Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2016-T
Data da decisão: 2017-03-27  IMT Selo  
Valor do pedido: € 31.664,75
Tema: IMT e IS
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Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., com sede na …, n.º … –…, …-… Lisboa (doravante designada por «Requerente») – na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário «B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional» («B…»), registado junto da Comissão de Valores Mobiliários, com o NIF…–, em face da liquidação de IMT n.º … e da liquidação de IS n.º…, apresentou, a 5/9/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), visando que seja “declarada a nulidade [ou, caso assim não se entenda, a anulabilidade] das [acima referidas] liquidações, com base na [...] inconstitucionalidade” do “artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» – consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa”. A Requerente entende, ainda, dever ser reembolsada “pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido, nos termos do artigo 43.º Pagamento indevido da prestação tributária) da Lei Geral Tributária, dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.”

 

            1.2. Em 12/2/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo. A AT apresentou a sua resposta em 25/1/2017, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da Requerente.

            1.4. Por despacho de 13/3/2017, o Tribunal considerou que se mostrava dispensável, ao abrigo do disposto no art. 16.º, al. c), do RJAT, a reunião prevista no referido artigo 18.º e que o processo estava pronto para decisão. Nestes termos, foi fixada, por despacho arbitral de 16/3/2017, a data de 27/3/2017 para a prolação da decisão arbitral.

 

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “as liquidações [ora em causa] enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas”; b) “o IMT é um imposto de obrigação única [...]. Esta qualificação é aqui relevante na medida em que as isenções de IMT e de IS, constantes, respectivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, foram reconhecidas a requerimento do B…, nos termos do artigo 10.º (Reconhecimento das isenções) do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso dos prédios relevantes no património do B… . Ou seja, no momento em que os prédios – objecto das Liquidações – ingressaram no património do B…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e IS previstas, respectivamente, nos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH”; c) “efectivamente, o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT, quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo B… . E as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade”; d) “não estando [...] legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa”; e) “o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro [...], ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» - está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto”; f) “no caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga”; g) “cabe aqui clarificar se a inconstitucionalidade ora arguida pel[a] Requerente deve ter como consequência a anulabilidade ou a nulidade das Liquidações [...]. [...]. Considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito, o seu desrespeito origina a nulidade do acto, in casu, a nulidade das Liquidações”; h) “a admissibilidade de impugnação do vício da nulidade sem dependência de prazo não afasta a competência do Tribunal Tributário Arbitral, designadamente, por interpretação literal do artigo 10.º (Pedido de constituição do tribunal arbitral) do RJAT. Efectivamente, o citado artigo 10.º (pedido de constituição do tribunal arbitral) do RJAT não deve ser interpretado no sentido de ser exclusivamente aplicável às situações em que estejam em causa actos cuja impugnação está sujeita a prazo”; i) “sem conceder e por mera cautela de patrocínio, admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade abstracta) das Liquidações determina a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as Liquidações ser anuladas em conformidade, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento e Processo Tributário.”     

 

            2.2. Pelo exposto, pretende a ora Requerente, em síntese: “(I) [que seja] declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade (ilegalidade abstracta); subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem anuladas as Liquidações”; “(II) ser reembolsad[a] [...] pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido, nos termos do artigo 43.º (Pagamento indevido da prestação tributária) da Lei Geral Tributária, dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.”  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) a “Requerente defende que a AT não devia ter procedido às liquidações sub judice, pois tais actos tributários são assentes no artigo 236.º do Regime Tributário dos FIIAH, o qual alegadamente enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, nos termos do artigo 103.º, n.º 3 da CRP. Contudo, e sem prejuízo do desenvolvido infra quanto à inexistência do vício de inconstitucionalidade assacado pela Requerente, cumpre aqui, desde logo, referir que a actuação da AT, contrariamente ao que pretende [a] Requerente, não podia ter sido diferente”; b) “nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) [...]. Ou seja, de tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade”; c) “do exposto resulta que a Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la; não podendo, por isso, ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro da qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público”; d) “em suma, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT”; e) “o artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2009), aprovou um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH). O regime aí previsto seria de aplicar aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período. Relativamente ao regime tributário então especificamente previsto, há que relevar, para o que ora importa, o disposto no artigo 8.º, n.º 7, alínea a), atinente à isenção em sede de IMT e o artigo 8.º, n.º 8, relativo à isenção em sede de Imposto do Selo”; f) “nos termos do artigo 8.º, n.º 7, alínea a), ficam isentos de IMT «As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1». Aplicando-se tal isenção, por força do disposto no n.º 1, aos FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos 1.º a 7.º do respectivo regime jurídico. Por sua vez, nos termos do artigo 8.º, n.º 8, «Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º»”; g) “a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014), veio conferir nova redacção ao mencionado artigo 8.º, atinente ao regime tributário aplicável aos FIIAH, aditando, nomeadamente, os números 14 a 16 [...]. Ademais, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio ainda consagrar, no seu artigo 236.º, a seguinte norma transitória [...]”; h) “com efeito, o n.º 14 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH veio concretizar o significado da expressão «prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente», assim, nos termos nele previstos, «considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo». Sendo que, a par de tal concretização, com a introdução dos n.os 15 e 16.º no referido artigo 8.º, passou a estar previsto um regime de cessação do benefício no caso de não ser observado o requisito legal constante do n.º 14”; i) “[defende a ora] Requerente que as liquidações em questão enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), n.º 3, da CRP, devendo, em consequência, ser declaradas nulas. [...]. Porém, conforme melhor se demonstrará, os argumentos da Requerente são manifestamente improcedentes”; j) “primeiramente há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respectivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o «arrendamento para habitação permanente» e (ii) que a transmissão tivesse por objecto «prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.» Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Pelo que falece razão [à] Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, e, consequentemente, a argumentação que constrói partindo de tal errado pressuposto encontra-se igualmente ferida de erro. [...] a nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido”; l) “é de concluir, assim, que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, de três anos, para o efeito”; m) “atenta a alienação dos prédios, resulta inequívoco que [a] Requerente não poderia, de qualquer forma, beneficiar da isenção requerida; n) “as isenções em questão não deixaram simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos critérios para concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada”; o) “é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra”; p) “contrariamente ao que defende [a] Requerente, não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal”; q) “não podendo ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu -, não pode senão concluir-se no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.”

 

2.4. A AT conclui, por fim, que: “(i) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências, ou, caso assim não se entenda, (ii) requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A ora Requerente solicitou à AT a liquidação de IMT e IS dos actos de alienação de imóveis pelo «B…», conforme a seguinte informação: prédio U-… sito na …, …, …, ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … e …; liquidação de IMT n.º … e liquidação de IS n.º…, nos valores, respectivos, de €27.764,75 e €3.880,00 (os quais, somados, correspondem ao montante aqui em causa: €31.664,75) – vd. Doc. 1 apenso aos presentes autos.

 

            ii) O prédio ora em causa foi adquirido a 5/8/2013, beneficiando das isenções de IMT e de IS que constam, respectivamente, do n.º 7, al. a), e do n.º 8 do art. 8.º do Regime especial aplicável aos FIIAH, tendo sido alienado em Junho de 2016.

 

iii) As liquidações supra referidas foram pagas pela Requerente a 21/6/2016, como se constata pela leitura do Doc. 2 apenso aos autos. Inconformada com as referidas liquidações, a Requerente apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral em 5/9/2016.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

            IV – Do Direito

 

No caso aqui em análise, são duas as questões de direito controvertidas: 1) saber se as liquidações de IMT e IS são ilegais, porque realizadas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31/12, que a Requerente entende ser inconstitucional por violação do disposto no artigo 103.º da CRP (e, ainda, nulas por alegada ofensa de conteúdo esssencial de um direito fundamental, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, al. d), do CPA); e 2) saber se são devidos juros indemnizatórios à Requerente.

 

            Vejamos, então.

            1) Alega a ora Requerente que as liquidações em causa são ilegais porque realizadas ao abrigo do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (LOE 2014) – artigo que a Requerente considera inconstitucional por violação do referido art. 103.º da CRP.

 

            Em seu entender, “o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» – está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto.” Pelo exposto, conclui a ora Requerente que “no caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga”.

 

            Não parece, contudo, que esta seja a questão aqui em causa.

 

            Antes do mais, convém observar a Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o regime especial aplicável aos FIIAH. Nesse regime previa-se, nomeadamente: no n.º 7 do artigo 8.º, que ficavam isentos do IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” pelos referidos fundos; e, no n.º 8 daquele mesmo artigo, que ficavam isentos de IS “todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos”.

 

            A Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, alterou a redacção do referido art. 8.º, aditando os n.os 14 a 16, que aqui se reproduzem:

 

“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8 do referido art. 8.º, considera-se que “os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respectivo arrendamento efectivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

 

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

 

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

 

            No art. 236.º da referida Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, consagrou-se, ainda, a seguinte norma transitória:

“1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.   

 

            Daqui se conclui que a referida Lei estabeleceu um período transitório para aplicação das alterações legais, tendo em vista, segundo afirma a Requerida (vd. §52 e 56 da resposta), “em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, [...] apenas densificar o critério já exigido [...]. Sendo certo que, de todo o modo, atenta a alienação dos prédios na pendência do ano de 2015, resulta inequívoco que o Requerente não poderia [...] beneficiar da isenção requerida.”

 

            No mesmo sentido, salienta a DA datada de 14/3/2016, proferida no proc. 398/2015-T, que “a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelo Orçamento de Estado para 2014, mas sim um requisito do regime fiscal dos FIIAH ab initio, aliás natural decorrência das motivações que levaram à criação destes fundos. Contudo, não foi este o caso em apreço [...]. As liquidações de IMT efectuadas [...] não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido afectação a arrendamento para habitação permanente. [...].”

 

            Com efeito, como também se refere na DA datada de 22/4/2016, e que foi proferida no processo n.º 691/2015-T: “O Orçamento do Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer um novo requisito para a isenção: caso a afectação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo deverá requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado. Contudo, não foi este o caso em apreço [...]. As liquidações de IMT e de Imposto do Selo em causa não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido afectação a arrendamento para habitação permanente. [...]. De facto, as liquidações em apreço, conforme decorre das notas de liquidação juntas ao processo, basearam-se no facto de ter sido dado aos imóveis “destino diferente daquele em que assentou o benefício”. Assim sendo, entendemos que não está em causa a retroactividade, ou não, da norma aplicada”.

 

            De facto, está suficientemente demonstrado que o prédio em causa foi alienado no ano de 2016, com a consequente afectação do mesmo a finalidade diversa daquela para que foram concedidas as isenções. Não se trata aqui, pois, de uma questão de prazo, como alegou a ora Requerente.

 

            A este respeito, e como também bem salienta a DA datada de 2/5/2016, proferida no proc. 689/2015-T, “a alienação do prédio sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos assim que as liquidações de IMT e Imposto de Selo em crise são legais. Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroatividade do regime previsto pelo artigo 236.º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 na medida em que, como supra ficou demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise em nada se relacionam com os aditamentos originados pelo referido artigo, tão só com a alienação do imóvel e consequente afetação a fim diferentes daquele para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo.”

 

Pelas razões notadas, com as quais se concorda, conclui-se – também no presente caso –, que a análise da questão da alegada retroactividade do regime constante do art. 236.º está prejudicada, e que não ocorreu, em resultado das liquidações em causa, lesão injustificada de expectativas da ora Requerente ou um agravamento injustificado da sua posição fiscal. Nestes termos, conclui-se, consequentemente, que as liquidações de IMT e IS ora em causa se devem manter integralmente na ordem jurídica.

 

Note-se, por último, e como nota final, que, no presente caso, nunca estaria em causa a (também alegada pela Requerente) nulidade por ofensa de “conteúdo essencial de um direito fundamental” (vd. §49 e §50 da petição inicial), uma vez que, como tem sido entendimento uniforme da jurisprudência do STA, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (que é o que aqui poderia estar em causa) gera mera anulabilidade, a menos que o acto tributário atentasse contra o conteúdo de um direito fundamental (situação esta que, claramente, não está aqui em causa) – o que não sucede mesmo que tenha havido violação dos princípios da legalidade tributária ou da não retroactividade da lei fiscal (vejam-se, a este respeito e a título de mero exemplo, os seguintes Acórdãos do STA: n.º 1709/03, de 28/1/2004; n.º 1938/03, de 3/3/2004; n.º 1259/04, de 22/5/2005; n.º 669/05, de 9/11/2005; n.º 612/05, de 23/11/2005; n.º 231/13, de 26/6/2013; n.º 481/13, de 26/2/2014; n.º 1916/13, de 12/3/2014; n.º 703/14, de 21/1/2015).

 

Ver, também, no mesmo sentido, o seguinte excerto do Ac. do TCAN de 26/3/2015 (proc. 00354/08.0BEPRT): “Alega [...] o Recorrente [que o imposto em causa] é nulo por [...] ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. Decorre do disposto no art. 133.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo aplicável ex vi do 2.º, alínea c), da LGT, que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Não lhe assiste razão [ao Recorrente]. Os actos que ofendem um direito fundamental hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; não aqueles que contendem apenas com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos. [...] é pacífico na jurisprudência do contencioso tributário que a nulidade de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação [...] (cf. nesse sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 25/05/2004, proc. n.º 208/04, 9/11/2005, proc. 669/05, 7.05.2008, proc. n.º 1034/07, de 5.07.2007, proc. n.º 479/06, de 16/09/2009, proc. n.º 0418/09, e de 23/10/2013, proc. n.º 0579/13). Assim sendo, o acto tributário que aplique normas [alegadamente] inconstitucionais [...] não origina a nulidade da liquidação, mas gera mera anulabilidade, estando em causa vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.”

           

2) Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por ex., o seguinte aresto: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

 

Ora, não tendo havido, como decorre do que se disse em 1), qualquer erro imputável aos serviços, conclui-se pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.  

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica os actos de liquidação ora impugnados, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            - Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €31.664,75 (trinta e um mil seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de €1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de Março de 2017.

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.