Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 501/2016-T
Data da decisão: 2017-02-28  IRS  
Valor do pedido: € 27.369,34
Tema: IRS - Exclusão de tributação de ganhos provenientes da alienação onerosa de imóvel, situado em Portugal, destinado a habitação própria e permanente. Reinvestimento em imóvel destinado a habitação própria e permanente situado no Reino dos Países Baixos. Artigo 10º nº 1 alínea a) e nº 5 do Código do IRS.
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Decisão Arbitral

 

Partes

 

Requerentes: A…, NF … e esposa B…, NF…, ambos com domicílio na Rua … …, … (Holanda)

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADANEIRA (AT)

 

 

I.         RELATÓRIO

 

a)      Em 12 de Agosto de 2016 os Requerentes entregaram no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      Os Requerentes, holandeses a residir actualmente na Holanda, pretendem ver anuladas as liquidações de IRS relativas ao ano de 2007 com os números 2016… e 2016… e de juros compensatórios com os números 2016… e 2016…, no montante global de 27 369,34 euros, uma vez que não lhes foi reconhecida a exclusão tributária do nº 5 do artigo 10º do CIRS quanto a ganhos obtidos com a venda de um bem imobiliário que tinham em Portugal.

c)      Em face da resposta da AT onde se deu nota da existência de uma nova liquidação em substituição da referida no ponto anterior, vieram os Requerentes juntar em 19.12.2006, através de articulado superveniente, novas liquidações de IRS n.ºs 2016 … e 2016 … e de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016…, no montante total de 23 964.95 euros.

d)      Liquidações que a AT levou a efeito uma vez que os Requerentes venderam um imóvel que detinham em Portugal na … como habitação própria e permanente, em 28.08.2007, que construíram de raiz, sem terem, por alegado desconhecimento, apresentado a declaração de modelo 3 do IRS – anexo G, no ano da realização, manifestando a intenção de reinvestir.

e)      No articulado referido em c) vieram os Requerentes peticionar ainda a condenação da Requerida como litigante de má-fé, alegando essencialmente que, tendo a AT notificado os Requerentes na Holanda através do mecanismo de cooperação administrativa entre autoridades fiscais dos estados membros da UE, não lhe seria lícito notificar as liquidações para a morada do representante fiscal em Portugal, cuja representação teria sido extinta.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

f)       Os Requerentes invocam a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados, assacando-lhe o vício de violação de lei por erro de direito da AT (desconformidade com a norma do artigo 10º nº 5 – alínea a) do Código do IRS, na redacção vigente à data dos factos).

g)      Uma vez que consideram que não eram residentes em Portugal na data da alienação do imóvel (em 28.08.2007), invocam, em primeiro lugar, que não tinham que apresentar a declaração de Modelo 3 – Anexo G dando conta da alienação do imóvel e das mais-valias e ainda da intenção em reinvestir; e em segundo lugar que a falta da sua apresentação não é impeditiva do aproveitamento do benefício de exclusão tributária estabelecido na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, uma vez que investiram o valor da realização, em 2008, na aquisição de outro bem imóvel destinado a habitação própria e permanente num Estado membro da UE.

h)      Fundamentam a sua pretensão no Acórdão do TJUE de 26.10.2006, Comissão Europeia versus Portugal, Processo C- 345/05 em que o Tribunal expressou: “Ao manter em vigor disposições fiscais como as do artigo 10.º, n.º 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que subordinam o benefício da exclusão da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou dos membros do seu agregado familiar à condição de que os ganhos obtidos sejam reinvestidos na aquisição de imóveis situados em território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.º CE, 39.º CE e 43.º CE e 28.º e 31.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992”, o qual motivou a alteração de redacção da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS pelo Decreto-Lei nº 361/2007, de 02.11.

i)       E que mesmo que assim não fosse sempre as liquidações seriam ilegais, porquanto não foram considerados – para dedução ao valor de realização de 252 500,00 euros – o valor do terreno, os custos de construção e o coeficiente de desvalorização da moeda (tudo no montante de 158 950,20 euros).

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

j)       O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 17-08-2016.

k)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 25-10-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

l)       O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 10-11-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

m)   Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 10-11-2016 que aqui se dá por reproduzida.

n)      Logo em 10-11-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 13.12.2016, juntando o PA constituído por 4 documentos. Em 12.01.2017 apresentou alguns documentos por lapso, os quais veio a substituir por 17 documentos juntos com o requerimento de 19.01.2017.

o)      De acordo com a posição concordante das partes não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT. Foi por despacho do TAS de 24.01.2017 fixado prazo para alegações escritas.

p)      Em 30.01.2017 os Requerentes apresentaram alegações escritas pugnando pela posição defendida em sede de pedido de pronúncia. Em 10.02.2017 a Requerida também apresentou alegações escritas pugnando pela improcedência dos pedidos com a sua absolvição.

 

 

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

q)        Legitimidade, capacidade e representação – As partes são partes legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

r)         Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso n) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Igualmente quanto à tramitação processual subsequente o TAS seguiu o que resulta da posição expressa ou tácita das partes como se escreve nas alíneas o) e p) supra.

s)        Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto dos Requerentes terem apresentado o pedido de pronúncia em 12.08.2016 e as liquidações impugnadas datarem de 04.05.2016 e terem sido notificadas em 16.05.2016, o que se tornou irrelevante uma vez que na pendência deste procedimento de pronúncia arbitral (em 19.12.2016) foram juntas novas liquidações que substituíram as anteriores (as da alínea b) deste Relatório), sendo estes actos que aqui estão em causa.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

t)       Os Requerentes, cidadãos holandeses, discordam da liquidação de IRS do ano de 2007 uma vez que tendo construído de raiz um prédio urbano em …– ..., aí fixaram residência, tendo obtido alvará de licença de utilização para habitação em 31.01.2001.

u)        E nesse prédio mantiveram a sua residência permanente em Portugal até 2007, altura em que o venderam pelo preço de 252 500,00 euros, alegando que a partir de 2004 já se tinham tornado também residentes fiscalmente na Holanda de acordo com o artigo 4º do ACT entre Portugal e o Reino dos Países Baixos e nomearam um representante fiscal em Portugal.

v)        E porque em Abril de 2008 os Requerentes reinvestiram o valor de realização do imóvel vendido em Portugal na compra de uma habitação permanente na Holanda pelo valor de 251 000,00 euros, onde mantêm a sua residência permanente, entendem que a liquidação de IRS, por não lhes ser reconhecida a exclusão tributária do nº 5 do artigo 10º do CIRS padece de ilegalidade.

w)    Entendem que, por alegadamente não serem residentes em Portugal, em 2007, data da venda da habitação, não tinham que cumprir, como não cumpriram, a obrigação declarativa do artigo 57º do CIRS, mormente a do seu nº 4, uma vez que o reinvestimento se deu numa data em que já não seriam residentes em Portugal.

x)      Propugnam no sentido de que só mais tarde se aperceberam que tinham que cumprir obrigações declarativas em Portugal e nessa conformidade suscitaram a um advogado holandês que contactasse a AT portuguesa, o que ocorreu através do Dr. C… por carta de 01.04.2009, na qual se defende a não tributação dos Requerentes uma vez que ocorreu reinvestimento do valor de realização na aquisição de uma residência permanente na Holanda, invocando ainda o acórdão do TJUE de 26.10.2006, Comissão Europeia versus Portugal, Processo C- 345/05.

y)        Aduzem os Requerentes que a AT teve conhecimento do reinvestimento através dessa carta, que nunca obteve resposta, devendo ter-se por válida em substituição da obrigação declarativa formal a que se alude no artigo 57º do Código do IRS.

z)      Invocam ainda que o representante fiscal nomeado renunciou à representação em Fevereiro de 2010, tendo comunicado a morada dos Requerentes na Holanda, por carta que a AT nega ter recebido, insurgindo-se contra o facto de continuarem a ser enviadas notificações para o representante fiscal.

aa)  Manifesta ainda o seu dissentimento quanto ao facto do Requerente marido ter estado no SF de … em 21.01.2010 e não lhe ter sido comunicado, nessa oportunidade, que tinha uma dívida de IRS quanto aos ganhos ora em causa, estranhando nunca terem sido notificados, na Holanda, o que só veio a ocorrer em 05.09.2014, através do mecanismo de cooperação administrativa entre autoridades fiscais dos estados membros da UE.

bb)  Desta liquidação no valor de 60 139,08 euros (mais-valias tributadas a 100%), deduziram reclamação graciosa tendo obtido provimento apenas quanto à tributação em 100%, o que originou as novas liquidações (as da alínea b) do Relatório).

cc)  Entendem que mesmo que assim não fosse “o quantum da mais valia está errado” uma vez que “o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos do artigo 10, nº1 alínea a) e nº 4 alínea a), do CIRS, após os ajustamentos constantes do CIRS” e que na liquidação não se teve em conta o valor do terreno (24 939,89 euros), o custo da construção (106 243,95 euros) e outros custos com materiais de construção e serviços no montante de 33 186,05 euros.

dd)    Concluindo que a mais-valia seria de 62 374,94 euros e não de 172 077,12 euros, considerando os custos de construção o coeficiente de desvalorização da moeda, num montante global de 158 950,20 euros.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

ee)  A Requerida pugna por outra leitura dos factos e da lei. Em primeiro lugar refere que “… ao contrário do pretendido pelos requerentes, o documento nº. 13 junto aos autos - comunicação dactilografada e não assinada de 08.02.2010 de renúncia à obrigação de representação fiscal - não prova que o mesmo haja sido recepcionado na administração fiscal, porquanto não se mostra acompanhado da prova de envio (sequer é junto um registo), nem do mesmo resulta ter sido recebido, por via de aposição de carimbo de recepção da AT”.

ff)    Quanto à não apresentação pelos Requerentes do Anexo G do Modelo 3 do IRS, refere que: “… violaram as obrigações declarativas a que se encontravam adstritos no ano de 2007, porquanto aqui, em Portugal, auferiram rendimentos da categoria G”, “ O artigo 57º do CIRS é aplicável aos requerentes, e é-o precisamente porque os requerentes dele não estão dispensados nos termos do artigo 58º e porque se encontram abrangidos pela norma de incidência pessoal do artigo 13º, nº 1, todos do mesmo código” e conclui: “Os requerentes estavam obrigados ao cumprimento do artigo 57º, designadamente e por referência aos rendimentos em causa, ao nº 3 do mesmo artigo (na redacção em vigor à data dos factos)”.

gg)    E porque os Requerentes em 14.10.2008 “procederam à alteração das suas moradas para a Holanda - …– Holanda”, tendo procedido em 14.10.2008 não só a alteração da morada como também “… à nomeação da sociedade D…, SA, NIPC…, com sede na…, n.º…– …. – Albufeira - …-… …, para sua representante”, “…determinou que, de forma automática, as notificações das liquidações vigentes tenham sido remetidas pelos competentes Serviços Centrais, no caso presente a Direcção de Serviços de Cobrança, para a morada do representante dos contribuintes, a Rua…, n.º … –…– Albufeira - …-… …”.

hh)  E mesmo quanto às liquidações referidas em b) e c) deste Relatório refere “Por consulta à informação constante na Aplicação “SECIN”, bem como no site dos CTT constata-se que as notificações foram recebidas na morada para onde foram enviadas, a do representante, em 11-05-2016 as primeiras, e em 07-06-2016 as segundas”.

ii)   Relativamente ao documento referido em ee) deste Relatório acrescenta o seguinte: “Os requerentes deduziram, em 04-11-2014, oposições às execuções fiscais (nº .../15.7BELLE e nº .../15.9BELLE), sendo que em ambos os processos é junto um documento, numerado com o n.º 13, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé …, datado de 08-02-2010, supostamente emitido pela sociedade D… e através do qual esta vem declarar que a partir da referida data, 08-02-2010, renuncia à representação dos impugnantes”; “Porém, do documento não consta qualquer assinatura, sendo apenas indicado no final do mesmo o nome de “E…”, nem a aposição de qualquer carimbo a acusar a sua recepção, pelo serviço de Finanças a quem é dirigido, ou por qualquer outro, bem como qualquer rúbrica de funcionário a acusar a sua recepção”; “Tal escrito não deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé”; “Consultada a listagem de todos documentos constantes no SGRC, inscrição e alteração de ambos os impugnantes, constata-se que não existe no mesmo qualquer referência ao tratamento de tal documento, sendo que a última alteração é a de 14-10-2008”.

jj)     E conclui: “Pelo que, as liquidações com os nºs 2016 … e 2016 …7, a que se encontram associadas as liquidações de juros compensatórios nºs 2016 … e 2016…, com data de 01/06/2016, que substituíram as liquidações sindicadas nos autos, só poderiam ter sido, como foram, remetidas para a morada dos representantes fiscais dos RR., por si nomeados”; “Sendo que, persistem os RR em não revogar tal nomeação, o que sempre poderiam e deveriam fazer”.

kk)  E relativamente à não consideração, nas liquidações, dos valores referidos em cc) e dd) deste Relatório refere: “sem conceder … só por via de uma declaração do sujeito passivo é que pode a AT atender aos custos alegados pelos contribuintes”.

ll)       Por último termina a AT referindo: “Acresce que, estão por verificar os pressupostos materiais de que depende a exclusão da tributação”, uma vez que como confessam os Requerentes “… tornaram-se residentes na Holanda em 2004”, concluindo que “se só residiram em Portugal de 1999 a 2003, no ano de alienação do imóvel, em 2007, este imóvel já não era destinado a habitação própria e permanente, donde é manifesto que não se mostra preenchido o requisito do nº 5 do artigo 10º do CIRS “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar…”

mm)         Termina pugnando pela improcedência dos pedidos com absolvição da AT.

           

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Haverá que apurar, no caso concreto, quais as consequências que resultam do facto dos Requerentes não terem cumprido o que se encontra prescrito na alínea c) do nº 5 do artigo 10º do CIRS e no nº 1 e 4 do artigo 57º do CIRS. Ou seja, se este incumprimento de obrigações declarativas obsta à aplicação do benefício de exclusão tributária em causa, ou se, apenas daí resulta o ónus de impugnar e provar, no caso, em sede jurisdicional, o que conseguiria provar –se com mais facilidade, com a simples apresentação da declaração de rendimentos, dada a presunção de verdade dos seus elementos.

 

A questão de fundo que se coloca neste litígio tem a ver com a apreciação, face à prova produzida, sobre se estão preenchidos os requisitos legais para que os Requerentes possam beneficiar da exclusão tributária da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS.

 

Por último, caso se conclua que neste caso não se encontram verificados os requisitos para que os Requerentes possam beneficiar da exclusão tributária da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, haverá que apreciar, se face à prova produzida, as liquidações sempre deveriam ter em conta o valor do terreno, o custo da construção e outros custos com materiais de construção e serviços, concluindo-se que estes valores deveriam ser considerados para baixar o valor do ganho tributável (artigos 43º-1 e 46º-4, ambos do Código do IRS).

 

E deverá ainda apreciar-se o pedido deduzido pelos Requerentes de condenação da AT por litigância de má-fé.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Refira-se que nada impede que o TAS o conteúdo dos documentos nºs 7 e 18 juntos com o pedido de pronúncia, dada a sua força probatória, aliás não impugnados especificadamente (vidé ponto 43 das alegações da Requerida), o que não se impunha à AT e, mesmo que o fizesse, tal não afastaria a possibilidade do tribunal de os apreciar, numa avaliação, em termos globais, da prova produzida.

 

Pela dinâmica do procedimento gracioso (vidé artigos 52º a 54º do pedido de pronúncia e a própria fundamentação das liquidações referidas na alínea c) do Relatório desta decisão) desenvolvido antes desta fase contenciosa, os documentos nºs 7 e 18 juntos com o pedido de pronúncia, terão sido oferecidos à AT, percebendo-se, pelo teor da resposta trazida a este processo, que foram considerados desinteressantes na sua decisão de manter a liquidação de IRS, uma vez que a posição da Requerida é de que só teriam relevância os custos da construção do bem imóvel em Portugal destinado a habitação própria e permanente (para abater ao valor de realização), se os Requerentes tivessem apresentado a declaração Modelo 3 do IRS (vide ponto 43 das alegações da Requerida).

 

Não pode, pois, o TAS ignorar a força probatória dos documentos 7 e 18 juntos com o pedido de pronúncia, como resulta do artigo 376º do Código Civil.

 

 

Factos provados

 

  1. Os Requerentes adquiriram, em 12 de Agosto de 1999, o prédio rústico denominado “…”, sito na Freguesia de…, Concelho de ..., correspondente ao artigo… … da aludida freguesia com o valor patrimonial de PTE 56 148,00, pelo valor de PTE 5 000 000,00 a que correspondem 24,939.89 euros – artigo 6º do pedido de pronúncia e conforme documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia.
  2. No prédio rústico referido e 1. os Requerentes construíram uma habitação cujo alvará de utilização para esse fim foi emitido em 31.01.2001 pela Câmara Municipal de ... com o número …/01, cuja parte urbana – a habitação - passou a constar como artigo … - freguesia de … – artigo 7º do pedido de pronúncia e conforme documentos nºs 6, 7 e 9 juntos com o pedido de pronúncia.
  3. Em data não concretamente apurada, do ano de 2007, os Requerentes na sequência da celebração de um contrato de promessa celebrado em 28.08.2007 venderam a habitação referida em 2., pelo preço de 252 500,00 euros - artigo 13º do pedido de pronúncia e conforme documento nº 9 junto com o pedido de pronúncia.
  4. Em 18 de Abril de 2008 os Requerentes adquiriram na Holanda, pelo preço de 251 000,00 euros uma “casa, incluindo a parcela de terreno onde foi erigida, jardim e dependências, situada em …,  … … registada no Município de …, Secção…  nº … com 00,1500 hectares de área” e a “parcela de prado atrás da propriedade … registada no Município de …, Secção … nº…, com 00,3800 hectares de área” - artigo 14º do pedido de pronúncia e conforme documento nº 10 junto com o pedido de pronúncia.
  5. Em 14.10.2008 os Requerentes, indicando a morada em … …– Holanda, actualizaram o seu registo fiscal em Portugal, comunicando a sua residência na Holanda e indicando como representante fiscal a D… SA, NIPC…, com sede na Rua … nº …  … –…-… … Albufeira, entidade esta que desde 22.04.2006 já representava o Requerente marido com morada em Oslo – Documentos nºs 1, 2, 16 e 17 juntos com o requerimento da Requerida em 19.01.2017 e pontos 11 e 13 das alegações da Requerida.

6.      Com data de 01 de Abril de 2009, C…, advogado holandês, dirigiu uma carta para o endereço do Serviços de Finanças de … invocando a disciplina do Acórdão do TJUE de 26.10.2006, Comissão Europeia versus Portugal, Processo C- 345/05 e referindo que os seus representados tinham reinvestido os ganhos de capital realizados em Portugal na Holanda, carta à qual não foi dada qualquer resposta pela Requerida – artigos 20º a 23º do pedido de pronúncia e conforme documento nº 12 junto com o pedido de pronúncia.

  1. Em 21 de Janeiro de 2010 o Requerente marido esteve presente no SF de… onde pagou dívida de IRS de 2003, não lhe tendo notificada qualquer liquidação pendente – artigos 39º, 40º e 44º do pedido de pronúncia e conforme documentos nº 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia.
  2. Em 05.09.2014 o SF de … endereçou ao Belastingdienst/Central Liaison Office, da Holanda, com base no artigo 5º da Directiva 2010/24/EU, um pedido automático de troca de informações sobre os Requerentes, solicitando a informação sobre o endereço e sobre o rendimento e o património para efeitos de cobrança, tendo a entidade oficial da Holanda indicado o endereço conhecido como sendo…–…– NL”, indicando o IBAN da conta bancária na Holanda e quanto ao património referindo: “tem propriedade imobiliária situada no endereço …–... Valor 250 000,00 euros. Hipoteca 73 922,00 euros” - Documentos nºs 11 e 14 juntos com o requerimento da Requerida em 19.01.2017.

9.      Com data de 05.09.2014 o Chefe do SF de … enviou às autoridades do Reino da Holanda duas citações, uma para cada Requerente, citando os Requerentes na Holanda, através do mecanismo de assistência mútua para a recuperação de créditos (Directiva 2010/24/EU – artigo 8º), para a execução coerciva das dívidas de IRS relativas aos ganhos aqui em causa e coimas pela não apresentação do Modelo 3 do IRS - artigo 48º do pedido de pronúncia e conforme 12 documentos que seguem ao documento nº 15, juntos com o pedido de pronúncia e que os Requerentes alegam ter o número 16 e 17, mas não estão numerados.

10.  Foram emitidos em 09.10.2014, pelo Município … - Holanda, dois documentos denominados “extracto de registo da população” com o endereço dos Requerentes em…, …– Holanda - artigo 15º do pedido de pronúncia e conforme documento nº 11 junto com o pedido de pronúncia.

  1. Em 16 de Maio de 2016, a Requerida notificou os Requerentes na pessoa da entidade referida em 5., das liquidações de IRS com os números 2016… e 2016… e juros compensatórios com os números 2016… e 2016… no montante global de 27 369,34 euros, a que se alude na alínea b) do Relatório desta decisão – exórdio do pedido de pronúncia, artigo 2º do pedido de pronúncia e documentos 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia.
  2. Em 06 de Junho de 2016 e em 07 de Junho de 2016 a Requerida notificou os Requerentes para a entidade e endereço da entidade referida em 5., das liquidações de IRS n.ºs 2016 … e 2016 … e de juros compensatórios n.ºs 2016… e 2016…, no montante total de 23 964.95 euros, a que se alude na alínea c) do Relatório desta decisão, em substituição das referidas no ponto anterior, com a seguinte fundamentação: “A liquidação efectuada corresponde à execução da decisão proferida no processo … de revisão oficiosa com o nº …2014…” – requerimento dos Requerentes de 19.12.2016 e conforme Documentos nºs 1 a 4 que o acompanharam.

13.              Em 12 de Agosto de 2016 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

  1. Os Requerentes suportaram além do preço do terreno referido em 1., os custos da construção do imóvel referido em 2. com o empreiteiro, no valor de 106 243,95 euros (PTE 21 300 000,00) e suportaram ainda o preço de diversos materiais de construção no valor de 33 186,05 euros (PTE 6 653 205,92) – artigos 87º e 88º do pedido de pronúncia e conforme documentos nº 7 e 18 juntos com o pedido de pronúncia.

15.              Contra a liquidação de IRS e contra a execução coerciva de anterior liquidação foi deduzida uma revisão oficiosa (nº …2014…) e duas oposições à execução (processos .../15.7BELLE e .../15.9BELLE) cujos teores e demais elementos não foram juntos a este processo – artigos 34º e 52º do pedido de pronúncia, ponto 18 das alegações da Requerida e conforme documentos 1 e 2 juntos pelos Requerentes com o requerimento de 19.12.2016.

  1. No pedido de revisão oficiosa os Requerentes invocaram: “1) o facto de a AT ignorar que ocorreu o reinvestimento; 2) o cálculo errado da mais-valia; 3) a tributação da mais-valia em 100% em vez de 50%”, tendo o pedido sido “parcialmente deferido apenas quanto à ilegalidade da tributação da mais-valia em 100%” – artigos 52º a 54º do pedido de pronúncia, posição global da AT e teor da notificação que consta dos documentos 1 e 2 juntos pelos Requerentes com o requerimento de 19.12.2016.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

A obrigação declarativa do artigo 57º do Código do IRS – Modelo 3 do IRS

 

Refira-se, em primeiro lugar, que no caso dos autos, não vislumbramos suporte legal que sustente a afirmação dos Requerentes de que não estavam obrigados à apresentação da declaração Modelo 3, em 2008, quanto aos ganhos obtidos em Portugal com a venda da sua habitação em 2007. Fossem residentes ou não residentes no território luso.

 

Até porque, verdadeiramente, só em 14.10.2008 (vidé ponto 5 da matéria provada), a Requerente esposa alterou o seu registo fiscal em Portugal, indicando nova residência na Holanda e nomeando um representante fiscal residente em Portugal. Antes a requerente esposa era residente em Portugal e o prazo para o cumprimento desta obrigação declarativa decorreu antes de ter procedido a essa alteração.

 

O simples facto de se nomear um representante fiscal num país, neste caso em Portugal, indicia que os Requerentes tinham assuntos pendentes que deveriam ser confiados a uma representação local dos seus interesses.

 

Afigura-se-nos até irrelevante, no caso, a discussão travada no processo, sobre se os Requerentes eram ou não fiscalmente residentes em território português (com relevância para a determinação do local das notificações), porque, pelo menos até à data em que venderam a sua habitação em Portugal nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 16º do Código do IRS e porque tinham essa habitação, sempre seriam, em princípio, considerados fiscalmente residentes em Portugal, através da aplicação deste normativo.

 

O que não quer significar que a liquidação de IRS que foi feita aos Requerentes por falta de apresentação da declaração respectiva (nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 76º do Código do IRS, pela AT) não possa ser depois corrigida, determinando-se o valor de aquisição do bem alienado, no caso, nos termos do nº 3 do artigo 46º do Código do IRS, em sede de procedimento gracioso ou depois em sede de impugnação judicial, obrigando desta feita, o contribuinte faltoso a um regime de prova mais difícil, correndo o risco de ter custos que não teria se cumprisse as obrigações declarativas atempadamente e sujeitando-se a um regime probatório mais exigente e de maior risco.

 

Uma vez que se discute a relevância da obrigação declarativa a que se alude no artigo 57º do CIRS (a AT refere inclusive que só poderia aceitar os custos de construção da habitação em Portugal – para abater ao valor da realização e diminuir o cômputo do ganho tributável - se a mesma tivesse sido apresentada), verifica-se que as partes, mormente a AT, não trouxeram para este processo informação sobre o cumprimento do que encontra vertido no nº 3 do artigo 76º do Código do IRS, redacção em vigor desde Janeiro de 2007:

 

“1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:

a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objecto o rendimento colectável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º;

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha;

c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respectiva cessação de actividade

2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º

3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97

4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”

 

Ora, não tendo os Requerentes apresentado a declaração de IRS, em 2008, como assumidamente referem (invocando que não o tinham que fazer porque supostamente já não eram residentes em Portugal), quanto aos ganhos obtidos com a venda da casa em Portugal e invocando a AT que só aceitaria os custos para determinar o valor de aquisição nos termos do nº 3 do artigo 46º do Código do IRS, se a mesma tivesse sido apresentada (naturalmente com esses elementos) era mister que, pelo menos a Requerida, demonstrasse, neste processo que deu cumprimento ao nº 3 do artigo 76º do Código do IRS, o que não ocorreu.

 

No caso das mais-valias imobiliárias esta obrigação declarativa assume importância pela simplificação procedimental que pode acarretar nas relações entre a AT e os contribuintes., com vista a fixar a tributação exigível ou não, sobre os ganhos obtidos.

 

Desde logo a alínea c) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS refere que: “Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir”,

 

ou seja, no caso do contribuinte pretender beneficiar do regime de exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, deverá, desde logo, na declaração do ano da realização, manifestar essa vontade.

 

E na mesma linha desta norma expressa o nº 4 do artigo 57º do Código do IRS: “4 - Para efeitos do disposto nos números 5 a 7 do artigo 10.º, devem os sujeitos passivos:

a) Mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração do ano de realização, indicando na mesma e nas declarações dos dois anos seguintes, os investimentos efectuados;

b) Comprovar, quando solicitado, a afectação do imóvel à sua habitação permanente ou do seu agregado familiar, quando o reinvestimento seja efectuado em imóvel situado no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, através de declaração emitida por entidade oficial do outro Estado.”

 

No entanto, da leitura destas disposições legais não parece resultar que na falta de apresentação da declaração de rendimentos (e da falta de manifestação de vontade em reinvestir) resulte mais do que a aplicação das coimas respectivas pela falta cometida e que a liquidação seja feita com base nos elementos de que a AT disponha (nº 3 do artigo 76º do CIRS).

 

E não vemos na lei que a liquidação assim levada a efeito pela AT, não possa, depois, em sede de procedimento gracioso ou em sede de processo jurisdicional, face à prova apresentada pelo contribuinte incumpridor (quanto à obrigação declarativa) ser anulada ou corrigida, mormente quando o contribuinte invoque e prove.

  • Os elementos que permitam a aplicação do regime da exclusão tributária da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS;
  • E os elementos do nº 3 do artigo 46º do Código do IRS aplicáveis ao caso uma vez que se tratou de alienação de um imóvel construído pelos próprios sujeitos passivos.

 

Não é esta a leitura da lei defendida pela AT que vai no sentido de que só mediante a apresentação da declaração Modelo 3 poderia considerar os custos da construção. Mas questionar-se-á então para que serviriam as coimas fixadas na lei para o caso de incumprimento das obrigações fiscais declarativas.

 

No caso, liquidado o IRS pela AT, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 76º do Código do IRS e aplicada a consequente coima aos Requerentes (ou aos representantes fiscais) que a terão que pagar, pela falta cometida (não apresentação da declaração de rendimentos por si ou pelo representante fiscal, uma vez que, pelo menos a Requerente mulher foi residente em Portugal até 14.10.2008), já não fará sentido raciocinar-se, após a notificação das liquidações, que teriam, mesmo assim, que apresentar a declaração de Modelo 3 do IRS.

 

Concluímos, pois, que o facto dos Requerentes não terem cumprido, por si ou pela representante fiscal (o Requerente marido desde 2006 que tinha um representante fiscal), a obrigação declarativa do artigo 57º do Código do IRS (e consequentemente as indicações da alínea c) do nº 5 do artigo 10º e alínea a) do nº 4 do artigo 57º, ambos do CIRS) do ano de 2007, durante 2008, não invalidará que, posteriormente, em procedimento gracioso, como foi o caso da revisão oficiosa que deduziram, ou em processo judicial, possam os contribuintes conseguir um regime de tributação idêntico ao que teriam caso apresentassem a declaração no prazo legal, tudo dependendo da prova produzida, por forma a ser capaz de integrar a previsão da normas substantivas aqui em causa.

 

Apenas com uma diferença. Para além de haver lugar à aplicação das coimas pelo incumprimento da obrigação declarativa e, caso tenham sido pagas as quantias assim liquidadas e obtida a sua anulação, não terão direito a juros indemnizatórios em caso de procedência de meio gracioso ou contencioso utilizado para por em causa a liquidação, uma vez que faltará imputar aos serviços da AT a ocorrência de erro, salvo o caso da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT.

 

No caso, os próprios Requerentes não peticionam juros indemnizatórios, limitando-se a pedir a anulação das liquidações e dos juros compensatórios.

 

Colocar-se-ia aqui a situação de nestes autos os Requerentes discutirem matéria que não foi discutida no procedimento de revisão oficiosa das liquidações. Mas como se retira da alínea 16) da matéria assente “no pedido de revisão oficiosa, cujo teor não foi junto aos autos, os Requerentes invocaram: “1) o facto de a AT ignorar que ocorreu o reinvestimento; 2) o cálculo errado da mais-valia; 3) a tributação da mais-valia em 100% em vez de 50%”, tendo o pedido sido “parcialmente deferido apenas quanto à ilegalidade da tributação da mais-valia em 100%”, evidenciando que aqui se repetem os argumentos e se juntam os documentos que integraram o procedimento de revisão oficiosa.

 

Os requisitos do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS

 

  • Corpo do nº 5º do artigo 10º do Código do IRS

 

A AT propugna, como se referiu em ll) do Relatório desta decisão, no sentido de que estão por verificar os pressupostos materiais de que depende a exclusão da tributação”, uma vez que como confessam os Requerentes “… tornaram-se residentes na Holanda em 2004”, concluindo que “se só residiram em Portugal de 1999 a 2003, no ano de alienação do imóvel, em 2007, este imóvel já não era destinado a habitação própria e permanente, donde é manifesto que não se mostra preenchido o requisito do nº 5 do artigo 10º do CIRS “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar…””

 

O facto dos Requerentes referirem o que referem quanto à sua residência na Holanda não permite, por si só, inconsiderar a prova documental em contrário e as ilações que da prova documental aqui apresentada se devam retirar.

 

A norma do Código do IRS que consta da parte final da alínea b) do nº 1 do artigo 16º, seria aqui aplicável. Ou seja, pelo menos até à data da venda da casa em Portugal, o facto do Requerente marido ter um domicílio, uma residência em Oslo, desde 22.04.2006, ou afirmarem ambos que desde 2004 eram “residentes” na Holanda, não resolve, por si só, a questão de apurar se antes de 14.10.2008 (data em que alteraram no registo de contribuintes em Portugal o seu domicílio fiscal, já depois de venda da casa em Portugal) eram não residentes em território português.

 

Alega ainda a AT que se “no ano de alienação do imóvel, em 2007, este imóvel já não era destinado a habitação própria e permanente” não se encontra preenchido o requisito do corpo do artigo 5º do artigo 10º do Código do IRS. Não nos parece que assim seja.

 

Em primeiro lugar, nada nos autos se demonstrou sobre a existência de outras propriedades, outras casas destinadas a habitação mesmo arrendadas, que os Requerentes tivessem em Portugal e que pudessem usar como habitação. Depois, será por força da mera detenção da propriedade desse imóvel destinado a “habitação”, até à sua venda, que os proprietários seriam considerados residentes em Portugal (alínea b) do nº 1 do artigo 16º do Código do IRS).

 

Por outro lado, o que a lei exige é que o destino do imóvel elegível para este regime, seja atribuído segundo o alvará de licenciamento da edilidade local (e neste caso o requisito está preenchido segundo o nº 2 da matéria assente). Não existe em sede de IRS e para o funcionamento do regime do nº 5 do artigo 10º do CIRS uma norma idêntica à da parte final do nº 1 do artigo 46º do EBF quanto à isenção de IMI de habitações próprias e permanentes desde que sejam efectivamente afectas a esse fim.

 

A integração do conceito de “habitação própria e permanente” dos Requerentes quanto à habitação que venderam em 2007, resulta do facto de serem proprietários (habitação própria) e segundo a prova produzida nestes autos, apenas lhes ser conhecido em Portugal este imóvel onde pudessem ter o seu centro de vida em comum (habitação permanente), facto que nem a AT veio dirimir.

 

Não procede, pois, a alegada falta de preenchimento, no caso, dos requisitos do corpo do nº 5 do artigo 10º do CIRS quanto à classificação do imóvel referido em 2. da matéria de facto provada, como habitação própria e permanente dos Requerentes em Portugal, notando-se que a Requerente esposa só em 14.10.2008, depois da venda da casa em Portugal e depois da compra de outra casa na Holanda alterou o seu domicílio fiscal no registo de contribuintes.

 

  • Alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS

 

Está provado segundo os nºs 3 e 4 da matéria assente:

  1. Em data não concretamente apurada, do ano de 2007, os Requerentes, na sequência da celebração de um contrato de promessa celebrado em 28.09.2007 venderam a habitação referida em 2., pelo preço de 252 500,00 euros.
  2. Em 18 de Abril de 2008 os Requerentes adquiriram, pelo preço de 251 000,00 euros uma “casa, incluindo a parcela de terreno onde foi erigida, jardim e dependências, situada em…, … … registada no Município de…, … nº … com 00,1500 hectares de área” e a “parcela de prado atrás da propriedade … registada no Município de…, … nº…, com 00,3800 hectares de área”.

 

Mesmo que a venda da casa de Portugal tivesse ocorrido em 01.01.2007, entre a data da venda em Portugal e a da compra (reinvestimento) na Holanda mediaram menos do que 24 meses, pelo que se encontra preenchido o requisito previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS.

 

Coloca-se aqui uma outra questão: é que a casa (e suas áreas dependentes) que os Requerentes compraram, em 18.04.2008, na Holanda (nº 4 da matéria de facto assente) por 251 000,00 euros, surge, em 05.09.2014, com uma hipoteca registada, no valor de 73 922,00 euros (nº 8 da matéria assente) o que poderá ver-se como um indício do não reinvestimento do valor total da realização com a venda do imóvel em Portugal.

 

Há que dar credibilidade à escritura de aquisição do imóvel na Holanda, feita perante oficial do Reino dos Países Baixos, onde se refere o pagamento do preço de 251 000,00 euros não se aludindo a qualquer coetânea hipoteca que indiciaria financiamento bancário. Esta hipoteca terá sido constituída após a compra do imóvel e para outros efeitos que aqui não relevam.

 

Outra questão poderá colocar-se: o valor de realização em Portugal foi de 252 500,00 euros (preço bruto recebido) e o valor do reinvestimento na Holanda foi de 251 000,00 euros, ocorrendo uma diferença de 1 500,00 euros, que parece aceitável. O TAS não releva esta diferença uma vez que é de senso comum que uma aquisição de imóveis, em qualquer parte do mundo, traz sempre custos acrescidos em impostos, custos notariais e de registo.

 

Se a AT tivesse dúvidas sobre este desiderato (sobre se o reinvestimento do valor de realização foi levado a efeito de acordo com o referido no documento de aquisição e quais os custos concretos associados), no uso dos poderes-deveres que lhe são conferidos através da alínea b) do nº 4 do artigo 57º do CIRS, poderia através dos mecanismos de troca de informações da Directiva 2010/23/EU, esclarecer essa temática.

 

  • A alínea b) do nº 4 do artigo 57º do Código do IRS

 

Provou-se em 8, da matéria de facto assente que “em 05.09.2014 o SF de … endereçou ao Belastingdienst/Central Liaison Office, da Holanda, com base no artigo 5º da Directiva 2010/24/EU, um pedido automático de troca de informações sobre os Requerentes, solicitando a informação sobre o endereço e sobre o rendimento e o património para efeitos de cobrança, tendo a entidade oficial da Holanda indicado o endereço conhecido como sendo “…–…– NL”, indicando o IBAN da conta bancária na Holanda e quanto ao património referindo “tem propriedade imobiliária situada no endereço…–... Valor 250 000,00 euros. Hipoteca 73 922,00 euros”.

 

Ora, esta informação, obtida da entidade oficial da Holanda é susceptível se ser lida, face à resposta dada, como confirmativa de que os Requerentes afectaram, na Holanda, a habitação aí adquirida a habitação permanente (requisito da alínea b) do nº 4 do artigo 57º do Código do IRS), uma vez que:

  • Não é indicada outra habitação para além da adquirida;
  • Não é indicado outro domicílio ou residência que aí possuam, mesmo a título de locação.

 

Esta informação é relevante, porque, conforme se pode ver em 5. da matéria de facto provada: “em 14.10.2008 os Requerentes, indicando a morada em … …– Holanda, actualizaram o seu registo fiscal comunicando a sua residência na Holanda, indicando como representante fiscal a D… SA, NIPC …, com sede na Rua do … nº… –…-… … Albufeira, entidade esta que desde 22.04.2006 já representava o Requerente marido com morada em Oslo”.

 

Ficaram assim dissipadas as dúvidas sobre a existência na Holanda (ou em Oslo quanto ao Requerente marido) de mais que um domicílio fiscal dos Requerentes, pelo menos ao nível dos registos da autoridade fiscal holandesa.

 

Esta informação comprova de forma suficiente que os Requerentes, na Holanda, afectaram a habitação que aí compraram, de forma permanente, à sua habitação, uma vez que o único domicílio que aí têm corresponde à designação toponímica do imóvel que adquiriram.

 

Nesta conformidade haverá que concluir que se verificam, relativamente aos Requerentes, os pressupostos para poderem beneficiar do regime fiscal de exclusão tributária estabelecido no nº 5 – alínea a) do artigo 10º do Código do IRS.

 

Pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral com fundamento na desconformidade das liquidações, por estarem em desacordo com a norma legal acima referida.

 

Mesmo que assim não fosse, face à prova aqui produzida (vide nº 14 dos factos assentes) sempre a liquidação estaria em desconformidade com a lei, mormente com os artigos 43º-1 e 46º-3, ambos do Código do IRS, porquanto não se levou em linha de conta os custos suportados pelos Requerentes com a construção do imóvel alienado.

 

No entanto, procedendo o pedido de pronúncia com base na primeira das desconformidades legais apontadas pelos Requerentes, seria inútil apreciar, em profundidade, os argumentos relativos à procedência do pedido com base na segunda das desconformidades aduzidas.

 

 

 

Litigância de má-fé

 

Os Requerentes peticionam a condenação da Requerida como litigante de má-fé, alegando essencialmente que, tendo a AT notificado os Requerentes na Holanda através do mecanismo de cooperação administrativa entre autoridades fiscais dos estados membros da UE, não lhe seria lícito notificar as liquidações referidas em c) do Relatório desta decisão para a morada do representante fiscal em Portugal, cuja representação teria sido extinta.

 

Em primeiro lugar cumpre referir que não se provou que a carta junta pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia como documento nº 13 tenha dado entrada nos serviços da AT. Nem a Requerida admite tê-lo recebido.

 

Convém citar o que refere o TCAS no processo 5203/11 CT – 2º Juízo, no acórdão de 19.02.2013, Relator Joaquim Condesso:

  • “Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé, devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária). Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº. 20º, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão. Em consonância com o disposto no artº.266-A, do actual C.P.Civil, o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
  • Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr. artº. 456º, nº.2, do C.P.Civil): a - Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial); b - Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial); c - Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
  • Especificamente quanto à possibilidade de condenação da A. Fiscal no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o artº.104, nº.1, da L.G.Tributária, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso (cfr. artº. 266, nº.2, da C.R.Protuguesa)”.

 

Ora, mesmo considerando os factos provados, mormente os do nº 8 da matéria assente (a AT sabia desde 05.09.2014 a residência dos Requerentes na Holandesa) o certo é que, neste processo, agiu sempre com pleno respeito pelos princípios enformadores das relações profissionais entre sujeitos processuais. Nem isso é aduzido, como fundamentação deste pedido, pelos Requerentes.

 

Até porque a AT trouxe ao processo toda a informação necessária, incluindo a que poderia ter uma leitura contrária ao ponto de vista propugnado face aos factos aqui em causa e face à lei aplicável.

 

Não vislumbramos qualquer actuação da AT, neste processo, que possa integrar a previsão das normas contidas nas diversas alíneas do artigo 456º do CPC.

 

O envio de documentos para o processo que depois se considera, espontaneamente, ser um lapso material e se corrige com a remessa dos documentos relevantes, é algo que ocorre com qualquer profissional que trabalha no foro e não pode ter qualquer tipo de valoração que não seja um mero lapso, muitas vezes resultante, em termos materiais, não de actuação ou omissão das partes ou dos profissionais do foro, mas dos apoios administrativos.

 

Pelo que, na leitura da lei e dos factos acima referidos, improcede o pedido de condenação da AT como litigante de má-fé, deduzido pelos Requerentes.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

·         Admite-se definitivamente o articulado superveniente e os documentos anexos, formulado pelos Requerentes em 19.12.2016, uma vez que se verificam os requisitos do artigo 588º do CPC;

·         Julga-se improcedente o pedido de anulação das liquidações referidas em b) do relatório desta decisão, com absolvição da instância da AT, por inutilidade da lide, aplicando-se o regime de custas do nº 4 do artigo 536º do CPC, uma vez que a liquidação subsequente satisfez parcialmente a pretensão dos Requerentes;

·         Julga-se procedente o pedido de anulação das liquidações referidas em c) do relatório desta decisão e em 12. da matéria de facto provada (liquidações de IRS n.ºs 2016 … e 2016 … e de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016 …, no montante total de 23 964.95 euros), por estarem em desconformidade com as normas contidas no nº 5, alínea a) do artigo 10º do Código do IRS e artigos 43º-1 e 46º-3, ambos do Código do IRS, na leitura da lei acima propugnada.

·         Julga-se improcedente o pedido de condenação da Requerida por litigância de má-fé, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT) e tendo em conta o regime que resulta do artigo 299º do CPC, fixa-se ao processo o valor de 27 369,34 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 530,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 6/7 a cargo da Requerida (1 311.43 euros) e 1/7 a cargo dos Requerentes (218,57 euros), tendo em conta os respectivos decaimentos.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.