruir do benefício fiscal, no exercício de 2013.
Por isso, sem prejuízo de os direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem vir a ser reconhecidos em execução de julgado, não podem ser julgados procedentes no presente processo.
5. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do despacho de 06-07-2016 proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu a reclamação graciosa e anulá-lo;
– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira em execução de julgado, poder apurar se se verificam ou não as condições previstas no artigo 2.º do CFEI, de que depende a aplicação do benefício fiscal previsto nesse diploma;
– julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízos do os respectivos direitos serem reconhecidos em execução de julgado.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 234.266,89.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 15-03-2017
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(José Nunes Barata)
(Sérgio Pereira da Silva)
[1] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
[2] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
[3] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.
[4] O texto está publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/4063B8B8-5ECC-413E-A9A5-DF205BD119A1/0/20140328_NOTAS_PREVIAS_DE_IRC_20102012.pdf.
Este texto foi publicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em Março de 2014, pelo que, apesar de reportar a 2012, poderia ser que não estivesse na disponibilidade da Assembleia da República, quando aprovou o diploma do CFEI.
Mas, em Março de 2013, já estava disponível o texto idêntico referente ao ano de 2011, em que a situação ainda era pior, a nível de percentagem de IRC liquidado:
«5. Apesar de no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentarem IRC Liquidado (Quadro 7), verifica-se que cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.)»
Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.
De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:
– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.
[5] Diário da Assembleia da República n.º 99, de 07-06-2013, páginas 52-53.
[6] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.