Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 539/2016-T
Data da decisão: 2017-02-03  IUC  
Valor do pedido: € 8.580,10
Tema: IUC – Liquidação do imposto único de circulação
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Decisão Arbitral

 

 

I. - RELATÓRIO

A - PARTES

A sociedade A…- INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA, designada por “Requerente”, com sede na Rua…, Lote…, em Lisboa, com o número de pessoa colectiva…, impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 02 de Setembro de 2016 e, nessa mesma data, notificado à AT.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 10-11-2016, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 10-11-2016, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 25-11-2016.

5 - No dia 22 de Fevereiro de 2017, O Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tendo em conta o teor do despacho proferido em 14 de Fevereiro de 2017, considerou dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do referido diploma legal.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

a) - Declare a ilegalidade do despacho de 29-04-2016 da Chefe de Divisão (em substituição) de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação graciosa n.º … 2015/…;

b) - Declare a ilegalidade e consequente anulação das liquidações relativas ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC) e dos juros compensatórios (JC) que lhe estão associados, referentes aos anos de 2011 a 2015, tal como identificadas nos autos, respeitantes aos veículos, igualmente, identificados nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

c) - Condene a AT ao reembolso da quantia de € 8.580,10, correspondente ao montante total pago a título de IUC e de JC, referente aos anos e veículos atrás referenciados;

d) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento, quer de juros indemnizatórios relativos aos montantes indevidamente liquidados e pagos, quer das custas do processo.

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que é uma instituição financeira, especializada no ramo do financiamento automóvel, em cujo objecto social se inscreve, designadamente, a celebração com os seus clientes de Contratos de Longa Duração (ALD), de contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e de contratos de Locação Financeira (leasing);

9 - Que, nesse contexto, celebrou com os seus clientes contratos de aluguer de veículos com promessa de compra e venda e contratos de locação financeira, veículos que adquire, como viaturas novas, aos importadores nacionais da … e da …;

10 - Que, aquando das notificações que recebeu para exercer o seu direito de audição prévia, veio a saber que ainda figurava formalmente como proprietária dos automóveis em causa nos autos, aos quais respeitavam 87 liquidações de IUC referentes aos anos de 2011 a 2015, cujo valor totalizava a quantia de € 8.580,10;

11 - Que, não obstante ter sido surpreendida com as referidas liquidações e embora delas discordasse, procedeu ao pagamento do imposto único de circulação objecto de liquidação;

12 - Que, em 05-08-2015, deduziu Reclamação Graciosa contra 87 liquidações de IUC, com o valor total de € 8.580,10, relativas aos anos de 2011 a 2015, tendo, então, instruído tal Reclamação com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos.

13 - Que a Reclamação Graciosa foi, por despacho de 29-04-2016, da Direcção de Finanças de Lisboa, objecto de indeferimento;

14 - Que em todos os contratos que celebrou, de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, estão claramente identificados os utilizadores dos correspondentes veículos, para os quais, ou para terceiros, após o termo dos contratos, transmitiu a propriedade dessas viaturas por um valor residual;

15 - Que nas datas da exigibilidade do IUC, referente aos veículos em causa nos autos, já não era, nuns casos, sua proprietária e, noutros casos, era locadora financeira ou locadora em contratos de locação operacional com promessa de compra e venda, não sendo, em qualquer dos casos, sujeito passivo do referido imposto;

16 - Que as vendas dos veículos ocorreram precisamente nas datas em que as correspondentes facturas foram emitidas, as quais documentam e demonstram a venda desses veículos em momento anterior ao da data da exigibilidade do IUC, sendo que, depois da concretização de tais vendas, nunca retoma a propriedade dos veículos;

17 - Que o IUC, embora tenha como objectivo a angariação de receitas, visa, igualmente, tributar os custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade, sendo a unificação desses objectivos assegurada pelo princípio da equivalência estatuído no art.º 1.º do CIUC, o qual, sendo basilar em sede de tributação de IUC, deixa claro que os contribuintes devem ser onerados na medida dos impactos que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando, assim, o princípio do poluidor-pagador;

18 - Que foi instituído, no CIUC, o princípio de que quem polui deve pagar, associando o imposto aos danos ambientais e viários que são causados com a efectiva utilização dos veículos;

19 - Que nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, na medida em que se limitou a dar de locação os veículos em causa ou a vendê-los, nos casos em que os contratos de locação já tinham terminado;

20 - Que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, e que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;

21 - Que, após o terminus dos referidos contratos, procede à transferência da propriedade dos respectivos veículos para os correspondentes locatários ou para terceiros, transferência que se dá por mero efeito dos contratos e que está suportada nas respectivas facturas de venda;

22 - Que, em qualquer dos mencionados contratos, celebrados com os seus clientes, embora o locador continue a ser o proprietário dos veículos, só os locatários e os titulares da opção de compra e venda, no caso dos contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, têm o exclusivo gozo dos veículos, sendo os potenciais causadores de danos viários e ambientais;

23 - Que o registo de aquisição dos veículos automóveis não tem qualquer valor constitutivo, na medida em que apenas tem como objectivo publicitar a situação jurídica dos veículos, constituindo o mesmo uma presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, sendo, todavia, tal presunção ilidível;

24 - Que mesmo nos caos em que o comprador (novo proprietário do veículo), não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que esse direito continua a ser do vendedor, podendo, contudo, tal presunção ser ilidida;

25 - Que considerar como sujeitos passivos de IUC apenas os proprietários das viaturas em nome das quais as mesmas se encontrem registadas, não atendendo às situações em que tais registos já não coincidem com os reais proprietários ou com os reais utilizadores das mesmas, constitui uma restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação;

26 - Que a AT, ao contrário do que lhe cabia fazer, face ao princípio do inquisitório, não encetou qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa, demonstrando total desinteresse na procura dessa verdade, tendo-se limitado a considerar a informação constante das bases de dados.

27 - Que, em situações idênticas à dos presentes autos, a jurisprudência do CAAD tem vindo a reconhecer razão ao contribuinte, indicando nesse sentido, nomeadamente, a Decisão Arbitral proferida em 20.05.2015, no Processo n.º 688/2014-T; a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 374/2015-T; o Acórdão Arbitral proferido em 21.11.2014, no Processo n.º 250/2014-T; o Acórdão Arbitral proferido em 26.10.2015, no processo n.º 7/2015-T e o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 49/2015-T.

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

28 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta, em 09-01-2017, na qual entende que as alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto os contratos de locação financeira que alega terem, pela mesma, sido celebrados não foram comunicados, nos termos estabelecidos no art.º 19.º do CIUC, não podendo, igualmente, proceder, o argumento de que a Requerente não era sujeito passivo do IUC nos casos em que alega já não ser proprietária dos veículos nas datas em que se venceu a obrigação de liquidação do referido imposto. (cfr. art.ºs 7.º a 27.º da Resposta)

29 - Por outro lado, considera que a Requerente faz uma interpretação e aplicação das normas legais, aplicáveis ao caso, notoriamente erradas, na medida em que,

30 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. (cfr. art.ºs 28.º e 29.º da Resposta)

31 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 40.º da Resposta)

32 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (cfr. art.º 41.º da Resposta)

33 - Considera que a redacção do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem. (cfr. art.ºs 50.º, 51.º e 52.º da Resposta)

34 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo n.º 210/13.OBEPNF. (cfr. art.º 54.º da Resposta)

35 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (cfr. art.º 56.º da Resposta)

36 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada. (cfr. art.º 79.º da Resposta)

37 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (cfr. art.º 86.º da Resposta)

38 - Considera também que a interpretação veiculada pela Requerente evidencia que se está a violar a Constituição, na medida em que a mesma se traduz na violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade. (cfr. arts.º 117.º e 119.º da Resposta)

39 - Acrescenta que as facturas apresentadas pela Requerente, como prova de venda dos veículos, não são aptas, por si só, a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. (cfr. art.º 98.º da Resposta)

40 - Por fim, refere não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, salientando, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que permitam a liquidação de juros indemnizatórios, cujo pedido foi formulado pela Requerente. (cfr. arts.º 138.º a 143.º da Resposta)

41 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação aduzida, os actos tributários em crise são válidos e legais, devendo o pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.

E - QUESTÕES DECIDENDAS

42 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

43 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as de saber:

a) - Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) - Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.

c) - Se, na data da exigibilidade do imposto, vigorar um contrato de locação financeira ou um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2 do CIUC, sujeito passivo do IUC é o locatário ou a entidade locadora, em nome da qual a propriedade do veículo se encontra registada.

d) - Se, nos termos de um contrato de locação financeira ou de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, na data da exigibilidade do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.

e) - Se os documentos apresentados, relativos à locação e à venda dos veículos identificados no processo, são aptos a fazer prova da locação e da compra e venda de tais veículos.

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

44 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

45 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

46 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

47 - Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e a informação inscrita no processo administrativo tributário, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.

II - FUNDAMENTAÇÃO

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

48 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

49 - A Requerente é uma instituição financeira, especializada no ramo do financiamento automóvel, em cujo objecto social se inscreve, designadamente, a celebração, com os seus clientes, de Contratos de Longa Duração (ALD), de contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e de contratos de Locação Financeira (leasing);

50 - No contexto da sua actividade, celebrou, com os seus clientes, contratos de locação financeira e contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda;

51 - O imposto único de circulação objecto de liquidação, relativamente aos veículos identificados nos autos, foi pago pela Requerente;

52 - A Requerente, em 05-08-2015, deduziu Reclamação Graciosa contra 87 liquidações de IUC, com o valor total de € 8.580,10, relativas aos anos de 2011 a 2015, tendo, então, instruído tal Reclamação com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e dos contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos;

53 - A Reclamação Graciosa, depois de substancialmente analisada, na Direcção de Finanças de Lisboa - Divisão de Justiça Administrativa, ou seja, após a reapreciação da legalidade dos actos de liquidação visados, foi, por despacho de 29-04-2016, da Chefe (em substituição) da referida Divisão, objecto de indeferimento;

54 - A Requerente, como prova dos referidos contratos de locação e das mencionadas vendas, tendo em vista, nomeadamente, ilidir a presunção que entende estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, juntou, nomeadamente, quer, cópias dos mencionados contratos, quer das facturas referentes às correspondentes e alegadas vendas dos veículos;

55 - Nos contratos celebrados pela Requerente, sejam os de locação financeira, sejam os de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, estão identificados os utilizadores dos correspondentes veículos;

56 - As vendas dos veículos identificados no processo, ocorridas após o terminus dos contratos referenciados, estão documentadas e suportadas, designadamente, nas correspondentes facturas juntas aos autos;

57 - Nas datas da exigibilidade do IUC, referentes aos veículos identificadas nos autos, a Requerente, nuns casos, era locadora financeira ou locadora em contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, e, noutros casos, já não era, a sua proprietária;

58 - A AT não encetou, designadamente em obediência ao princípio do inquisitório, qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa nos autos.

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

59 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos juntos ao processo pela Requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela Requerida, não tendo a sua adesão à realidade sido questionada

FACTOS NÃO PROVADOS

60 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

61 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 43.

62 - A questão decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

63 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, entendendo que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;

64 - A Requerida, por seu lado, considera que o legislador tributário, ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC, determinou, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se, como tais, as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 40.º da Resposta)

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

65 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T e do n.º 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.

Trata-se de um entendimento em que, de todo, nos louvamos e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão.

66 - Sendo este o entendimento que, no referente ao art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, é, de todo, perfilhado por este tribunal, importa, todavia, ainda assinalar a falta de razão que assiste à Requerida, quando, nos artigos 117.º e 119.º da sua resposta, alega que a interpretação que vai no sentido de entender estar consagrada uma presunção legal ilidível no n.º 1, do art.º 3.º do CIUC viola os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade.

Apreciemos, então, essa questão.

Vejamos,

- Sobre o princípio da proporcionalidade cabe, antes de mais, salientar que o mesmo, na medida em que é materialmente inerente ao regime dos direitos liberdades e garantias, inscrevendo-se na sua defesa, visa, no essencial, disciplinar a actuação da Administração Pública em ordem a que a sua actividade, no relacionamento com os particulares, seja pautada pela escolha das medidas mais equilibradamente adequadas à prossecução do interesse público.

Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol II, Almedina, 2002, pp. 127/128 e segs, o “princípio da proporcionalidade constitui uma manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito”, estando “[…] fortemente ancorada a ideia de que, num Estado de Direito democrático, as medidas dos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público”.

O princípio da proporcionalidade, acrescenta o referido Professor, ibidem, p.129, significa que “[…] a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.

A propósito do princípio da proporcionalidade cabe, também, notar, o que nos dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA, VOLUME I, 4.ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pp. 392/393, quando consideram que o referido princípio é desdobrável em três subprincípios, quais sejam: “[…] a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade); c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos […]”.

Os referidos subprincípios têm, todos eles, um denominador comum, qual seja o do justo equilíbrio e permanente coerência entre as finalidades da lei e os meios adoptados para atingir tais finalidades, o que, na circunstância e tentando a transposição do dito princípio para o caso dos autos, implicará responder à questão de saber qual a interpretação adequada do n.º 1 do art.º 3.º, tendo em vista a prossecução dos fins legais previstos no art.º 1.º do CIUC, que se traduzem na oneração fiscal dos efectivos proprietários dos veículos automóveis (e não, necessariamente, dos constantes do registo) na medida do custo ambiental e viário que provoquem.

Como refere o Prof. J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina - Coimbra, 1998, pp. 264 e segs, o campo de aplicação mais importante do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que tem assento constitucional nos art.ºs 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, “[…] é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio da proporcionalidade, estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie.” A administração, acrescenta o referido autor, idem, “[…] deve observar sempre, em cada caso concreto, as exigências da proibição do excesso […]”.

Neste mesmo sentido aponta a jurisprudência, designadamente o acórdão do STA de 01-07-1997, Processo n.º 041177, disponível em: www.dgsi.pt, quando considera que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, compreende a congruência, a adequação ou a idoneidade do meio ou da medida para lograr o fim legalmente proposto e, em sentido estrito, engloba a proibição do excesso.

O princípio da proporcionalidade é um corolário do princípio da justiça, o qual significa e implica que na sua actuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados pelos seus actos, interesses e direitos estes que, no caso em apreço, se reconduzem à não tributação em IUC das pessoas que já não são proprietários dos veículos e que, consequentemente, em nada contribuem para a efectivação de qualquer custo viário e ambiental.

O que importa é balancear as finalidades legais e os meios para as prosseguir, e, no quadro de um juízo de ponderação, identificar os meios mais adequados para esse efeito, que, no caso, se traduzem na interpretação perfilhada pelo tribunal arbitral.

Dir-se-á, aliás, que o entendimento de que o referido n.º 1 do at.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível corresponde à única interpretação que coerentemente se compagina com o dito princípio da equivalência, e que se mostra em linha com os princípios da justiça e da proporcionalidade.

A interpretação que entende estar consagrada uma presunção legal ilidível no n.º 1, do art.º 3.º do CIUC é, pois, a única que permite assegurar a prossecução dos fins visados pela lei - onerar os proprietários dos veículos automóveis na medida do custo ambiental e viário que provocam, - tal como estatuído no art.º 1.º do CIUC, o que significa que os sujeitos passivos do IUC são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, e apenas em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados, não havendo, pois, outra interpretação capaz de alcançar as referidas finalidades legais, só assim, reafirma-se, se mostram cumpridos os referidos princípios da proporcionalidade e da justiça.

O entendimento contrário, ou seja, o considerado pela AT, que interpreta o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC como não consagrando uma presunção legal ilidível, entendendo que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, na justa medida em que conduz à imposição de um encargo fiscal a quem poderá já não ser o proprietário do veículo em causa e que, deste modo, não polui, afastando da sujeição fiscal quem, na realidade, é o efectivo causador dos danos ambientais e viários decorrentes da utilização dos veículos de que são os reais proprietários, evidencia que as finalidades legalmente prescritas não seriam, de todo, alcançadas, não se respeitando, assim, o princípio da equivalência que, no quadro do CIUC, tem uma função absolutamente estruturante. Tal entendimento, esse sim, não se mostra, nestas circunstâncias, em sintonia com o princípio da proporcionalidade.

A interpretação que aqui se perfilha tem, absolutamente, em conta o princípio da proporcionalidade, quando, ao arrepio do entendido pela Requerida, considera que o registo definitivo não surte eficácia constitutiva por se destinar a dar publicidade ao acto registado, funcionando apenas como mera presunção ilidível da existência do direito e quando, em homenagem àquele princípio, atende ao princípio da equivalência, enquanto elemento fundamental do CIUC.

- Quanto à eficiência do sistema tributário, dir-se-á que a eficiência da Administração em geral, ou da AT em particular, em sentido corrente, corresponderá à capacidade/metodologia de trabalho orientada para a optimização do trabalho executado ou dos serviços prestados, o que significa produzir o máximo, em quantidade e qualidade, com o mínimo de custos e meios, nada tendo a ver com a observância de princípios legalmente consagrados e com o respeito pelos direitos dos cidadãos, seja na qualidade de contribuintes ou não.

Em sentido técnico, dir-se-á que o princípio da eficiência do sistema tributário, é, comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual como é sabido, impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488, nas anotações ao artigo 55.º da LGT, trata-se de um princípio que obriga “[…] a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.

Neste quadro, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância de outros princípios a que a administração tributária deve subordinar a sua actividade, designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material, não podendo, obviamente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita, quer com prejuízo dos direitos dos cidadãos, quer pela ausência de observação das finalidades legais. [1]

- Quanto ao princípio da segurança jurídica e da confiança deve notar-se, antes de mais, que este último princípio, o da confiança, é uma concretização do princípio da boa-fé, o qual, tendo consagração no nosso ordenamento jurídico, desde 1996, veio a ter expressa inscrição constitucional, como consta do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, onde se estabelece que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. (sublinhado nosso)

A propósito da boa-fé cabe notar o que refere o Prof. Freitas do Amaral, quando, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2002, pp. 135/136, citando o Prof. V. Fausto de Quadros, nos diz que “[…] a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fide nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa fé, em todas as suas manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso, nunca de poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem”.

Por outro lado, o princípio da confiança é também tido como uma decorrência do princípio da segurança jurídica, indissociável do Estado de Direito, que tendo de garantir um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhes forem criadas, é geradora de confiança dos cidadãos na tutela jurídica da Administração Pública.

Relativamente aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, diz-nos o Prof. J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina - Coimbra, 1998, p. 250 e segs, que os referidos princípios andam estreitamente associados, considerando-se que “[…] a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. Em qualquer caso, acrescenta o referido Professor, idem, que o “[…]  princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas”.

Decorre desta doutrina, que as pessoas ao alienarem os seus veículos hão-de estar seguras de que, caso procedam à venda dos veículos de que são proprietários, e não sendo os mesmos registados em nome dos adquirentes, os efeitos jurídicos daí resultantes serão os previstos e decorrentes das normas legais em vigor e da sua adequada interpretação face às finalidades legais dessas mesmas normas, o que, in casu, leva a que o tribunal arbitral considere a existência de uma presunção ilidível consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e que só as pessoas que provocam custos viários e ambientais devam ser tributadas.

A melhor forma de, no caso dos autos, se garantir a segurança jurídica, em sentido amplo, é, assim, a concretizada por via da interpretação feita pelo tribunal arbitral, quando considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, uma presunção legal ilidível, permitindo a qualquer cidadão, que proceda à venda, a uma terceira pessoa, de um veículo automóvel, a possibilidade de demonstrar que, aquando da exigibilidade do IUC, já não era seu proprietário nem responsável pelo pagamento desse imposto.

- Para além do que atrás fica referido, importará ainda saber se a interpretação perfilhada pelo tribunal arbitral, para além de não conflituar com qualquer dos referenciados princípios, se inscreve directa e substantivamente no contexto da ordem constitucional.

A propósito da interpretação da lei em face da Constituição, ou da interpretação conforme à Constituição, diz-nos o Prof. Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, TOMO II, Introdução À Teoria da Constituição, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 232 e segs, que do que se trata, antes de mais, é de “[…] levar em conta, dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição. Com efeito, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional [..]”. (sublinhado nosso)

O entendimento que considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC uma presunção legal ilidível suporta-se em diversos elementos de interpretação, entre os quais cabe referir o elemento sistemático, na medida em que a interpretação conforme à Constituição implica que dentro do elemento sistemático da interpretação, se leve em conta aquilo que se reporta à Constituição.

Sobre o mencionado elemento sistemático cabe referir o seguinte:

a) No entendimento de BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, o elemento sistemático […] compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.

b) É sabido que um princípio jurídico, no caso o princípio da equivalência, não existe isoladamente, antes está ligado por um nexo íntimo com outros princípios que integram, ao nível mais global, o respectivo ordenamento jurídico, no caso, com os demais princípios corporizados no sistema inscrito no CIUC, e com outros princípios constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, cada artigo de um dado diploma legal, no caso o CIUC, só será compreensível se o situarmos, quer perante os demais artigos que o seguem ou antecedem, quer perante a ordem constitucional.

c) No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do referido Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em que têm assentamento em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida.

d) O referido princípio da equivalência, como assinala Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, p. 122 e segs, implica que “[…] o imposto deve corresponder ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública; ou ao custo que o contribuinte imputa à colectividade pela sua própria actividade”. Acrescenta o referido autor, idem, que “Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.” Por isso, como também refere o citado autor, idem, a concretização do princípio da equivalência dita especiais exigências “[…] no tocante à incidência subjectiva do imposto [..].”

O mencionado princípio que informa o actual Imposto Único de Circulação, inscreve-se nas preocupações ambientais estatuídas no n.º 2, alínea a) do art.º 66.º da CRP e na necessidade de, - tendo em vista assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, - se “Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”, preocupações estas, que são, manifestamente, consideradas na interpretação acolhida por este tribunal arbitral.

Por outro lado, o disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 66.º da Constituição, quando estatuí que, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”, comporta, como corolário, o princípio do poluidor - pagador, que concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar, estando, assim, a interpretação que aqui se defende em perfeita concordância com a ordem constitucional.

e) Cabe ainda deixar uma breve nota, apenas para suscitar a questão de saber por que razão as regras constantes do art.º 9.º do Código Civil obrigam o intérprete da legislação ordinária, quando é certo que o dito Código não ocupa qualquer lugar proeminente no sistema jurídico.

A esta questão responde o Prof. Jorge Miranda, ibidem, p. 230, quando considera que a “[…] conclusão para a qual se propende é que regras como estas são válidas e eficazes, não por constarem do Código Civil - pois este não ocupa nenhum lugar proeminente no sistema jurídico - mas, directamente, enquanto tais, por traduzirem uma vontade legislativa, não contrariada por nenhumas outras disposições, a respeito do problema da interpretação (que não são apenas técnico-jurídicos) de que curam.”

Acrescenta o referido autor, idem, que “regras sobre estas matérias podem considerar-se substancialmente constitucionais e não repugnaria mesmo vê-las alçadas à Constituição em sentido formal.”

A propósito da problemática da interpretação e das suas regras, como se retira do Prof. José de Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, pp. 352/353, deve sublinhar-se o carácter imperativo dessas regras, e a sua natureza vinculativa para o intérprete.

A interpretação que este tribunal arbitral faz do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e os critérios que, para esse efeito, considerou, desde o elemento literal, até ao elemento sistemático, passando pelo elemento histórico e racional (ou teleológico), não colidem, assim, com quaisquer princípios constitucionais.

O n.º 1 do art.º 9.º do CC dispõe que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas, e que se mostram inscritas no ordenamento constitucional.

Assim, face ao que se deixa referido, não parece, salvo o devido respeito, assistir razão à AT, na medida em que a interpretação aqui considerada, como sendo a única capaz de respeitar as finalidades legais, não viola qualquer dos princípios em questão, ou seja, os princípios da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade, sendo que, por outro lado, tal interpretação está expressa e substantivamente conforme aos princípios inscritos na Constituição.

Nestas circunstâncias, não se vislumbra que a interpretação feita por este tribunal arbitral, sobre o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, contenda com quaisquer normas ou princípios constitucionais em vigor.

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

67 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da transmissão da respectiva propriedade, com registo ou sem ele.

68 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

69 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

70 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

71 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

72 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

73 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

74 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

75 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

76 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

77 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro lado, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

78 - Assim, se os adquirentes dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova da respectiva transmissão, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o transmitente do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário, mas sim os ex - locatários, enquanto adquirentes dos veículos.

L - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC NA VIGÊNCIA DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA OU DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA

79 - Importa, antes de mais, notar que o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, com a última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Janeiro, dispõe no seu art.º 9.º que são obrigações do locador, nomeadamente, as de conceder o gozo do bem para os fins a que se destina e o de vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato, conforme, respectivamente, estabelecido nas alíneas b) e c) do n.º 1 do referido artigo.

80 - Por outro lado, face ao estabelecido no art.º 10.º do referido diploma legal, nomeadamente nas alíneas a) dos seus n.ºs 1 e 2, ficamos a saber que são obrigações do locatário pagar as rendas e usar e fruir o bem locado, o que significa que, na vigência de um contrato de locação financeira que tenha por objecto um veículo, só o locatário tem o seu gozo exclusivo.

81 - As obrigações do locatário, à luz das referidas normas, apontam, claramente, no sentido de que é esse sujeito contratual que tem o exclusivo gozo do veículo objecto do contrato de locação financeira, sendo ele que o usa como se fora o verdadeiro proprietário desse bem.

82 - O locador é o proprietário formal do veículo, não tendo, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. O locatário financeiro, sendo equiparado a proprietário no sentido de ser sujeito passivo do imposto (art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC), tem o pleno uso e fruição do veículo, conforme legalmente estabelecido, pelo que é o seu verdadeiro utilizador e efectivo gerador dos danos ambientais, devendo, assim, responder pelo correspondente imposto, sendo este o entendimento que se deve colher do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, o que, a nosso ver, faz todo o sentido. Trata-se de concretizar e dar sentido útil ao princípio da equivalência, que informa e enforma o actual CIUC, princípio que concretiza a ideia, subjacente ao princípio do poluidor - pagador, de que quem polui deve, por isso, pagar.

83 - Por outro lado, deve sublinhar-se a similitude e as afinidades reconhecidas do contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, com o contrato de locação financeira, sobretudo quando, como ocorre in casu, o referido contrato de aluguer é integrado também por um contrato de promessa de compra e venda do veículo, prevendo-se a transferência, a final, da propriedade do citado bem para o locatário, ou seja, aquando do correspondente terminus contratual.

84 - Em qualquer dos referidos casos, são os locatários considerados como sujeitos passivos do imposto. Com efeito, o locatário financeiro está expressamente previsto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, como sendo o sujeito passivo do IUC, sendo que o locatário, no quadro de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, está igualmente previsto como sujeito passivo do referido imposto, na medida em que tal contrato é subsumível à terceira hipótese da norma citada, quando na mesma se referem “[…] outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

85 - Face ao que vem de referir-se, é nosso entendimento que, se vigorar um contrato de locação financeira, ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, na data da exigibilidade do imposto, que tenha como objecto um veículo automóvel, os sujeitos passivos desse imposto são, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 3º do CIUC, os locatários, e não o locador, importando, a este propósito, notar o disposto no art.º 19.º do CIUC, quando, justamente, para efeitos do art.º 3.º do referido Código, ou seja, para efeitos da incidência subjectiva, vem impor às entidades que procedem à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, o que, designadamente, revela que, para efeitos da referida incidência, se pretendeu conhecer quem são, afinal, os reais utilizadores dos veículos locados, para que sejam eles, e não outros, a suportar o imposto único de circulação, o que, aliás, se mostra em total sintonia com o princípio da equivalência, enquanto princípio estruturante do CIUC.

86 - Aqui chegados, importa referir que, relativamente aos veículos com as matrículas …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…, …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -… e …-… -…, objecto de contratos de locação financeira, o momento da exigibilidade do correspondente IUC ocorreu durante a vigência desses contratos, não sendo o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, mas sim dos respectivos locatários, enquanto, como já atrás se referiu, sujeitos passivos do imposto.

87 - Quanto aos veículos com as matrículas …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… -…; …-… …; …-… -…; …-… -…; …-… -… e …-… -…, objecto de contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda verifica-se, também, que a data exigibilidade do IUC ocorreu durante a vigência desses mesmos contratos, não sendo, igualmente, o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, mas sim dos respectivos locatários, enquanto sujeitos passivos do imposto.

88 - Os contratos (cópias) a que se alude nos dois artigos anteriores, e que estão juntos aos autos, afiguram-se meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade dos locatários, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, ou seja, para efeitos da sua vinculação ao pagamento do imposto em causa. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.

89 - A AT, quando entende que, no caso, a Requerente é o sujeito passivo do IUC, sem considerar devidamente o disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, nem ter em conta a vigência dos contratos de locação financeira e de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, à data da exigibilidade do IUC, está a proceder à liquidação ilegal desse imposto, assente na errada interpretação e aplicação da referida norma de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que conduz à anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

M - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC AQUANDO DA ALIENAÇÃO DO VEÍCULO OBJECTO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA OU DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA

90 - As transmissões dos veículos em causa nos autos, tiveram como adquirentes as pessoas que, nos correspondentes contratos de locação financeira, ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, figuravam como locatários ou como promitentes-compradores, sendo que as referidas vendas ocorreram antes das datas referentes às da exigibilidade do IUC.

91 - A alienação dos veículos referenciados nos autos ocorreu, nuns casos, durante a vigência dos aludidos contratos e, noutros, após o termo desses contratos, sendo que, em qualquer das situações, as datas das mencionadas vendas reportam-se a momentos anteriores às da exigibilidade do imposto único de circulação, não sendo, pois, o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, dado que, face ao que já atrás se referiu, a mesma não era, então, nestas circunstâncias, sujeito passivo do imposto.

N - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA E DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA

92 - Relativamente aos contratos de locação financeira e aos contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, que estavam vigentes à data da exigibilidade do imposto, em número de catorze e doze, respectivamente, deve entender-se que tais contratos são meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade dos locatários, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, ou seja, para efeitos da sua vinculação ao pagamento do imposto em causa. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.

SOBRE AS FACTURAS

93 - Não sendo legalmente exigível a forma escrita para a transmissão da propriedade de veículos automóveis, a prova dessa transmissão poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via testemunhal ou documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas relativas às vendas dos veículos.

94 - A propósito das facturas, enquanto documentos probatórios da venda de veículos automóveis, não se pode deixar de notar o estatuído no n.º 2, artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, quando considera as facturas como documentos que indiciam a efectiva compra e venda dos veículos.

95 - Por outro lado, importa também lembrar o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 29.º; no n.º 5 do art.º 36.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, todos do CIVA, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, donde se retira que apenas a factura, a factura-recibo e a factura simplificada corporizam documentos reconhecidos para efeitos da transmissão de bens ou da prestação de serviços.

96 - A Requerente, como meio de prova de que procedeu à venda dos veículos, tal como identificados no presente processo, em data anterior à da exigibilidade do imposto, juntou, para além dos já mencionados contratos (cópias), quer facturas e documentos referentes ao seu pagamento, quer facturas-recibo referentes às alegadas vendas que, nuns casos, exibem a referencia ao seu processamento por computador e, noutros casos, a indicação de que foram processadas por Programa Certificado, identificado pelo n.º 436/AT.

97 - Deve, aliás, salientar-se que nada permite considerar que quaisquer desses documentos, nomeadamente as facturas apresentadas, como suporte das vendas dos veículos em causa nos autos, não tenham correspondência com as vendas que, alegadamente, foram concretizadas.

98 - Dir-se-á, mesmo, que, no caso dos autos, face à actividade económica da Requerente, tal como já foi referenciada, não será de estranhar, bem pelo contrário, que na sequência dos contratos mencionados se concretize a transferência da propriedade dos veículos identificados nos autos, mostrando-se as ditas facturas totalmente ajustadas à mencionada realidade empresarial, sendo absolutamente verosímil a venda dos veículos que as facturas apresentadas visam provar, não se identificando, de todo, elementos que corporizem qualquer contrato simulado, antes permitem concluir estarmos perante facturas que reproduzem a real e verdadeira venda dos veículos às pessoas nelas indicadas.

99 - A conjugação dos diversos documentos apresentados permite ao tribunal o entendimento, com um elevado grau de probabilidade e de verosimilhança, de que a alienação dos veículos em causa aos correspondentes locatários se concretizou. A este propósito cabe notar o que escreve Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 256, em anotações ao art.º 115.º do referido Código, quando citando ALBERTO DOS REIS, refere que a prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social.

100 - Em síntese, a prova da venda dos veículos em questão, a partir da junção aos autos dos documentos que se deixam mencionados, afigura-se razoável e proporcional, sobretudo, tendo em conta o objecto social da Requerente, centrado na actividade de operações de financiamento para aquisição de viaturas automóveis, e na celebração dos correspondentes contratos de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, não sendo, consequentemente, de estranhar, bem pelo contrário, que, como já se assinalou, na sequência dos contratos mencionados, se concretize a transferência da propriedade dos veículos identificados nos autos para os correspondentes locatários.

101 - As facturas em questão (cópias), referentes às vendas dos veículos, na medida em que gozam da presunção de veracidade que no n.º 1 do art.º 75.º da LGT lhes é conferida, cabendo à AT, atento o disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar que as informações nelas inscritas não correspondem à realidade, permitem concluir pela real transferência da titularidade dos veículos, constituindo meio de prova suficiente para ilidir as presunções em causa nos autos, ou seja, a presunção estabelecida no art.º 7.º do Código do Registo Predial e a consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o que significa que, à data em que o imposto era exigível, a Requerente não era proprietária dos veículos em questão, não sendo sujeito passivo do imposto em causa.

102 - Cabe, ainda e por fim, lembrar que, em situações idênticas à dos presentes autos, a jurisprudência do CAAD tem vindo a propender no sentido do Pedido de Pronúncia Arbitral subjacente ao presente Processo, identificando-se, com essa orientação, nomeadamente, a Decisão Arbitral proferida em 20.05.2015, no Processo n.º 688/2014-T; a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 374/2015-T; o Acórdão Arbitral proferido em 21.11.2014, no Processo n.º 250/2014-T; o Acórdão Arbitral proferido em 26.10.2015, no processo n.º 7/2015-T e o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 49/2015-T.

103 - Nestas circunstâncias, os veículos referenciados nos autos como tendo sido alienados, no quadro dos respectivos contratos locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, consideram-se como vendidos, nos termos já referidos, em datas anteriores às datas das respectivas liquidações de IUC, devendo, assim, considerar-se que a Requerente, relativamente a tais veículos, não era, à data a que dizem respeito as liquidações em causa, sujeito passivo do imposto em questão, não se podendo, pois, deixar de considerar que a presunção legal consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC foi ilidida.

104 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção, nem tendo em conta os elementos probatórios que lhe foram apresentados, como resulta, designadamente, do processo administrativo tributário, está a proceder à liquidação ilegal do IUC, relativamente aos veículos atrás mencionados, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do referido art.º 3.º do CIUC, o que configura a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

O - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

105 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

106 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.(sublinhado nosso)

107 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, montantes esses que no caso dos autos totalizam € 8.580,10, correspondente às liquidações referentes aos veículos atrás referenciados.

108 - Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 8.580,10.

CONCLUSÃO

109 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, n.º.1, do CIUC não consagra uma presunção ilidível, e que a Requerente é, nos casos previstos no n.º 2 do referido artigo, sujeito passivo do imposto, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

110 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária dos veículos referenciados no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do imposto, quando tal propriedade, relativamente aos veículos em questão, já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.

III - DECISÃO

111 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Anular a decisão proferida no quadro da reclamação graciosa referenciada nos autos, com o n.º … - 2015/…;

- Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente, referentes aos anos de 2011 a 2015, que perfazem o montante de € 8.580,10, tal como identificados nos autos, respeitantes aos veículos identificados no processo;

- Anular, consequentemente, quer os actos de liquidação de IUC, quer os actos de liquidação dos juros compensatórios que lhe estão associados, referentes aos anos de 2011 a 2015, respeitantes aos veículos, tal como identificados nos autos;

- Condenar a AT ao reembolso da quantia de € 8.580,10, referente ao IUC e aos juros compensatórios que foram pagos, respeitantes aos anos de 2011 a 2015, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento da quantia referida, até ao integral reembolso da mesma;

- Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.580,10.

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 918,00.

Notifique-se.

Lisboa, 03 de Fevereiro de 2017

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 

 

 



[1] Veja-se o estudo sobre a matéria, elaborado pelo Prof. Carlos Pestana Barros, in Ciência e Técnica Fiscal, 2005, n.º 416, pp. 105-126