Acordam os Árbitros que constituem este Tribunal:
A…, NIF …, com sede na … n.º…, …, …-…, Lisboa (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos, designadamente, do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O presente pedido tem por objecto, segundo a Requerente, a pronúncia arbitral sobre
1) A legalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo, datados de 05.04.2016, relativo ao ano de 2015 (cfr. cópias das liquidações ora juntas sob a designação de Documento n.º 1 a 16), com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, respeitantes ao prédio urbano em propriedade total, com dezasseis andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, de que a Requerente é proprietária, prédio inscrito sob o novo artigo matricial…, da freguesia de…, concelho de Lisboa, dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10;
2) A legalidade dos actos de liquidação adicional do Imposto do Selo, datados de 31.05.2016, relativo ao ano de 2013 (cfr. cópia das liquidações ora juntas sob a designação de Documento n.º 17 a 32), dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10;
3) A legalidade dos actos de liquidação adicional do Imposto do Selo, datados de 31.05.2016, relativo ao ano de 2014 (cfr. cópia das liquidações ora juntas sob a designação de Documento n.º 33 a 48), dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10.
Alega, no essencial, a Requerente:
É proprietária do prédio urbano em propriedade total, afecto a habitação, inscrito sob o artigo matricial…, da freguesia de…, concelho de Lisboa (antigo artigo matricial…), sito na … n.º…;
Em 01.03.2013, a Requerente foi notificada da Avaliação Geral de cada uma das dezasseis divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o prédio em propriedade total.
Em 17.07.2013, a Requerida liquidou o Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012, para cada uma das dezasseis divisões susceptíveis de utilização independente, com fundamento na verba 28.1, aplicando uma taxa de 1% sobre o respectivo valor patrimonial tributário de cada andar, o qual se mostrou definitivo em face de não ter sido peticionada segunda avaliação.
Inconformada com a legalidade do sobredito acto tributário, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra aquelas liquidações oficiosas, a qual correu termos na Direcção de Finanças de Lisboa, sob o processo n.º …2014…, tendo sido objecto de indeferimento expresso.
Novamente irresignada com o teor daquela decisão, a Requerente recorreu a este Tribunal Arbitral para sindicar a legalidade e constitucionalidade dos anteditos actos tributários – processo que correu termos sob o n.º 781/2014-T.
Em 16.10.2015, foi proferida douta decisão arbitral (cfr. cópia ora junta sob a designação de Documento n.º 49), tendo julgado procedente o pedido de anulação das liquidações do Imposto do Selo relativas ao ano de 2012, tendo tal decisão transitado em julgado.
As liquidações foram anuladas por vício de violação de lei substantiva, com base em dois fundamentos materiais distintos (cfr. decisão arbitral):
“A Lei do Orçamento de Estado para 2012, Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, revogou o Estatuto Fiscal Cooperativo, que previa algumas isenções aplicáveis às cooperativas, e aditou o artigo 66º-A ao Estatuto dos Benefícios Fiscais. Este artigo 66º-A, no seu n.º 12, dispõe o seguinte: “as cooperativas estão isentas de imposto de selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo.” Da letra da lei resulta uma isenção subjetiva das cooperativas relativamente ao imposto de selo, prevista em tempos suficientemente amplos para abranger a isenção relativa à verba 28.1 da TGIS. A isenção resulta da letra da lei não sendo necessário qualquer recurso à analogia. Sendo o imposto de selo em causa nestes autos um encargo da cooperativa, esta estará isenta do mesmo por força da redação do n.º 12 do art.º 66.º-A do EBF (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul do processo n.º 04457/11 de 30-04-2013, que refere que “as cooperativas são isentas de imposto de selo quando o selo constitua seu encargo”).Assim, a Requerente está isenta do imposto de selo correspondente à verba 28.1 da TGIS”
“Mesmo que assim não se pudesse entender, sempre seriam de anular as liquidações de imposto de selo em causa nestes autos, por não se encontrar verificado o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS,“(…) No caso dos autos o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contém dezasseis andares e divisões com utilização independente destinados à habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados à habitação tem valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €), como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS. Olhando agora à ratio legis do preceito em questão na verba 28.1 TGIS e citando o acórdão CAAD n.º 50/2013-T “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a um milhão de euros(1.000.000,00€), sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €). Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.” Já quando aplicado a uma parte ou fração que não exceda o referido valor de um milhão de euros não se encontrará verificada a norma de incidência.
(…) Assim, e na linha da jurisprudência do CAAD, concluímos pela violação do princípio da igualdadefiscal e da capacidade contributiva”.
Na esteira de uma reiterada e firme corrente jurisprudencial (seja do CAAD, seja dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal de Justiça), foi determinada a anulação das liquidações do Imposto do Selo com fundamento em erro sobre os pressupostos de incidência, violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e ainda, no caso particular, da aqui Requerente, com fundamento na sua isenção (subjectiva) do Imposto do Selo.
Posteriormente, e após a Requerente ter suscitado a reforma da decisão arbitral, circunscrita à questão de não condenação da Requerida no pedido formulado de pagamento dos juros indemnizatórios, foi, em 25.01.2016, proferida decisão que julgou também procedente tal pedido (cfr. cópia ora junta sob a designação de Documento n.º 50).
Este particular segmento decisório (delimitado à questão dos juros indemnizatórios) foi depois objecto de impugnação pela Requerida, impugnação que corre termos, presentemente, no 2.º Juízo – 2.ª Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, sob o processo n.º 09375/16.
Em consequência da decisão arbitral de anulação das liquidações do Imposto do Selo relativas ao ano de 2012, a Requerida cumpriu com o decidido[1], tendo para o efeito procedido à restituição dos montantes pagos, quer os referentes ao Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012, quer, como é óbvio, os atinentes ao Imposto do Selo respeitante aos anos de 2013 e 2014 (entretanto liquidados pela Requerida, na pendência do processo arbitral, e pagos pela Requerente, para evitar a sua cobrança coerciva).
Foi, pois, com espanto que a Requerente recebeu as notificações, datadas de 05.04.2016 relativas à cobrança do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2015, bem como, as notificações dos actos de compensação que originaram as liquidações adicionais do Imposto do Selo respeitantes aos anos de 2013 e 2014 (as quais, reitera-se, haviam sido preteritamente anuladas pela Requerida e devolvido o montante do imposto – na sequência da decisão arbitral),
Sendo que as liquidações adicionais do Imposto do Selo relativo aos anos de 2013 e 2014 nem sequer foram objecto de audição prévia, ou apresentaram qualquer fundamentação explicativa, conforme resulta expresso e cristalino do teor dos documentos n.ºs 17 a 48.
Quanto aos actos tributários do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2015, e em jeito de sinopse, apresenta-se o quadro respectivo das dezasseis liquidações, o qual replica, de forma absolutamente idêntica, o conteúdo das liquidações do Imposto do Selo relativo ao ano de 2012 (já objecto de anulação judicial), apenas cambiando o n.º do documento e a data da liquidação:
Ano do Imposto
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Documento
|
Data da Liquidação
|
Valor Patrimonial
|
Divisão ou Andar
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Taxa
|
Colecta
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2015
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2016 …
|
05.04.2016
|
114.750,00€
|
1.º D
|
1%
|
1.147,50€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
108.590,00€
|
1.º E
|
1%
|
1.085,90€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
110.080,00€
|
2.º D
|
1%
|
1.100,80€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
103.530,00€
|
2.º E
|
1%
|
1.035,30€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
203.240,00€
|
3.º
|
1%
|
2.032,40€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
203.240,00€
|
4.º
|
1%
|
2.032,40€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
203.240,00€
|
5.º
|
1%
|
2.032,40€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
110.080,00€
|
6.º D
|
1%
|
1.100,80€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
103.800,00€
|
6.º E
|
1%
|
1.038,00€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
110.080,00€
|
7.º D
|
1%
|
1.100,80€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
103.530,00€
|
7.º E
|
1%
|
1.035,30€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
203.240,00€
|
8.º
|
1%
|
2.032,40€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
110.080,00€
|
9.º D
|
1%
|
1.100,80€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
103.530,00€
|
9.º E
|
1%
|
1.035,30€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
61.900,00€
|
10.º D
|
1%
|
619,00€
|
2015
|
2016 …
|
05.04.2016
|
61.900,00€
|
10.º E
|
1%
|
619,00€
|
Considera a Requerente existir ofensa de caso julgado, considerando, designadamente, que a ilegalidade do Imposto do Selo, com fundamento na verba 28.1 da TGIS constitui caso julgado material, não podendo vir a ser reapreciada tal questão.
As presentes liquidações do Imposto do Selo dos anos de 2013, 2014 e 2015 ofendem, desde logo, o caso julgado material, formado pelo teor decisório da sentença arbitral proferida em 16.10.2015, apresentando-se, consequentemente, como actos nulos, ex vi disposto no artigo 161.º. n.º 2, i), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), declaração de nulidade que aqui expressamente se requer.
Tendo quedado violados ainda, o disposto no artigo 205.º, n.º 2 (ex vi n.º 2 do artigo 209.º), no artigo 266.º, n.º 1, todos da Lei Fundamental, no artigo 100.º da LGT, no artigo 24.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 10/2011, dado que às sentenças arbitrais é reconhecido, sem controvérsia, a mesma validade vinculativa das decisões judiciais e a mesma
E contra o exposto é totalmente estéril aduzir-se que o período tributário é distinto, pois que não tendo ocorrido qualquer alteração no quadro legal, os pressupostos de tributação são (ou a falta deles), inerentemente, os mesmos, sob o risco de a mesma lei poder ser interpretada de uma forma (num ano) e de forma distinta (noutro ano), para até voltar a ser interpretada da forma primeva (noutro ano ainda)….veleidades que, nem o princípio da legalidade autoriza, nem o princípio constitucional da tipicidade fiscal consente (haja limites de decoro e decência de angariação de receita tributária, mormente quando a Requerida dispõe de privilégio de execução prévia, com as consequentes graves sujeições a que fica vinculado o contribuinte – ou paga o imposto (presta garantia) ou vê o seu património agredido).
Subsidiariamente, alega vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ponderando, em síntese muito sumária que a Requerente é proprietária do imóvel em questão e, como tal, esta é o sujeito passivo das presentes liquidações de Imposto do Selo, ora sob escrutínio, bem como a entidade que suporta o encargo do imposto.
Todavia, enquanto cooperativa de habitação, é sujeito passivo do imposto do selo, mas dele isento por força do prescrito no artigo 66.º-A, n.º 12, do EBF, assim quedando a ilegalidade das presentes liquidações.
Finalmente, é também imprestável e espúrio aduzir-se o disposto no artigo 7.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo[2] para eventualmente obstar à plena aplicação da isenção alegada, dado que tal inciso tem por objecto estender ou inflacionar expressamente as situações de isenção também à factispecie mencionada no artigo 44.º do EBF, cujo leitmotiv assenta na concreta titularidade de certos imóveis destinados a determinados fins,
Daí não decorrendo, como é apodíctico, que se esteja a excepcionar a aplicação de outros benefícios fiscais já outorgados noutras sedes legais privativas e pelos fundamentos específicos aí arvorados,
Acresce que, tal como é sabido, os benefícios fiscais resultam de uma opção deliberada do legislador, directamente comprometido com a defesa de determinados interesses, em ordem a prosseguir certas políticas publicas, os quais se mostram superiores e prevalecentes sobre o próprio fim da tributação.
De realçar ainda que o benefício fiscal previsto no artigo 66.º-A, n.º 12, do EBF é de reconhecimento automático, pois resulta directa e imediatamente da lei, não estando dependente de qualquer superveniente acto de reconhecimento pela Autoridade Tributária (cfr. artigo 5.º do EBF), nem sendo renunciável.[3]
Em face do exposto, e pelos fundamentos ventilados, requer-se a anulação das liquidações do Imposto do Selo (2013, 2014 e 2015), com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta e ostensiva violação dos artigos 2.º e 66.º-A, n.º 12, do EBF, na medida em que a Requerente, não obstante ser sujeito passivo do Imposto do Selo, dele está expressamente isenta por força das aludidas normas, constituindo tal benefício uma atribuição directa e imediata da lei,[4]
Por outro lado ainda, em reforço de posição, note-se que o legislador veio, expressamente, acolher o estatuto de isenção que já existia para as cooperativas, através do aditamento do n.º 14 ao artigo 66.º-A do EBF, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março: “14 - As cooperativas de habitação e construção estão isentas de imposto do selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”.
Subsidiariamente, invoca a VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA; DA IGUALDADE, DA LEGALIDADE E DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIAS.
Invoca ainda a jurisprudência dos nossos tribunais superiores:
“Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 09.09.2015, Processo n.º 047/15).“Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 02.03.2016, Processo n.º 01354/15).
“As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
A verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (vpt) constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal vpt fazendo recair a taxa de 1%.
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artº.67, nº.2, do Código do I.S., às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o C.I.M.I. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do I.M.I., segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo I.M.I., bem como o novo I.S., liquidados individualmente em relação a cada uma das partes (cfr.artº.12, nº.3, do C.I.M.I.), não parece, a este Tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. Neste contexto, se a lei consagra, relativamente ao I.M.I., a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, tal perspectiva se impõe, igualmente e, desde logo, em virtude do princípio da legalidade tributária, relativamente à regra de incidência da verba nº.28, da T.G.I.S. E recorde-se que o escopo desta norma de incidência é tributar realidades independentes, individualizadas e não resultantes de uma agregação ou soma, ainda que jurídica. O critério uniforme que se impõe é, portanto, o que determina que a incidência da norma em causa apenas abrange na sua previsão alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, que possua um vpt superior a € 1.000.000,00.
Não obstante a existência jurídica de um único prédio, no sentido civilista do termo, para efeitos de tributação do património, o legislador impõe a consideração autónoma de cada uma das fracções independentes, o que é válido em sede de l.M.I. e de Imposto de Selo, tributo que remete para o conceito de prédio constante do regime de I.M.I.” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 29.06.2016, Processo n.º 09640/16).
Nesta conformidade, até porque se tratam de actos nulos, por ofensa do caso julgado, importa declarar a sua nulidade (cfr. artigo 161.º, n.º 2, alínea i), do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT), devendo a Requerente ser igualmente reembolsada do montante do imposto já suportado (2013, 2014 e 2015), acrescido do valor respeitante aos juros indemnizatórios, computados desde a data dos respectivos pagamentos até efectiva e integral restituição (cfr. artigo 24.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 10/2011).
Invoca finalmente a violação do direito de audição prévia e do dever de fundamentação das liquidações adicionais do Imposto do Selo (anos de 2013 e 2014).
Constituição do Tribunal Arbitral
Os árbitros foram designados pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD, por não ter pretendido a Requerente usar a faculdade de designação de árbitro [cfr artigos 6º-2/a) e 11º-1/b), do DL nº 10/2011], ficando o Tribunal constituído em 11-11-2016.
Resposta da AT
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, contestando a tese defendida pela Requerente de violação de caso julgado e, por outro lado, reiterando que a isenção prevista no artigo 66º-A / nº 12, do EBF não se aplica aos factos tributários a que alude o artigo 28.1, da TGIS, sendo que só em 30-3-2016 é que foi introduzida essa isenção pela Lei nº 7-A/2016 que aditou um nº 14, ao citado artigo 66º-A, do EBF[5].
Reitera igualmente a posição assumida na fase administrativa, designadamente que o prédio em causa é constituído por 16 partes independentes e autónomas destinadas a habitação que foram avaliadas à luz do disposto no artigo 7º-2/b), do CIMI, perfazendo essa avaliação a importância de €2.014.810,00; logo foi sobre este valor que a AT liquidou o imposto de selo na importância de €60.444,30, sendo que este encargo da Cooperativa requerente não está abrangido pela norma de isenção do nº 12, do artigo 66º, do EBF.
Saneamento do processo.
O Tribunal é competente
As partes são legítimas e capazes e o processo é o próprio.
Suscita a Requerente a exceção de caso julgado.
A exceção improcede como infra, na apreciação do mérito, melhor se fundamentará.
Não há outras exceções ou questões prévias a decidir.
Cumpre apreciar o mérito do pedido.
FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma cooperativa de habitação e construção.
b) Nos anos de 2013, 2014 e 2015, a Requerente era proprietária do prédio urbano em propriedade total, afeto a habitação, inscrito sob o artigo … da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 2.014.810,00.
c) O referido prédio é constituído por 16 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas a habitação, todas com um valor patrimonial tributário próprio, determinado nos termos do Código do IMI, inferior a € 1.000.000,00. [cf. documentos n.ºs 1 a 48 anexos à P. I.]
d) Em 5 de abril de 2016, a AT liquidou Imposto do Selo, reportado ao ano de 2015 e referente aos andares ou divisões com utilização independente mencionados no facto provado anterior, ascendendo o valor total da coleta a € 20.148,10. [cf. documentos n.ºs 1 a 16 anexos à P. I.]
e) Em 31 de maio de 2016, a AT efetuou a liquidação adicional de Imposto do Selo, reportado ao ano de 2013 e referente aos andares ou divisões com utilização independente mencionados no facto provado c), ascendendo o valor total da coleta a € 20.148,10. [cf. documentos n.ºs 17 a 32 anexos à P. I.]
f) Em 31 de maio de 2016, a AT efetuou a liquidação adicional de Imposto do Selo, reportado ao ano de 2014 e referente aos andares ou divisões com utilização independente mencionados no facto provado c), ascendendo o valor total da coleta a € 20.148,10. [cf. documentos n.ºs 33 a 48 anexos à P. I.]
g) As liquidações de Imposto do Selo referidas nos factos provados d), e) e f) resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente mencionados no facto provado c).
h) Em 27 de abril de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do Imposto do Selo liquidado pela AT, relativamente ao ano de 2015, no montante de € 20.148,10. [cf. documentos n.ºs 1 a 16 anexos à P. I.]
i) Em 29 de julho de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do Imposto do Selo liquidado pela AT, relativamente aos anos de 2013 e 2014, no montante de € 20.148,10, por cada ano. [cf. documentos n.ºs 17 a 48 anexos à P. I.]
j) Em 29 de julho de 2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
*
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e nos documentos juntos aos autos.
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2. DE DIREITO
A Requerente argui a existência de diversos vícios, nos quais funda o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas.
Concretamente, a Requerente invoca:
- a ofensa de caso julgado material;
- a violação da norma constante do artigo 66.º-A, n.º 12, do EBF, que prevê a isenção de Imposto do Selo para as cooperativas, quando este imposto constitua seu encargo;
- a violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS;
- a inconstitucionalidade da mesma norma de incidência tributária, por violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade, da legalidade e da justiça tributárias; e
- quanto às liquidações adicionais de Imposto do Selo, relativas aos anos de 2013 e 2014, a violação do direito de audição prévia e do dever de fundamentação.
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade, desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios (n.º 2).
As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.
A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.
Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.
Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.
No caso concreto, compulsado o pedido de pronúncia arbitral, constatamos que a Requerente arguiu um vício gerador de nulidade, sendo todos os demais vícios geradores de anulabilidade, tendo estabelecido uma relação de subsidiariedade entre aquele e estes, mas não quanto a estes.
Assim, começaremos por conhecer do invocado vício de ofensa de caso julgado material (gerador de nulidade) e, caso este não proceda, conheceremos em seguida dos demais vícios (geradores de anulabilidade), segundo uma ordem que tem por critério a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da Requerente.
Apreciaremos, então, inicialmente o vício de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pois, só importará proceder à apreciação do indicado vício de inconstitucionalidade e da violação da norma constante do artigo 66.º-A, n.º 12, do EBF, se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba da TGIS envolver a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice[6]. No tangente às liquidações adicionais de Imposto do Selo, relativas aos anos de 2013 e 2014, a violação do direito de audição prévia e do dever de fundamentação – que, in casu, se reconduzem a meros vícios de forma –, são relegadas para final e só serão objeto de pronúncia se, obviamente, se vier a verificar a necessidade de conhecer esses vícios.
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§1. DA OFENSA DE CASO JULGADO MATERIAL
A Requerente funda a ocorrência deste vício na sentença arbitral proferida, em 16 de outubro de 2015, no processo n.º 781/2014-T do CAAD, a qual julgou procedente o respetivo pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarou ilegais, por vício de violação de lei, as liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2012 e resultantes da aplicação da verba 28.1 da TGIS aos andares ou divisões com utilização independente, do mesmo prédio urbano em causa nos presentes autos, tendo-as anulado [cf. documento n.º 50 anexo à p. i.].
A Requerente alega que, «em face da natureza material dos fundamentos que ditaram a anulação judicial do Imposto do Selo, os quais dizem respeito à própria validade intrínseca relacionada com a legitimidade de tributação, mister é reconhecer-se que a ilegalidade do Imposto do Selo, com fundamento na verba 28.1 da TGIS constitui caso julgado material, não podendo vir a ser reapreciada tal questão.»
Por isso, diz a Requerente, as «liquidações do Imposto do Selo dos anos de 2013, 2014 e 2015 ofendem, desde logo, o caso julgado material, formado pelo teor decisório da sentença arbitral proferida em 16.10.2015, apresentando-se, consequentemente, como actos nulos, ex vi disposto no artigo 161.º, n.º 2, i), do Código do procedimento Administrativo (CPA), declaração de nulidade que aqui expressamente se requer.»
A Requerente sustenta ainda que resultou violado «o disposto no artigo 205.º, n.º 2 (ex vi n.º 2 do artigo 209.º), no artigo 266.º, n.º 1, todos da Lei Fundamental, no artigo 100.º da LGT, no artigo 24.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 10/2011, dado que às sentenças arbitrais é reconhecido, sem controvérsia, a mesma validade vinculativa das decisões judiciais e a mesma executoriedade que assiste àquelas (cfr. n.º 7 do artigo 42.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro).»
A ofensa de caso julgado ocorre quando uma decisão da AT é incompatível com o decidido por um tribunal, através de uma decisão transitada em julgado.
A atribuição da qualificação de nulidade ao vício do ato tributário que viola caso julgado (cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea i), do CPA) é uma concretização do princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões judiciais e da sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades (cf. artigo 205.º, n.º 2, da CRP).
Uma decisão judicial transita em julgado quando não seja suscetível de recurso ordinário ou reclamação, como preceitua o artigo 628.º do CPC; sendo que, uma vez transitada em julgado, a decisão judicial forma caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (cf. artigo 621.º do CPC), tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, como decorre do disposto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC.
No entanto, como determina esta última norma, por remissão para os artigos 580.º e 581.º do mesmo compêndio legal, tal força obrigatória está subjetiva e objetivamente limitada, abrangendo apenas as partes no processo e as pretensões baseadas no mesmo facto jurídico.
A isto se chama o caso julgado material, por contraposição ao denominado caso julgado formal; este último, como estatui o artigo 620.º, n.º 1, do CPC, é referente às sentenças e aos despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual – entendendo-se, como tal, os que, em qualquer momento processual, decidem uma questão que não é de mérito –, os quais têm força obrigatória apenas dentro do processo.
Sendo a decisão judicial uma sentença que verse a matéria de fundo da ação, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele. Essa força obrigatória fora do respetivo processo constitui impedimento a que outra ação idêntica seja proposta, com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir. É esta obrigatoriedade dentro do processo e fora dele que caracteriza o caso julgado material, constituindo entendimento jurisprudencial maioritário que o caso julgado não abrange os fundamentos de direito da decisão, mas tão-somente esta.
Destarte, «não está impedida a administração tributária de aplicar em relação a um contribuinte um entendimento jurídico que esteja em desconformidade com o decidido num processo judicial em que foi apreciada a mesma questão em que era parte outro contribuinte ou mesmo o que tiver sido decidido num processo judicial em que era parte o mesmo contribuinte, mas em que era apreciado um facto tributário distinto, mesmo que seja idêntica a questão jurídica essencial.»[7]
Assim, a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da decisão, isto é, a determinação exata do seu conteúdo, ou seja, dos precisos limites e termos em que julga.
Dito isto e volvendo ao caso concreto, consoante já se disse, aqueloutro processo arbitral tratou da (i)legalidade das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2012; e o que agora está em causa são as liquidações de Imposto do Selo referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015, sendo estes os atos tributários cuja (i)legalidade importa aqui sindicar.
Por isso, resulta evidente que não estamos, seguramente, em presença de uma situação em que a decisão proferida naqueloutra ação deva ter força obrigatória fora do processo em que foi proferida.
Na verdade, a decisão proferida no processo n.º 781/2014-T do CAAD “constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, como diz a lei. E o certo é que essa decisão julgou apenas e só a (i)legalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012, não tendo julgado a (i)legalidade das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013, 2014 e 2015.
Nesta parametria, não ocorre a situação de caso julgado material, pelo que, importa concluir, a terminar, que a decisão arbitral proferida em processo que visou a impugnação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012 não pode constituir caso julgado material nem quanto à AT, impedindo-a de praticar atos de liquidação de Imposto do Selo relativamente aos anos de 2013, 2014 e 2015, nem em relação à decisão a proferir em processo arbitral em que se visa a impugnação destas mesmas liquidações de Imposto do Selo, atenta a diversidade de causa de pedir e de pedido.
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§2. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS
No epicentro do dissenso que opõe as partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da Verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação (cf. artigo 4.º):
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»
Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor:
«28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %»
A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:
Artigo 11.º [LGT]
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Artigo 9.º [Código Civil]
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD:
“A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da Verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.
Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta Verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.
Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à Verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.
Nesta parametria, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da Verba 28.1 da TGIS.
No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no artigo 2.º:
1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:
Prédios rústicos (artigo 3.º):
São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Nenhum dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, do prédio urbano em apreço, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.
Nessa medida e atento o acima exposto, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares ou divisões com utilização independente afetos à habitação é inferior àquele valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares ou divisões não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e sequente anulação.
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Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões e vícios invocados pela Requerente.
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§4. DO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente, no montante global de € 60.444,30, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo artigo 24.º do RJAT.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações controvertidas, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à AT por, naquelas liquidações de Imposto do Selo, ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde as datas dos respetivos pagamentos – 27/04/2016 e 29/07/2016 –, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
DECISÃO
À luz do exposto, deliberam os árbitros que constituem este Tribunal Coletivo:
a) Julgar totalmente procedente o pedido;
b) Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo:
(i) datados de 05.04.2016, relativo ao ano de 2015 (cfr. cópias das liquidações juntas sob a designação de Documento n.º 1 a 16), dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10;
(ii) datados de 31.05.2016, relativo ao ano de 2013 (cfr. cópia das liquidações juntas sob a designação de Documentos n.ºs 17 a 32), dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10;
(iii)datados de 31.05.2016, relativo ao ano de 2014 (cfr. cópia das liquidações juntas sob a designação de Documento n.º 33 a 48), dos quais resultou uma colecta apurada no valor global de €20.148,10.
c) Anular, em consequência, as sobreditas liquidações;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na restituição das importâncias pagas pela Requerente decorrentes dessas sobreditas liquidações, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos expostos supra, desde as datas dos pagamentos até à data da nota de crédito em que sejam incluídos e
e) Condenar a AT nas custas deste processo.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 60.444,30.
Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00.
Lisboa, 21 de março de 2017
O Tribunal Arbitral
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Ricardo Rodrigues Pereira
(Árbitro Adjunto)
Ricardo Marques Candeias
(Árbitro Adjunto)
[1] Ainda que parcialmente, pois nunca efectuou o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo – decorrentes de directa imposição legal, logo, nem carecidos de reconhecimento judicial, atentos os fundamentos substantivos de violação de lei.
[2] A norma em apreço estatui que “são ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.
[3] Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 02.03.2004, Processo n.º 00199/03. “A atribuição de utilidade turística a um estabelecimento hoteleiro tinha por efeito um conjunto associado de benefícios, designadamente ao nível fiscal, que não dependiam do reconhecimento pela AT em requerimento autónomo do interessado, surgindo por mero efeito daquela atribuição;
Um benefício fiscal assim não dependente de requerimento autónomo do interessado, deve qualificar-se de automático por derivar directamente da lei sem necessidade de qualquer um outro acto de mediação, nos termos do EBF, por contraposição aos que necessitam de reconhecimento em requerimento e de decisão concreta caso a caso;
Um benefício fiscal assim de concessão automática, nos termos do mesmo EBF, não pode ser renunciável.
[5] A título de curiosidade assinale-se a curta vigência deste aditamento. Na verdade, este número 14, do artigo 66º-A, do EBF, veio a ser revogado pela nova redação dada ao artigo pela Lei nº 42/2016, de 28/12 (Orçamento do Estado para 2017).
[6] A propósito da invocada violação da norma do EBF e do seu conhecimento, importa frisar que, do ponto de vista jurídico, e na ótica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto.
[7] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 338.