DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e Paulo Mendonça, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
-
No dia 24 de Abril de 2016, A…, S.A., titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva …, com sede na …, n.º…, …, …, união das freguesias de … e … e Concelho de Cascais, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IVA n.º 2016…, de 2016-01-12, no valor de € 651.911,18 (seiscentos e cinquenta e um mil novecentos e onze euros e dezoito cêntimos).
-
Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o critério da permilagem aplicado pela Requerente para cálculo do IVA dedutível não provoca distorções na tributação, uma vez que não se verificam factores diferenciadores do custo de construção das fracções afectas à exploração hoteleira e do custo de construção das restantes fracções do prédio e que o critério aplicado pela Requerida não está fundamentado, não tem qualquer aderência à realidade do prédio e é gerador de distorções na tributação, pelo que a liquidação viola o disposto nos artigos 23.º/2 do CIVA e 9.º do Decreto-Lei n.º 21/2007.
-
No dia 26-04-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
-
Em 14-06-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.
-
No dia 19-09-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
-
No dia 16-11-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
-
Em 02-01-2017 foi prorrogado o prazo a que alude o artigo 21.º/2 do RJAT, por 60 dias.
-
Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
-
Em 24-02-2017 foi prorrogado novamente o prazo a que alude o artigo 21.º/2 do RJAT, por 60 dias.
-
Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.
-
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente iniciou a sua actividade em 1992-12-16, tendo como objecto social a aquisição de bens imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; a aquisição de imóveis para revenda; bem como o desenvolvimento de projectos de construção e de reabilitação de imóveis com uma das aludidas finalidades, a que corresponde o CAE Rev. 3 – 68100.
2- Para efeitos de IVA, a Requerente encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, desde 2007-03-30, e passou para o regime de periodicidade mensal a partir de 2016-01-01.
3- No ano de 2014 a Requerente realizou um projecto imobiliário, …, no …, concelho de …, empreendimento composto por um edifício destinado a hotel e apartamentos.
4- O referido edifício é composto por 6 pisos acima da quota de Soleira e por 4 pisos baixo da quota de soleira, com uma área total de construção de 28.147,33 m2, dos quais 15.330,81 m2 não são contabilizáveis para efeitos de índice.
5- A parte destinada a hotel foi classificada como sendo de 5 estrelas, a de habitação foi classificada pela própria Requerente, como habitação de luxo, tanto pela localização, construção, áreas e acabamentos.
6- Essa classificação foi obtida com base na pontuação determinada em função da qualidade das instalações, equipamentos, serviços e produtos de lazer e negócios, bem como das componentes ambiental, energética e urbanística.
7- De acordo com a escritura de constituição da propriedade horizontal, o prédio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo provisório P1…, é composto por 88 (oitenta e oito) fracções autónomas, identificadas pelas letras “A” a “CT”, parte das quais (62) afectas à actividade de exploração turística (“B” a “BR) e as restantes a habitação e parqueamento/arrecadação (“A” e “BS” a “CT”).
8- O prédio dispõe de 160 (cento e sessenta) lugares de estacionamento, 93 (noventa e três) dos quais estão integrados nas fracções destinadas a habitação, 59 (cinquenta e nove) integrados em fracções afectas a exploração hoteleira, 6 (seis) integrados na fracção. A e os restantes 2 (dois) são parte comum e destinam-se a pessoas de mobilidade reduzida.
9- Nos elementos constantes da certidão predial permanente do imóvel em questão, consta que: “A fracção ‘CT’ tem o uso exclusivo de uma área de 202,03 m2 do terraço de cobertura, com piscina, instalação sanitária, bar e plataforma elevatória privativa.”.
10- Em 2014-12-04, a Requerente e a B…, S.A., com sede na Rua …, n.º…, ..., em Lisboa, na qualidade de entidade gestora e em representação do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C…, com o número de identificação fiscal…, outorgaram uma escritura de compra e venda, pela qual foi transferida para o referido Fundo a propriedade de 62 fracções autónomas do prédio acima referido, identificadas pelas letras "B" a "BR", destinadas exclusivamente à exploração de uma unidade hoteleira e atividades conexas e complementares.
11- Ficou a constar da referida escritura que a venda de todas as fracções foi efectuada com renúncia à isenção do IVA, ao abrigo do DL 21/2007, de 29/01, pelo que sobre o preço acresceu IVA à taxa normal legal de 23%.
12- Para esta operação foi emitido pelo Serviço de Finanças de Cascais-… o certificado de renúncia à isenção na transmissão das referidas fracções autónomas.
13- Na referida data (2014-12-04), a B…, S.A., na qualidade de entidade gestora e em representação do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C…, deu de arrendamento à sociedade denominada " D…, S.A.", com sede na …, …, em…, união das freguesias de … e …, concelho de Cascais, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva …, as referidas 62 fracções autónomas que havia adquirido, para que a sociedade locatária as explorasse para fins hoteleiros.
14- Este arrendamento foi realizado com renúncia à isenção de IVA, nos termos do DL 21/2007, de 29/01, tendo sido emitidos pelo Serviço de Finanças de Cascais-… os certificados de renúncia à isenção na locação de bem imóvel, relativos às 62 fracções objeto de arrendamento.
15- O IVA suportado pela Requerente foi lançado na sua contabilidade na conta 27.8.1.10004 (IVA sobre Despesas do Imóvel), referente a facturas de fornecedores de materiais e serviços para a construção do prédio denominado "…" e totalizou € 6.760.765,34 (seis milhões setecentos e sessenta mil setecentos e sessenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos).
16- Na declaração de IVA relativa ao último trimestre de 2014, apresentada pela Requerente em 2015-02-16, esta exerceu o direito à dedução do IVA suportado relativamente à construção das fracções do imóvel que se destinavam à actividade hoteleira e que havia vendido com renúncia à isenção, ou seja, em relação à construção das fracções "B" a "BR", vendidas ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C… .
17- A Requerente, nessa declaração, apurou um valor dedutível de € 2.386.384,02 (dois milhões trezentos e oitenta e seis mil trezentos e oitenta e quatro euros e dois cêntimos) e, subtraído o imposto apurado a favor do Estado, no montante de € 435.706,89, solicitou o reembolso de €1.950.792,49 (um milhão, novecentos e cinquenta mil setecentos e seis euros e quarenta e nove cêntimos).
18- O apuramento do valor de IVA dedutível - € 2.386.384,02 (dois milhões trezentos e oitenta e seis mil trezentos e oitenta e quatro euros e dois cêntimos) - foi feito por aplicação da percentagem de 35,30% ao valor total do IVA suportado, no montante de € 6.760.765,34 (seis milhões setecentos e sessenta mil setecentos e sessenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos).
19- A percentagem de 35.30% corresponde à soma das permilagens das 62 fracções autónomas vendidas ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C…, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal.
20- A permilagem de cada fracção autónoma foi calculada em função da respetiva área bruta de construção, correspondente à soma da área bruta privativa, a que se aplicou o coeficiente 1, e da área bruta dependente, constituída pela área dos respetivos estacionamentos, varandas, terraços e arrecadações, a que se aplicou o coeficiente 0,30.
21- O custo de construção por m2 da área bruta privativa das fracções autónomas destinadas a habitação utilizado foi similar ao custo de construção por m2 da área bruta privativa das fracções autónomas destinadas a exploração hoteleira e o custo de construção por m2 da área bruta dependente das fracções autónomas destinadas a habitação utilizado foi igual ao custo de construção por m2 da área bruta dependente das fracções autónomas destinadas a exploração hoteleira, tendo sido considerando o mesmo custo de construção por m2, para as áreas de hotel e de habitação.
22- A permilagem atribuída a cada fracção na escritura de propriedade horizontal corresponde à área que cada uma ocupa no prédio, valorizadas as áreas brutas privativas pelo coeficiente 1 e as áreas brutas dependentes pelo coeficiente 0,30.
23- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva levada a cabo a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2015…, com despacho de 2015-06-02, cujos actos foram iniciados em 2015-07-14 e concluídos em 2015-11-24, com o objectivo de aferição da legitimidade do pedido de reembolso, referente ao último período de imposto do ano de 2014, atrás referido.
24- Da contabilidade e documentação de apoio da Requerente, resulta que esta não efectuou afectação real relativamente a nenhum dos encargos suportados com a construção do imóvel, nem possui elementos que permitam tal afectação.
25- No decurso da inspecção não foram pedidos à Requerente quaisquer esclarecimentos sobre a eventual existência de diferenças de custo de construção das áreas das fracções afetas a exploração hoteleira e das áreas das fracções destinadas a habitação.
26- A Requerente tomou conhecimento do projecto de relatório da inspecção tributária em 2015-12-03, o qual propunha o deferimento parcial do pedido de reembolso de IVA, no montante de € 1.298.881,31, em consequência de correcções feitas, no montante de € 651.911,18 (seiscentos e cinquenta e um mil novecentos e onze euros e dezoito cêntimos), relativamente ao período em análise.
27- O valor das correções resultava da aplicação da percentagem de 25.65% ao valor total do IVA suportado pela Requerente, no montante de € 6.760.765,34 (seis milhões setecentos e sessenta mil setecentos e sessenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos).
28- O projecto de RIT justificou a referida percentagem por considerar mais adequada a utilização do critério do custo de construção por fracção (que pondera a área de cada fracção e o seu custo médio de construção), do que o da permilagem (que apenas tem em conta a área das fracções), na determinação do imposto a deduzir, relativamente à parte do empreendimento afecto a operações tributadas em sede de IVA.
29- A metodologia utilizada na 2.ª avaliação referida incluiu visitas ao edifício, sendo que para apuramento do custo de construção foi aplicado o valor de 1.000,00/m2 para as fracções do hotel e € 2.000,00/m2 para as fracções de habitação.
30- A Requerente exerceu o direito de audição prévia e apresentou um relatório nos termos do qual os custos comuns do prédio totalizam 57,4%, os custos específicos das áreas afectas a hotelaria representavam 22,4% e os custos específicos reativos às áreas afectas a habitação representavam 20,2%.
31- Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:
i. "Pese embora, estejamos perante a utilização de um critério comummente aceite, no caso em análise, este critério pode efetivamente criar distorções, porquanto a análise do imposto a deduzir (valor de imposto suportado que foi imputado à construção do hotel) não teve em conta a especificidade do imóvel em questão, imputando os custos segundo a área, considerando, deste modo, o mesmo custo de construção m2, para áreas com utilizações tão distintas como hotel, habitação e estacionamentos/arrecadações, desprezando, nomeadamente, os materiais e equipamentos utilizados de forma diferenciada nas frações destinadas a habitação ou a hotel";
ii. “Assim, no sentido de validar o critério da permilagem, utilizado pelo sujeito passivo (de acordo com o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 23º do CIVA) para apuramento do imposto dedutível na construção do imóvel e, objeto do pedido de reembolso, recorreu a AT a outros critérios objetivos, nomeadamente, elementos que compõem o cálculo do Valor Patrimonial Tributário das frações que compõem o imóvel.";
32- O Chefe do Serviço de Finanças de Cascais…, mediante despacho de 2015-01-07, promoveu a segunda avaliação de todas as fracções autónomas do prédio, à excepção das frações A e BA, ao abrigo do disposto no artigo 76.º/3 do CIMI, por considerar que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, se apresentava distorcido relativamente ao valor normal de mercado, porque o prédio apresentava características valorativas que o diferenciavam do padrão normal para a zona e o valor patrimonial tributário era inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado .
33- O valor patrimonial tributário das fracções autónomas, em sede de segunda avaliação, foi determinado pelo método do custo, tendo o Presidente da Comissão de Avaliação e o Representante da Câmara Municipal de … criado uma base de trabalho para ser apresentada a todos os representantes dos sujeitos passivos, nos termos da qual, entre outros critérios, foi fixado o custo de construção de € 2.000,00/m2 de área ponderada para as fracções de habitação e € 1.000,00/m2 de área ponderada para as fracções do hotel.
34- Os representantes dos sujeitos passivos opuseram-se a esse critério, tendo-se verificado empate na votação, o qual foi desfeito com o voto de qualidade do Presidente da Comissão, impondo o critério que o mesmo e o Representante da Câmara Municipal de … haviam previamente definido.
35- A AT tomou por base os valores do custo de construção por fracção, utilizado para cálculo do VPT das frações autónomas, em sede de segunda avaliação, e concluiu que as fracções destinadas a habitação e estacionamento representam um total de 74,35% ao passo que as fracções afetas a hotel representam um total de 25.65% e que este critério era o mais adequado por ponderar a área de cada fracção e o seu custo médio de construção.
36- Os termos da segunda avaliação são omissos quanto aos concretos materiais e equipamentos utilizados nas frações destinadas a habitação e a hotel, referindo que o prédio se destina a unidade hoteleira e habitação, está situado em zona privilegiada, parcialmente em domínio público marítimo desafectado, e tem arquitectura contemporânea de boa qualidade.
A.2. Factos dados como não provados
1- O edifício referido nos pontos 3 e seguintes dos factos provados tem diferenças ao nível dos acabamentos, nomeadamente nos acabamentos de apartamentos de luxo.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
Não se deram igualmente como provados ou não provados factos incompatíveis com a matéria de facto dada como provada e não provada.
O facto dado como não provado, alegado pela Requerida na sua resposta, decorre da falta de prova suficiente nesse sentido, não bastando, manifestamente, o dado como provado no ponto 9 da matéria de facto, apresentado pela Requerida como exemplo, mas sem que nada demonstre que é um exemplo, e não uma excepção, conforme indicaram as testemunhas ouvidas.
B. DO DIREITO
a. Da matéria de excepção.
Começa a Requerida por arguir “a excepção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta o indeferimento parcial do reembolso solicitado e que subjaz ao acto impugnado nos presentes autos, pelo que os mesmos não podem prosseguir, considerando que “dúvidas não restam que o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral se traduz no indeferimento parcial do reembolso que a Requerente havia formulado aquando da submissão da declaração periódica do último trimestre do ano de 2014, na qual solicitava o reembolso no montante global de € 1 950 792,49.” E que “Não estamos, pois, no que diz respeito a este pedido da Requerente face a um acto tributário de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta susceptível de ser apreciado por esta jurisdição arbitral.”.
Como se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral 238/2013T, do CAAD, de resto citado pela Requerente, em entendimento que se mantém:
“Como se viu já, alega a Autoridade Tributária e Aduaneira que os actos de o indeferimento parcial do reembolso efectuado mediante compensação, não se encontram abrangidos pela competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, a funcionar no CAAD.
Neste aspecto, e atento o quadro legal acima traçado, tem de se concluir que não se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas, em cumprimento de anteriores actos de liquidação.
Porém, no caso em apreço, como se vê pelo documento reproduzido na alínea f) da matéria de facto fixada, foi a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou uma operação de contabilização de IVA a reembolsar que denominou «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO IVA», a que atribuiu um «NÚMERO LIQUIDAÇÃO» e uma «DATA LIQUIDAÇÃO», e indicou, na parte final, que a Requerente «fica (...) notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra» e «Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artºs 70° e 102° do CPPT».
Ou seja: face aos elementos documentais disponíveis, dever-se-á concluir que, em concreto, bem ou mal, foi praticado um acto de liquidação. Tal acto, corporizado no documento notificado à Requerente integrante da demonstração de liquidação de IVA n.º 2013 …, datada de 20-02-2013, será, para além das restantes liquidações mais, o objecto dos presentes autos, reconduzível à previsão da alínea a) do artigo 2.º do RJAT.
A legalidade de tal acto – bem ou mal praticado – é susceptível de ser apreciada e enquadra-se, directamente, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, pelo que a invocada excepção de incompetência absoluta, haveria de improceder.
Mesmo que assim não se entendesse, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os administrados não devem ser prejudicados no exercício de direitos processuais quando forem induzidos em erro por actos de entidades públicas competentes, regra que tem afloramentos explícitos, para os tribunais, no artigo 157.º, n.º 6, e no artigo 191.º, n.º 3, do CPC de 2013 (anteriores artigos 161.º, n.º 1, 198.º, n.º 3) e para os actos da administração, no artigo 7.º do CPA e no artigo 60.º, n.º 4, do CPTA.
Ou seja, tem-se entendido, em suma, que quando um administrado seja induzido à utilização de um determinado meio processual por uma determinada conduta da Administração, não poderá esta pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, escudando-se na inadequação do meio processual cuja utilização ela própria, objectivamente, induziu.
No caso, verifica-se inclusive que há doutrina, (JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES), a defender que, «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto» , tese esta que está em sintonia com a aplicação, determinada pelo artigo 22.º, n.ºs 11 e 13 do CIVA, aos actos de indeferimento de pedidos de reembolso dos meios de impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA, previstos no artigo 93.º do mesmo Código.
Neste contexto, sendo a própria Administração Tributária que na notificação identificou o acto notificado como sendo de liquidação de IVA, induzindo a Requerente à utilização de um meio processual adequado à respectiva impugnação, e não sendo seguro que tal qualificação seja errada (como não pode deixar de se entender quando se constata que a adequação de tal qualificação é afirmada por dois reputados professores universitários de direito tributário) sempre, também por esta via, seria de julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”
Também no presente caso a AT efectuou uma operação de contabilização de IVA a reembolsar que denominou «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO IVA», a que atribuiu um «NÚMERO LIQUIDAÇÃO» (2016…) e uma «DATA LIQUIDAÇÃO» (2016-01-12), e indicou, na parte final, que a Requerente «fica (...) notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra» e «Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos art°s 70° e 102° do CPPT», acto este que constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral[1], e que encontra enquadramento no artigo 2.º/1/a) do RJAT, improcedendo, assim, a excepção invocada.
Sem prejuízo, sempre se dirá que, face ao regime do Código do IVA, se afigura que, também materialmente, o acto praticado deverá ser qualificado (como formalmente o foi) como de liquidação.
Efectivamente, apenas os casos em que o pedido de reembolso seja recusado nos termos do n.º 11 do artigo 22.º (“quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.”), o que não é o caso, é que se deverá considerar que não está em causa um acto de liquidação[2].
Os casos, como o presente, em que a AT efectua, oficiosamente, uma compensação corrigindo a declaração apresentada pelo contribuinte, e em que inexiste montante a pagar, deverão considerar-se directamente abrangidos pelo regime do artigo 93.º do CIVA, que, justamente por não haver imposto a pagar, dispõe, no seu n.º 2, que o “prazo para o recurso hierárquico, para a reclamação e para a impugnação judicial conta-se a partir do dia imediato ao da recepção da notificação a que se refere o número anterior”, ao contrário do regime geral, do artigo 97.º do IVA e do artigo 102.º/1/a) do CPPT, para o qual aquele remete, que consagram como termo inicial o “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, termo este que seria insusceptível de aplicação no caso de compensações sem imposto a pagar.
Aquela referida norma do artigo 93.º do CIVA, qualifica expressamente os actos a que se reporta, nos quais não há imposto a pagar, como actos de liquidação, o que de resto é consentâneo com a materialidade subjacente aos mesmos, já que os valores de que o sujeito passivo é credor são, eles próprios, valores relativos a imposto, pelo que, ainda que a AT esteja a fixar uma prestação a favor do contribuinte, não se deverá perder de vista que que tal prestação se reporta a imposto pago por aquele, pelo que o acto em questão sempre se reconduzirá à fixação unilateral de um valor de imposto, como é típico dos actos de liquidação.
b. Do fundo da causa.
A questão decidenda nos presentes autos de processo arbitral, formula-se em poucas linhas, sendo os seus traços essenciais os seguintes:
è A Requerente vendeu, renunciando à isenção de IVA, um conjunto de fracções autónomas, destinadas à instalação de um empreendimento hoteleiro, fracções essas que integravam um prédio contendo outras fracções destinadas à habitação;
è Face a tal renúncia apresentou o competente pedido de reembolso do imposto suportado com a construção das fracções em questão;
è Discordando do método de cálculo aplicado pela Requerente, que assentou na percentagem de área ocupada pelas fracções em causa, no conjunto do prédio, a AT corrigiu o valor de imposto a reembolsar, para menos, utilizando como critério que se lhe afigurou mais adequado, o custo de construção que constava dos termos da 2.ª avaliação das fracções autónomas, realizada ao abrigo do disposto no artigo 76.º/3 do CIMI.
É esta correcção cuja legalidade ora cumpre aferir.
*
Em causa, no plano legal, está a aplicação do artigo 23.º do CIVA, que, para além do mais, dispõe que:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.”
*
Antes de prosseguir, cumpre esclarecer as normas do ónus da prova aplicáveis.
De acordo com o artigo 74.º/1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.
Em aplicação de tal critério, e tendo em conta que está em causa o direito ao reembolso que a Requerente pretende exercer, concluir-se-ia que o ónus da prova dos pressupostos daquele – no caso, a adequação da percentagem dos custos suportados a afectar às fracções a cuja isenção de IVA renunciou - assistiria à Requerente.
Todavia, dispõe o artigo 75.º/1, também da LGT, que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
No caso, a Requerente apresentou, nos termos previstos na lei, a sua declaração periódica de IVA relativa ao último trimestre de 2014, onde exerceu o seu direito à dedução, e apurou o montante de imposto a reembolsar.
Dispõe o artigo 344.º do Código Civil que as regras relativas ao ónus da prova “invertem-se, quando haja presunção legal”, pelo que, nos termos de tal norma, e face à referida presunção legal do artigo 75.º/1 da LGT, dever-se-á entender invertida, no que respeita à adequação da percentagem dos custos a afectar às fracções a cuja isenção de IVA renunciou, a regra do ónus da prova fixada no artigo 74.º/1 da LGT.
Deste modo, in casu, cumpre aferir se o critério utilizado pela AT, no acto de liquidação ora em crise, é ou não adequado.
Com efeito, tendo a Requerente, nos termos legais, apresentado a sua declaração fiscal, possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a pretendendo a AT proceder, como procedeu, a correcções àquela, “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)” [3].
*
Conforme acima já referido, para determinar a percentagem dos custos suportados com a construção das fracções autónomas relativamente às quais a Requerente renunciou à isenção de IVA, a AT utilizou o valor dos custos de construção utilizado na segunda avaliação realizada para efeitos do CIMI, aplicando-os às fracções destinadas a utilização hoteleira e habitacional.
Desde logo, diga-se que não se subscrevem os considerandos da Requerente, segundo os quais tal operação seria absolutamente proscrita, porquanto o artigo 76.º/3 do CIMI dispõe que a avaliação a que o mesmo se refere, e que está ora em causa “releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT”.
Com efeito, a circunstância de a avaliação em causa ter uma eficácia formal em sede de IRS, IRC e IMT, não prejudica que a mesma possa ter um fundamento material, devidamente fundamentado, que possa ser transposto para outros efeitos, constituindo, no fundo, uma fundamentação por remissão para esse fundamento material ali plasmado, permitida por via do artigo 77.º/1 da LGT.
Tal todavia, quer dizer que, fora do âmbito do IRS, IRC e IMT abrangido pela previsão do referido artigo 76.º/3 do CIMI, não poderá automaticamente remeter para a avaliação feita nos termos dessa norma, e pretender que os dados ali constantes valham de per si, independentemente do respectivo suporte material.
Ou seja, e em suma, a remissão feita pela AT para a avaliação efectuada nos termos do CIMI, deverá ser entendida como tal, ou seja, como uma remissão de fundamentação, que deverá ser apreciada e julgada na sua materialidade, não sendo a legalidade da sua utilização automaticamente garantida pela eventual consolidação na ordem jurídica do acto de avaliação para o qual se verificou a remissão.
Cumpre, assim, face ao exposto e tendo em conta que em causa esta a aplicação da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, acima transcrito, aferir, em função dos elementos disponíveis, se o valor de custos de construção definido na segunda avaliação realizada para efeitos do CIMI é, ou não, materialmente fundado, em termos de se poder afirmar, para lá de qualquer dúvida razoável, conforme – como se viu – constitui, in casu, ónus da AT, que a proporção de custos suportados com a construção das fracções afectadas a utilização hoteleira e a utilização habitacional foi, respectivamente, de 1 (1000) para 2 (2000).
*
Compulsada a documentação relativa ao procedimento da segunda avaliação realizada nos termos do CIMI, em que assenta o acto tributário em crise, verifica-se que, efectivamente, e como refere a AT, na mesma foi arbitrado como custo de construção das fracções destinadas a utilização hoteleira o montante de €1.000,00/m2, enquanto que o mesmo custo para as fracções destinadas a habitação foi fixado no montante de €2.000,007m2.
Contudo, compulsada essa mesma documentação, não se encontra suporte material para os valores fixados.
Com efeito, e não obstante nos termos de avaliação constar que “os peritos deslocaram-se ao edifício, onde puderam observar a solução tipo das fracções habitacionais, constatar a localização, o tipo de construção, soluções construtivas e materiais empregues”, o certo é que tal menção é tabelar (igual para todas as fracções), e não é acompanhada de uma descrição concreta, nomeadamente quanto ao tipo de construção e materiais empregues que foram encontrados, relativamente a qualquer das fracções.
Assim, compulsada toda a documentação relevante, não se encontra qualquer fundamento para os valores atribuídos aos dois tipos de fracções, que não a mera sensibilidade subjectiva dos avaliadores.
De resto, objectivamente considerada, a avaliação em que se fundamenta o acto tributário ora em crise, revela grandes limitações que permitem concluir pelo seu afastamento da realidade, sendo de notar, desde logo, a uniformidade do valor relativamente aos dois tipos de fracções, quando, como nota a própria AT nos autos, algumas terão piscinas e/ou plataformas elevatórias, outros não, sendo que, notoriamente, havendo partes das fracções mais dispendiosas por m2 do que outras, como cozinhas e casas de banho, o respectivo valor será, tendencialmente, tanto mais diluído quanto maior a tipologia da fracção, notando-se também que os próprios termos de avaliação mencionam que atenderam à “necessária equidade”, o que também denota o distanciamento da realidade objectiva dos factos.
A própria Requerida nos autos, nada adianta de concreto no sentido da sustentação dos valores utilizados no acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, concentrando o essencial da sua argumentação na descredibilização da repartição de custos utilizada pela Requerente, que como se viu se presume verdadeira, quando, como se viu, é seu o ónus da demonstração da legalidade do acto tributário que defende, e, consequentemente, da repartição de custos nele operada.
Embora a Requerida refira que “utiliza dados comprovados, por técnicos independentes, competentes e especializados nas áreas em análise para sustentar o critério objectivo por si determinado”, na verdade, nem das fichas de avaliação, nem de qualquer outro elemento disponibilizado é possível apurar quais os dados em que os referidos técnicos basearam o critério por si utilizado.
Não obsta ao referido, as circunstâncias, apontadas pela Requerida, de que foram cumpridas “as regras definidas no CIMI”, e de que “às partes intervenientes (vendedores e compradores) foram assegurados os meios de participação na tomada de decisão final através de audição prévia”, já que tais circunstâncias formais relevam para a validade do acto, condição para a aplicabilidade da avaliação aos impostos referidos na norma do artigo 76.º/3 do CIMI, mas nada revelam do que concretamente foi considerado na avaliação em questão.
Do mesmo modo, não se questionando que, como refere a Requerida, “O critério utilizado pela AT foi definido pela Comissão de Avaliação composta por técnicos com formação adequada e que se deslocaram ao edifício”, também isso nada revela sobre quais as características das concretas fracções em causa foram consideradas, e de que forma, para definir tal critério.
Também não se poderá validar a actuação da AT sub iudice, com base na circunstâncias, reiterada pela Requerida, de a Requerente não ter adoptado o critério da afectação real, já que a mesma não estava obrigada a tal, e, de resto, não consta que, em função do constatado, a AT haja, sequer, lançado mão da prorrogativa conferida pelo artigo 23.º/3/b) do CIVA, sendo ainda certo que não assiste razão à Requerida, quando afirma que a Requerente “não optou pela aplicação de critérios objectivos”, uma vez que o critério adoptado por esta, a permilagem, é consabidamente um critério objectivo, reconhecendo a própria AT que se trata de um “critério, comummente aceite”.
Note-se ainda, que não se tem por legítimo que, face à não utilização, pela Requerente, de um critério de afectação real (que, como se apontou, não estava obrigada a utilizar), a AT possa proceder com base num juízo de “razoabilidade do critério da permilagem adoptado pela Requerente na determinação do imposto dedutível” para aplicar “um critério fundamentado e mais consentâneo com a situação”, uma vez que as normas aplicáveis não licenciam qualquer discricionariedade à AT, ao contrário, por exemplo, de normas como o artigo 31.º/2 do CIRC.
Deste modo, não considerando devidamente fundamentada de facto e, consequentemente, de direito, a liquidação objecto do presente processo arbitral, deverá a mesma ser anulada.
*
Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Dispõe o artigo 22.º/8 do CIVA aplicável, que “Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária.”.
No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação ora anulado, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 22.º/8 do CIVA, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são calculados com base no respectivo valor, até ao pagamento à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anula-se o acto de liquidação de IVA n.º 2016…, de 2016-01-12, no valor de € 651.911,18;
b) Condena-se a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima discriminados;
c) Condena-se a Requerida nas custas do processo, no montante de €9.792,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 651.911,18, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €9.792,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 6 de Abril de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(João Taborda da Gama)
O Árbitro Vogal
(Paulo Mendonça)
[1] O que a própria Requerida acaba por reconhcer, no final das suas alegações, referindo que “não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada” (sublinhado nosso).
[2] E, mesmo nesses casos, poder-se-á considerar a arbitrabilidade de tais actos, face à reconhecida equiparação entre o processo arbitral tributário e o processo de impugnação judicial, e ao disposto no n.º 13 do referido artigo 22.º do CIVA.
[3] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.